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O Poder Legislativo em Itatiba
Nosso Jornal, abril de 2000

Em artigo anterior de mesmo título publicado neste jornal no dia 4 do mês passado escrevi sobre atuação do Prof. Ricardo Silva leite vereador eleito em 1988 pelo Partido dos Trabalhadores, bem corno sobre os percalços por ele vividos com alguns de seus pares, fruto de um trabalho parlamentar competente sério e corajoso no legislativo da cidade. Hoje, enfocarei um episódio que teve como protagonistas alguns vereadores eleitos também naquele ano, os quais procuraram, por meio de um ofício encaminhado ao então prefeito Roberto Arantes Lanhoso, atingir um de seus colegas de legislatura, o vereador e médico Ariovaldo Hauck da Silva, colega de partido do Prof. Ricardo.

Por intermédio do ofício Nº:260/89, de 23/06/89, subscrito pelos nove vereadores que compunham a bancada do então Partido Democrático Social - PDS, exigida ao prefeito de Itatiba a cabeça do Dr. Ariovaldo, médico sanitarista da Secretaria Estadual da Saúde que, na época,' ocupava o cargo de chefe do Posto de Saúde, do município. Diz o ofício que os vereadores Ariovaldo e Ricardo “tem (sic) por todos os meios descabíveis tentado e conseguido em grande parte tumultuar os trabalhos do Legislativo, como intuito de atravancar a máquina administrativa'', e que os vereadores das bancadas do PDS, PFL e PMDB “são alvos de chacotas, gozações e termos pejorativos pessoais pelo jornaleco do PT..."

O ofício, em seguida, após rotular o Dr. Ariovaldo de "inimigo radical, ferrenho e declarado" do prefeito e dos vereadores da bancada do PDS”, informa que ele “exerce os cargos de Médico-Sanitarista e chefe do Posto de Saúde, no município, tendo livre trânsito na Administração, questionando o prefeito para que ele "explicasse qual a necessidade de ter um elemento contrário exercendo cargo chave (setor de saúde) desta Administração". A conclusão do oficio constitui-se em ultimato ao prefeito, nos seguintes termos: "Pelo exposto, REQUEREMOS de Vossa Excelência como medida de URGÊNCIA, a demissão imediata deste elemento  (grifei) do quadro da Administração, com a finalidade de evitar o agrava­mento da situação que Inevitavelmente poderá ocorrer entre o Legislativo e o Executivo".

Cópias desse oficio, felizmente, acaba­ram por chegar às mãos de algumas pessoas e a imprensa local, que talvez tenha contribuído para abortar o seu intento persecutório.

Ainda na administração Lanhoso, ocorreu a municipalização da saúde, com a conseqüente extinção do cargo estadual de Diretor da Saúde em Itatiba. Aberto um concurso público para médico sanitarista da Prefeitura municipal, no final do governo Lanhoso, o Dr. Ariovaldo inscreveu-se, fez o concurso e foi classificado em primeiro lugar, não tendo sido, contudo, nomeado, nem pela administração que autorizou o concurso, nem pela posterior, o que implicou extinção do prazo de validade do referido evento.

Posteriormente, o Dr. Ariovaldo viria a aceitar convite para assumir o cargo de Diretor Planejamento na Secretaria Municipal de Saúde de Jundiaí, onde ainda se encontra prestando serviços como médico do Estado colocado à disposição do município além de continuar com seu consultório particular e residência em Itatiba.

A propósito dos fatos até aqui expostos, cabem algumas reflexões, e acredito que elas darão uma modesta contribuição para a percepção do contexto medíocre, obscurantista e provinciano em que se situa o legislativo itatibense, mercê da ação - ou omissão - de alguns de seus componentes que não reuniam as qualificações necessárias para o cargo.

Vale dizer, inicialmente, que o Dr. Ariovaldo ocupava um cargo público estadual, obtido por concurso, e que sua demissão extrapolava a esfera de competência do prefeito itatibense, o qual, na melhor das hipóteses, poderia tão somente pressionar politicamente a Secretaria Estadual da Saúde para que ela punisse seu servidor, o que só poderia ser feito, todavia, por meio de processo administrativo, em que fosse assegurado amplo direito de defesa ao funcionário.

Destaque-se também que, ao pedirem a cabeça do ilustre médico-vereador, os nove edis itatibenses não o fizeram em razão de incompetência profissional ou desídia funcional de seu colega do legislativo, mas, apenas, em decorrência de sua atuação política oposicionista na Câmara Municipal. Apesar de ser ,uma oposição numericamente inexpressiva, fadada por isso a sofrer constantes derrotas na maioria das votações ocorridas em plenário, a bancada petista, pela sua competência, seriedade e coerência, marcou presença muito forte no legislativo e incomodou os seus mandarins que, por muitos anos, ali reinaram - ou ainda reinam - incontestes, porém dóceis e subservientes aos mandatários do poder executivo, excluídas evidentemente - e até por uma questão de justiça - as honrosas exceções.

Há que se destacar ainda um outro lado lamentável nesse episódio do ofício: um dos seus signatários era um vereador-médico, co­lega portanto de profissão do vereador perseguido.

Pode dizer-se que o episódio aqui exposto significou também um duplo atropelamento da ética. O primeiro deles foi com respeito à indevida ingerência de um poder - o legislativo - sobre um outro poder o - executivo, independentemente de, suas relações, fossem elas meramente formais/legais ou promíscuas. O segundo atropelamento ético foi o ultimato, por escrito, que uma simples bancada partidá­ria do legislativo atreveu-se a lançar ao poder executivo, não importando se do mesmo par­tido.

Conchavos ou atitudes rasteiras dessa natureza costumava-se praticar ou barganhar somente nos bastidores - o que sempre aconteceu nas ante-salas dos poderes da nossa República. Mas colocar num papel oficial timbrado e assinar o pedido da cabeça de um de seus pares foi, uma atitude extrernamente vexaminosa, um grande fiasco, una enorme e infeliz "pisão-na-bola" praticado pelos incautos edis da bancada majoritária da Câmara Municipal de Itatiba daquela legislatura.

É Importante destacar que o aprendizado democrático é algo realmente muito difícil e demorado, mas um dia ele será possível, quando o eleitorado começar a exercitar – na plenitude - a cidadania, acompanhando e fiscalizando a classe política deste país, bem como denunciando a nefasta praga do fisiologismo e do clientelismo que viceja nos vários escalões da política tupiniquim.

Às atitudes daquela bancada pedessista só caberiam alguns qualificativos: indigência mental política, desconhecimento - ou falta de prática- da convivência democrática com os contrários, o que talvez seja fruto dos 21 anos de ditadura militar recentemente encerrada quando da ocorrência dos fatos sobre os quais traia o presente artigo. Não se deve ignorar, ainda, que o PDS era o sucessor da antiga ARENA, partido hegemônico que deu sustentação à ditadura e que, portanto, estava um tanto desacostumado da prática, democrática.

Cabe indagar, finalmente, como seria possível que dois vereadores, praticamente contra 15 pudessem "tumultuar os trabalhos do legislativo, com o intuito de atravancar a máquina administrativa", como consta do oficio?! Mesmo que eles fossem dois super-­heróis, seria um trabalho insano, dir-se-ia impossível. O que, com certeza, aconteceu é que, com argumentos fortes, lúcidos e irretorquíveis, os dois vereadores do PT acabaram, nos debates e discussões parlamentares, por desnudar alguns de seus pares e muitos dos projetos de lei do Executivo, enfiando o dedo bem fundo na sua ferida e causando-lhes mal-estar, constrangimento, quando não algumas votações envergonhadas, pusilânimes.

À eventual falta de decoro dos dois parlamentares do PT, se fosse o caso, haveria o instrumento da punição constante, quero crer, no regimento interno da Câmara, sem necessidade de adoção de expedientes praticados ao rés-do-chão, num verdadeiro escárnio aos dois vereadores e aos seus eleitores.

Em tempo: Três dos nove vereadores que subscreveram o ofício exigindo a degola do Dr. Ariovaldo foram reconduzidos ao legislativo itatibense nas últimas eleições.

 

Alcides Ferreira de Castilho foi Diretor das Escolas “Rosa Perrone Scavone e Anna Abreu”, em Itatiba, e é Supervisor de Ensino aposentado da Delegacia de Ensino de Jundiaí

 

Dr. Ary Hauck apóia a candidata a prefeita Marina Bredariol Almeida do PPS, número 23, e seu vice José Luis Bueno da Cunha do PSB.

 

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