Depoimento de Marta

Minha experiência com a doença

Esta é a minha própria história de luta contra a síndrome do pânico. Resolvi escrevê-la por três razões, principalmente. A primeira é que, lendo minha experiência, talvez alguém que esteja enfrentando esse problema possa se sentir encorajado a continuar lutando. A segunda é que, relembrando tudo o que já passei e expressando minhas vivências, posso ver o quanto já progredi e isso me ajuda muito, sem sombra de dúvida. Por último, as pessoas que sofrem desse mal nem sempre são levadas a sério. Fica aqui meu alerta para as famílias de que isso é um problema muito sério e merece muita atenção.

Tenho apenas 21 anos e, apesar de mal ter começado a viver minha própria vida, já sei o significado da palavra "recomeçar". Mal comecei a caminhar com minhas próprias pernas e já estou tendo que reaprender a andar... mudei meus hábitos, meus relacionamentos... só gostaria de fazer um alerta antes que você leia este relato: caso você esteja sofrendo desse mal que é o transtorno do pânico, e esteja muito sensível, suscetível demais, evite ler a parte das crises, pois você pode ficar sugestionado a passar pelo mesmo tipo de mal estar. Mas lembre-se: essa doença é terrível, o tratamento em alguns casos é longo, mas você vai superar! Acredite: por mais difícil que possa parecer, isso passa...

  • Antes das crises

    Desde a infância tive fases de angústia. Era muito introvertida e não expressava meus medos. Talvez isso tenha sido um indício do que aconteceria no futuro. Na adolescência pratiquei artes marciais por quase 7 anos. Tinha inúmeros projetos de histórias e quadrinhos. Sonhava tocar piano. Tinha acabado de entrar na faculdade de Artes Plásticas, após um ano de muita disciplina e dedicação estudando por conta própria. Estava estudando bastante e com gosto...

  • O começo do pânico

    Eu tinha 18 anos quando tive a primeira crise típica de pânico. Eu estava no metrô, pois vivo em São Paulo. Naquela época, eu sempre saía para ver exposições ou shows sem problema algum. Não estava deprimida naquela época, mas estava muito preocupada com a saúde de uma tia muito próxima e querida. Naquele dia, saí de casa com a sensação de que não voltaria mais. Quando entrei no vagão e as portas se fecharam, eu entrei em parafusos... não sabia mais se aquilo era sonho ou realidade, parecia que eu ia morrer naquele instante. Senti meu corpo todo ficar gelado, como se todo meu sangue tivesse descido para as pernas... sentei-me e aos poucos aquela sensação passou. Durou apenas uns dois minutos. Com o passar dos meses, o estresse da faculdade aumentou, eu enfrentei conflitos pessoais... As crises foram se tornando mais longas e menos espaçadas, mais constantes. A primeira vez que me lembro de ter ficado com muito medo de sair foi quando ia participar de uma exposição. Tive que pedir pra que minha mãe me acompanhasse, pois temia entrar no metrô de novo. Eu estava de férias e, quando voltei às aulas, tudo começou a piorar. Comecei a ter medo de sair para as aulas quase todos os dias, mas eu enfrentava numa boa. Era só medo, não havia sintomas físicos. Nessa época eu já fazia terapia para cuidar dos medos. Foi quando minha tia faleceu, de infarto. Eu logo larguei a terapia. Desde a morte dela, os sintomas físicos apareceram: toda vez que eu esperava o ônibus ou entrava no metrô, eu tinha taquicardia, falta de ar e uma certa tontura. Até que um dia, depois de uma caminhada, comecei a sentir uma taquicardia forte e fiquei pelo caminho. Sentei-me na calçada, um casal me ofereceu ajuda e me levou até a faculdade. Estava tão desesperada que nem pensei duas vezes antes de aceitar carona de desconhecidos. Desde aquele dia, comecei a achar que tinha algum problema de saúde física e ficou mais difícil enfrentar as saídas de casa. Eu sempre tremia muito, sentia falta de ar o tempo todo em que estava na rua e a taquicardia aumentava toda vez que eu entrava no metrô.

  • Procurando ajuda

    Resolvi procurar um médico, que está me acompanhando até hoje. Ele é clínico e cardiologista, eu fiz inúmeros exames para garantir que eu não tinha problemas cardíacos. Tinha um pavor terrível de morrer do coração. O ano letivo estava acabando e eu me tornei incapaz de frequentar o curso. Eu tinha crises no meio das aulas, tinha que sair da sala e às vezes tudo demorava quase uma hora pra passar. Era sempre mais fácil voltar pra casa do que sair. Aos poucos fui me trancando em casa, pois sentia-me incapaz de caminhar. Eu, que já havia sido uma atleta dedicada, estava com medo de uma simples caminhada. Ir até a padaria era uma tarefa que me deixava tão ansiosa que eu tinha sempre que parar no meio do caminho, respirar, esperar... até conseguir continuar andando. Minhas crises foram se tornando mais longas, ao invés de minutos, duravam horas. Horas de taquicardia, tremores e falta de ar. Havia dias em que eu não conseguia andar até a sala, evitava até ir ao banheiro. Eu pensava que ia morrer 24 horas por dia. Até que comecei a fazer acompanhamento psiquiátrico. A primeira semana em que tomei o medicamento foi a pior de toda minha vida... as crises foram as mais violentas que já tive, mas meu psiquiatra havia me alertado. Eu, então, confiei que passaria e, surpreendentemente, duas semanas depois eu já estava colocando o pé na rua sozinha, andando de metrô sem pânico! Eu ficava ansiosa, media o pulso todo o tempo, mas sabia que estava tudo bem. Retomei meus estudos, elaborei novos projetos... mas não havia acabado. Eu estava bem, mas não havia eliminado da minha vida nem da minha cabeça os problemas e preocupações desnecessários que me causavam estresse e muita ansiedade.

  • A recaída

    Meu psiquiatra tentou tirar a medicação, pois estava bem com a dose reduzida... aí eu tive uma recaída brutal...
    Minhas crises já não eram violentas como no começo, mas eu me tornei incapaz de sair de casa novamente. Perdi meses de aula e fui obrigada a trancar a matrícula para não reprovar em todas as matérias. Meu estado psicológico estava péssimo, pois eu pensava já ter controlado o problema. Minha relação com a família tornou-se horrível, pois tudo o que me diziam parecia uma crítica, tentavam me empurrar para uma reação, mas eu me sentia pior, mais fraca... nada do que eu ouvia surtia efeito positivo. Eu chorava cada vez que alguém dizia que eu tinha que reagir. Pensei em desistir, esperar tudo acabar. Tive que mudar muita coisa na minha vida. Eu estava indo dormir às 6, 7, 10 h da manhã, não havia atividade que me servisse, pois eu só estava acordada enquanto todos em casa, na faculdade, estavam dormindo. Meu único consolo era a internet, pois eu podia conversar com pessoas de outros países pelo icq. Eu não conseguia caminhar, estava sempre pálida, com olheiras, aparência de medo e tristeza, e era realmente o que eu sentia. Quase não tinha esperança alguma de recuperação. Estava sem vida social nenhuma, sem contato com o que estava além dos portôes de minha casa. Praticamente não via a luz do dia.

  • O recomeço

    Logo tudo mudou. Organizei meu horário de sono. A primeira vez que fui dormir cedo e consegui pegar no sono, acordando bem cedo no dia seguinte, me senti perdida. Resolvi sair pra andar até a esquina. No dia seguinte me senti melhor, minha alimentação melhorou. Aos poucos fui melhorando minha auto-estima. Hoje recuperei o gosto de viver. Estou praticamente curada, só me falta parar de tomar remédio de uma vez por todas, e um dia isso será possível. Sou muito feliz por ter me recuperado, por ter saúde, e as coisas para mim passaram a ter um sabor diferente. Coisas que me aborreciam me deixam contente comigo mesma. Andar de metrõ lotado e não ter medo, tomar um Ônibus cheio e não passar mal dentro dele, por exemplo, são coisas que me trazem uma satisfação sem igual. Nunca mais reclamei de fazer isso, não porque eu goste, mas sim porque sou capaz de fazê-lo sem medo.