TERRA NOVA
As
ondas desse mar de saudades quebram-se na realidade destes dias; distanciam-se
os tempos de menino pelas ruas de areias quentes
que findavam na pequena
escola
- parecia que todos os caminhos forçavam-me ao pequeno
e humilde templo educacional.
Seria
melhor ser catequizado por Anchieta, tendo por lousa mágica as mesmas areias
quentes (cuja natureza primitiva sempre tão sábia, tão professora, tão
criadora, de tal modo que era só riscar seu solo que as letras surgiam com a
força da terra, repletas de conhecimento; abriam passagens para o futuro); dali
não me ausentaria. Suor, areias molhadas pelas águas vindas da mãe de nossa língua-pátria,
uma vara riscante e as letras dos sentidos...
Tornei-me,
ainda de passos curtos, um andarilho buscando a vida à beira-mar.
A caiçara aborígine - infame aos olhos dos tutores do mundo - adentrou
a mata fechada; fechada para quem não está disposto a se aventurar. Levou-me
na certa para o paraíso perdido, da lagoa encantada, dos folclores dos brancos
e dos silvícolas. Meu primeiro “encanto” de amor. Sentado de frente para o
mar, em completo respeito e silêncio, dou atenção às ondas que muito hão de
explanar. Umas vêm de muito longe, correntezas ultramarinas que, ao se
quebrarem na praia, vêm murmurar aos meus pés o que viram em outros lugares,
outros povos, para me ensinar.
O
sol na cabeça vem às idéias alucinar:
Tempos
misturados, rasgadas rotas, caravelas, famintos homens de desejos de fortuna,
outros de aventura, ou de ambos; não me atrevo a ler seus pensamentos.
Quero
a nudez dos trópicos, com o apoio da inocência, o encontro dos “lábios de
mel” e formosos corpos esgueirando-se no disfarce da mata atlântica. A nudez
pagã diante da nudez de um Cristo vivo em primeira missa. O mesmo sol, as
mesmas estrelas, os mesmos mares... Em que
se transformarão? Em Colônia?
Em
interesses outros de El Rei? Por isso, quanto mais me cerca o imperialismo
farpado do plantonista da história, mais adentro a mata;
e se virgem, eu a defloro com amor, sem cobiças.
Que
fizeram com o paraíso onde um dia pisei? Inundaram de óleo bruto, de esgotos
indigentes, sublocaram para estenderem suas tendas de campanha, de invasão,
para o “reveillon”... O que mais falta, meu Deus?
O atropelo imobiliário, o lucro incendiário, tudo tão temerário. E,
ainda, o erário, o erário.
Anchieta,
protegei-nos dos ataques colonizadores escravistas, nem os corsários foram tão
ferozes.
Oh!
minha caiçara aborígine que me fez, adolescente, encantar-me com a
“antropologia” sem dor e sem temor, só desejos.
Oh! Irmãos de além-mar, sejam hóspedes, não
invasores - é a oportunidade para o “Velho Mundo” se redimir. Venham
banhar-se nas verdes praias e cachoeiras encantadas; desarmem as almas para não
macularem o límpido solo que ainda encontrarem. E, seus descendentes, que
ficaram sem rumo e sem fortuna, igualmente ignorados pelo Poder Central, sejam
bem-vindos pelas estradas de areias quentes e busquem a verdadeira riqueza: o
aprendizado nas “cruzadas” que a vara de Anchieta riscou para a posteridade
da Terra Nova que agora é de 500 anos.
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