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Textos em geral
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TEXTOS DO ARAÚJO (LIVROS 1 -2- 3 4 5 )
UM PONTO FIXO NO INFINITO?
(“numa palavra, o homen sabe que é miserável. Ele é, pois, miserável, de vez que o é , mas é bem grande de vez que o sabe") Pascal
Nosso presente trabalho pretende visualizar de passagem, alguns dos aspectos teóricos que se seguiram à assim chamada “crise da consciência Européia”, séc. xvi-xvii , a que, ao nosso ver, encontrou de certo modo, ___‘direito de cidadania”___ resposta a boa altura num campo de batalha bastante surpreendente, a saber: PASCAL- DESCARTES.
Alexandre koyré(1), em seu trabalho sobre “Do mundo fechado ao universo infinito, destaca o momento da chamada “crise da consciência européia” como resultado imediato do surgimento de uma nova cosmologia que viria a reestruturar ou, por que não dizer, desestruturar toda a visão de mundo que se sustentava até ali. Observaremos que a busca filosófica, tanto quanto as atividades científicas, serão afetadas por esta crise e permitirão, no solo de muitas controvérsias, florir novos modelos com que se basear.
A variedade de frutos teóricos derivados ou sob a influência das revoluções cosmológicas do período, citando como exemplo a copernicana, motivou alguns intelectuais a identificar esse período ao da perda da “bela totalidade”. Antes de entrarmos mais detidamente nesse assunto, cumpre notar que, desde o mundo grego, as “revoluções” no campo “filosófico-científico implicaram em mudanças radicais no modo de pensar da sociedade culta. O mundo grego, armado da organicidade ___ em que se somavam num só tempo, o seu modo de ser, sua vida na polis (polis=cidade) e sua visão cosmológica ___ conduzia-se baseado em forças que para os gregos eram inquestionáveis: a “unidade da verdade”; a “circularidade dos eventos “ e , portanto, a “bela totalidade do cosmos”. O surgimento de uma nova cosmologia, substituta do geocentrismo grego, revolucionou sobremaneira a visão da época.
A permuta de concepção cosmológica, de um mundo geocêntrico, ou mesmo se quisermos, “antropocêntrico” do mundo clássico e passando ainda pelo heliocentrismo medievo, culminando posteriormente no universo acêntrico da astronomia moderna, implicou em mudanças radicais de todo tipo na mentalidade européia, e, conseqüentemente em toda cultura. As conseqüências mais significativas sintetizam em si o sentimento de insegurança e confusão advindas dessa ‘nova filosofia”. A perplexidade sobrevinda das novas descobertas no campo da astronomia, alterou o equilíbrio de um mundo que já não mais possuia, como se pensava, aquela coerência e ordenação (influência grega; cosmos (cosmos = ordem , beleza, circularidade) num universo em que já não mais se manifesta a glória de Deus.Há variadas descrições tomadas pelos historiadores a respeito deste momento revolucionário. Destaca-se, entretanto, o que para alguns pesquisadores foi se u aspecto mais significativo, que foi a „secularização da consciência „(despreocupação com a outra vida) ; a „substituição do objetivismo dos medievos e dos antigos, pelo subjetivismo dos modernos”; e por fim, a mudança de relação entre a teoria e a prática(2).
Muitas expressões do pensamento, desde o mundo grego , inclinaram-se pela infinitização do universo. A redescoberta dos atomistas gregos e outros fatores como a descoberta de Lucrécio ou Diógenes laercios, contribuiram em muito a favor dessa concepção. Atribui-se, entretanto, a Nicolau de cusa ( ‘De docta ignorantia”-1440) como sendo o primeiro pensador a rejeitar a concepção cosmológica medieval ( de forte influência aristotélica ) e que preconizava o heliocentrismo.Posteriormente, Nicolau será interpretado por Giordano bruno, Kepler e por fim Descartes.(Koyré, idem, pg.18). Talvez temos encontrado aqui o primeiro foco da controvérsia que vamos relatar mais a diante. Descartes.( 1596-1650), interpretando Nicolau de Cusa, evita atribuir o qualificativo de ‘infinito’ ao mundo. Por outro lado, como se verá daqui a pouco, Pascal(1623- ) reconhecerá naquela idéia de Nicolau de Cusa , sobre a „coincidência dos opostos no absolutos” paradigmas francamente válidos na infinitização de certas relações ‘apreendidas’ em objetos finitos.
‘Assim, por exemplo, não há nada mais oposto na geometria do que ‘reto’ e ‘curvo; no entanto, no círculo infinitamente grande, a circunferência coincide com a tangente, e no infinitamente pequeno, com o diâmetro. Em ambos os casos, ademais, o centro perde sua posição única, determinada; coincide com a circunferência; não está em parte alguma, está em toda parte(3){cf. Pensamento 72 § 01,”Pascal”).E o que diz, por exemplo, Nicolau de cusa: ‘(...) Se considerarmos os diversos movimentos das orbes [celestes],(constatamos que) é impossível para a máquina do mundo possuir qualquer centro fixo e imóvel, seja este centro a terra sensível, o ar, o fogo ou qualquer outra coisa. Pois, não pode existir nenhum mínimo absoluto em movimento, isto é , nenhum centro fixo, porque o mínimo deve necessariamente coincidir com o máximo”( 4).
Com a revolução na concepção de cultura da mentalidade européia nos séc. xvi-xvii, portanto ___ advinda das estrondosas descobertas no campo da cosmologia ___surgiu entre os intelectuais do período e os que se seguiram à esta revolução, a polêmica de se se poderia ou não haver um ponto fixo, ou seja, algo a que se ater ou que pudesse substituir os velhos padrões de fixidez desenvolvidos desde as civilizações clássicas, passando pela idade média até ali no prenúncio da modernidade.
Ora, já tendo sido derrubados no campo astrofísico esses modelos cuja concepção de universo fechado , ordenado, finito, contribuia para utilização desses mesmos ideais ___ manifestado no cosmo ___ de beleza, ordenação , circularidade, aplicados aos demais campos da vicissitude humana ___ especialmente na moral, que era ainda uma preocupação expressiva desde os “criadores”da modernidade até Kant. Numa Concepção em que o universo é infinito portanto, distancia-se mais uma vez essa idéia de um ponto que referencializasse o espaço. Por outro lado, quando se trata de moral, essa metáfora do espaço é uma metáfora particularmente importante para compreendermos uma específica visão da mentalidade moralista francesa sobre a seguinte questão : é possível ou não haver fixidez na moral?
A entender pois, que se se pudesse encontrar um ponto fixo pelo qual se basear, justificaria a aplicação de novos modelos que seriam eficazes para fundar o advento de uma nova coerência para a realidade do mundo em que se poderia confiar.
É importante notar que a idéia de “ponto fixo”pode ser concebida de maneira muito diversa.. Já Montaigne, em seu ensaio “Dos canibais”, chamava a atenção de como um valor aparentemente fixo pode ser objeto de questionamento e eventualmente sofrer uma inversão. Montaigne(1533-1592) relata o assombro do rei diante do exército romano com o qual ia defrontar –se; esse rei dizia: "Não sei que gênero de bárbaros são estes (pois assim chamavam os gregos a todas as nações estrangeiras) ma a disposição do exército que vejo não é de forma alguma bárbara. (5) .Mais adiante, Montaigne critica a posição dos Europeus diante dos povos do recém descoberto “novo mundo que eram vistos por estes como simples selvagens ou bárbaros . “creio, diz Montaigne, que não há nada de bárbaro ou selvagem nessa nação(...) sucede, porém, que classificamos de barbárie o que é alheio aos nossos costumes ( diante da nossa) traição, deslealdade, tirania e crueldade, que são os nossos pecados de todos os dias, podemos achá-los bárbaros em relação às regras da razão ( contra o canibalismo) mas não em relação à nós que os sobre passamos em toda espécie de barbárie.”(idem, pg.32)
Embora o problema do relatividade do ponto de vista já tenha sido analisado desde Aristóteles, podemos ver essa crítica de Montaigne, como uma formulação arcaica de que a fixidez dos valores inutiliza a compreensão da realidade e centraliza, pela inércia e conservadorismo, os meios de obtenção ou entendimento dos aspectos do diverso da realidade humana. O que se questionará, entretanto, no seio daqueles pensadores que, quer queiram quer não, influenciaram-se pelos desdobramentos da revolução cosmológica? (Não se trata ainda aqui da questão da fixidez na atribuição de valores exatamente, tal como Montaigne a criticou, conquanto elas se associem de alguma forma.; mas é por razão justamente delas se associarem é que decidimos expor aqui essa visão de Montaigne ___ e por fim, tentar aproximá-la da visão da qual falaremos a seguir.) Ora, esses pensadores são exatamente os moralistas franceses, herdeiros intelectuais de Montaigne, patriarca de uma linha característica da literatura-filosófica francesa que alcança a Rousseau. Linha esta que seguirá, a seu modo, a trilha deixada pelo velho Montaigne e que estabelecerá sobretudo o questionamento sobre as “certezas” sejam as da fixidez ou as da crença absoluta na razão. Questionamento esse que é perfeitamente adequado ao “patrono” Montaigne que um dia asseverou ser tudo vão, incerto, duvidoso, passivo de controvérsia até mesmo no domínio das ciências.
Pascal, com seus “ Penssée”(6) escrito no auge do racionalismo e da polêmica religiosa provocada pela reforma, o jansenismo e a contra-reforma, não rinha uma idéia unitária de seus “pensamentos”. Contudo, ainda assim, bastaria uma visão geral por sobre os “pensamentos”para reconhecer aí já uma franca apologia ao cristianismo, duras críticas ao pirronismo, estoicismo e ateísmo, e, talvez, um possível esboço para uma teoria anti-cartesiana( o menos provável, não pelo anti-cartesianismo de fato existente em Pascal, mas e sim, se pensarmos na teoria no sentido da sua sistematização).
Na realidade, nos seus “pensamentos”, Pascal ___ embora multiplica-se as referências indiretas ___ faz poucas referências nominais a Descartes (ver: “pensamentos” 76-79) o que nos parece suficiente todavia, para observar o profundo desgosto que o afeta ao mencionar a marca da filosofia de Descartes,; o fato deste considerar como sendo a natureza do mundo a figura e a extensão; montando uma “máquina” em cima disto: “Descartes inútil e incerto (pens. 78): e outro: “E ainda que fosse verdadeiro, não acreditamos que toda a filosofia valha uma hora de trabalho”(pens.77).
Assim, como a metafísica cartesiana, sua moral também baseia-se em princípios. No desenrolar dos “Pensamentos”, vemos que Pascal ataca frontalmente a filosofia cartesiana como acometida de excessos. (os que) “estão habituados a raciocinar por princípios, nada compreendem das coisas do sentimento, procurando nelas princípios e não podendo vê-las de um golpe”(pens.3): e num outro pensamento, diz porque exatamente ; lhe desagrada a filosofia de Descartes, “dois excessos: excluir a razão, só admitir a razão. Por fim sendo mais incisivo em caracterizar seu pensamento, diz (pens 196 ), “Essas pessoas carecem de coração; não faríamos delas nossos amigos.”
Referimo-nos portanto, à maneira de como os “pensée” de Pascal se adequaram ao entendimento das paixões como um aspecto importante e até mesmo necessário da obra humana. Evocando na entrelinha de seu ponto de vista a velha máxima agostiniana “a razão sem coração é manca, coração sem razão é cego”. Ora, como esse objetivo conflitua com o de Descartes, no qual se realiza o abrandamento da paixão, o amortizamento do lirismo e o afastamento dos transes sentimentais, capazes de abalar o encadeamento rigoroso que leva à verdade segura e imutável. “que exercício da virtude é um soberano remédio contra as paixões.”(7)[“paixões da alma” art.148).
O propósito de fundar uma moral baseada estritamente na suficiência da razão foi, para Descartes, seguido pela reflexão sobre o lugar em que ocupa a virtude, o soberano bem, a felicidade na moral e a beatitude como a finalidade última do homem. Contudo, devido ao limite de nosso estudo daremos menor ênfase ao conteúdo específico da moral cartesiana. No entanto, é preciso dizer e repetir, é certo que toda compreensão de moral em Descartes provém de sua metafísica e as aplicações práticas que delas se pode considerar são produtos diretos de sua física. Ambos demonstram o esforço do filósofo no sentido de retirar das noções gerais da moral as regras práticas da conduta(8).
A “sagesse” cartesiana não encontra parâmetros naquela de Montaigne, que acata e observa um processo mais ou menos contínuo de laicização da moral que se desenvolveria do renascimento. Descartes entende-a como uma união da ciência e da virtude. Essa será, tecendo-se relações entre o Entendimento e a Vontade , o instrumento por meio do qual haverá o construto do perfeito Conhecimento das coisas que poderá ser objeto do entendimento humano. A razão servirá-lhe portanto, como um Fundamento a partir do qual poderá se adquirir a primeira verdade(cogito) e conseqüentemente todas as outras.
Embora atribui-se normalmente o título de geômetra a Descartes, é preciso dizer, tanto Pascal quanto Descartes eram geômetras e matemáticos. Colocá-los frente a frente assim como é nossos intuito, pretende menos fazer eles se divergirem totalmente, que expor uma polêmica que a nosso ver é um perfeito retrato daquilo que diferencia respectivamente, Descartes e Pascal.
“num, diz Pascal, os princípios são de uso comum(...) mas, no espírito de finura, os princípios são de uso comum, aos olhos de todo mundo (pens.1). Esses espíritos, acrescenta o filósofo, aproximariam-se mais entre si se volvessem uma “vista boa”um ao outro. Ao espírito de finura cabe considerar que a omissão de um princípio sequer na geometria levaria ao erro, portanto, ele deve possuir a “vista bem clara ”para bem enxergar esses princípios e deve manter o espírito justo a fim de que não raciocine mal sobre princípios conhecidos. Já ao espírito de geometria cabe “virar a cabeça” sem nenhum esforço, mas que mantenha “boa vista”sob os princípios da finura pois, “são tão sutis e em tão grande número que é quase impossível não nos escaparem alguns “
Bem, como nos fala o filósofo parece simples. E é simples! Bastaria então, uma adequada incisão do olhar e cada espírito encontraria, por assim dizer, seu oposto? Bem, ocorre que, diz Pascal, certos espíritos sutis “não podem de todo voltar-se para os princípios da geometria, e o que é pior, alguns geômetras não são sutis porque” não vêem o que está na frente deles,” e que, estando “acostumados aos princípios nítidos e grosseiros da geometria”(raciocinando somente após bem verem e bem manejar seus princípios “perdem-se nas coisas da finura”. Justamente, por esta razão, é raro encontrar sutis que sejam geômetras, e geômetras que sejam sutis. O espírito de geometria força-nos ao método de resolução geométrica das coisas sutis. “isso é ridículo”. Os espíritos sutis que julgam simplismente “de um só golpe de vista, espantam-se diante de proposições, definições prévias e princípios estéreis; desgostando-se disso, terminam por afastarem-se. Mas os espíritos falsos ___ aqueles não explicam bem todas as coisas por definição e por seus princípios ___ conclui Pascal, não podem Ter a paciência de descer até os primeiros princípios das coisas especulativas da imaginação, que nunca viram no mundo e que estão completamente fora de uso”. Já os geômetras que não possuirem espírito reto não explicando bem as coisas de conformemente às suas definições e princípios estes serão espíritos falsos.
Assalta-nos aqui um desejo irresistível de aproximar o “espírito de finura” de Pascal com a “Docta ignorantia” de Nicolau de Cusa. E pensamos não estar absolutamente enganados se fizermos tal ordem de coisas. Principalmente porque, a considerar a função que ambos os conceitos tomam no interior do pensamento destes filósofos, sobressalta-nos este avizinhamento. Tanto Pascal quanto Nicolau de Cusa rejeitam , por assim dizer, a crença estrita e efetiva na razão no sentido de ser a razão contedora por si da verdade e na crença de que esta possa abranger a totalidade do real(9)
“( ... ) uma vez que é impossível encerrar o mundo entre um centro e uma circunferência corpóreas, é [impossível para] nossa razão Ter uma plena compreensão do mundo, posto que implica a compreensão de Deus, que é seu centro e sua circunferência”(Nicolau de Cusa, idem; pg. 100)e ainda;
“Quem quisesse seguir apenas a razão seria louco perante o juízo do homem comum. Ë preciso julgar de acordo com o julgamento da maior parte do mundo”( Pascal ,idem; pens. 82 § 10) v
Renato Araújo
26/11/99