O POEMA QUE MACHADO DE ASSIS NÃO TEVE CORAGEM DE ESCREVER
Em 27/07/1997, o jornal O Globo notificou a descoberta, entre os milhares de volumes do acervo do senador Luiz Vianna Filho, transferido para a biblioteca do Senado Federal, de um manuscrito que havia sido publicado anonimamente em 1863, na revista "Semana Ilustrada", sob o título de "O casamento do diabo".
A descoberta, segundo a professora de literatura Branca Bakaj, estudiosa da vida e obra de Machado de Assis, define, sem qualquer dúvida, a autoria do manuscrito como sendo do primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, o "Bruxo do Cosme Velho", como era ele conhecido entre os literatos da época.
Trata-se de uma poesia, até então inédita, na qual nosso grande escritor aconselha Belzebú a não se casar, alegando serem as mulheres pouco confiáveis.
A sátira, cheia de sutilezas, fora escrita num linguajar bastante contido, como se poderá depreender da leitura do texto, apresentado no fim desta dissertação. Mas eu "senti" nas entrelinhas que o "Bruxo" queria ter podido "soltar o verbo". O mais provável é que tal pensamento tenha sido apenas o resultado de uma estranha fantasia de minha parte. Isto porque não é fácil imaginar o grande Machado usando palavras que, na ocasião, teriam sido consideradas não apenas chulas, mas imorais, para não dizer obscenas ou pornográficas. Note-se que, conquanto tivesse "pegado de leve", ainda assim ele se abrigou no anonimato. Mas sabia que, desejasse alguém se empenhar a fundo, a autoria da poesia seria, fatalmente, identificada.
Apesar dessas ponderações, ditadas pelo bom senso, segundo o qual, pela cabeça do nosso grande literato, não teria passado a idéia de escrever de forma diferente da que fez, algo muito forte, bem lá dentro de mim, insistia em dizer (seria a voz do próprio Belzebú ?) que a coisa não tinha sido bem assim. Dizia-me a intuição que, fosse outra a cultura da época e não tivesse Machado de carregar sobre os ombros a carga da intocável dignidade imposta aos "imortais", o diabo teria "escutado", da sua ilustre pena, ainda que anonimamente, palavras muito mais pesadas.
Porém, vivendo eu em um tempo da história bem mais permissível, sem ter qualquer compromisso com a austeridade das letras acadêmicas e sendo o dono absoluto da minha vontade, ouso escrever aquilo que, segundo a minha intuição (represente ela a verdade ou um devaneio, pouco importa), Machado teve, lá no fundo, vontade de ter escrito.
Talvez as palavras não fossem as mesmas, mas teriam sido, imagino, bastante parecidas. Caso esteja cometendo um sacrilégio, que sua nobre alma me perdoe. Afinal, serei eu, não ele, quem terá de prestar contas ao próprio Belzebú.
Muito bem. Vamos conhecer primeiro o que Machado, de fato, escreveu. Adiante veremos a poesia que eu escrevi por ele.
Eis o texto original, na mesma grafia com que foi publicado em 1863 na "Semana Ilustrada":
O CASAMENTO DO DIABO
Satan teve uma idéia
De casar. Que original:
Queria mulher não feia,
Virgem corpo, alma leal.
(refrão):
Toma um conselho de amigo:
Não te cases, Belzebú;
Que a mulher, como ser humano,
É mais fina do que tu.
Cortou as unhas, cortou o rabo,
Cortou as pontas, depois
Sahio o nosso diabo,
Como o heroe dos heroes.
(repete o refrão):
Casar era sua dita,
Correo por terra e mar.
Encontrou mulher bonita
E tratou de a seqüestrar.
(repete o refrão).
Elle quis. Ella queria,
Poseram mão sobre mão.
E na melhor harmonia,
Verificou-se a união.
(repete o refrão).
Passou-se um anno, e ao diabo
Não cresceram por fim,
Nem as unhas nem o rabo.
Mas as pontas, essas sim...
Toma um conselho de amigo:
Não te cases, Belzebú;
Que a mulher, como ser humano,
É mais fina do que tu.
E agora, APENAS PARA OLHOS QUE NÃO SE CHOQUEM COM PALAVRAS OBSCENAS, a versão que eu escrevi pelo Machado, sob o título "O CASAMENTO DE BELZEBÚ":
O CASAMENTO DE BEZEBÚ
O coitado do diabo nem mais pensava sequer;
Tudo que tinha em mente era ter a tal mulher.
Mas não casa, Belzebú,
Ela vai lhe chifrar, idiota,
Pois tem furor na xoxota
E adora tomar no cu.
É uma "fria", Belzebú.
Não me escutou e casou.
Mas antes se ajeitou :
As unhas ele aparou,
O rabo ele cortou
E o chifre ele encurtou.
Um ano inteiro passou.
A unha curta ficou,
O rabo não se alterou,
Mas o chifre triplicou.
Viu Belzebú, o que foi que aconteceu?!
Avisei, não me atendeu.
Foi em frente e se fodeu !
Então, Machado, não era mais ou menos isso que você teve vontade de escrever ?