Travessia,
deixando para trás lenços molhados pela dor do adeus.
De um porto a outro o abismo.
Travessia, deixando que o sonho de uma vida melhor fosse a única
bússola.
As naus dos marginalizados pelas finanças, pelas famílias, pela
política, pelos amores; a única saída.
O passatempo para poder-se viver, seria ousar na busca de um novo
Sol.
Quantas almas salgaram os mares com suas tristezas; quantas almas
ressecaram-se caladas, sem demonstrar.
Homens e mulheres buscavam um ideal para se prenderem, outros
ficavam pelo caminho abraçados com a morte pestilenta. Às noites
não necessitavam das estrelas para percorrer; já eram marcados a
ferro, suor e lágrimas. A carta náutica, a rota, sangrava
n’alma indicando o destino de cada um.
Nesta herança de valentia e fragilidade, buscas e esperanças,
nos encontramos.
Caiu-me às mãos um mapa que sua alma desenhou. Sem latitudes e
longitudes. Versos, muitos versos. Ocupei-me em percorrê-los com
o mesmo cuidado dos nossos ancestrais argonautas, lusitanos. Eles,
o sonho da nova Terra, eu, na busca do porto de sua alma.
As correntezas são muitas: Sensual, Insensatez, Sonho Impossível,
Viver, Enigma... Cada força natural dessas nos leva a entender
encontros, desencontros, vontades, desejos, alguns amores, alguns
pudores. Versos seus, roteiro da alma.
A sentinela dos princípios não dorme, não se cansa, não se
permite. Cai a lágrima em cima de veludos por não ter beijado a
boca sonhada, de não ter misturado os suores em outros desejados.
Salga a alma nesta sina secular.
Nesta ânsia, de vida revolta - só poeta - querer sentir o gosto
de que fosses minha. Pensamento, passatempo... Um pouco do teu
olhar, um pouco se houvesse encanto, um pouco de dor, um pouco de
amor, um pouco do corpo pedindo...
O papel já se desfazendo, a força da escrita permanecendo,
permanecendo...
Leio mais uma vez esses versos, mapa de tesouro, e perplexo fico.
São tantas variantes. A condição de boa marinhagem e nestas
rotas se entreter é ser antes de tudo, poeta mais uma vez. Ver
com o coração, e deixar os olhos em paz.
Para chegar em sua alma nua nos raios de luar, prata e azul,
somente poeta.
Para fazer-se pulsando desejos em sua pele, somente poeta.
Para ficar-se na proa, olhando a vida de frente, somente poeta.
Para ser seu, numa viagem, num suspiro, num soluço, num beijo,
num silêncio, sem sentinelas, somente poeta.
Ir ao encontro da poesia, com mil olhares ancestrais, sonho de 500
anos, em nome de todos casais que viveram em portos diferentes sem
afeto, sem delicadeza, sem a suave nudez do amor. Conspiração de
mil vidas, de mil versos, mil vidas perdidas.