Lola já sonhava com Esteban antes de conhecê-lo
É noite em Kubanacan. Noite quente com o céu estrelado e lua cheia. No cortiço as crianças brincam lá fora e os vizinhos fofocam. Rico está arrumado e vai sair. Lola está fazendo o jantar, quando repara nele:
- Ô meu amor, vai sair de novo?
Rico disfarça:
- É... pois é... fazer o quê, né, Lola? Um cristão tem as suas obrigações.
- Mas você já foi pro culto ontem.
- Não... mas sabe o que que é? Tem gente nova lá na igreja e o pastor me pediu pra ajudar elas.
- Ajudar como, Rico?
- Ajudar, Lola. Dá uns conselhos, sabe como é que é?
Rubi aparece:
- Esse aí dando conselho? Só se for conselho de como ser vagabundo.
- Quê? Vagabundo não senhora! Que eu trabalho a semana inteirinha, ouviu, dona Rubi? A Lola sabe que eu num tenho tempo nem de se distrair, de sair com a família...
- Ah... sei.. tá bom... - diz Rubi com desdém.
Lola intervém:
- Rubi! Por favor, não começa você também.
- Bom, eu tenho que ir, meu amor. Num me espera não, tá? Que o culto hoje vai ser demoraaaado...
- Tá, né, Rico... Fazer o quê?
- Tchau, cunhada - fala Rico antes de sair.
Rubi finge não ouvir.
- Ô Lola! Como é que você deixa esse seu marido sair assim toda noite e voltar tão tarde?
- Ah, Rubi... essas coisas você só vai entender quando casar.
- E se eu não casar?
- Como não casar, Rubi? Num fala besteira, vai.
Lola se aproxima de Rubi:
- Ô Rubi...
- Que é que foi?
- E pensar que eu queria ser freira. Como eu ia viver sem o Rico e sem os meninos?
- Sem os menino eu não sei, já sem o "encosto", garanto que ia viver muito bem.
- Fala assim não, minha irmã. Sabe, às vezes eu fico lendo esses livros da Vovó Vanda e fico me imaginando na história, assim igual um filme, sabe?
- Ih, mas que doideira é essa agora?
- Ô Rubi, num é doideira, é só fantasia. Eu fico imaginando eu no lugar da mocinha e o Rico de herói. Também... é o único homem que eu gostei...
- É?
- Cê sabe que é, né, Rubi?
Lola se aproxima mais de Rubi, como se fosse contar um segredo:
- Só que tem um problema.
- E qual é?
- Tem o herói de um livro que eu não consigo imaginar o Rico.
- Ah, tem, é?
- É... "O Mistério da Fênix"... bonito nome, né? Misterioso... O personagem principal não tem nome.
- Ué? Como é que pode uma pessoa num ter nome?
- Quer dizer, nome ele tem, só que não lembra. Tem amnésia. É um agente secreto que precisa impedir que o vilão destrua o mundo.
- Sei.. e como é que é esse tal gente secreto?
- Ai, Rubi... Ele é moreno, alto, forte, cabelo comprido, fartos pêlos no peito e... (suspira) costa em "V". Ah, meu pai!
- Nossa! É tudo isso mesmo?
- É sim, Rubi. Você tinha que ver a capa, tem um desenho dele. Eu comprei o livro só pela capa... e que capa! - diz Lola se abanando.
- Lola! Que é que ocê tem? Tá passando mal, tá?
- Que passando mal, Rubi? Tô é passando muito bem pensando num homem desse.
- Ah, Quer dizer que cê num pensa só no seu marido quando lê esses treco aí?
- Ai, Rubi! Que vergonha! Que é que eu tô fazendo, meu pai? Onde é que já se viu uma mãe de família pensando nessas coisas?
- Que é que tem?
- Num pode, Rubi! Num pode! Eu tenho que jogar fora esse livro. Vou rezar pra Virgem tirar esses pensamentos pecaminosos da minha cabeça. - E sai correndo para o quarto, batendo a porta.
Rubi fala sozinha:
- Então tá...
Algumas horas depois, Rubi está na janela na esperança de ver Rico chegando, quando Lola sai correndo do quarto:
- Rubi! Rubi! Ah, minha Nossa Senhora! Ah, meu pai! Ah, meu Deus do céu!
- Que é que foi, Lola? Que sangria desatada é essa?
- Ah minha irmã! Eu vou pro inferno! Eu vou pro inferno! Minha Virgem, me perdoa!
- Que que aconteceu, Lola?
- Ah, Rubi! Eu tava rezando pra ver se esquecia aquelas besteiras, mas daí eu pensei : "ah, só mais uma lidinha num vai fazer mal, só pra ver ser o herói vai ficar com a mocinha, a cantora pela qual ele se apaixonou". Aí fui terminar de ler o livro.
- E daí?
- E daí que comecei a ler e dormi. Sonhei que eu era a mocinha do livro, magina... E no meu sonho eu tava andando na rua quando surge aquele homem, Rubi!
- Que homem, Lola?
- Aquele homem, o tal moreno misterioso da costa em "V".
- Ah, sei, e daí?
- Daí quando ele me viu, me agarrou e me tascou um beijo, Rubi, mas um beijo daqueles de cinema!
- Nossa, Lola!
- Pra piorar, começou tocar um bolero. A gente se beijando, tudo rodando, o bolero tocando... parecia que nada mais importava, parecia que só existia a gente no mundo. Ah, Rubi... foi tão bonito!
- Que bom, né, Lola?
- Bom? Que bom o quê, Rubi? Ah, minha Nossa Senhora! O que é que eu tô falando? Que coisa feia! Rubi, como é que você deixa eu falar essas coisas?
- Ué, Lola? E eu vou fazer o quê? Tapar a sua boca?
- Ah, minha Virgem! Amanhã mesmo eu vou na igreja confessar. Onde é que já se viu? Uma mulher casada, mãe de três filhos sonhando que tá beijando outro homem?
- Mas esse homem num existe só aí nesses seus livro? Então num é de verdade...
- Num interessa, Rubi. É pecado a mesma coisa...
Nesse instante Rico chega, Lola se assusta e dá um grito. Rico tem um de seus característicos ataques do coração:
- Ai! Ai! Lola, meu anjo, que é que cê tá fazendo, acordada a essa hora?
- Rico, me abraça, Rico! Tive um pesadelo horrível!
Rico abraça a esposa:
- Ô meu amor... Precisa ficar com medo não, que o seu maridinho tá aqui. Vâmo pro quarto, vâmo...
Os dois entram no quarto. Rubi fala sozinha, pensando em Rico:
- Queria eu ter esses pesadelo...