Ataxia Autossômica Dominante: Atualização

Ewout Brunt, MD, Groningen
(publicado em Euro-Ataxia Newsletter Nº 21 - abril/2002)
Tradução de Danilo Vicente Define

À medida que aumenta nosso conhecimento sobre ataxias dominantes, cresce também o desafio para escrever sobre toda a atividade da pesquisa de SCA. Nesta atualização anual, vou procurar fazer um histórico baseado na atualização anual anterior (vide Euro-Ataxia Newsletter Nº 19 - dezembro/2000).
No ano passado, o interesse foi mais voltado para a desordenada transcrição de genes, causada por proteínas mutantes, como possível causa para a degeneração neuronal seletiva nas SCA. Tentarei resumir essa informação em algumas seções - primeiro, sobre a genética das SCAs recentemente identificadas, e, em seguida, sobre a epidemiologia, os aspectos clínicos, a terapia e finalmente, de maneira um pouco mais elaborada , sobre a pato-etiologia (a causa desses distúrbios).
Genética e novas SCAs
Em 2001 foram registradas quatro novas SCAs: SCA15, SCA16, SCA17 e - mais recentemente - SCA18. Como a SCA9 ainda não está determinada (pode ter sido reservada para um estudo ainda inacabado), o número total de SCAs é realmente menor do que o indicado pela identificação mais alta das SCAs. Incluindo a DRPLA [atrofia dentato-rubro-palido-luisiana], que não tem a designação de SCA, o número de ataxias progressivas é atualmente de 18, com mais dois tipos de ataxias esporádicas que completam a lista das ataxias autossômicas dominantes (vide quadro abaixo).
SCA15
Em novembro de 2001, um grupo de pesquisadores de Melbourne, Austrália, relatou uma única família com ataxia cerebelar hereditária autossômica dominante "pura", que não parecia ser nenhuma das SCAs conhecidas, tendo sido designada como SCA15 (1). Em um relato subseqüente, um lócus candidato a SCA15 foi mencionado no cromossomo 3pter-3p24.2. Dessa família, foram examinados oito membros afetados. Os primeiros sintomas clínicos surgiram entre 10 e 50 anos de idade, consistindo em dificuldade para escrever, disartria e marcha atáxica. A progressão em vários anos foi notavelmente lenta; todos os pacientes permanecem independentes para caminhar, sendo a maior duração da doença de 54 anos. Alguns dos pacientes afetados tinham sintomas adicionais incluindo hiper-reflexia, disfagia e movimentos oculares anormais. A sensibilidade e a cognição permaneceram inalteradas. O exame com MRI [ressonância magnética] mostrou atrofia na região mediana do cerebelo (vérmis) em todos os indivíduos afetados. Está em andamento pesquisa para identificar o gene.
SCA16
Em julho de 2001, pesquisadores de Fukuoka, Japão, relataram o lócus para a SCA16 no cromossomo 8q22.1-q24 em uma família japonesa com 9 membros afetados em quatro gerações (2). Os sintomas consistiam de ataxia cerebelar pura, com início entre 22 e 66 anos de idade. Três apresentaram também tremor da cabeça. A ressonância magnética do encéfalo mostrou atrofia cerebelar isolada em todas as pessoas afetadas.
SCA17
A descoberta da SCA17 tem uma história interessante. Durante muitos anos o anticorpo 1C2 foi usado para reconhecer o alongamento da poliglutamina expandida que ocorre na SCA. Esse anticorpo monoclonal 1C2 foi originalmente direcionado à proteína caixa fixa TATA (TBP), que também contém uma poliglutamina alongada. Pensando em uma possível expansão CAG no gene TBP nos pacientes com SCA, Koide e colaboradores do Japão encontraram em 1999 uma jovem japonesa com uma nova mutação de ataxia esporádica (não hereditária), consistindo de uma expansão CAG parcialmente duplicada de 63 (3). Essa paciente manifestou ataxia e deterioração intelectual desde os 6 anos de idade, tendo desenvolvido mais tarde espasticidade e fraqueza.
Em reação a esse relatório, outros grupos pesquisaram seus dados de famílias de SCA geneticamente indefinidas. Em março de 2001, o grupo de Christine Zuhlke, de Lübeck - Alemanha, foi o primeiro a anunciar a ataxia hereditária dominante causada por uma expansão CAG no gene TBP em duas famílias (4), seguindo-se imediatamente os relatórios sobre SCA17 do Japão e da França (5, 6). Aparentemente, a SCA17 é relativamente rara, respondendo por aproximadamente 1% das ADCA [ataxias cerebelares autossômicas dominantes] e de alguns casos esporádicos de ataxia com declínio mental.
Na SCA17, a repetição CAG no gene TBP, que normalmente tem de 29 a 45 cópias, é expandida entre 47 e 55, e parece ser relativamente estável, possivelmente devido ao fato de que a expansão não seja "pura", mas interrompida por vários trinucleotídeos CAA.
Os sintomas clínicos nas sete famílias com SCA17 combinam ataxia cerebelar com variados graus de declínio cognitivo, psicose e características extrapiramidais como bradicinesia ou distonia, e algumas vezes podem mascarar DRPLA ou doença de Huntington. O início dos sintomas foi entre vinte e sessenta anos de idade, algumas vezes com progressão relativamente rápida. Achados neuropatológicos incluem diminuição do tamanho do cerebelo, dos gânglios basais e do córtex, perda das células de Purkinje do cerebelo e presença de inclusões neuroniais intranucleares.
A importância da descoberta dessa SCA deve-se à função do TBP. Essa proteína é uma subunidade de uma proteína maior, chamado fator de transcrição D da RNA polimerase II (TF11D). Com essa subunidade o fator de transcrição fixa-se à molécula de DNA em um lugar chamado caixa TATA, a partir do qual a transcrição do DNA começa. Ao mesmo tempo, essa subunidade TBP interage com outras subunidades do fator de transcrição (FT11D), chamadas de TAFs, para Fatores Associados do TBP. O TBP é um importante fator geral de transcrição, que desempenha papel preponderante na expressão de muitos se não de todos os genes. Com a investigação de muitos genes de transcrição, está agora amplamente aberta a porta para encontrar possíveis causas das ataxias hereditárias.
SCA18
No último outono, por ocasião do encontro da American Society of Human Genetics, um grupo de Seatle e Columbus, EUA, relatou sobre a SCA18 como uma nova síndrome de ataxia hereditária sensorial e cerebelar com atrofia muscular. Foi apresentado um cômputo de quatro gerações de uma família americana com ancestrais irlandeses, na qual os membros afetados tinham ataxia com presença variável de perda sensorial, sinais do trato piramidal e fraqueza proximal. As primeiras manifestações geralmente apareceram na adolescência, com progressão lenta e expectativa de vida normal. As investigações neurofisiológicas mostraram neuropatia motora e sensorial e a ressonância magnética do encéfalo mostrou atrofia cerebelar branda. Com um valor máximo do índice LOD de 6,36 (o que significa que a chance de erro é de cerca de uma em um milhão), foi encontrada uma forte ligação com um lócus em uma região de 14-cm do cromossomo em 7q31-7q32 (LOD é um índice que quantifica a chance para que um achado seja verdadeiro).
"Canal" genético familiar
Em 2001, foram relatadas cinco famílias que não estavam incluídas nem entre SCA1-8 nem entre as SCA10-14, provavelmente apresentando futuras SCAs: uma família japonesa, descrita por Takashima e colaboradores (7), com um fenótipo ADCA tipo III, ligado ao cromossomo 16q, próximo ao lócus da SCA4; uma família francesa, descrita por Devos e outros (8), na qual os pacientes apresentavam marcha atáxica e acinesia com características variáveis de disartria, hipo-reflexia e prejuízo intelectual médio, e com evidente antecipação; uma família holandesa, descrita por Schelhasas e colaboradores (9), com prejuízo cognitivo médio, mioclonia e tremor postural lento, além da ataxia cerebelar; e, finalmente, durante o encontro de 2001, duas novas famílias foram apresentadas, uma de Minnesota, com ataxia progressiva, infertilidade feminina e neuropatia sensorial axonal, relatada por Frutiger e colaboradores, e uma família do Japão com ataxia cerebelar, variavelmente associada com tremor do pescoço e das mãos, conforme relatado por Hara e colaboradores.
Outras novidades genéticas
Da SCA2, dois relatórios mencionam um início tardio da doença, com expansão CAG relativamente curta de 33, sendo um dos casos uma nova mutação de uma expansão CAG, na amplitude mais alta de seu comprimento normal. Juntamente com a SCA7, a expansão da SCA2 é conhecida por sua relativa instabilidade. Um relatório da Índia menciona que as interrupções CAA em uma repetição CAG expandida parece ter um efeito estabilizador, semelhante ao sugerido na SCA17.
Procurando por modificadores genéticos, outros fatores além da mutação primária que expliquem a variação clínica, encontrou-se que o AO na SCA2 foi também influenciado pelo comprimento da repetição CAG (normal) no gene da SCA1, e pelo comprimento das expansões CAG em um canal de potássio chamado hSKCa3. Um relatório japonês descreve a estrutura completa do genoma da MJD/SCA3 (ao que parece, a Comissão de Nomenclatura Genética recomenda agora usar somente "MJD"). O gene tem 11 exons, expressando-se simultaneamente, com pelo menos quatro variantes combinadas (saltando um ou mais exons, originam-se proteínas de diferentes comprimentos).
Dois relatórios do Japão e da Itália sobre SCA6 descrevem que uma expansão relativamente curta, mas homozigota (em ambos os alelos do gene) de 19 repetições CAG causa ataxia clínica. Embora geralmente considerada como sendo estável, um estudo japonês relatou uma transmissão instável dentro de uma família com SCA6, mais evidente no lado paterno que no materno.
Um relatório de Taiwan descreveu uma família com SCA7 supostamente originada de pré-mutação, com forte antecipação, afetando inclusive uma criança com apenas um mês de idade.
Ainda não está encerrado o debate sobre a relação entre uma repetição expandida CTG (ininterrupta e intrônica) no gene da SCA8 e suas manifestações clínicas. Conforme mencionado no ano passado, em alguns países como Portugal, não existe sobreposição entre as expansões normais e patológicas, enquanto em outros como Canadá, França e Finlândia, foi encontrada uma expansão na amplitude "patológica" em mais de 3% da população normal. O grupo de Minneapolis relatou que o produto do gene da SCA8 é um RNA transcrito não traduzido que funciona como um gene regulador, com combinações alternativas (nem sempre usando todos os exons do gene) e expresso em várias regiões do cérebro.
O assunto colocado por mim na atualização do ano passado suspeitando da estreita proximidade genética entre SCA13 e SCA14, se de fato são diferentes, ainda não foi elucidado.
Na DRPLA, o mosaicismo somático -a ocorrência de repetições CAG de diferentes comprimentos em regiões diversas do cérebro de um indivíduo - foi estudado com análise de microdissecação, uma técnica que permite separar células do cérebro. Dois estudos japoneses confirmam a existência de mosaicismo somático em DRPLA, com repetições mais curtas no cerebelo e diferenças entre grupos de células cerebrais, as quais não estão relacionadas às diferenças na divisão celular.
Epidemiologia
Foram pesquisadas, em Cuba e no Japão, comunidades com prevalência de ataxias.
Em um estudo sobre SCA2 na província de Holguin, ao leste de Cuba, a prevalência geral foi de 43 e a mais alta prevalência regional foi maior do que 500 por 100.000, com a mais alta incidência regional (novos casos por ano) de 18 por 100.000. Essa prevalência mais alta significa um sério problema de saúde para a região.
Em um estudo na prefeitura de Trottori, Japão, foi encontrada uma prevalência de SCA de 17,8 por 100.000. A SCA6 foi a mais prevalente, correspondendo aproximadamente a um quarto das famílias identificadas, com 11% de casos esporádicos. O número relativamente alto de expressões esporádicas de SCA6 nesse estudo está de acordo com os resultados de um estudo anterior do grupo de Schöls, no qual a SCA6 foi apresentada como sendo a causa mais comum de ataxia esporádica na Alemanha.
Também foram relatados em vários países estudos sobre prevalência relativa.
Na Austrália, cerca da metade das famílias com ADCA puderam ser geneticamente identificadas, sendo SCA3 e SCA1 as mais prevalentes.
Em uma recente pesquisa no Brasil, aproximadamente 70% das famílias com ADCA foram geneticamente diagnosticadas, sendo 90% com MJD. Um caso esporádico de SCA17 foi encontrado.
Em um estudo chinês, a SCA1 representou 6% de todas as SCAs.
Um estudo holandês baseado em informações de três laboratórios de genética mostrou que a prevalência de SCA na Holanda foi estimada como sendo de pelo menos 2,8 por 100.000.
Na Coréia, a SCA2 e a SCA3 foram as mais prevalentes, correspondendo aproximadamente a um terço de todas as expressões de ACDA.
Em um estudo de Taiwan, a SCA3 foi registrada como o tipo mais prevalente, correspondendo a mais do que um terço de todas as expressões, com a SCA6 e a SCA2 representando cada uma cerca de 10%. A análise haplóide das famílias com SCA6 sugere um ancestral taiwanês. Também foi relatada a presença de SCA6 na Índia e no Azerbaijão.
Usando marcadores intragênicos no gene MJD/SCA3, em colaboração mundial, o grupo de Sequeiros, de Portugal, encontrou evidências de 3 tipos haplóides de diferentes origens, com duas origens açoreanas, das quais uma é a mais prevalente em todo o mundo.
A SCA7 foi relatada no Peru e na Escandinávia. Ela não existe na Noruega nem na Dinamarca, mas é a mais prevalente na Suécia e na Finlândia e foi encontrada em 15 famílias, originada de um ancestral comum com uma pré-mutação.
Expressões esporádicas de ADCA com uma repetição expandida no gene da SCA8 foram registradas na Itália, no Japão e nos EUA, e uma pequena família de SCA8 foi registrada na Espanha.
A DRPLA, que tem sido descrita principalmente no Japão, e em um grande famílianorte-americana "Haw-River", agora também foi registrada na França e na China.
Aspectos clínicos
Dois estudos da Alemanha e também de Taiwan e da Flórida atraíram a atenção sobre as ocorrências de movimentos extrapiramidais em SCA. Schöl e colaboradores de Bochum encontraram ocorrências de tremor postural relacionados à SCA2, distonia e parkinsonismo, conforme relatado anteriormente, relacionados à SCA3. Burk e colaboradores de Tübingen verificaram a ocorrência de cerca de três vezes mais espasticidade em membros inferiores em indivíduos com SCA do que em grupos de controle. Um documento de Taiwan relata como aparentemente hereditário o parkinsonismo responsivo a levodopa em uma família com SCA2; um documento da Flórida também menciona como hereditário o parkinsonismo responsivo à levodopa em uma família com MJD. Seguindo uma descrição prévia de movimentos coréicos em um paciente com SCA2 e na ataxia de Friedreich, a coréia agora também foi descrita em um paciente com SCA1.
Dois relatórios indicaram que a ocorrência de sinais oftalmológicos não está restrita à SCA7. Um relatório menciona atrofia do nervo óptico e atenuação dos potenciais eletroretinográficos (ERG) em SCA1, correlacionando com a duração da doença. O outro mencionou a ocorrência de retinopatia/maculopatia atrófica em SCA3.
Foram relatados aspectos neuropáticos da SCA2 em dois estudos de Holguin, Cuba. A combinação de neuropatia sensório-motora ocorreu freqüentemente e foi relacionada ao comprimento da expansão CAG; sintomas autonômicos ocorreram em quase todos os indivíduos severamente incapacitados.
As alterações funcionais e anatômicas em SCA foram consideradas em dois relatórios.
O grupo brasileiro descreveu diminuição do fluxo sanguíneo tanto no vérmis do cerebelo (porção média) como no córtex parietal do cérebro em MJD, concluindo que estudos de ressonância do cérebro podem visualizar atrofia olivar. Continuando seus estudos em ataxias hereditárias, o grupo tailandês relatou que pacientes com SCA6 mostraram significativo hipometabolismo, não somente nos hemisférios cerebelares e cerebrais, mas também nas regiões corticais e nos gânglios basais.
Em um artigo de pesquisa sobre manifestações clínicas de MJD do Brasil, a severidade da marcha e membros atáxicos, disartria, disfagia, fasciculações, fraqueza piramidal e oftalmoplegia foram diretamente relacionadas com a duração da doença, enquanto a gravidade da espasticidade e da distonia foi relacionada com o tamanho da expansão CAG. Nistagmo, retração de pálpebra, rigidez e/ou bradicinesia e atrofia óptica não puderam ser correlacionados. Em outro estudo sobre os aspectos clínicos da MJD no Brasil e em Portugal, foi notada a distinção entre o tipo 2 (ataxia cerebelar) e o tipo 3 (ataxia com neuropatia periférica), observada em famílias portuguesas e açorianas, mas menos evidente no Brasil.
Evidência de disfunção vestibular em MJD foi registrada em um estudo do Japão, mostrando que a capacidade vestibular miogênico evocada (VEMP) estava com atraso ou ausente. Essa capacidade reflete uma contração dos músculos do pescoço como reflexo ao som.
Manifestações atípicas de MJD, relacionadas com expansões relativamente curtas CAG, foram descritas em um estudo japonês sobre paraparesia espástica em um paciente com MJD e em um relatório holandês sobre três componentes de uma família com 53 e 54 repetições CAG, que se apresentaram com a síndrome de espasticidade dos membros inferiores com fasciculações e uma polineuropatia axonal sensório-motora. Em outro estudo japonês, foi relatado um paciente com MJD com expansões CAG homozigotas relativamente curtas, o qual apresentou distúrbio comportamental de sono REM, consistindo de movimentos involuntários e um ciclo do sono alterado.
Em um estudo holandês de 24 famílias com SCA6, as expansões CAG tinham amplitude entre 22 e 25 e transmissão estável. A ocorrência em alguns pacientes de episódios de cefaléia ou náusea sugeriu uma superposição com cefaléia hemiplégica familiar. Superposição entre distúrbios alélicos da SCA6 e EA2 foi também encontrada em um relatório coreano sobre uma família com SCA6 e expansão CAG de 26; manifestações tanto de ataxia progressiva como esporádica ocorreram nas famílias.
Manto relatou um aumento de dismetria durante hiperventilação em SCA6 na Bélgica; o grupo de Los Angeles relatou que além de nossos distúrbios dos reflexos vestibulares rotacionais, os reflexos vestibulares lineares que ocorrem durante movimentos acelerados, estão também diminuídos em SCA6.
A ocorrência de marcante antecipação na transmissão paterna em SCA7, assim como ocorre na SCA2, foi confirmada em um relatório australiano, com um exemplo de manifestação de ataxia de progressão rápida e retinopatia na infância. A lentidão para pular, uma das características marcantes da SCA2, também foi descrita como sinal antecipado nos indivíduos pré-sintomáticos de SCA7.
Em um relatório sobre o acompanhamento de famílias originais com SCA10, o grupo do México relatou que a expansão pentanucleotídea ATTCT variou entre 920 e 4140 repetições. O comprimento das repetições não estava correlacionado com a idade de início, variando entre 14 e 44 anos, e não havia nenhuma antecipação. Além da ataxia cerebelar e da epilepsia, os pacientes apresentaram muitas vezes sinais piramidais médios, discinesia ocular, enfraquecimento cognitivo, distúrbios comportamentais e polineuropatia.
Acompanhando a família original, O’Hearn e colaboradores do Reino Unido confirmaram que a SCA12 difere de outras SCAs em seu início típico com tremor de ação em pacientes com 30 anos de idade em média, seguido por hiperreflexia e sinais parkinsonianos sutis, por exemplo, diminuição de movimentos. A disfunção cerebelar, incluindo marcha atáxica e dismetria, é relativamente não incapacitante. No ano passado, um relatório apresentado por um grupo de Nova Delhi sobre cinco famílias indianas com SCA12 e 55 a 69 repetições CAG no gene PPP2R2B (normalmente de 7 a 31 repetições) sugeriu que a SCA12 pode não ser tão rara como supunha-se.
Foi registrado na Filadélfia um caso de DRPLA com início juvenil, apresentando mioclonia epiléptica progressiva, retardo mental e ataxia, com marcante antecipação via transmissão paterna.
Considerando os aspectos cognitivos de SCA foi apresentado um relatório de Tübingen, Alemanha. Esse relatório menciona que o perfil do enfraquecimento cognitivo na SCA1, com proeminente disfunção executiva, corresponde ao conceito da demência "frontal–sub-cortical".
Três estudo de Cuba, dos Açores e do Reino Unido se dedicaram ao importante assunto de aconselhamento pré-sintomático. Em geral, o teste pré-sintomático é bem aceito, mas a avaliação do estado emocional é voltada para reconhecer aqueles que estão mais aflitos antes do teste e para direcionar o aconselhamento pós-teste.
Terapia
O progresso na pesquisa terapêutica ainda é modesto.
Na doença de Huntington, outra doença de expansão CAG, um estudo de transplante fetal, desenvolvido no cérebro post mortem de um homem que faleceu de causa não relatada, 18 meses depois do transplante, mostrou que as células transplantadas estavam ativas e que elas haviam adotado a morfologia dos neurônios ao redor. Surpreendentemente, as inclusões neuronais estavam ausentes nas células transplantadas.
Baseado em um achado anterior no qual a administração do antibiótico sulfametoxazole-trimetoprim - comumente usado para tratamento de infecção do trato urinário - melhorou a função neurológica em um paciente com MJD, um estudo japonês relatou sobre resultados de um teste duplo-cego com essa droga em pacientes com MJD. Foram encontradas significativas melhoras da espasticidade e do desempenho motor. O mesmo grupo encontrou melhora média, mas significativa, com uma droga relacionada chamada tetraidrobiopterina. Entretanto, em um projeto de estudo semelhante, o grupo alemão de Bochum não encontrou melhora em pacientes com MJD com o tratamento com sulfametoxazole-trimetoprim. Seguindo um relatório anterior sobre um possível efeito benéfico de acetazolamide em SCA6, em um teste aberto e controlado, o grupo japonês de Sapporo encontrou melhora temporária durante o primeiro ano de tratamento.
Com relação a testes com animais, um estudo com camundongo transgênico de SCA1 mostrou que o suplemento de dieta com creatina não impede o desenvolvimento da ataxia.
Pato-etiologia
Permita-me começar outra vez por um resumo dos conhecimentos do ano passado sobre a causa da degeneração de células neuronais em diferentes SCAs e outros distúrbios de expansões CAG.
Nas SCA1, 2, 3, 7 e na doença da Huntington, DRPLA (atrofia dentato-rubro-palido-luisiana), SBMA (atrofia muscular espino-bulbar) e doença de Kennedy, a repetição CAG anormalmente expandida está localizada em um dos exons do gene, e assim traduz em poliglutamina estendida (poliQ) as proteínas produzidas. Enquanto as funções dessas proteínas, denominadas ataxina1, ataxina2, huntingtina etc, são desconhecidas, muitos aspectos do processamento e metabolismo delas foram esclarecidos. Entre os primeiros achados estava a interação anormal entre essas proteínas (mutantes) e as chamadas proteínas associadas (PA), muitas das quais estão sendo agora identificadas. Depois dos achados de inclusões anormais de corpos neuronais intranucleares (NIs) e que esses consistiam de proteínas mutantes parcialmente degradadas, enzimas degradadas como ubiquitin e proteasomes, reserva de cálcio e outras proteínas, a atenção voltou-se para o desdobramento tridimensional anormal de proteínas mutantes, seu transporte intranuclear, sua agregação e sua degradação (parcial).
Ataxinas mutantes necessitam entrar no núcleo dos neurônios para exercer efeito patogênico, e a prevenção da agregação da proteína mutante para formas NIs aumenta seus efeitos tóxicos. Enquanto as NIs refletem a impossibilidade para degradar completamente as proteínas mutantes, sua degradação é influenciada por certas proteínas de choque térmico (Hsp) e proteínas "chaperone", ambas também encontradas na NIs. Níveis elevados de certas proteínas de choque térmico podem impedir agregação, enquanto quantidades altas de Hsp70 constituem proteção contra toxicidade da glutamina.
Outra proteína encontrada nas NIs é a proteína acoplada CREB (CBP). A CBP exerce uma função sinalizadora na célula e na transcrição do DNA (CREB significa: cAMP responsive element-binding protein, assim a CBP "fixa" a "proteína acoplada"). A sugestão de transcrição irregular de gene pelo achado de CBP nas NIs está bem de acordo com os achados mais antigos de expressão de receptor neurotransmissor reduzido em camundongos com SCA1.
A resolução genética de outras SCAs "não poliQ" aumentaram o espectro de possíveis vias degenerativas neuronais. Na SCA6, uma tensão dependente do canal de cálcio, seletivamente expressa, não funciona bem, causando possivelmente sobrecarga (tóxica) de cálcio. Nas SCA8 e SCA10, as mutações são trinucleotídeo e pentacleotídeo intronicas, as quais portanto não são expressas nos produtos das proteínas genéticas. Foi sugerido que essas expansões repetidas intrônicas dificultam a transcrição do gene, mas que não explicam o distúrbio genético autossômico dominante, caso haja também outro gene normal que possa ser transcrito. Na SCA12, a expansão CAG é encontrada nos locais promotores de gene, possivelmente provocando aumento de sua transcrição e concentração aumentada de seus produtos. A neurodegeneração nesse caso pode ser entendida pelo fato de que o produto de proteína nesse gene, PP2A, desempenha papel no processo de envelhecimento das células, possivelmente acarretando sua morte prematura. Finalmente, a mutação encontrada na SCA17 relativa ao TBP, seu próprio fator de transcrição, abre a possibilidade de pesquisar a transcrição de muitos genes como causa para a neurodegeneração.
O que há de novo?
Um extenso estudo patológico sobre MJD no Japão mostrou que em adição aos núcleos cerebelares e ao tronco encefálico, as regiões do córtex do tálamo e dos gânglios autônomos - geralmente consideradas livres - também mostram degeneração neuronal.
Três estudos relataram sobre a expressão de ataxina2 em camundongos saudáveis e de ataxina7 em humanos com SCA7 e saudáveis. Nos camundongos, de 50 a 70% das células de Purkinje do córtex cerebelar expressaram ataxina2.
A expressão irregular da ataxina2 nas células de Purkinje aponta para outros fatores além da ataxina2 como causa da vulnerabilidade celular.
Em um estudo de Utah sobre indivíduos com SCA7, constatou-se que a patologia e a expressão da ataxina7 dependem do subtipo neuronal e da expansão CAG. A ataxina7 contida nas NIs estava presente em dois pacientes com SCA7, com 42 e 66 repetições CAG, mas não fora vista em pacientes com SCA7 com repetições relativamente curtas de 41. O grupo de La Salpetrière em Paris estudou a distribuição de ataxina7 em cérebros normais e retina. Os pesquisadores acharam que a ataxina7 normal foi amplamente expressiva no cérebro, na retina e nos tecidos periféricos, e que a expressividade não estava limitada às áreas de neurodegeneração.
Usando a técnica de chip de DNA, o grupo de Bonn, em colaboração com meu próprio grupo holandês, encontrou um aumento de genes inflamatórios tanto em cultura das células cerebrais de camundongos com MJD como em tecidos cerebrais humanos com MJD, sugerindo que os processos inflamatórios estão envolvidos na patogênese da MJD. Se a inflamação é um efeito primário ou secundário permanece obscuro.
A sugestão, também mencionada na atualização do ano passado, que a SCA6 pode ser vista como uma canalopatia semelhante à EA2, foi ampliada por um estudo da Califórnia. Expressando o DNA humano tanto com embriões de frangos normais ou com variadas expansões CGA, os pesquisadores descobriram que as funções fisiológicas dos canais de CACNA1A quase sempre permanecem normais, mas que a densidade dos canais na membrana celular aumentava quando o CAG era expandido.
Seguindo vários modelos anteriores de camundongos transgênicos para SCA1, 2, 3 e SCA7, e de um modelo drosófila para SCA3, novos camundongos com SCA6 e SCA7 foram também usados, e c. elegans também iniciou o estágio na identificação de seus homólogos MJD e SCA2.
Vários relatórios estudaram as NIs nas doenças poliQ. Seguindo o achado de que as NIs na MJD, DRPLA e em outras doenças poliQ também contém TBP, TAFII130, CREB e CBP, as NIs em SCA1, 2 e 3, foram relatadas também como contendo ataxinas não expandidas, indicando uma interação entre proteínas poliglutaminas expandidas ou não. Outro relatório mencionou interação entre NIs neuronais e os corpos nucleares de proteína polimielocítica da leucemia, outro fator envolvido na transcrição genética. Evidências adicionais sobre a interação da proteína e a transcrição impedida de genes vêm de vários estudos.
Dois estudos japoneses relataram que extensões poliQ nas proteínas interferem a transcrição de genes dependente do CREB, por acoplamento preferencial ao TAFII130, (Fator Associado TBP) apoiando então a sugestão de que a degeneração neuronal resulta de depleção nuclear de fatores de transcrição.
Estudos in vitro mostraram que a ataxina1 está ligada ao RNA de forma repetitiva e dependente, e a neurodegeneração em SCA1 deve ser influenciada por modificadores no processamento e transcrição do RNA e da regulação de detoxificação celular. Igualmente, em SCA6, constatou-se que poliglutamina nuclear e citoplasmica se agregam em células de Purkinje interferindo na transcrição do RNA mensageiro. Seguindo as evidências acumuladas de enfraquecimento de transcrição de gene na neurodegeneração das SCAs, em dezembro passado um grupo de Bethsda, USA, descobriu que os inibidores de histone diacetilase podem reduzir a toxicidade da poliglutamina, sugerindo que isso seja uma possível futura estratégia terapêutica inédita para as doenças poliglutamínicas. Em outro estudo foi encontrado que as expressões de proteína acopladas a CREBE (CPB) reduzem a perda celular. O efeito da expressão foi explicado por inversão de falta de disponibilidade de grupos acetil, causados por captura de CBP.
Resumo
Neste ano foram identificadas quatro novas SCAs, com outras mais esperando na bancada. Foram relatados dados genéticos e clínicos adicionais referentes a SCA1, 2, 3, 6, 7, 8, 10 e 12. Dados epidemiológicos foram bastante ilustrados com relação à distribuição global das SCAs, com evidência de falhas muito antecipadas e instabilidade de certas pré-mutações, como em SCA6 e SCA7. No ano passado, as pesquisas pato-etiológicas proporcionaram mais provas de transcrição deteriorada de gene por interação de proteínas mutantes com fatores de transcrição, seus acoplamentos ao RNA, e a descoberta de que a SCA17 é causada pela mutação em um fator de transcrição geral. Está bem mais claro como esses recentes achados combinam com as evidências anteriores de distúrbio da homeostase do cálcio e apoptose, e com a recente evidência de inflamação como um dos fatores na degeneração das SCA. O objetivo de todas essas pesquisas - a descoberta de possibilidades terapêuticas para indivíduos afetados - ainda está longe, e podemos somente esperar que ele possa ser alcançado em um futuro próximo, mas enquanto isso, não nos esqueçamos de desfrutar nossas vidas e experimentar sua magia o quanto pudermos.

Quadro - Ataxias hereditárias dominantes geneticamente identificadas, relacionando o número da SCA, o número Mendelian Inheritance in Man (MIM), a localização cromossômica do gene, a mutação e a classificação comparativa ADCA/OPCA.

SCA

MIM

Cromossomo

Repetição

ADCA

OPCA

SCA1

164400

6p22-23

CAG

I

I,IV

SCA2

183090

12q23-24

CAG

I

I

SCA3/MJD

109150

14q32.1

CAG

I

"Açoriana"

SCA4

600223

16q24-ter

?

I/III

-

SCA5

600224

11c

?

III/I

-

SCA6*

183086

19p13

CAG

III

"Holmes"

SCA7

164500

3p14-21

CAG

II

III

SCA8

603680

13q21

CTG

I

(I/IV)

SCA10

603516

22q13-ter

ATTCT

III/I

-

SCA11

604432

15q14-21.3

?

III

-

SCA12

604326

5q31-33

CAG

(I)

-

SCA13

605529

19q13.3-4

?

I

-

SCA14

605361

19q13.4-ter

?

III

-

SCA156066583pter-3p24.2?III-
SCA166063648q22.1-q24.1?III-
SCA176000756q23CAGIII-
SCA18?7q31-32?I/III-

DRPLA

125370

12p

CAG

-

"Haw River"

EA1

160120

12p

KCNA1, mutação do canal de potássio

-

-

EA2*

601011

19p13

CACNA1A, mutação do canal de cálcio

-

-

* desordens alélicas: mutações diferentes na mesma unidade gene CACNA1A de canal de cálcio

Referências
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