Wadad
Camargo
A
Herança
Wadad Camargo
Faleceu
o patriarca da família e o caos se estabeleceu .
Eram três os herdeiros e três propriedades, mas não chegavam a
um consenso. Tecnicamente não deveria existir problema, mas não se
entendiam quanto a “quem ficaria com o quê “.
Na
verdade, Agripina, a única mulher dos três, não fazia muita questão.
_Podem
escolher. O que restar é meu.
Mas
para Alfredo e Carlos, seus irmãos, a situação não era tão simples.
Quando
um escolhia um bem, outro se ouriçava todo: “Se ele quis esse, é
porque deve ser o melhor. Ele é esperto, não dá ponto sem nó.
“.
E
dizia que não concordava. E ficavam dias sem se falar, mas comentavam
com outros parentes. A notícia se espalhava e era inevitável a
intercessão de familiares.
E tanto falavam, que o dito “prejudicado” resolvia aceitar essa
divisão. Então, o que fez a proposta,
não mais queria a propriedade. “Ele tá pensando que sou
bobo. Só aceitou
porque a outra é mais valiosa. Não vou me precipitar.Vou
pensar melhor” .
E
tudo ficava como começou .
Numa
coisa concordavam : se fosse a Agripina que escolhesse, estaria tudo
bem. Ela sempre cuidou dos negócios do pai e com a morte da
mãe
redobrou
a atenção.
Cuidou
dele até o fim. “Mas o Carlos... esse sempre foi um verdadeiro
aproveitador.”
Agripina
não se estressava com esse assunto. Um imóvel seria dela. Não se
importava com qual.
Mas
a situação foi num crescendo, que um dia tia Marta, mulher ponderada,
querendo por fim ao conflito, sugeriu à herdeira que fizesse um almoço
, convidasse os dois beligerantes e
sutilmente se referisse à partilha. Quem sabe, conversa vai,
conversa vem e com um pouco
de sorte , a situação se resolveria pacificamente.
Ambos
aceitaram o convite . Exatamente como era no tempo da mãe aos
domingos, tinha frango assado, macarronada, farofa de miúdos,
arroz , feijão , maionese e até o vidrinho de pimenta.. E a sobremesa,
arroz doce salpicado com canela.
Tomaram
caipirinha e com cuidadosa cordialidade , falavam amenidades, lembrando
histórias da infância.
Agripina
serviu o almoço e vendo
como estavam amáveis, resolveu entrar no assunto, sugerindo a eles que
aproveitasse o momento de descontração e dialogassem sobre a herança.
Poucos
segundos transcorreram após a sugestão.
Alfredo estava colocando comida no prato quando Carlos falou como
achava que deveria ser feita a partilha. Foi o bastante.
Saíram
da praça de guerra escorregando
na comida esparramada , primeiro o
Alfredo, pois com o susto, na confusão, Agripina se demorou a
levantar Carlos do chão .
E
todos foram parar na delegacia. Mas antes o agredido, com os cabelos e o
rosto vermelhos de molho e
sangue, teve que passar no hospital para receber
pontos e curativos, pois o macarrão em si, só sujou, mas o
prato que veio junto fez um estrago mais ou menos.
Nunca
mais se falaram e ninguém mais se atreveu a reconciliá-los.
Partilha,
só judicial.
  
PORQUE
É SÁBADO
Vestiu
seu melhor vestido,
calçou
o velho sapato.
Penteou
o cabelo bem bonito
e
passou batom vermelho.
Depois
,água de cheiro,
e
álcool sob os braços;
e
sorriu com jeito
brejeiro,
ao
se ver no caco de espelho.
Saiu
em direção à praça,
onde
aos sábados se sentava
e
olhava moço bonito
com
seu olhar esquisito...
Toda
semana o ritual se repetia
e na sua
ingenuidade, não percebia,
que
tantos anos tinham se passado
desde
que era mocinha.
E
que era luta desigual, na sua idade,
Competir
com as moças moderninhas.
  
Impassse
O
homem insatisfeito
perseguiu
a longevidade,
mesmo
sabendo
que
a conquista,
não
garantia felicidade,
só
mais tempo para a saudade...
Temendo
a decrepitude
pesquisou
a genética,
por
vezes ferindo a ética
em
busca da eterna juventude,
antigo
sonho perseguido.
Mas
contudo sem resolução
continuou
a simples questão:
longo
tempo quer viver,
mas
não consegue preencher
o
angustiante vazio
de
uma tarde de domingo...
Experimentou
o auge da vida
com
espantosa brevidade:
envelheceu
e morreu.
Triste
constatação
da
condição de mortalidade.
Wadad
Camargo
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