Aurélio Molina

Emanuel Dias

Ana Elizabeth Molina

INICIAÇÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA

 

MANUAL PARA PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE,

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E HUMANAS

2003


Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Universidade de Pernambuco - Recife

Molina, Aurélio

M722i Iniciação em pesquisa científica: manual para

profissionais e estudantes das áreas da saúde, ciências biológicas e humanas / Aurélio Molina, Emanuel Dias, Ana Elizabeth A. L. Molina. - REcife: EDUPE, 2003.

128 p. : 16 x 22cm.

ISBN 85-87102-57-5

1. Pesquisa Científica 2. Ciência - Pesquisa I. Dias, Emanuel II. Molina, Ana Elizabeth III. Título.

CDU 0018


Aurélio Molina

Emanuel Dias

Ana Elizabeth Molina

INICIAÇÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA

MANUAL PARA PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DAS ÁREAS DA SAÚDE,

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E HUMANAS

Flagrantes Médico-Legais VI

2003


Universidade de Pernambuco - UPE - 2003

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Aurélio Molina

Médico pela UFRJ; Ph.D em Saúde Reprodutiva pela Universidade de Leeds (Inglaterra); Coordenador Geral de Pesquisas da UPE; Professor Adjunto de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas/UPE; Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da UPE; Coordenador do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Tocoginecologia da FCM/UPE; Responsável pela disciplina de Bioética no Curso de Ciências Biológicas do ICB/UPE; Responsável pela disciplina de Ética e Bioética na Pesquisa Científica na Pós Graduação da Faculdade de Ciências Médicas; Membro da Academia Pernambucana de Ciências; Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

Emanuel Dias

Odontólogo pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco (UPE); Reitor da Universidade do Estado de Pernambuco-UPE; Professor Adjunto da Faculdade de Odontologia de Pernambuco; Especialista e Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da FOP/UPE; Coordenador do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da FOP/UPE; Ex-Diretor da Faculdade de Odontologia de Pernambuco-FOP/UPE.

Ana Elizabeth de Andrade Lima Molina

Médica pela UFRJ; Mestre em Saúde Pública pela Universidade de Leeds (Inglaterra); Preceptora de Ensino do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas/UPE; Coordenadora do Módulo de Atenção Integral à Saúde do Adulto do Curso de Especialização em Saúde da Família da FCM/UPE; Coordenadora do Projeto de Extensão "Educação Popular em Saúde" da FCM/UPE; Ex-Diretora de Promoção Social da Secretaria de Trabalho e Ação Social do Estado de Pernambuco e Ex-Coordenadora do Projeto de Redução de Mortalidade Infantil de Pernambuco (Projeto Caminhar) da Secretaria Estadual de Saúde.


ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

2. RAZÕES PARA REALIZAR UMA INVESTIGAÇÃO

CIENTÍFICA ...................................................................................................... 11

3. BREVES CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ......................... 17

4. PREPARANDO UM PROJETO DE PESQUISA .................................... 25

5. PRINCIPAIS TIPOS/DESENHOS DE ESTUDO/PESQUISA .............45

Estudos Experimentais .................................................................................. 45

Estudos Observacionais .................................................................................48

6. DESCOBRINDO E EVITANDO OS ERROS MAIS COMUNS ..... 54

7. REFLEXÕES ÉTICAS E BIOÉTICAS NA PESQUISA CIENTÍFICA ENVOLVENDO SERES HUMANOS .................................................. 64

8. CUIDADOS COM O BEM-ESTAR ANIMAL DURANTE ESTUDOS CIENTÍFICOS ................................................................................................... 83

9. LEITURA CRÍTICA DE UM ARTIGO CIENTÍFICO ......................... 90

10. ANEXOS FUNDAMENTAIS

Anexo 1: Exemplo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..94

Anexo 2: Código de Nuremberg para Experimentação Humana ........ 96

Anexo 3: Declaração de Helsinque ............................................................... 104

Anexo 4: Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde ............. 106

11. LEITURAS RECOMENDADAS ................................................................... 126


Iniciação em Pesquisa Científica

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste manual é o de introduzir o leitor no campo da Metodologia da Pesquisa Científica, não pretendendo esgotar o assunto. Muito pelo contrário, tenta apenas instrumentalizar, guiar e, principalmente, estimular o leitor para futuras e mais profundas incursões na temática auxiliando, ainda, os que assim estiverem desejosos, a realizarem suas primeiras experiências práticas em pesquisa. Este simples manuscrito NÃO é, portanto, e nem pretende ser, um livro de epidemiologia ou de bioestatística, podendo se afirmar, até, que se trata de um livro de divulgação científica.

A clientela alvo é a de estudantes e profissionais, principalmente da área da Saúde e das Ciências Biológicas. Com um pouco de boa vontade, pode-se incluir os da área de Ciências Humanas, pois a abordagem foi transdisciplinar e a metodologia científica é "uma linguagem universal".

Em verdade, em número cada vez maior, estudantes e profissionais de diferentes áreas, percebem que, sem um conhecimento básico na temática da metodologia científica, além de não terem oportunidade de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento científico, sentem-se prejudicados na qualidade de sua labuta diária. Além disso, tomam consciência de que é uma condição sine qua non, para tornar-se um bom profissional, conhecer a linguagem científica e seus métodos e, principalmente, entendê-la e criticá-la.

As informações contidas neste trabalho são a expressão de anos de experiência dos autores, quer como professores quer como pesquisadores, e principalmente, como estudantes, em cursos de graduação e pós-graduação tanto no Brasil quanto no Exterior. Vale frisar que são várias as fontes das informações compartilhadas neste texto, inclusive reflexões individuais e coletivas, além de informações e visões de muitos profissionais que lidam com pesquisa e pós-graduação.

Por ser um tema de fundamental importância dentro da Ciência e tratada, geralmente, apenas por "iniciados", a metodologia científica é, normalmente, abordada numa linguagem complexa, técnica, permeada de jargões típicos da área. Neste manual, entretanto, todas as informações são de


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caráter prático e apresentadas ao leitor da maneira mais informal e coloquial possível (algumas vezes repetidamente, para melhor fixação). Portanto, serão apresentadas sem os cuidados, sistematizações e regras de um texto acadêmico clássico, esperando, somente, vale a pena refrisar, fomentar e iniciar, prazerosamente, e, algumas vezes, de jeito jocoso, o leitor no universo da produção científica, ao mesmo tempo em que procuramos desmistificá-la.


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2. RAZÕES PARA REALIZAR UMA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Uma investigação científica distingue-se da "pesquisa comum", por ser uma atividade que se propõe demonstrar a verdade dos fatos e suas aplicações práticas, de uma forma racional, exata e verificável, pois, como dizia um texto da Sociedade Real de Ciência, da Inglaterra, "a verdade não está ligada à autoridade de quem as enuncia e, sim, e somente, à evidência dos experimentos e à força das demonstrações". É uma forma sistematicamente organizada de pensamento objetivo, que supõe conhecimentos científicos de base, preocupação metodológica, organicidade e lógica na proposta de uma investigação.

Em verdade, existem vários motivos para que os indivíduos se interessem pela investigação científica, necessitando, portanto, de uma iniciação em metodologia científica. Abaixo algumas possibilidades que nos parecem relevantes:

- Buscar a "Verdade" em qualquer campo do conhecimento;

- Compreender o Universo em que vivemos, suas Leis e tudo o que ele contém;

- Compreender a Natureza e descobrir os seus mistérios;

- Contribuir para a ampliação do conhecimento;

- Trazer benefícios para a Humanidade;

- Entender e ajudar toda a Biosfera;

- Compreender o fenômeno Vida em todas as suas dimensões;

- Contribuir para o esclarecimento de uma curiosidade ou dúvida científica;

- Contribuir para a resolução de um problema específico;

- Diagnosticar e resolver problemas de saúde de um grupo ou da comunidade;

- Identificar a história natural e etiológica das doenças;

- Planejar e avaliar os serviços de saúde;

- Avaliar ações e intervenções;


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- Contribuir para uma melhor qualidade de vida da população;

- Instrumentalizar a crítica científica;

- Embasar a prevenção e a assistência à saúde em evidências científicas.

Em relação a essa última, é relevante citar Duncam e Schmidt, referidos por Moriguchi e Vieira, quando afirmam que apenas 50% da prática médica está baseada em avaliações metodológicas sistematizadas. Pior ainda, esses autores advogam que desta metade somente outra metade demonstrou ser efetiva. Essa avaliação levou Gonçalves (1999) a concluir que o embasamento dos pressupostos científicos da grande maioria das práticas médicas está errado, ou foi mal compreendido e indevidamente utilizado, resultando, muitas vezes em "modismos" que todos nós conhecemos. Infelizmente, essas "pseudoverdades" ou "ilusões científicas", que após um período hegemônico, de quase unanimidade e consenso, acabam em desuso, deixam, não poucas vezes, um rastro de desperdício de recursos e de maleficências.

Esse estado de coisas foi o que propiciou que o conceito de "Medicina ou Assistência à Saúde Baseada em Evidências", se consolidasse entre os profissionais de saúde, valendo a pena lembrar que o vocábulo "evidência" significa "verdade manifesta". E como se chega a uma "verdade científica manifesta?" Através de pesquisas com alta validade interna e externa, isto é, estudos metodologicamente bem desenhados, reprodutíveis e realizados com um mínimo de erros, aleatórios ou sistemáticos (vieses), ou, de preferência, nenhum, feitos por grupos independentes e diversos e que chegam a uma mesma conclusão ou interpretação dos resultados. Aí sim, mesmo sendo cépticos, poderíamos dizer que estamos "perto" de uma evidência científica. "Perto", porque, mesmo com todos os cuidados, ainda assim existe sempre uma chance de o acaso "ter trabalhado" e também de que as interpretações dos dados, num mundo de multifatoriedades, estejam equivocadas.

Mas, para mudar esse quadro, não basta saber o que é "Uma Prática (Medicina, Enfermagem, Biologia, etc, etc...) Baseada em Evidências". É também fundamental ter acesso a essas evidências, através da literatura científica e de bancos de informações assim como ter uma atitude crítica da metodologia


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científica (atitude essa que se consolida, principalmente, através da prática da investigação científica), para, então, poder avaliar e interpretar, de maneira menos inadequada possível, a literatura e as informações disponíveis.

Existem, entretanto, outras possibilidades, menos nobres, que também podem levar estudantes e profissionais a um interesse pela pesquisa, como, por exemplo, melhorar o curriculum vitae, aumentar o seu status, ganhar uma bolsa de iniciação científica ou de pós-graduação, ou ainda, por exigência das Instituições de Ensino Superior. Apesar de menor virtuosidade, essas possibilidades, pela sua lógica, acabam sendo, também, justificativas, para se iniciar na teoria e na prática da metodologia científica.

Seja qual for o seu motivo, eis a primeira grande dica deste livro: tempo é uma coisa preciosa, e você não deve gastá-lo com leituras ou atividades que não lhe proporcionem reais ganhos existenciais, intelectuais e/ou profissionais. "Fazer Ciência" implica investimento em tempo e compromisso. Mas, se você já se convenceu de que vale a pena continuar a leitura, um incentivo lhe é dado através de um velho ditado oriental: "O que eu ouço eu esqueço. O que eu vejo eu relembro. O que eu faço EU SEI". Isto é, "faça ciência" e "crie conhecimento" que, com certeza, é uma das maneiras de se conquistar a tão almejada Sabedoria. Entretanto, para se "fazer ciência", é necessário se criar o hábito de pensamento ordenado e preciso, como dissemos no início deste capítulo, como meio de evitar os riscos causados pela falta de autocrítica e pela imaturidade intelectual.

Segunda grande dica (parece contraditória com as últimas 3 linhas, mas não o é): Cuidado! Não permita que o excesso de disciplina acadêmica científica tolha a sua criatividade, intuição e imaginação. A ciência, para muitos, pode até começar e terminar com o método empírico. Mas não permita que, na fase de questionamentos, criação de hipóteses ou na criação de modelos teóricos, nada cerceie sua frutífera "tempestade de idéias" ou "tempestade cerebral" (brain storm), sua grande amiga e fonte de inspiração. Lembre-se, sempre, de que toda hipótese é válida, podendo ser menos ou mais plausível, embora nunca possa ser descartada até ser testada. Só depois desse "livre devaneio científico", e, até mesmo, um pouco "esquizóide" é que você deve


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voltar a ser "metodologicamente disciplinado e metódico", considerando a partir daí, a máxima, sempre atual, de Galileu Galilei de que "é necessário medir o que é mensurável e tornar mensurável aquilo que não o é" como modelo para a sua vida de pesquisador.

Ainda nessa breve reflexão, é importante frisar que o método científico, conforme dissemos na introdução, é uma "linguagem universal" que lhe ajudará a não se perder na "busca da Verdade", pois vale sempre a pena lembrar que, muitas vezes (sempre, na visão quântica do Universo), os nossos sentidos nos enganam. Um belo exemplo do que acabamos de afirmar pode ser percebido no mais simples do nosso cotidiano. Todo dia, vemos o Sol nascer no Oriente e desaparecer no Ocidente, dando-nos a clara impressão que ele gira em torno do observador e, portanto, da Terra. Entretanto, todos nós sabemos que o que acontece é o oposto; o que nos indica que, na busca do conhecimento e da sabedoria, é fundamental conhecer "esse" método científico pois, como disse o filósofo grego Epictetus, "as aparências para a mente são de quatro tipos: as coisas ou são o que parecem ser; ou não são, e nem parecem ser; ou são, e não parecem ser; ou não são, mesmo assim parecem ser. Identificar corretamente todos estes casos é a tarefa do homem sábio".

Costuma-se dizer que essa busca se faz ou pelo método indutivo ou pelo dedutivo. No indutivo, que tem como "patrono" Aristóteles, o pesquisador ou filósofo partiria de "verdades" particulares, observadas repetidamente, para uma generalização ou universalização. Em outras palavras, partindo-se de enunciados singulares, resultantes de descrições de observações ou experimentos, chegam-se (induz-se) a enunciados universais (hipóteses ou teorias).

No dedutivo, que tem como paradigma Platão, "verdades" universais levariam a "verdades" particulares ("todos os homens são mortais. Sócrates é um homem, portanto Sócrates é mortal"). Para alguns autores, como Rohden, o dedutivo seria também sintético e intuitivo. Já o indutivo seria analítico e intelectivo. Para Platão, a realidade (ou a Verdade) é Universal, e, para alguns, seu método poderia ser considerado como idealista e visionário. Já para Aristóteles, a realidade é individual e baseada na objetividade dos sentidos e


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intelecto e, portanto, seu método seria empirista e prático. Entretanto, para Popper, um dos maiores críticos do método indutivo, não existe nenhuma garantia lógica capaz de assegurar a inferência dos enunciados universais a partir de enunciados singulares, por mais numerosos que fossem estes. Por exemplo: mesmo se observando milhares e milhares de cisnes brancos, não se pode afirmar que todos os cisnes são brancos, pois, a despeito de serem raros, também existem cisnes negros.

Pascal também dicotomizou, afirmando que haveria duas grandes ferramentas para se atingir ou se obter o conhecimento: o Espírito de Geometria e o Espírito de Fineza. O primeiro consistiria basicamente em medir e verificar por experimentação, descobrindo e identificando os princípios e as leis. Já o Espírito de Fineza trataria não de quantificação, mas das qualidades, isto é, daquilo que não poderia ser medido. O primeiro seria aquele utilizado pelas "Verdadeiras Ciências (Física, Química etc)" e o segundo seria o instrumento das Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia, Ciências Políticas etc).

Nova dica: Cuidado! Essas dicotimizações, apesar de muito difundidas, são perigosas e, em nossa opinião, enganosas. Não se esqueça do primeiro princípio da dialética que nos lembra que tudo está interligado e inter-relacionado, muitas vezes, de uma maneira muito mais complexa do que nossa "vã filosofia" pode perceber e entender (que nos diga o mundo da física quântica). Além disso, aprenda uma, "ops", "verdade". Tudo é multifatorial e policausal! Portanto aceite e pratique ambos, o método indutivo e o dedutivo, utilizando tanto a síntese e a intuição quanto a análise e a lógica. Ciência é isso: raciocínio concreto e raciocínio abstrato; mente concreta e mente abstrata. Intuição que será organizada, a seguir, pela lógica e pela racionalidade.

Finalmente, é bom fixar uma regra (principalmente para aqueles que labutam na área da saúde): a evidência obtida de uma metanálise de estudos experimentais, randomizados e controlados (RCTs, que é uma abreviatura, em inglês, para randomised controlled trials) é maior do que aquela conseguida de um único RCT que, por sua vez, é maior do que a produzida por uma bem desenhada e controlada pesquisa, mas sem ser randomizada. Assim como


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esse tipo de estudo é superior, em termos de "verdade científica manifesta" a um único estudo, bem desenhado, mas, do tipo quase experimental. Esse último é superior aos bem desenhados estudos descritivos, e, portanto, não experimentais (do tipo comparativo, de correlação e caso-controle) que, finalmente, produzem mais evidência científica do que relatórios ou consensos de "comitês de especialistas" ou opiniões de "autoridades" ou baseadas em experiências clínicas pessoais. Por fim, "last but not least", não se esqueça nunca de realizar uma leitura crítica de qualquer artigo ou informação dita científica, inclusive das metanálises de RCTs, que podem ter sido manipuladas para incluir, apenas, as pesquisas que expressem a visão ou os interesses do(s) autor(es) e/ou financiadores, ou ainda, ter sido "ponderada", também, de uma forma viciada.

Penúltima dica desse segundo capítulo: mesmo depois de concordarmos que aparentemente estamos diante de uma "verdade científica manifesta", precisamos realizar uma análise de custo-benefício-malefício, antes de incorporarmos tal "verdade" em nossa prática diária.

Finalmente, chegamos ao fim do capítulo II e, como vimos, até aqui, metodologia científica não é tão difícil como parece e não existe lugar para pânico, principalmente para os "não iniciados". Se você, leitor, está realmente decidido a se tornar um pesquisador iniciante, o próximo capítulo deste manual é muito importante, pois vai discutir pragmaticamente a epistemologia. O que é isso? Confira na próxima página (aliás, já conversamos um pouquinho sobre ela aqui, neste capítulo). Mas, antes de tudo, fique com a última dica: nenhuma pesquisa deve ser iniciada, se os benefícios esperados não forem muito superiores aos possíveis riscos.


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3. BREVES CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Segundo o "Aurélio", e vários outros dicionários de Filosofia, a Epistemologia é a "Teoria ou a Filosofia do Conhecimento", podendo também ser considerada como o "estudo crítico" dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, ciências essas que se baseiam na observação e são sistemáticas, precisas, experimentais e acumulativas, visando determinar os fundamentos lógicos, o valor, o alcance e os objetivos destas. Em linguagem trivial e simples, é conhecer e criticar as razões e os mecanismos da produção do conhecimento.

Como seu estudo profundo foge ao escopo deste manual, esse capítulo tem como objetivo, apenas, apresentar alguns conceitos e visões (utilizando-se, muitas vezes, de ditados populares, máximas ou adágios, para ilustrar, realçar e fixar) que, em nossa opinião, são necessários à compreensão das bases filosóficas da construção do conhecimento assim como da sua divulgação, propiciando reflexões sobre como, por quem, por que, sobre quem ou sobre o que, para quem e para que, o conhecimento científico está sendo produzido, transmitido e utilizado.

Sem dúvida alguma, a Ciência estava ligada, em seus primórdios, à Filosofia (filos=amigo, amor; sofia=sabedoria), considerada a "Mãe de Todo Conhecimento" ou a "Mãe de Todas as Ciências", que pode ser sistemática, elucidativa e crítica, embora fundamentalmente seja reflexiva, podendo ser caracterizada como "o estudo que objetiva a ampliação incessante da compreensão da realidade, no sentido de apreendê-la na sua totalidade". Poderíamos dizer que ambas nascem no dia em que o homem se tornou um ser auto consciente, isto é, nascem com a intelectualização do homem, procurando responder três questões que são comumente chamadas, no discurso científico e filosófico, de "O Mistério das Três Origens", isto é, a origem do Universo, da Vida e da Mente, procura essa, que originou, com o passar dos tempos, a estrutura formal de como as Ciências, ditas modernas, são hoje classificadas e constituídas. Em verdade, o que interessa à ciência é responder as perguntas sobre o que não sabemos.


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Em nossa opinião, deve-se valorizar, dentro da epistemologia, a visão de que a Ciência deveria ser neutra, embora não o seja, pois uma gama de interesses está envolvida na produção, na divulgação e na utilização do conhecimento. Portanto, qualquer profissional que se defronte com uma informação científica deve estar atento para os inúmeros fatores relacionados a ela, em todas as etapas.

Outro aspecto prático, na epistemologia, é o de que a ciência é feita por seres humanos, portanto com as mesmas qualidades e defeitos dos "humanos seres". Isso significa que os autores e pesquisadores, por maiores que sejam os seus compromissos éticos e científicos, e mesmo quando atuam em consonância com a epígrafe oriental de Vivekananda de que "qualquer que seja o caminho que sigamos, o que importa é o ardente desejo da verdade", não são neutros e podem influenciar uma pesquisa em todas as suas fases, valendo a pena relembrar aqui a máxima de Rui Barbosa que nos diz que "homem é o erro à procura da verdade".

É muito importante se ter em mente que, ao contrário do que hoje comumente ocorre na divulgação do conhecimento, quer nas escolas ou universidades, quer em eventos científicos, como nos congressos médicos, a dúvida e o cepticismo sobre o que está sendo informado é de suma importância na busca da verdade científica. O adágio que deve ser seguido por todos é o de que a ciência não permite dogmas nem combina com coerção de qualquer forma ou origem. A ausência de questionamentos, discordância, dúvidas e críticas não caracteriza ciência. É doutrinação, é fanatismo, é cientificismo. Em verdade, essa postura não é nova, podendo ser encontrada em Cícero, no século I antes de Cristo, no seu De officiis, no qual afirma que "dubitando ad veritatem pervenimus" (duvidando, chegamos à verdade). Enfim, poderíamos afirmar que "nem tudo que é questionado pode ser modificado e melhorado, mas nada será modificado e melhorado até que se questione". Numa prática "baseada em evidência", devemos seguir a visão de Thomas Kuhn, um dos grandes filósofos da ciência, de que uma aparente verdade científica só merece ser assim considerada, se consegue resistir ao questionamento contínuo da própria comunidade científica. Isto é, "estar verdade", ao invés de "ser verdade".


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Outro importante conceito dentro da epistemologia é o de Paradigma, que significa modelo, norma ou, de uma maneira mais ampla, um típico exemplo, um padrão de pensamento/conceitualização ou uma maneira geral de se considerar um fenômeno dentro do qual os cientistas e pesquisadores normalmente trabalham. Um paradigma é, muitas vezes, tão forte que, mesmo estando completamente equivocado, só é ultrapassado com o enfraquecimento ou o desaparecimento (morte) de seu principal defensor.

Vale a pena lembrar que o atual paradigma científico é o da complexidade, o inter-relacional, multifatorial, também chamado de paradigma quântico relativista ou holístico, que se baseia nos trabalhos de Einstein (Teoria da Relatividade), Bohr e Heisenberg (Princípio da Incerteza), entre muitos outros. Esse paradigma é muito bem simbolizado no chamado "efeito borboleta" de Edward Lorenz, dos anos 60, que afirmou que "o bater das asas de uma borboleta no Quênia pode afetar o clima no Canadá". É o paradigma da "Teoria dos Sistemas" ou da "Totalidade sem Costura", isto é, um objeto quântico está em contato e inter-relação com todos os outros objetos quânticos.

Esse novo paradigma, também, tem um forte componente de "aventura e do incerto". Um instrumento do inacabado e talvez do inacabável, muito bem expresso no Teorema de Bell (incerteza por toda parte). Por isso, mais uma importante dica: o Princípio da Incerteza, que nos faz prosseguir em busca da verdade, indica que você deve ser mais tolerante com a opinião de outros pesquisadores (e com as suas próprias) e sugere que duas boas frases e atitudes devam ser bastante utilizadas: "O que você acha sobre isso ou aquilo?"; "Qual é a sua opinião sobre isso ou aquilo?". Em outras palavras, além de apenas uma "única boca", você deve ter "muitos ouvidos".

Atenção! Atenção! Voltamos a repetir! É muito importante termos em mente que os cientistas observam os dados a serem pesquisados através de "paradigmas" ou conceitos amplamente aceitos no mundo científico, o que os levam, muitas vezes, a uma postura viciada (enviesada), pois tais paradigmas podem levar a um conservadorismo, obnubilando e impedindo de se ver e analisar a realidade de forma diferente do padrão cientificamente


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dominante, o que além de atrasar o conhecimento científico, de uma maneira geral, na assistência à saúde, pode impedir uma melhora na beneficência e causar inúmeras maleficências.

É, também, muito importante ter em mente que, muitas vezes, "informação científica" não é necessariamente igual à "evidência (verdade manifesta) científica". Vale a pena repetir que, para podermos afirmar que um determinado resultado ou achado de uma pesquisa é uma "verdade científica", necessitamos de um conjunto de investigações, metodologicamente corretas, realizadas por diferentes grupos de pesquisadores, de preferência, independentes, e que encontrem os mesmos resultados.

Nessa mesma linha de pensamento, vale a ponderação de que muita informação não significa necessariamente Conhecimento e, menos ainda, Sabedoria, como muito bem observou T.S. Elliot quando perguntou "onde está o conhecimento que nós perdemos em meio a tanta informação?".

Digno é de se refletir sobre a máxima de Francis Bacon de que "saber é poder", contendo vários significados, interpretações e finalidades. Para muitos, a Ciência deveria ser um instrumento do desenvolvimento da humanidade quando então o pesquisador, muitas vezes desde o início do seu processo de criação, está orientado por princípios altruístas, imbuído do espírito de democratizar e popularizar seus achados e utilizá-los para resolver os problemas da sociedade e dos seres humanos. Entretanto o oposto pode ser verdadeiro e, por atitudes egoístas, mesquinhas ou de interesse meramente pecuniário, o Conhecimento, além de tornar-se poder, poderá, até mesmo, ser bastante nocivo à comunidade humana.

A Ciência pode e deve estar a serviço do desenvolvimento e ampliação do Conhecimento como um meio e um fim em si mesma, como um instrumento do desenvolvimento da humanidade, como um instrumento para responder àquele velho enigma do "quem sou eu, de onde vim, para onde vou". Entretanto, encontramos aqueles, e em número cada vez maior, que já não mais acreditam na ciência altruísta e nela vêem apenas uma face de um tipo de sistema econômico e político no qual a ciência e a tecnologia estão, apenas, a serviço do capital e têm altíssimo apreço pelo lucro e não, pelas


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pessoas. Concordemos ou não com essa visão crítica, ela nos lembra que o fator econômico influencia fortemente o conhecimento científico, devendo ser sempre considerado como uma possível fonte de tendenciosidade na produção do conhecimento, fato este freqüentemente negligenciado. Vale a pena lembrar o dito popular de que "quem paga a banda escolhe a música", isto é, o interesse financeiro foi, é, e sempre será um fator de monta, com aspectos positivos e negativos, na pesquisa científica e nas suas aplicações. O método epidemiológico, por exemplo, é um instrumento politicamente neutro, embora existam vários fatores em jogo que vão definir como o instrumento epidemiológico vai ser usado.

Vale a pena ressaltar também que a competição dentro da ciência é feroz, tanto quanto, ou mais, do que na própria sociedade. Existem grupos que dominam a Ciência e outros dominando as revistas científicas. Para a publicação de um artigo, existe uma arbitragem, geralmente competente, embora também possa ser competidora. No meio científico, infelizmente, existem relatos e queixas de trabalhos e pesquisas que foram recusados apenas para permitir a publicação de um concorrente. Além disso, dentro da ciência, também é preciso lutar contra a ignorância, a má vontade, a mesquinharia, a "baixaria" e ter cuidado com as brigas pelo poder. Infelizmente, as "entranhas" da comunidade científica e acadêmica não têm nada de "glamour".

Não se esqueça que toda pesquisa científica começa por uma dúvida, um questionamento, uma crítica ou uma discordância. Entretanto, deve-se ter em mente que não existe nada mais difícil de fazer, mais perigoso de conduzir ou mais incerto sobre o seu sucesso do que tomar a liderança na introdução de uma nova ordem de coisas, como dizia Maquiavel, pois tudo o que é novo, desafia, incomoda, mexe com o dia-a-dia das pessoas e gera resistência. Por isso, quando a ciência introduz novo conceito ou conhecimento, que discorda das teorias anteriores, existe polêmica e muita reação. Portanto, lembre-se de que fazer ciência, muitas vezes, é desafiar a ordem existente, principalmente se for através de idéias originais, pois a ciência, como foi dito anteriormente, é conservadora, havendo maior chance de esse tipo de contribuição ser rejeitado. Nesses casos, sempre que há uma nova descoberta, os próprios


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"homens da ciência" muitas vezes se opõem vigorosamente à "nova verdade". Algumas vezes, posteriormente, tentam monopolizá-la, pois, como afirmava Thomas Kuhn no seu livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", a ciência freqüentemente suprime novidades fundamentais, porque elas são necessariamente subversivas de suas lealdades básicas.

Em verdade, um pesquisador, que não vive refém de paradigmas, não deve ter vergonha de mudar de opinião assim como um verdadeiro cientista não confunde "valor estatisticamente significativo" com "risco versus benefício" e "custo versus benefício"; isto é, um pesquisador ou profissional, após verificar que uma hipótese ou um tratamento ou uma conduta/intervenção é melhor do que outro, não deve levar em consideração apenas a "verdade estatística", tendo que verificar se os achados são merecedores de serem utilizados do ponto de vista do impacto e das perspectivas éticas e bioéticas. Infelizmente, existem inúmeros exemplos de "verdades estatísticas" que não deveriam estar sendo usadas, principalmente no dia-dia da assistência e prevenção.

Dicas finais deste capítulo: Não se esqueça! Nem tudo que é estatisticamente significativo é valoroso de ser utilizado (tome isso como um paradigma para a sua vida, como profissional e como pesquisador) e, finalmente, tenha em mente que o sucesso da ciência tende a obnubilar as percepções. Em verdade o método científico não oferece certezas. É importante frisar novamente: a Ciência opera sem certezas definitivas. As verdades científicas são, antes de tudo, hipóteses heurísticas, isto é, método analítico para o descobrimento de verdades científicas, eternamente provisórias. Portanto, poeticamente, a Ciência é uma viagem rumo ao desconhecido, no qual o bilhete da passagem é o processo de validação empírica e o erro, sempre presente, companheiro desta jornada.

Atenção! A "ausência de evidência" não significa "evidência de ausência". Se alguém não conseguiu provar a sua hipótese não significa que a hipótese não seja verdadeira. Apenas não existe evidência que lhe dê suporte.

Atenção novamente! "Implausível" é um termo muito mal compreendido, principalmente para os não iniciados em pesquisa científica.


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Para eles, isso significa algo como "jamais", "nunca" ou "impossível". Já os "iniciados", que devem ser críticos e cépticos, sabem que ganhar na loteria é também implausível, embora isso aconteça toda semana para alguém. Portanto implausível significa que, embora algo possa vir a acontecer ou possa ser real ou verdadeiro, tem poucas chances de que realmente venha a acontecer e poucas chances de que seja real ou verdadeiro, mas nunca, nunca, impossível. Quando a lógica e o racional não funcionarem, dê uma chance para o improvável, implausível. Diríamos, até mesmo, dê uma chance para o irracional e ilógico.

Lembre-se sempre de que a Ciência é também dialética e necessita de teses, antíteses e novas sínteses, que se tornarão novas teses e assim progressivamente, para que haja evolução científica. Não permita que o sucesso da ciência turve as suas percepções. Tenha em mente que a pesquisa pode ser compreendida como atitude processual diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade nos impõem. Desta forma, o conhecimento é um processo diário, que não começa nem acaba: "conhecer faz parte do conceito de vida criativa". Ressalte-se também que, na maioria das vezes, "criar não é retirar algo do nada". É um processo de digestão própria, de colorido pessoal em algo retirado de outrem. Portanto a pesquisa pode ser compreendida, também, como a capacidade de elaboração, própria, de uma característica da natureza, até mesmo já estudada (não importando se muito ou pouco observada).

E não esqueça nunca, como bem o diz o físico brasileiro Mario Novello, que a variabilidade do Mundo e do Universo é inesgotável e nenhuma teoria vai ser capaz de abarcar tudo que "há lá fora" de forma definitiva. Ou como costumamos dizer: "Ainda não sabemos o suficiente"; eis a máxima, de bom senso, que deve orientar o pesquisador que já atingiu sua maturidade científica.

Antes que o ilustre leitor se irrite com tanta divagação, para concluir, gostaríamos de citar Bertand Russel que afirmou, com muita pertinência, que "o grande problema do mundo é que os bobos e os fanáticos estão sempre absolutamente convictos de suas posições, enquanto os sábios estão cheios de


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dúvidas".

No próximo capítulo vamos tentar ajudá-lo a construir seu protocolo de pesquisa.


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4. PREPARANDO UM PROJETO DE PESQUISA

O principal objetivo de um projeto ou protocolo de pesquisa é o de deixar claro o que será pesquisado, por quem, por que, para que, para quem, onde, como, em quem ou em que, com que cuidados, quando e com quanto. É também um instrumento legal e ético, não sendo hoje permitido no Brasil, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), através de suas resoluções, o início de uma pesquisa sem a sua elaboração e aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), reconhecido pela CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), de preferência, o da instituição na qual você irá realizar o estudo. No caso de inexistência de um CEP, no local onde você irá colher os seus dados, você poderá dar entrada em outro comitê, que pode ser o da instituição de assistência, ensino ou pesquisa à qual você está ligado.

Vale lembrar que a investigação científica é diferente daquela "pesquisa escolar ou ilustrativa", que nem sempre traz consigo o rigor nem é baseada em métodos que servem para validar os conhecimentos que estão sendo criados ou ampliados. Existe um processo lógico, subjacente à pesquisa científica, expresso na necessidade de que a "prova" reside num argumento verificável por observação, que deverá ocorrer se a hipótese considerada for verdadeira, em certas circunstâncias bem determinadas. Em outras palavras: 1) formula-se uma hipótese; 2) a hipótese é submetida à experimentação empírica; 3) os dados são coletados e analisados; 4) os resultados comprovam ou rejeitam a hipótese estudada; 5) as conclusões podem ou não, até mesmo, virar uma teoria, uma Lei Científica. É esse "processo lógico" que, "preto no branco", o seu projeto terá que expressar e explicitar.

Leve em consideração que o protocolo serve também como um instrumento de convencimento de alguém ou de alguma instituição, de que sua pesquisa é a "coisa mais importante e mais bem elaborada do mundo". Portanto, esforce-se ao máximo, desde o início, ou seja, a partir do título de seu protocolo de pesquisa ou da primeira linha da primeira folha.

Todo protocolo ou projeto de pesquisa deve ter um roteiro mínimo, formal, no qual deve constar: 1. Apresentação, Identificação e Índice; 2.


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Resumo; 3. Introdução, embasamento teórico/revisão ou revista da literatura/estado da arte; 4. Justificativa; 5. Objetivos (geral e específicos) e/ou hipóteses/perguntas; 6. Metodologia ou Materiais e Métodos ou Sujeitos e Métodos (desenho do estudo; tamanho amostral; critérios de seleção; procedimentos; variáveis pesquisadas, definições; tipo de análise); 7. Aspectos Éticos; 8. Cronograma; 9. Orçamento/Custos; 10. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (no caso de pesquisas que envolvam seres humanos); 10. Bibliografia; 11. Anexos.

Não se desespere! Não existe protocolo, nem trabalho científico e nem pesquisa perfeita. Além disso, todas essas etapas serão discutidas e detalhadas logo adiante; mas lembre-se de que numa pesquisa tudo deve estar "explícito", a começar pelo protocolo. Não dá para "subentender" nada. Tudo tem que estar bem claro e sem subterfúgios, embora possa estar sintético.

O protocolo serve, também, para clarear a mente do pesquisador e amadurecer as suas "idéias", devendo ser visto também como um instrumento de convencimento de que sua proposta é interessante, relevante e tem alcance sócio-econômico-epidemiológico. Lembre-se de que muita gente não mais aceita a visão de que o conhecimento ou sua produção é um bem absoluto em si mesmo e pode estar desvinculado de seus impactos para a sociedade e/ou humanidade, em qualquer de seus aspectos possíveis.

4.1. APRESENTAÇÃO

A apresentação deve incluir a folha de rosto ou capa e a segunda folha. A folha de rosto serve basicamente como um "cartão de visita" da sua pesquisa, trazendo sua identificação básica, isto é: título da pesquisa; nome do pesquisador principal e dos orientadores (se for o caso); nome da instituição, organização ou departamento ao qual está ligado o autor principal ou a qual se propõe a realizar ou dar suporte a pesquisa; mês e ano. Atualmente existe uma outra "folha de rosto", que é a exigida pela CONEP e se encontra à disposição em qualquer CEP, devendo ser preenchida e assinada pelo pesquisador principal, além de ser necessária a assinatura do responsável pelo local onde será desenvolvido o estudo ou por alguém designado pela direção


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da instituição, ou termo de concordância para a realização deste.

O título deve ser o mais curto, preciso e conciso possível, embora deva deixar bem claro seu objetivo, de preferência, o geral e/ou as variáveis mais importantes do estudo. Se for possível, coloque no título o tipo de desenho do estudo e a população/universo que será investigada/o. Não se esqueça: o título precisa estar em consonância com os objetivos gerais.

A segunda folha é a continuação da identificação de todos os pesquisadores que compõem a equipe, agora com detalhes relevantes, tais como nome completo, status profissional, identidade, registro no respectivo conselho, endereço e telefone.

Continue com o seu esmero estético (que você começou na primeira linha, lembra-se?). Se você é cuidadoso com a apresentação, uma mensagem subliminar é passada: "Esse/s autor/es vai/ão ter o mesmo esmero em todas as fases da pesquisa". O contrário também é verdadeiro. Má apresentação sugere que o pesquisador é possivelmente um descuidado e ninguém, nem você mesmo, financiaria em quem você não confia, não é mesmo? Além disso, em todas as etapas, você será visto com reservas pelos seus pares, a começar pelos membros do Comitê de Ética em Pesquisa.

No índice, deve constar a relação das partes do trabalho, na ordem em que aparecem, indicando o número da página inicial.

4.2. RESUMO

Deve conter, sempre que possível, de uma forma breve, a relevância epidemiológica, social e científica do tema a ser estudado (que você irá ampliar na revisão da literatura ou na justificativa) e, sumariamente, sua originalidade local e/ou regional, e/ou nacional e/ou internacional. Além disso, devem estar presentes os objetivos que norteiam o estudo, a metodologia a ser utilizada (desenho do estudo, o instrumento de coleta dos dados e de como será feita a análise dos dados coletados) e as possíveis implicações ou desdobramentos que os seus resultados terão, quaisquer que forem estes, como suporte ou não, de sua/s hipótese/s.

Não se esqueça de que aqui você começa a "vender o seu peixe".


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Repetindo, para você fixar: no resumo deve sempre constar, pelo menos, a justificativa e a pergunta a ser respondida pela sua pesquisa ou os objetivos e, também, de forma bem sucinta, os sujeitos e os métodos.

Sintetizando: Proporcione ao leitor (que, inicialmente, serão os seus pares) uma visão global da pesquisa que será realizada.

4.3. REVISÃO DA LITERATURA E JUSTIFICATIVA

A revisão da literatura também denominada, dependendo da escola, como Revista da Literatura, Embasamento Teórico, Estado da Arte ou Quadro Teórico, é o ato de recorrer a autores para dar sustentação aos seus objetivos, podendo ser mínima ou sintética, mas, idealmente abrangente e sempre atualizada. Além disso, deve conter, de preferência, a primeira ou uma das primeiras referências internacionais, e/ou nacionais e/ou regionais, e/ou locais, relativas à temática central e, principalmente, as mais importantes. Mesmo quando sintética, ela deve ser organizada, seguindo uma seqüência lógica, uma linha de pensamento, definindo claramente, o problema ou o tema a ser estudado, fazendo uma ponte entre ele e o corpo de conhecimento, acerca dele, disponível.

Se possível, seja crítico em relação a algum aspecto esquecido em outros estudos, valorizando a sua própria pesquisa. É importante contextualizar o tema, indicando sua/s possível/eis natureza/s ou causa/s, sua extensão e desdobramentos. Na revisão das principais teorias relacionadas ao tema, se for o caso, é também importante uma avaliação crítica pessoal, junto com uma sistematização de conceitos e, se necessário, um modelo de predição ou de relações através de diagramas, por exemplo, mostrando esquematicamente como as variáveis aparentemente se relacionam ou interagem ou, pelo menos, como você acredita que a realidade funcione. Identifique, nos textos estudados, questões que merecem aprofundamento.

A justificativa deve explicar porque e para que o trabalho deve ser realizado, valorizando a relevância social, epidemiológica, médica, econômica e científica do estudo proposto e as possíveis repercussões positivas dos resultados, diretas e indiretas, e sua aplicabilidade.


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Não esqueça que o embasamento teórico é, também, uma argumentação a favor do seu estudo. Caracterize bem o problema e o corpo de conhecimento sobre este, delimitando-o. Valorize a originalidade de seu estudo. Ele pode ser original internacionalmente ou nacionalmente. Mas pode ser também original regionalmente ou, apenas, localmente. Se não houver nenhuma originalidade, valorize sua repetição em termos de custo/benefício social ou do ponto de vista epidemiológico ou histórico ou, ainda, a importância de sua repetição para a validação de achados anteriores. Aponte pequenas diferenças com estudos anteriores ou a utilização de uma metodologia diferente ou mais adequada ou ainda, ressalte que uma nova casuística permitirá conclusões com uma validade interna maior. Ou, pelo menos, valorize-o como uma forma de treinamento para pesquisas futuras, relevando sua importância como parte de uma iniciação científica individual ou de um grupo. Lembre-se sempre de que é impossível realizar dois estudos absolutamente iguais.

Novamente, não se esqueça de que você está convencendo alguém ou uma instituição de que a sua pesquisa é importante de ser realizada. Portanto, esforce-se ao máximo nesta etapa. Seja competente. Convença-a de que vale a pena gastar tempo e recursos financeiros (algumas vezes, bastante dinheiro) na sua pesquisa.

Atenção para a precisão da linguagem, evitando metáforas e adjetivos, pois uma pesquisa não é um panfleto político nem uma atividade poética. Aliás, em ciência, em nenhuma situação, se deve utilizar as palavras "óbvio, nunca, sempre" ou expressões como "está na cara". Você estará sendo analisado, e sua revisão será julgada pela sua abrangência, atualidade, nível de organização e síntese e, não menos importante, pela sua habilidade crítica.

Alguns grupos gostam de separar introdução, revisão da literatura e justificativa assim como outros não admitem citações na justificativa. Portanto, procure saber se na instituição onde você está apresentando o projeto de pesquisa existe uma padronização específica ou uma normatização.

Para a revisão da literatura, você pode utilizar o Index Medicus (que são publicações encontradas em todas as boas bibliotecas institucionais) e vários databases, como MEDLINE (considerado por muitos como a melhor


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fonte em termos de custo-benefício), o LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), a Biblioteca Cochrane (um ótimo site de compilações de revisão sistemática), o MEDSCAPE e o MD Consult (Clinical Information for Physicians). Utilize, também, os "site de busca" da internet, como o Cadê, Google e o Altavista que podem trazer alguma informação só publicada eletronicamente (improvável, mas possível). Uma bela dica, para encontrar as referências mais antigas, é utilizar-se de livros textos clássicos, não se esquecendo de colocar entre aspas o que foi copiado de outros autores (não se preocupe, além de valioso, porque economiza tempo, é também ético). Mas, sempre que citar outros autores, lembre-se de que deve dizer o que a referência tem a ver com suas idéias, em que contribui para a pesquisa e se você ou outros autores, concordam ou discordam com o que está sendo dito.

Abaixo vão alguns endereços úteis da internet para você fazer sua revisão bibliográfica:

WHO PUBLICATIONS (www.who.int/dsa/);

MED LINE (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/);

BIREME (www.bireme.br);

MEDSCAPE (www.medscape.com);

MD Consult (www.mdconsult.com);

Existem várias bibliotecas virtuais, na internet, conhecidas com portais, que não só o/a ajudam na pesquisa de dados como permitem acesso e impressão dos artigos que lhe sejam úteis. Dentre muitas, destacamos o brasileiro SciELO (Scientific Electronic Library Online), criada pela Bireme, Fapesp e o CNPq (www.scielo.br), permitindo-lhe acessar, apesar do nome em inglês, periódicos nacionais de qualidade. O Prossiga, do Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq e IBICT) também é muito valioso (www.prossiga.br). A CAPES possui, também, um excelente portal, inclusive muito pouco utilizado, que fornece acesso a diversos periódicos científicos (nacionais e internacionais) de todas as áreas do conhecimento


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(www.periódicos.capes.gov.br). Outros importantes sites são o EurekAlert, mantido pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (www.eurekalert.org) e o Galileo, este europeu, com página em português (www.alphagalileo.org).

4.4. OBJETIVOS/HIPÓTESES/QUESTÃO DA PESQUISA

As finalidades do seu estudo devem ser expressas naquilo que é convencionalmente chamado de objetivos gerais e específicos de uma pesquisa, que tanto podem ser o de testar uma hipótese ou responder a uma ou mais perguntas (chamada pelos autores de língua inglesa de "research question/s"). Alguns grupos ou autores admitem, ambos, objetivos e hipóteses. Nesse caso, para cada objetivo deve haver uma hipótese. Isto significa dizer que, para cada questão que você formula sobre a realidade que vai ser pesquisada, supõe-se uma ou mais respostas, pois pesquisa é justamente a demonstração de suas suposições através de "um modo científico".

Uma hipótese é uma afirmação baseada em conhecimento ou informação, empírica ou não, que tem ou deve ser provada ou rejeitada, devendo sempre ser elaborada numa forma que ela possa ser testada, de preferência numa relação entre duas variáveis, sendo uma dependente e uma independente. Atenção! A hipótese deve ser explicitada da forma mais clara possível. Portanto, não basta dizer que: A influencia B. É necessário dizer de que maneira: se é para mais ou para menos; se para melhor ou para pior.

Atenção novamente! Independentemente de você optar por objetivos ou hipóteses ou responder a questões, eles/elas devem sempre ter uma coerência total com a justificativa do seu estudo e com a revisão bibliográfica.

Os objetivos devem ser claros, para não deixar dúvida sobre o que exatamente se quer medir ou estudar, descritos em termos mensuráveis e, principalmente, devem traduzir a intenção do estudo. No objetivo geral, procure usar verbos com significado amplo, como, por exemplo, estudar, investigar, conhecer e, de preferência, apenas um só. Já nos objetivos específicos, dependendo logicamente destes, utilize verbos que exprimam mais essa especificidade, como, por exemplo, medir, verificar, comparar, isto é, aquilo


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que você vai fazer. O objetivo geral está no "ar", enquanto que o especifico está na "terra". Nunca um objetivo, numa pesquisa, é demonstrar alguma coisa e, sim, testar hipóteses ou estudar algo (cuidado com o viés de autor). Os objetivos específicos não podem ser muito amplos, incluindo muitas categorias como, por exemplo, "verificar o apoio (ou rejeição) ao aborto". Em verdade, pode estar aí incluído apoio emocional, financeiro, marital etc.

Super atenção! Cuidado com o "já que" ou "fishing exercise" (já que estou entrevistando, deixe-me perguntar mais uma coisinha; já que estou em campo, deixe-me coletar mais alguns dados, já que etc, etc, etc), pois toda pesquisa precisa ter limites. É importante colocar limites, se não se corre o risco de não terminá-la. Usar um estudo para procurar alguma coisa, para a qual ele não foi desenhado, pode ser inclusive perigoso e com validades (interna e externa) questionáveis.

Existem tipos de estudo que, a princípio, não comportam uma hipótese, como, por exemplo, os puramente descritivos. No caso de utilizar hipóteses, lembre-se de que deve haver uma para cada objetivo específico.

Mais uma super dica: o objetivo tem que estar relacionado com as hipóteses, que por sua vez, tem que se relacionar com as variáveis, sendo que essas últimas devem estar presentes no instrumento de coleta de dados. Não faz sentido você ter um número diferente de objetivos e hipóteses, devendo para cada objetivo ter uma hipótese.

4.5. METODOLOGIA

Essa seção do seu protocolo, também conhecida como "Materiais e Métodos" ou, no caso de pesquisa com seres humanos, "Sujeitos e Métodos", inclui vários sub-ítens, como o desenho do estudo, tamanho amostral, critérios de seleção (de inclusão e de exclusão), procedimentos, variáveis pesquisadas (independentes e dependentes) e sua operacionalização.

4.5.1. Desenho do estudo: Na seção do seu protocolo relacionada ao desenho do estudo, você tem que especificar o tipo de pesquisa que você irá realizar, sendo que este irá depender fundamentalmente dos propósitos, dos


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recursos disponíveis e das questões éticas. Os principais tipos de estudo, particularmente na área da saúde, podem ser agrupados em, pelo menos, oito diferentes maneiras, em relação a sua abordagem principal:

· Empíricos ou não empíricos: as empíricas são aquelas pesquisas nas quais os dados são obtidos através de um estudo de campo ou experimentação. Como não empíricas, poderíamos citar as pesquisas históricas, filosóficas e teóricas.

· Observacionais ou experimentais (intervencionais): quanto ao controle do observador em relação ao que está sendo investigado ou irá ocorrer durante a pesquisa, ou se sua participação no estudo é ativa no desencadeamento do que está sendo investigado (experimentais) ou passiva (observacionais). Entre os observacionais, destacam-se as Coortes, os Transversais e os Caso-controles. Entre os experimentais, vale a pena destacar os testes com novos medicamentos e vacinas.

· Longitudinais ou transversais: quanto à duração de tempo da observação dos eventos estudados. Os exemplos típicos de estudos longitudinais são os do tipo Coorte, Caso-controle e de Incidência. Entre os transversais, destacam-se os do tipo "Survey" e os estudos de Prevalência.

· Prospectivos ou retrospectivos: quanto ao tempo da relação causa-efeito ou exposição-resultado, em termos de passado-presente-futuro. O que mais exemplifica os prospectivos são as Coortes, enquanto que os do tipo Caso-controle são o modelo para os retrospectivos.

· Individuais ou populacionais: quanto aos sujeitos da pesquisa. Bons exemplos de individuais são os estudos de "caso" ou de "série de casos", enquanto que, paradigmaticamente, os Censos exprimem bem o que são Estudos Populacionais assim como os chamados Estudos Ecológicos.

· Qualitativos ou quantitativos: quanto à abordagem de análise das variáveis estudadas, utilizando apenas interpretações ("puramente" qualitativos) ou valores numéricos para a quantificação e cálculos dos


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achados (quantitativos).

· Descritivos ou analíticos: também quanto à abordagem de análise, oferecendo, apenas, freqüências e percentuais ou realizando cálculos como odds ratio, riscos relativos e valores preditivos.

· Indutivos ou dedutivos: Quanto ao método filosófico, isto é, do particular para o universal (generalização), considerado como empirista e prático, ou o contrário.

Dica muito importante: Não se preocupe muito com essas classificações dicotômicas, motivo de discussão dentro da comunidade científica e, até mesmo, entre os epidemiologistas e os estudiosos da metodologia científica. Como visto nos exemplos anteriores, um mesmo tipo de estudo pode ser classificado de diferentes maneiras. O importante é conhecer bem cada tipo de estudo, suas indicações, suas vantagens, desvantagens e limitações assim como os riscos de vieses (vícios) inerentes a cada um. Muitas vezes, um tipo de estudo pode ser desenhado de tal forma que pode ter várias características. O importante é utilizar um desenho que permita atingir os objetivos traçados, com a maior validade interna e externa possível e a um custo aceitável, em termos financeiros. Portanto, certifique-se de que o tipo de estudo é realmente o mais adequado para se chegar a uma resposta ao problema identificado. Justifique-o e avalie suas vantagens e limitações e, principalmente, não se intimide em pedir ajuda.

Os principais conceitos que você deve ter em mente são: todo estudo deve ser desenhado para gerar resultados válidos; todo estudo deve ser ético; todo estudo deve ser eficiente em termos de informação, tamanho e custo ("cada centavo conta", é uma máxima muito popular na Inglaterra); todo estudo deve ser factível, isto é: não basta ser muito bem elaborado do ponto de vista teórico. Ele tem que ser viável e passível de ser realizado com os recursos humanos, de tempo e financeiro de que o pesquisador possui. Além disso, é preciso ter a clareza e previdência de que todos os estrangulamentos práticos do projeto têm chance de serem superados, principalmente aqueles que envolvem terceiros. Cuidado com a Lei de Murphy (leia com atenção,


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mais adiante).

4.5.2. A Amostra e seu Tamanho: A amostragem é feita, para que você não precise estudar toda uma população e, sim, apenas um recorte desta, desde que seja representativo.

É fundamental descrever que tipo de amostragem será usada, seu tamanho, os critérios para seu estabelecimento e os procedimentos utilizados para selecionar a população a ser investigada.

As três maneiras de seleção mais comuns são a escolha aleatória (ou randomizada), a sistemática ou a incidental. A randomizaçao é um método de amostragem no qual a escolha dos casos e dos controles é feita ao acaso, sendo que cada sujeito da pesquisa tem a mesma chance de estar num grupo ou no outro, garantindo a comparabilidade entre eles, de forma a não influenciar os resultados por um vício de seleção. Os dois métodos mais comuns de se fazer a randomização são a tabela de números randomizados ou uma lista de randomização, gerada por um programa de computação.

Já a amostragem sistemática consiste em incluir os possíveis potenciais sujeitos através de intervalos regulares, como em uma lista (por exemplo, a cada 5 ou 10 ou 20, etc) ou através de números de leitos de uma enfermaria (o primeiro, o quarto, o sétimo, etc) ou através de uma quantidade fixa de prontuários. Esse tipo de amostragem, para alguns autores, é potencialmente comparável a uma randomização.

A incidental ou acidental, também conhecida como "amostragem de conveniência", é aquela na qual a abordagem para seleção dos casos é feita casualmente, em que todos os que aceitam participar são selecionados, como por exemplo, em um estudo sobre conhecimento, atitudes e práticas, na qual todas as pessoas que foram abordadas na fila de um supermercado respondem oralmente a um questionário sobre terapia de reposição hormonal. É a mais suscetível a vieses e para muitos só teria lugar em pesquisas exploratórias nas quais o objetivo do investigador é o de apenas "sentir" a situação ou "arranhar superficialmente" a realidade. (Dica preciosa: em verdade, se você prometer não contar a ninguém, nós poderíamos afirmar que todas as pesquisas, sem


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exceção, são exploratórias, porque a realidade é muito complexa).

Existe, ainda, a estratificada, quando a população de estudo consiste de distintos subgrupos (como, por exemplo, sexo e idade ou de diferentes regiões geográficas), a multi-etapas (como, por exemplo, uma primeira amostragem randomizada de escolas e depois uma nova amostragem randomizada das crianças de cada escola selecionada) e por "cluster" (no exemplo anterior, ao invés de uma amostragem das crianças, todas seriam analisadas, nos casos em que isso acarrete um custo muito pequeno), estratégias de amostragem essas que, como são assuntos que fogem ao escopo deste manual, não serão aqui aprofundadas.

Quanto menor a população que você quiser investigar menor será sua amostragem e vice-versa. Entretanto, um tamanho amostral inadequado, principalmente para subdivisão em estratos, predispõe a erros estatísticos do tipo II, em que uma diferença real não pode ser demonstrada devido ao número insuficiente de sujeitos, quer casos ou controles, reduzindo o valor do estudo. Daí o porquê das meta-análises de estudos comparáveis, em que se tenta aumentar o número de sujeitos, somando os casos estudados em vários estudos com metodologia semelhante. Um correto tamanho amostral é importante para tentar controlar o erro aleatório, embora seja bom lembrar que ele não controla o erro sistemático (viés ou bias).

As técnicas de amostragem são tão importantes que, para exemplificar, entrevistando 2000 a 3000 pessoas, é possível ficar sabendo o que toda a população brasileira (cerca de170 milhões) pensa sobre uma determinada coisa ou assunto, com erros variando de 2 a 3 por cento. Parece inverdade, mas é fato.

Em verdade, o cálculo do tamanho da amostra costuma ser uma fonte de dores de cabeça para todo pesquisador, principalmente se seu trabalho é original e não existem dados na literatura que possam ajudá-lo nesses cálculos. Mas você pode ser prático utilizando o programa Statcalc, no software EPI-INFO na versão 6.0 ou outra mais atualizada. O intervalo de confiança deve ser de, no mínimo, 95%, e o poder de seu estudo, de 80%. Num estudo comparativo, a melhor razão de doentes e não doentes, ou expostos e não


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expostos, deve ser 1:2, embora possa variar de 1:1 até 1:3. Já a freqüência de exposição entre os não doentes e os doentes e a freqüência estimada de exposição entre os doentes, assim como a Odds Ratio, muitas vezes depende de dados já constantes na literatura ou de uma perigosa estimativa subjetiva. Se não, e de maneira correta, você vai ter que fazer um estudo piloto para ter um referencial mínimo da realidade.

Se você for trabalhar com um banco de dados secundários, uma boa dica é utilizar os dados do Sistema Unificado de Saúde (SUS), que se encontram no site DATASUS, do Ministério da Saúde (http://tabnet.datasus.gov.br).

Lembre-se que, de uma maneira geral, sem levar em conta vários aspectos, em investigações que não envolvam variáveis infreqüentes ou raras, uma amostra com menos de 100 casos geralmente é pequena; entre 100-300 é boa; e acima de 400 pode ser demais. Em um estudo totalmente qualitativo, esse número é geralmente muito menor.

Dica das dicas: Procure um estatístico e peça ajuda! E, por favor, não diga a ninguém que nós escrevemos esse último "pragmático parágrafo".

Esclarecimento para os "não iniciados": O EPIINFO é um programa estatístico que vem acompanhado de um processador de texto e um banco de dados, para microcomputadores, que lhe permite e o ajuda na construção de questionários, armazena seus dados e realiza vários tipos de análises. É produzido por uma equipe da Divisão de Vigilância e Epidemiologia do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em Atlanta, na Geórgia, USA, sendo um programa de domínio público, isto é, pode ser reproduzido e distribuído livremente, sem nenhuma restrição. Pode ser obtido na internet no endereço: ftp.cdc.gov. Fácil de trabalhar, auto-explicativo e com exercícios.

4.5.3. Procedimentos: Nesta seção do seu protocolo, você vai descrever como será a coleta de dados, incluindo detalhes do local, a maneira e os instrumentos para essa coleta e suas diferentes etapas, inclusive a validação do instrumento de coleta e o controle de qualidade das técnicas adotadas, como, por exemplo, o treinamento dos técnicos e a padronização das técnicas utilizadas.


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Conte tudo de maneira detalhada. Seja minucioso e lembre-se, mais uma vez, de que, numa pesquisa, nada é implícito. Tudo deve ser explícito! Não se esqueça de anexar ao protocolo o seu instrumento de coleta de dados.

Se você for usar questionários, não os faça muito longos. Entre 20 a 40 questões está excelente. Como todo instrumento de pesquisa, os questionários têm vantagens e desvantagens. Dentre as vantagens, destacamos:

1) possibilidade de ser oferecido a várias pessoas num único momento, economizando tempo;

2) pode ser respondido anonimamente, o que pode aumentar a confiabilidade das respostas;

3) facilita a análise e a codificação das respostas;

4) diminui os riscos de influência dos indivíduos que estão coletando os dados.

Em relação às desvantagens, vale a pena apontar:

1) Necessidade de cuidados e testes pilotos para avaliar a confiabilidade das respostas e a validade interna destas;

2) Dependendo do questionário, podem ser dispendiosas a sua imprensão e reprodução;

3) Pode limitar opiniões e contribuições, que poderiam contribuir qualitativamente;

4) Por falta de explicações e esclarecimentos, pode prejudicar a acurácia das respostas;

5) Algumas pessoas não gostam de responder questionários;

6) Algumas pessoas vão preencher como se estivessem fazendo uma prova e, portanto, querendo "acertar" a resposta ou agradar o pesquisador, principalmente se o mesmo é uma figura conhecida e/ou respeitada, e/ou tem posições e opiniões muito conhecidas;

7) O pesquisador perde a oportunidade de esclarecer respostas não claras, no caso de perguntas abertas.

Outra opção para a coleta de dados é a entrevista, que pode ser


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estruturada ou não. Na estruturada, o entrevistador segue uma lógica de perguntas, ou até mesmo, usa um questionário com as perguntas pré-formuladas, isto é, um questionário "verbal". As maiores vantagens de uma entrevista são:

1) O entrevistador pode esclarecer aspectos e dúvidas do sujeito;

2) Os entrevistados podem emitir opiniões e contribuições, que podem contribuir quali-quantitativamente, enriquecendo seu estudo;

3) O pesquisador pode solicitar esclarecimentos aumentando a qualidade dos dados;

4) Em uma entrevista não estruturada, alguns aspectos de importância, que surgem espontaneamente, podem ser aprofundados;

Como desvantagens de uma entrevista, podemos citar:

1) O entrevistador precisa ser treinado em técnicas de entrevista. Lembre-se de que sexo, idade, todas as atitudes, palavras, comportamentos, trejeitos e, até mesmo, um simples olhar, ou uma mímica facial, pode influenciar os entrevistados e as respostas. O contrário também é possível, apesar de menos comum.

2) Os entrevistados, para manter uma boa relação com o entrevistador e agradá-lo, podem falsear as respostas;

3) Entrevistas são dispendiosas em termos de tempo;

4) Tanto a coleta dos dados de entrevistas quanto a sua codificação e sua análise, podem trazer dificuldades;

5) A questão da anonimidade é merecedora de reflexão do ponto de vista ético.

Vale a pena, nesse momento, tecer algumas breves considerações sobre originalidade, confiabilidade, validade e reprodutibilidade.

A originalidade pode ser muito importante para um estudo. Entretanto, essa originalidade, como dito anteriormente, dependendo de seu objetivo,


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não precisa ser necessariamente internacional ou nacional. Muitas vezes, por ser um estudo inédito em nível regional, pode ter repercussões e conseqüências bastante importantes e positivas. Outras vezes, sua originalidade pode ser, apenas, local e, mesmo assim, proporcionar uma importante contribuição à população assistida naquela instituição ou ser um instrumento de transformações locais, podendo ser de muito mais valor para aquela comunidade do que um trabalho original em nível internacional (infelizmente existe um grupo de pessoas que não concordam nem aceitam essa visão).

E se não é original? Tubo bem, como dito anteriormente, desde que haja uma contribuição prática ou teórica para o assunto como, por exemplo, a utilização de uma metodologia mais adequada ou uma nova ou maior casuística que permitiria conclusões com uma maior validade interna.

Outro conceito que todo pesquisador deve ter em mente é o da confiabilidade (reliability, em inglês). Sempre um pesquisador deve se perguntar se os seus resultados podem ser replicados dentro das mesmas condições por qualquer um que queira repetir a sua pesquisa, isto é, haverá a concordância ou coincidência dos resultados da pesquisa quando for repetida? Será que você mediu corretamente aquilo que você queria medir? Seus instrumentos são os mais indicados para medir o que você quer medir? Sua variável dependente é uma variável estável? Essas são reflexões que sempre devem ser levadas em conta quando se pensa na confiabilidade dos resultados encontrados. Para alguns autores, confiabilidade é sinônimo de reprodutibilidade.

Devemos ter sem mente que a melhor reprodutibilidade é obtida em trabalhos realizados em laboratórios, onde as condições ou variáveis estão teoricamente controladas, sendo que os fatores que mais contribuem para uma menor reprodutibilidade dos métodos de investigação epidemiológica são as variações individuais e as variações entre os observadores.

Já a validade interna (internal validity) de seus resultados está relacionada com as variáveis confundidoras (confounders), isto é, podem seus resultados ser explicados ou determinados por outras variáveis que não aquela que você está estudando?

Em relação à validade externa (external validity ou generability), é


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importante se questionar se os resultados encontrados podem ser generalizados. Por exemplo: os resultados obtidos na Maternidade da Encruzilhada, no Recife, podem ser generalizados para todo o Recife? Para todo o Grande Recife? Para todo o Nordeste? Para todo o Brasil? Ou, em outro exemplo, podem os resultados de mulheres caucasianas, de clima temperado, ser aplicáveis em mulheres mestiças, de clima tropical? Este é um erro muito comum, quando os autores ou leitores do trabalho começam a fazer generalizações que o desenho do estudo não permite. Dica básica: para aumentar a generalização, a amostragem deve representar o universo que se pretende "generalizar" (óbvio ululante, não é mesmo?). Uma das maneiras de se fazer isso é incluindo outros locais (centros) para participarem da pesquisa, tornando-a um "estudo multicêntrico".

O "controle de qualidade" do seu estudo é fundamental e também é feito, além do estudo-piloto, através do controle de qualidade dos dados coletados e da verificação da variação intra-observador quantificados pelo erro técnico de medida (TEM) e o coeficiente de confiabilidade (R). Outra dica básica: por favor, nessa sua atual fase de iniciante, esqueça esses nomes e se preocupe com a qualidade. Em dúvida, procure ajuda.

4.5.4. Variáveis: As variáveis são características observáveis de algo que pode apresentar diferentes valores, como, por exemplo, idade, estatura, peso, sexo, taxas bioquímicas, etc. As variáveis independentes são as variáveis explicativas, que atuam sobre as variáveis dependentes, isto é, as variáveis dependentes sofrem os efeitos das variáveis independentes.

Um exemplo de variável independente pode ser a fadiga, originada do excesso de trabalho, que origina acidentes de trabalho (variável dependente). Outro exemplo pode ser o de um determinado hormônio (variável independente) que pode estar associado a um aumento ou a uma diminuição de um determinado câncer (variável dependente). A variável independente, em geral, é aquela que aparece nos objetivos específicos.

As variáveis dependem de como são colocadas as questões da pesquisa bem como de seus objetivos. Portanto, deve-se fazer uma definição operacional


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das variáveis, que deve contemplar os objetivos do estudo assim como uma definição dos termos para casos e controles (ou não casos) ou expostos e não expostos. Em outras palavras, as variáveis estudadas têm que "bater" (ser coerente) com o objetivo e vice-versa. Além da definição conceptual da variável, não esquecer, se for o caso, de categorizá-las. Essas definições são chamadas por alguns como "operacionalização" e destacadas no protocolo como um sub-ítem.

Quando for definir suas variáveis, lembre-se de que qualquer definição é um limite. Entretanto não existe opção e devemos defini-las assim como todos os conceitos que forem utilizados. Novamente: numa pesquisa, tudo necessita ser explícito. Nada, absolutamente nada, pode ficar "implícito".

Variável de confusão é aquela que está, simultaneamente, associada à exposição e ao efeito na ausência de exposição, isto é, está relacionada tanto com a variável independente quanto com a dependente, sem, no entanto, fazer parte da cadeia causal entre os eventos e, portanto, podendo atrapalhar toda a sua análise, validade e interpretação da sua investigação.

4.5.5. Análise dos Dados: Descreva, nesta seção quais são os testes e medidas de associação que serão utilizados. Se possível, identifique os possíveis erros sistemáticos (vieses) que podem acontecer e como eles podem influenciar os seus achados. De preferência, cite as estratégias para superá-los.

Se você for trabalhar com muitas variáveis ao mesmo tempo, sem dúvida, a análise multivariada vai ajudá-lo. Ela constitui-se em um método estatístico usado para avaliar os efeitos de muitas variáveis através do desenvolvimento de uma expressão matemática (modelo) que ajusta ou controla, simultaneamente, os efeitos dessas variáveis, a fim de determinar o efeito independente de cada uma delas.

Cuidado! Uma variável que era significante numa análise univariada pode deixar de ser significante numa multivariada. Isso não significa, entretanto, que ela deixou de ser importante. Muitas vezes, o modelo escolhe a mais importante, o que não significa dizer que a outra também não seja relevante.

Atenção! Se você for usar questionários e, durante o teste-piloto, na


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hora da codificação das respostas a uma pergunta textual, aparecerem respostas muito diferentes, isso pode significar que existe mais de uma variável envolvida com a pergunta (e indica a necessidade da reformulação da pergunta) ou sugere a presença de variáveis confundidoras.

Dica valiosa: Lembre-se de que com testes estatísticos nós não provamos nada. Apenas determinamos associações, isto é, uma associação não significa causalidade. Devemos, também, descrever, entre muitas características da associação encontrada, a sua força, temporalidade, gradiente biológico e consistências. Finalmente e muito importante! Cuidado com as associações espúrias como, por exemplo: deitar na cama está associado com maior chance de morrer porque está provado que a maioria das pessoas morreram quando estavam deitadas. Mas isso é para depois, quando você já estiver com sua pesquisa feita (acredite, um dia você chega lá.).

Última dica deste tópico: Nesta seção do seu protocolo, alguns serviços ou institutos, apreciam que você descreva como será a forma de exposição dos resultados, inclusive que você apresente "imaginárias" tabelas (dummy tables), gráficos ou figuras, todas em consonância com os objetivos específicos.

4.6. CRONOGRAMA

Todo projeto de pesquisa deve trazer um cronograma, geralmente apresentado na forma de um quadro no qual horizontalmente são inseridos os meses e verticalmente, as etapas da pesquisa, como podemos observar no exemplo abaixo:

Atenção: Este cronograma deve considerar o tempo que será gasto na aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa que poderá levar, em algumas situações, até meses. Portanto, não especifique datas antes da sua aprovação.


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4.7. ORÇAMENTO

Todo projeto deve conter detalhamento em relação aos seus custos. Nos casos em que não existem fontes financiadoras, o fato deve ser explicitado, mesmo quando o custo for muito baixo ou quando forem financiados pelo próprio pesquisador. Seguem abaixo alguns endereços úteis de algumas agências financiadoras brasileiras:

CNPq: www.cnpq.br

CAPES: www.capes.gov.br

FACEPE: www.facepe.br

FINEP: www.finep.br

BNB: www.bnb.gov.br

BNDES: www.bndes.gov.br

Dica final deste capítulo: Se fôssemos descrever ciência como uma equação matemática, ela seria: C = H + E + CN, onde C é ciência, H é hipótese/dúvida, E é experimentação e CN é comprovação/negação. É essa "simples equação" que seu projeto de pesquisa tem que explicitar com argumentos, racionalidade, lógica e clareza, isto é, com competência e convincentemente.

Nas próximas páginas, vamos conversar um pouco sobre as principais maneiras de se pesquisar, cientificamente, uma temática.


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5. PRINCIPAIS TIPOS OU DESENHOS DE

ESTUDO/PESQUISA

Neste capítulo, iremos fazer breves comentários práticos acerca dos tipos mais comuns de desenhos de pesquisas a partir da divisão destes em experimentais e observacionais. Mas, antes disso, uma outra grande dica: Não se esqueça da máxima zen-budista que diz que "o certo é simples. O simples é certo. Se não é simples, não é certo. Se não é certo, não é simples". Independente do desenho de seu estudo mantenha-o o mais simples e o mais sintético possível. Os autores de língua inglesa chamam essa estratégia de "beijo" (kiss) (keep it simple and short). Vale a pena também ressaltar uma afirmação que ficou conhecida como "A Navalha ou Princípio de Ockham" em homenagem ao filósofo Willian de Ockham, que viveu em torno do ano de 1300. Ele defendia, que na presença de duas teorias, que descrevem igualmente bem um certo fenômeno, a mais econômica é a que deverá ser aceita pelos cientistas e pesquisadores, pois, em verdade, o Universo ou a Realidade tenta sempre "economizar energia". Para muitos, em Ciência, buscar a simplicidade é fundamental, e o cientista deveria ter como parte de seus objetivos encontrar a explicação mais "econômica e simples" possível.

5.1. ESTUDOS EXPERIMENTAIS

O estudo experimental é um tipo de estudo no qual o investigador encontra-se numa situação, teoricamente, sob seu domínio e comando, investigando uma ou mais variáveis por ele manipulada. Esse tipo de experimentação consiste em provocar e estudar um fenômeno, em condições pré-fixadas, eliminando-se, ao máximo, as interferências exteriores ao acontecimento que se experimenta e submetê-lo a uma cuidadosa observação que, diga-se de passagem, nem sempre é possível, principalmente na investigação clínica humana.

No experimento controlado, utiliza-se a separação de dois grupos semelhantes: o grupo de controle e o grupo experimental, sendo que esses


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grupos devem ser tão semelhantes quanto possível, diferindo, apenas, no fator de variação que se pretende investigar.

Nem sempre a pesquisa experimental requer grandes somas de investimentos em equipamentos modernos e caros, laboratórios complexos e grandes equipes de auxiliares e técnicos, mas, a princípio, ainda é um dos desenhos que teoricamente consomem os maiores recursos humanos e financeiros.

A principal vantagem desse tipo de estudo é que um experimento é menos suscetível às variáveis confundidoras, porque essas variáveis, como dissemos anteriormente, estão teoricamente sob o domínio do pesquisador. Entretanto, não se esqueça do novo paradigma científico, que é o da complexidade e da inter-relação, o que, na prática da pesquisa, significa que é quase impossível controlar todas as possíveis variáveis envolvidas.

O Ensaio Clínico ou de Campo é aquele que, dentro da epidemiologia, mais se aproxima de um experimento laboratorial, podendo ser classificado como estudo terapêutico ou estudo profilático. Nesses estudos, os sujeitos da pesquisa são randomicamente/aleatoriamente alocados nos grupos que sofrerão intervenção (casos) ou não (controles). Indivíduos com uma característica (ex: doença) sofrerão uma ação de prevenção secundária ou terapêutica, e os indivíduos sem a característica sofrerão apenas uma prevenção primária ou nenhuma intervenção. Vale a pena ressalvar que a Declaração de Helsinque (revisada periodicamente), marco ético internacional sobre pesquisas que envolvem seres humanos, em sua versão de 1996, no artigo II.3, só permite o uso de placebos em investigações em que métodos diagnósticos ou terapêuticos não estiverem disponíveis ou não tenham provado nenhum valor. Portanto, você deve sempre verificar se existe um método ou tratamento considerado como "padrão ouro", isto é, uma intervenção que seja considerada a mais eficaz para aquela situação, mesmo que sua eficácia seja baixa. Se a resposta for positiva, o grupo-controle não poderá usar placebo, e o grupo-caso deverá ser comparado a um grupo utilizando o tal "padrão ouro".

Após o estudo com cobaias (fase de experimentação animal), que é considerado como fase zero, o ensaio clínico possui quatro fases, envolvendo


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seres humanos. A fase I tem como objetivo principal avaliar a toxicidade e farmacocinética da droga a ser testada, sendo que a fase II se refere à avaliação da eficácia. Já a fase III, que envolve um grande número de sujeitos, tem como objetivo demonstrar a eficácia e a inocuidade de curto e médio prazo, sendo uma fase fundamental para o registro e aprovação de um produto farmacêutico. Finalmente, a fase IV avalia a ocorrência de efeitos colaterais ou adversos, não esperados, raros ou descabidos ou de longo prazo, que são conduzidos após a aprovação do registro e distribuição do produto, isto é, após o produto estar sendo comercializado (sentimos muito, mas você, caro leitor, acaba de descobrir que, de certa forma, somos todos cobaias humanos, pelo menos, em termos de longo e muito longo prazo).

Esses ensaios clínicos têm um menor risco de viéses, como por exemplo, o de seleção, porém pode haver uma limitação devido ao pequeno número de pacientes portadores de uma determinada doença. Geralmente, são caros em tempo (podem demorar anos) e, principalmente, em dinheiro, chegando, algumas vezes, a alcançar cifras de milhões de dólares, como foi o caso do estudo WHI, realizado para avaliar riscos e benefícios de determinado esquema terapêutico hormonal para as mulheres climatéricas, que custou cerca de 600 milhões de dólares.

São estudos que devem ser muito bem avaliados quanto às questões éticas e bioéticas, devendo-se ter extremo cuidado, desde a sua concepção, com os parâmetros estabelecidos para qualquer tipo de experimentação em seres humanos. Esses estudos são também merecedores de grande reflexão sobre as melhores formas de intervenção e, principalmente, em relação aos riscos potenciais versus os possíveis benefícios assim como quanto às informações que devem ser dadas aos participantes sobre todos os aspectos do ensaio, através da obtenção de um termo de Consentimento Livre e Informado ou Consentimento Pós-Informado ou Consentimento Livre e Esclarecido (a melhor maneira de denominá-lo, principalmente na realidade brasileira de baixo nível sócio-econômico e educacional).

Nos ensaios clínicos, os objetivos devem estar claramente explicitados e definidos nos protocolos, devendo sempre conter a especificação do


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produto, a dosagem, a via de administração, as características dos sujeitos, os efeitos esperados e parâmetros a serem medidos e o tipo e o tempo de monitoramento. Especial atenção deve ser dada aos ensaios cujos sujeitos são crianças, idosos, gestantes ou doentes graves, sendo que, para alguns especialistas em ética na pesquisa, esses grupos (denominados "grupos vulneráveis") deveriam ser excluídos como potenciais sujeitos.

"Mascarar ou cegar" um estudo é um importante procedimento, para evitar o viés do observador durante o segmento clínico e/ou laboratorial. Para tanto, é necessário tornar semelhante tanto em tamanho, cor, formato, gosto e aroma o produto ativo e o placebo (ou o padrão ouro). A codificação do "mascaramento" deve ser previamente estabelecida e ficar sob a guarda de monitores clínicos e dos comitês de revisão. No "mascaramento duplo" (double blinding), chamado mais comumente de estudo duplo cego, nem o observador nem o sujeito sabe quem está no grupo-caso ou no grupo-controle.

Nos Ensaios Comunitários, grupos de pessoas (comunidades) e não indivíduos separadamente, é que serão randomicamente/aleatoriamente alocados nos grupos que sofrerão intervenção (casos) ou não (controles). São utilizados geralmente, para a análise de medidas preventivas, como educação e melhoria das condições sanitárias.

5.2. ESTUDOS OBSERVACIONAIS

A principal característica dos estudos observacionais é que o pesquisador não tem controle sobre o que está acontecendo. Ele, apenas, "observa" e colhe os dados ou faz "anotações".

Um dos principais tipos dessa categoria é aquele dos assim chamados estudos Transversais ou Cross-Sectional que medem, descrevem ou estudam uma ou mais variáveis de interesse em um determinado ponto do tempo ou num curto período de tempo. Também chamados de estudos de prevalência ou descritivos, eles estudam a quantidade e a distribuição de um determinado fator, doença ou características dentro de uma população, ou de um grupo, tendo como base o indivíduo, o local e o tempo. Em outras palavras, esse tipo de estudo verifica as distribuições da variável estudada em


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quem, onde e quando, permitindo a formulação de hipóteses. Em síntese: o pesquisador tenta descrever, acuradamente, ou pintar um quadro, em palavras e números, de uma realidade estudada.

Para alguns autores, os estudos de corte transversal do tipo "survey", seriam estudos quantitativos, de características qualitativas, cujas observações ou informações colhidas seriam medidas dicotomicamente em escala nominal ou ordinal. Exemplos: sexo, cor, morte ou sobrevida, cor do cabelo, nacionalidade, opiniões, preferências, atitudes, práticas, conhecimentos. Para outros, seriam estudos com uso de questionários ou entrevista estruturada, com questões abertas (pode-se responder qualquer coisa) e/ou fechadas (tipo sim/não ou certo/errado ou concordo/discordo). Nesses estudos a amostragem pode ser feita para "representar" uma escola, uma cidade, uma região, um estado, um país ou várias dessas "unidades" (estudos multicêntricos).

Esse tipo de estudo pode, também, examinar as relações entre uma variável independente e outra dependente, como, por exemplo, doença e exposição, sendo que um grande e bem elaborado estudo descritivo pode fornecer informações que ajudem a testar, ou pelo menos, a valorar uma hipótese específica.

Na maioria das vezes, os estudos de corte transversal são bastante ricos em informações, podendo ser tanto descritivos como analíticos, focando seu interesse nos determinantes da variável estudada (doença) ou nas razões para uma relativamente alta/baixa freqüência dessa mesma variável em grupos específicos de pessoas. Nesses casos, seriam estudos mais preocupados em responder "o porque" do que em descrever e criar novos questionamentos, tornando-se, para muitos, um estudo comparativo, semelhante a um do tipo caso-controle.

A importância do entrevistador, e, portanto sua qualidade, é muito maior na entrevista semi-estruturada, do que naquela totalmente estruturada, isto é, apresentando um questionário rígido, com perguntas fechadas. A semi-estruturação cria também um espaço de maior liberdade e espontaneidade para o informante, o que enriquece a investigação se bem que, por outro lado, permite um maior risco de vieses.


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Atenção! Quando as entrevistas são feitas pelo próprio autor, que conhece as hipóteses do estudo e a classificação dos sujeitos em casos e controles, poderemos ter um viés (bias, na língua inglesa) de observação, conduzindo a ênfases diferenciadas na obtenção das respostas.

Os Estudos Longitudinais são aqueles que analisam um processo, ou uma doença, isto é, uma variável de interesse ao longo de um período de tempo, podendo ser prospectivos ou retrospectivos. Nos prospectivos, os indivíduos ou grupos de indivíduos são seguidos por um período de tempo, geralmente longo, com um monitoramento, contínuo ou repetido, das variáveis de interesse (ex: fatores de risco) e/ou das conseqüências (ex: doenças) decorridas da exposição a uma variável.

São muito utilizados para estudar a história natural de uma doença ou de uma exposição a um fator, potencialmente ou presumivelmente de risco, sendo, também, chamados de estudos de incidência ou de acompanhamento (follow-up).

O estudo tipo Coorte (não confunda com estudo de corte) é o principal exemplo de pesquisa longitudinal prospectiva. Coorte é um vocábulo latino que significa a décima parte de uma legião romana. Nesse tipo de estudo, um grupo fixo e bem definido de indivíduos (uma coorte), parte de uma determinada população, que está, vem sendo ou será exposta a uma determinada variável independente (ex: fator de risco), é seguido ao longo do tempo. Em outras palavras, uma exposição suspeita de causar uma determinada característica, problema ou doença, é medida e relacionada com o desenvolvimento ou não de uma doença (variável dependente) em um determinado grupo de pessoas.

Nos estudos de Coorte, além da definição da questão a ser respondida e do cálculo do tamanho amostral, é fundamental definir claramente os critérios para exposição e não exposição e a população de referência a ser estudada assim como construir, com muita precisão, os instrumentos de coleta de dados.

Atenção! Os estudos longitudinais apresentam menores riscos de vícios embora sejam também custosos em termos de tempo e dinheiro, principalmente em relação a doenças crônicas, como câncer, doença


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coronariana ou diabetes. É ineficiente em termos de doenças raras, porque, entre outras coisas, seria necessário o acompanhamento de um grupo muito grande de sujeitos ou por um longo período de acompanhamento, encarecendo-o de tal forma que o tornaria inviável.

No clássico desenho do tipo Caso-Controle, existe uma certa lógica temporal com o estudo de Coorte, embora a amostragem seja feita a partir da variável dependente como, por exemplo, uma determinada doença ou característica. Os indivíduos com essa doença ou característica serão chamados de "casos" e serão comparados com aqueles sem a mesma característica ("controles"). Será investigada e medida uma exposição a uma determinada variável (ex: fator de risco) no passado.

Esses estudos são também conhecidos como estudos retrospectivos, ideais para pesquisar variáveis raras (ex: doenças raras). As maiores vantagens é que geralmente são baratos, rápidos e podem identificar mais de um fator de risco. As desvantagens é que as informações sobre eventos que ocorreram no passado podem não estar disponíveis ou estarem incorretamente armazenadas. Essas informações podem também não ter sido colhidas ou ainda não serem lembradas (viés de lembrança ou "recall bias").

Devido as suas limitações, as evidências científicas de um estudo tipo caso-controle não são, vamos dizer assim, tão "evidentes" quanto aquelas de um estudo de coorte, fato este que leva alguns epidemiologistas a afirmarem que após ser encontrada uma associação nesse tipo de estudo, deveríamos fazer um estudo de coorte.

Nos Estudos Ecológicos, também chamados populacionais, ao contrário do estudo de indivíduos, investigam-se grandes grupos de pessoas ou todos os habitantes de uma determinada região ou país, isto é, a unidade de observação é uma população inteira ou uma comunidade, sendo útil para indicar futuros estudos mais específicos. Um bom exemplo de estudo ecológico é a possível associação dos níveis de ingestão de gordura com as taxas nacionais de câncer de mama de um país, indicando a necessidade de um estudo da ingestão de gordura naquelas pacientes com câncer de mama. Outro bom exemplo é a associação entre renda mensal e taxa de mortalidade por câncer


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ou por outra doença num determinado país ou região.

Uma das vantagens dos estudos ecológicos é que as informações são geralmente extraídas de estatísticas publicadas (dados secundários), e, portanto, não se gasta muito tempo na coleta dos dados nem tanto dinheiro. Entretanto, um dos principais riscos desse tipo de estudo é a famosa "Falácia Ecológica" na qual uma associação encontrada em nível populacional pode não ser verdadeira em nível individual, devido, entre outras coisas, ao grande número de variáveis que podem influenciar a aparente relação observada.

Os Estudos Etnográficos se baseiam numa participação "observativa" do pesquisador que escolhe um grupo que deseja investigar e depois se junta ao grupo, e o estuda a partir daí, muitas vezes passando a viver junto com a população estudada. Pode ser entendido como sendo uma pesquisa que "investiga ou descreve um jeito de viver".

Dentre as maiores vantagens desse tipo de estudo, como o pesquisador é parte da situação, está o fato de se poder identificar características mais sutis dos indivíduos ou grupos sob observação, como, por exemplo, moral, apatia, boa vontade, sinceridade, podendo haver uma melhor relação pesquisador/pesquisado, aumentando, assim, a validade das informações colhidas.

As principais desvantagens é que o observador pode acabar se envolvendo com as situações, deixando de ter uma observação objetiva e independente e, ainda, ter, também, dificuldades em gravar as observações. Sem dúvida, o maior risco é que o observador pode ser visto com desconfiança pela comunidade levando a mudanças de atitudes e comportamentos (efeito Hawthorn) e, por conseguinte, alterando o ambiente que iria ser avaliado.

Vale a pena falar um pouco sobre as Pesquisas Qualitativas. Seu objetivo é conhecer mais a fundo aspectos subjetivos, como visões, opiniões, atitudes, conhecimentos e práticas do grupo estudado, grupo esse que também deve ser representativo da população que se deseja investigar. Tradicionalmente, principalmente em pesquisa de marketing de produtos, quatro a seis grupos (pode ser apenas um), com dez a doze pessoas cada, são colocados e entrevistados em um ambiente agradável, informal e aconchegante. O pesquisador fornece apenas algumas orientações e todos os comentários e


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reações do grupo (inclusive as não verbais) são gravados, anotados e posteriormente analisados.

As ditas Pesquisas Exploratórias têm como objetivo "sentir" a situação. Geralmente, são estudos descritivos desenhados para aumentar a familiariedade do investigador com o problema que ele pretende estudar ou com o local da pesquisa ou formular melhor o problema, inclusive clarificando conceitos e variáveis, ou até mesmo, levantar hipóteses para investigações mais precisas. Alguns autores o chamam de "estudo piloto", com o que não concordamos, pois reservamos este termo para aqueles "pequenos estudos prévios (pré-testes)" que são realizados com vistas a identificar possíveis erros no desenho e execução de qualquer pesquisa.

Grande dica final deste capítulo: Para a sua tranqüilidade, e também para a nossa, repetimos que, em nossa opinião, todo estudo, até mesmo aqueles "super" bem desenhados, com uma "super amostragem", no fundo, não passam de estudos exploratórios, porque a realidade é muito complexa e praticamente impossível de ser compreendida ou percebida em sua totalidade. Em verdade, estamos sempre, apenas, "arranhando a casca do ovo".

No próximo capítulo, faremos algumas reflexões sobre os erros que mais freqüentemente, consciente ou inconscientemente, são cometidos na produção do conhecimento (aleatórios, sistemáticos e "muitos outros").

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6. DESCOBRINDO E EVITANDO OS ERROS MAIS COMUNS

Em nossa opinião, existem muitos tipos de erros que podem ser cometidos durante a construção do conhecimento. São geralmente classificados em aleatórios ou sistemáticos. Neste capítulo, discutiremos ambos e também outros que em nossa opinião merecem uma reflexão à parte.

Um erro aleatório é aquele que pode acontecer em qualquer fase da pesquisa, podendo comprometer ou não a validade do estudo. Já o erro sistemático, também conhecido como viés, tendenciosidade ou vício (bias, em inglês) é, ou seria, um desvio dos resultados, das inferências e das associações encontradas, para mais ou para menos, sempre para longe da verdade ou da realidade. Em outras palavras, é o falseamento dos resultados encontrados, causados por desvios ou erros sistemáticos.

Esses erros podem estar presentes em qualquer fase de uma pesquisa, até mesmo durante a revisão dos dados da literatura. São mais freqüentes quando da construção da metodologia ou no período da coleta dos dados ou quando da análise. Apesar de muitos não incluírem como verdadeiros vieses, acreditamos que outros equívocos, como os que podem ocorrer no momento da interpretação dos dados, deveriam ser classificados como tal. Em verdade, alguns autores consideram que os vieses poderiam ser agrupados em somente dois tipos, que seriam os vieses de seleção e os de informação. Já outros consideram que os erros sistemáticos são de 3 grandes grupos, a saber: vieses de seleção, de aferição e de confusão.

Em nossa opinião, mesmo que possam ser agrupados, existem tantos tipos de vieses ou possibilidades de erros, sistemáticos ou não, que nos parece mais didático e eficiente, discuti-los separadamente, pelo menos, para alertar os não iniciados em pesquisa para a possibilidade de sua ocorrência. Apesar de alguns detalhes já terem sido discutidos nos capítulos anteriores, vale a pena reforçá-los pela sua importância, e, por isso, serão apresentados, a seguir, com uma maior ilustração.


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Atenção! Dica inicial deste capítulo: Muitos epidemiologistas não irão considerá-los como vieses. Não importa. São atitudes e práticas que podem levar o pesquisador a se afastar da "verdade" que você está investigando. Por isso, criamos uma nova categoria de erros que passamos a chamar de "outros erros", "outras tendenciosiadades" ou qualquer outro nome que o leitor desejar, inclusive "erros morais e éticos". O importante é chamar atenção sobre eles, porque existem e maculam, muitas vezes, e de forma intensa, a produção do conhecimento. Citamos agora todos eles: os aleatórios, os sistemáticos e os outros. Divirtam-se, pois:

6.1. Viés de Autor: Quem é o autor do trabalho? Onde trabalha? Seu grupo é reconhecidamente sério ou apenas famoso? Você pode afirmar que, pelo menos, a princípio, o autor é uma pessoa proba, séria, ética, independente e que domina o método científico, não havendo outros interesses que não sejam científicos envolvidos nos resultados da pesquisa? Procure saber se o autor possui, ou se costumava ou costuma estar ligado, pessoalmente ou através de seu departamento, a alguma indústria farmacêutica ou a uma empresa, ou se é ligado a alguma corrente política ou filosófica. Lembre-se de que nenhum autor é neutro nem consegue realizar uma pesquisa sem ter, pelo menos, algumas idéias pré-concebidas sobre o que vai ser ou deve ser encontrado e, mesmo que seja independente, ele pode ter um interesse por um determinado resultado. Em hipótese alguma, ter alguma dessas características invalida a contribuição científica, embora possa acarretar alguns vieses. Dica preciosa: Um bom pesquisador tem sempre uma postura crítica em relação às afirmações de quem quer que seja ou venha de onde vier.

6.2. Viés de Financiamento: Quem financiou a pesquisa? O autor cita as fontes financiadoras? As fontes eram privadas ou públicas? Quais os principais objetivos dessas fontes financiadoras? Existem evidências ou informações de que essas fontes financiadoras são seletivas e/ou excludentes? Atenção! Essa fonte de potencial viés é tão importante que por muitos anos uma das mais prestigiosa revista científica, The New England Journal of Medicine, não aceitava artigos sobre pesquisas financiadas por indústrias farmacêuticas. Ainda hoje, vários periódicos recusam trabalhos, sob alegação


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de "conflitos de interesse", mesmo se apenas os insumos utilizados na pesquisa tenham sido doados por laboratórios.

Outra dica importante: o tempo para desenvolver e lançar um novo medicamento pode ser de até dez anos, com um custo médio de centenas de milhões de dólares. Portanto é racional (e esperado) que exista uma estratégia/política, da indústria farmacêutica (e hoje, também, das agências de fomento), para recuperar esse alto investimento, em um ambiente e com uma lógica, e por que não dizer, com uma "ética", muito diversa das que regem as relações dos profissionais da pesquisa com os sujeitos dos estudos e com a população em geral. Não se iluda! A pressão (quase sempre muito competente), dentro das "leis e da ética do mercado" em que essas empresas atuam, é intensa e poderosa na busca do "retorno" investido, e, é claro, se possível, do lucro.

6.3. Viés de Revisão: A revisão da literatura foi abrangente o bastante para dar ao pesquisador uma boa base para a formulação de suas hipóteses ou indagações científicas? Existe na literatura importantes ou recentes informações que não foram incluídas na revisão da literatura? Dica: Se na revisão só aparecem autores que reforçam o ponto de vista do pesquisador, a chance de esta revisão, bem como de toda a pesquisa, estar enviesada é grande.

6.4. Viés de Metodologia ou de Desenho de Estudo: O desenho do estudo é o mais adequado para os objetivos explicitados pelo autor? Se não é o mais adequado, o autor justificou o desenho escolhido? O desenho escolhido permite as conclusões da pesquisa? Os objetivos foram claramente explicitados? Os critérios de inclusão e exclusão foram explicitados? O tamanho da amostra permite uma confiabilidade na análise estatística? Na formulação da/s hipótese/s, houve a identificação e a definição das possíveis variáveis confundidoras? Houve uma tentativa de controlar essas variáveis confundidoras?

6.5. Viés de Seleção ou de Amostragem: Os sujeitos selecionados representam realmente o universo que os pesquisadores querem estudar ou houve uma tendenciosidade no processo de amostragem, isto é, a amostragem é ou não é representativa da população-alvo a ser estudada? O estudo foi/é


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aleatório (randomizado)? Se não, qual a técnica de amostragem utilizada (sistemática, incidental?). Se você quiser que um amigo político, que é candidato a alguma coisa, apareça na frente de uma pesquisa de intenção de voto, é só escolher o espaço amostral que lhe seja favorável. Se a amostragem é viciada, tanto a validade externa quanto a interna ficarão comprometidas.

6.6. Viés de Coleta de Dados: Pode ter havido erro na coleta dos dados ou nas respostas dos pacientes, portanto deve se ter sempre em mente a preocupação em conhecer de que forma os dados foram coletados.

Será que os dados refletem, ou refletirão, as condições reais, ou podem ter sido influenciados por uma interação ou reação entre o pesquisador e os participantes, como, por exemplo, quando se utilizam entrevistas ou questionários, ou quando se realizam estudos etnográficos? O local da coleta pode ter interferido na confiabilidade dos dados? No caso de questionários, foram eles pré-testados? Havia espaço para interpretações dúbias? Se os dados podiam ter sido coletados de maneira primária, portanto com maior confiabilidade e validade interna, os autores justificaram e discutiram as limitações e os riscos da utilização de dados secundários, sabendo das dificuldades e da confiabilidade dos nossos bancos de dados, principalmente no que se refere a dados de prontuários?

Atenção! Dica: O gênero e a origem racial do entrevistador podem alterar as informações colhidas. Exemplo: um pesquisador, do gênero masculino, colhendo informações sobre práticas sexuais de mulheres. Até mesmo simples atitudes do entrevistador podem alterar os resultados, como, por exemplo, o tom de voz, o olhar, a roupa utilizada e as suas maneiras (educação doméstica). Lembre-se de que não só o lugar das entrevistas mas também sua duração, o interesse em relação ao assunto pesquisado e, até mesmo, a ordem das perguntas, podem alterar as informações colhidas.

6.7. Viés de Informação: É importante ter em mente que os pacientes ou sujeitos da pesquisa podem falsear ou ter falseado os resultados, dando informações incorretas, subestimadas ou hiperestimadas. Uma informação coletada de maneira incorreta, por qualquer razão, obviamente levará a resultados que não expressam a realidade.


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6.8. Viés de Lembrança (recall bias): Os dados coletados podem estar relacionados com a memória dos pacientes, sendo que os fatos mais recentes ou que de alguma forma marcaram muito o sujeito da pesquisa serão mais facilmente lembrados, enquanto que, por outro lado, pode haver uma tendência ao esquecimento de fatos mais antigos ou aparentemente menos importantes para quem está sendo estudado, o que novamente levará a um falseamento dos resultados.

Dica para relembrar: Para muitos autores, viés de coleta de dados, informações e lembrança são a mesma coisa. Fuja dessa discussão acadêmica. Apenas evite cometê-los e nunca deixe de identificá-los.

6.9. Viés de Análise: Quais foram as técnicas utilizadas para controlar as variáveis envolvidas (randomização? estratificação? pareamento?).

O autor fez referência ao número de casos que foram perdidos no seguimento (follow-up) de um estudo de coorte ou num ensaio clínico (drop out)? O pesquisador revelou o número de pessoas que não quiseram participar da pesquisa? Isso é importante, porque aqueles que participaram da pesquisa podem não representar o universo desejado, ou, inversamente, aqueles que não participaram eram exatamente aqueles que tinham as características de maior valor para os objetivos do estudo.

Pode haver erros na codificação das respostas. Em verdade, a chance de erros durante a análise é potencialmente tão grande que Darrel Huff publicou, em 1954, um livro em que chamava atenção para o fato de como se tem feito "picaretagem" usando estatística. O título do livro diz tudo: "Como Mentir com Estatística (How to Lie with Statistics)".

Como dissemos anteriormente, podem existir erros sistemáticos em todas as etapas de uma pesquisa. Uma má codificação dos dados pode levar a um distanciamento da realidade investigada.

Atenção! Com testes estatísticos, "nós não provamos nada". Apenas determinamos associações.

E, novamente, nunca se esqueça de que, com um bom estatístico ao nosso lado, podemos (nós e vocês, caros leitores) encontrar associações que, de fato, não existem.


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6.10. Viés de Interpretação ou Conclusão: As conclusões do trabalho estão estritamente limitadas aos resultados da pesquisa ou extrapolam os resultados? Os dados realmente suportam as conclusões do autor? Os resultados e as conclusões podem ser generalizados? Os autores reconhecem e discutem as fraquezas do estudo? Os autores consideraram outras possíveis explicações para os seus resultados? Discutiram essas possíveis explicações comparando com a preferida? Os autores sugerem novos passos que possam corroborar seus resultados ou esclarecer pontos duvidosos em sua pesquisa?

Vale a pena citar alguns clássicos exemplos, de domínio público, de má interpretação de dados: "Uma manada de búfalos se move com a velocidade do búfalo mais lento. Quando a manada é caçada, são os búfalos mais fracos e lentos, em geral doentes, que estão atrás do rebanho, que são mortos primeiro. Essa seleção natural é boa para a manada como um todo, porque aumenta a velocidade média e a saúde de todo o rebanho pela matança regular dos seus membros mais fracos". Gostou? Então, aí vai mais uma: "O cérebro humano pode operar apenas tão depressa quanto seus neurônios mais lentos. Beber álcool em excesso, como nós sabemos, mata neurônios, mas, naturalmente, ele ataca primeiramente os neurônios mais fracos e lentos. Neste caso, o consumo regular de cerveja elimina os neurônios mais lentos, tornando seu cérebro uma máquina mais rápida e eficiente". E, finalmente, um último exemplo de equívoco de interpretações: "23% dos acidentes de trânsito são provocados pelo consumo de álcool. Isto significa que 77% dos acidentes são causados por pessoas que bebem água".

Apesar de serem hilários, esses exemplos servem para alertar que, com mais sutileza ou mais ignorância do método científico, isso acontece, freqüentemente, na literatura especializada, muitas vezes embasando condutas ineficazes e/ou equivocadas em termos de custo-benefício-malefício. Mesmo que esse exemplo de equívoco não se constitua num "erro sistemático", é tão importante que merece ser observado e ressaltado. Veja este exemplo que costumamos chamar de "viés de tempo": qualquer comparação de tratamentos em relação a câncer ou exames de screening tem que levar em consideração o "viés de tempo". Vamos tomar, por exemplo, o tratamento


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para o câncer epitelial de ovário. Young (1990) afirma que um tratamento padrão através de cirurgia citoredutora e apropriada quimioterapia leva a taxas de sobrevida típicas que variam entre 5-20% em mulheres com estádio III e IV ao contrário de pacientes com estádio I, quando a taxa de sobrevida em 5 anos alcança 90%. O questionamento que deve ser feito aqui é se essa diferença de sobrevida em 5 anos é devida ao tratamento ou, apenas, uma evolução lógica do curso da doença, isto é, as doenças em fases iniciais têm sempre maior sobrevida, independente de tratamento.

Outra dica: Em apresentação de casos, não cabem conclusões e, sim, comentários. Aliás, em nossa opinião, em qualquer pesquisa, não deveria haver conclusões e, sim, interpretações. Expressa, muito melhor, o atual paradigma científico.

Atenção! Dica importantíssima, mais uma vez: Uma associação não significa causalidade. Causalidade é uma forma especial de associação e inclui critérios, tais como: força, temporalidade, gradiente biológico, consistência e outros.

6.11. Viés de Publicação: Caracteriza-se, em nossa opinião, pela tendência que existe de publicar, apenas, os estudos que mostram resultados positivos ou sucesso de tratamentos ou de métodos diagnósticos. Apesar de não ser um viés clássico, esse tipo de atitude e comportamento pode levar não só a uma distorção da análise da realidade como a potenciais malefícios e iatrogenias. Alem disso, muitos irão repetir, desnecessariamente, estudos, levando a desperdícios de tempo e dinheiro. Em relação a publicações, existe um outro tipo de "erro sistemático" que se expressa no preconceito contra pesquisadores do terceiro mundo, que é conhecido como "viés de endereço ou de origem". É muito mais difícil para um pesquisador "terceiro mundista" conseguir publicar em uma revista internacional de impacto. Enfrente-o, mostrando competência e perseverança, mas, se um dos autores for "estrangeiro do primeiro mundo", é melhor que seja ele a encaminhar o estudo para publicação, estratégia essa que poderá abrir muitos caminhos, até que seu nome se fortaleça perante a comunidade internacional.

Dicas (quase finais) deste capítulo: Como controlar e evitar erros?


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Repetindo: existem várias maneiras. Alguns podem e devem ser controlados durante a construção do estudo. Essa deve ser considerada como a primeira tentativa, isto é, controlá-los através dos cuidados, durante a elaboração de seu protocolo. Um roteiro bem feito é meio caminho andado. Outras vezes, durante a coleta de dados e durante a análise. Lembre-se: um importante momento para a tentativa de controle de vieses é no momento em que se realiza o teste piloto ou o pré-teste.

Num estudo de caso-controle ou comparativo, comece trabalhando na origem dos casos e controles. Procure uma população-base que possua as mesmas características, com exceção daquela que se pretende estudar. Esforce-se para diminuir as possíveis diferenças entre as amostras de casos e controles. Eles têm que ser o mais homogêneo possível. Se forem casos hospitalares, selecione-os em uma mesma instituição, para que sejam similares quanto às variáveis demográficas, sócio-econômicas e outras características potencialmente confundidoras .

Uma boa definição dos casos ajuda muito. Lembre-se de que, num estudo retrospectivo, os casos serão os prevalentes. Já, na definição dos controles deve-se usar o emparelhamento ou pareamento. É de muita valia, também, uma correta definição da exposição, pois, num estudo retrospectivo, é fundamental procurar conhecer a margem de erros cometidos por terceiros na coleta das informações de interesse, o que pode ser conhecido e resolvido com um estudo-piloto. O treinamento esmerado da equipe de coletas ajuda muito, mas não garante tudo.

Sempre que possível, utilize uma terceira pessoa. Ela pode, num estudo não retrospectivo, ajudar, conferindo a validade das suas medidas.

Finalizando este capítulo, gostaríamos de realçar que todos esses possíveis erros não tiram o mérito das pesquisas epidemiológicas. Apenas nos lembram a necessidade de um grande esforço, para obtermos dados mais confiáveis. Viés e tendenciosidades são impossíveis de serem totalmente eliminados das pesquisas. Isso não nos impede, entretanto, de tentar controlá-los. Esses desvios da verdade podem, embora não necessariamente, representar um "pré-conceito" ou um interesse, consciente ou inconsciente, do autor por um


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determinado resultado.

Atenção! Todo pesquisador que se preza conhece a "Lei de Murphy", cujo enunciado é: "qualquer coisa que possa dar errado vai dar errado". Para alguns, essa "Lei" teria sido formulada pelo Professor Q.P.Murphy, da Yale University, quando estudava os fenômenos, na sua maioria, ainda inexplicados, que dificultam o desenvolvimento de todas as atividades humanas e infernizam o cotidiano, particularmente dos pesquisadores. Já, segundo Edward Tenner, em seu livro "A Vingança da Tecnologia", essa expressão foi cunhada pelo Major da Força Aérea dos USA, John Stapp, em 1949, referindo-se à frase do Capitão Edward Murphy, que teria quebrado o recorde de aceleração com um trenó foguete, mas que não pôde ser comemorado, pois, ao inspecionar o acelerômetro desse trenó, descobriu que alguém tinha ligado os circuitos ao contrário, impedindo que o recorde fosse registrado. Teria dito então o Capitão: "Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em um desastre, então alguém fará o trabalho dessa forma".

A terceira versão, mais jocosa, é a de que o autor da teoria seria Martin Murphy, físico, que trabalha com técnicas cirúrgicas robóticas na Universidade de Stanford, Califórnia, e que recentemente teria também descoberto o "murphyon", partícula elementar sem "charme, gosto e sentido" que mediria o fracasso, evento esse muito mais freqüente que o sucesso. Afirma, inclusive, que iria construir um acelerador de partículas "o megafiascotron", para provar sua existência e que, em caso de fracasso, na tentativa de encontrá-lo, estaria provado que o "murphion" existe.

Apesar da conotação jocosa, existe, de fato, um receio, entre os pesquisadores de que "se há alguma coisa que pode dar errado na sua pesquisa, dará". Portanto todo cuidado é pouco. Gaste mais tempo com seu estudo-piloto. Repita-o quantas vezes for necessário. Vale a pena gastar mais tempo na elaboração e no refinamento metodológico. Para quem utiliza questionários e entrevistas, o pré-teste ajuda não só a identificar erros mas também a descobrir se existem perguntas mal formuladas ou incompreensíveis para o nível sócio econômico dos sujeitos. Cheque todas as possibilidades de dificuldades e, principalmente, não subestime a Lei de Murphy.


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"Penúltimas" dicas finais: Todos conhecemos o ditado que diz que "Errar é humano. Persistir no erro é burrice". Entretanto, em pesquisa, esse "errar" pode ser também ignorância ou má fé, e, para não ficar um capítulo "pesado e sombrio", reflita sobre esse post script : Não deixem de ler o livro "Penso, Logo me Engano" (Jean-Pierre Lentin, Editora Ática, 1996) e vocês verão que, para a sua e nossa alegria, todo mundo que "faz ciência", inclusive os que ganharam o prêmio Nobel, erra, e muito, às vezes ridiculamente, antes de acertar.

Super dica final: Nunca deixe de fazer umas cópias (isso mesmo, no plural) do seu projeto. Tenha-o em diferentes discos rígidos, de diferentes computadores. É melhor, e, mais seguro, do que somente em disquetes ou CDs. De preferência, em diferentes locais (casa e trabalho, por exemplo), pois existem ladrões e catástrofes. Já aconteceu com os próprios autores e com muitos outros amigos. O mais paradigmático do que acabou de ser dito foi o caso do "Zé" (apelido fictício, não o episódio). Zé foi o único estudante brasileiro a ter bolsa de estudo por 6 anos. Sabe porquê? Porque apesar de ser competente, cuidadoso, acreditar na Ley de Murphy e por isso, ter várias cópias dos seus experimentos, todas estavam no mesmo lugar, e o laboratório, simplesmente, "pegou fogo". Isso mesmo, o laboratório incêndiou e todas as suas anotações "queimaram" juntas. Portanto "quem avisa, amigo é!"

No próximo capítulo teceremos importantes considerações sobre um tema de alta relevância: Ética na Pesquisa.


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7. REFLEXÕES ÉTICAS E BIOÉTICAS ACERCA DA

PESQUISA CIENTÍFICA COM SERES HUMANOS

Este capítulo não pretende esgotar nem aprofundar todos os aspectos éticos e bioéticos envolvidos numa investigação científica. Apenas realça alguns dos inúmeros riscos éticos e bioéticos, dos mais sutis aos mais evidentes, contidos em um estudo com seres humanos, alertando a todos que se interessam pela temática que esses riscos vão desde a concepção teórica até à publicação e à divulgação do estudo.

Existem muitas definições de Ética, compreendendo desde aquela que se entende como sendo a Ciência da Moral, sendo a Moral a parte da filosofia que trata dos costumes ou dos deveres do homem em relação a Deus ou à sociedade até aquelas que a definem como sendo os valores universais relacionados com a "morada humana" (ethos). Outros consideram a Ética como sendo uma disciplina concernente ao que é moralmente bom e mau, certo e errado. Entretanto, para aqueles que lidam com a metodologia científica, positivista e cartesiana, é difícil trabalhar com conceitos, como "costumes, deveres, Deus, sociedade, bom e mau, certo e errado, valores e juízos", pois todos esses conceitos, que se encontram nas diversas definições de Ética, são controversos e polêmicos, podendo variar, em nossa opinião, de situação para situação, de pessoa para pessoa, de grupo para grupo, de sociedade para sociedade e de tempos para tempos.

Já a Bioética, que apesar de também poder ser considerada ligada à meta-ética (parte da ética que se preocupa com a origem e a natureza dos conceitos morais, portanto especulativa e filosófica), por possuir quatro princípios básicos, ou pelo menos, bastante difundidos e facilmente assimiláveis (Não Maleficência, Beneficência, Autonomia e Justiça), que constituem o cerne da chamada "Teoria Principialista da Bioética", tornou o debate prático, além de filosófico, com possibilidades de aplicação ao dia-dia da pesquisa científica, o que talvez ajude a explicar um pouco do seu atual sucesso dentro da área biomédica.


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A Não Maleficência é, em verdade, uma versão atual da antiga máxima, muito conhecida no meio médico, "Primun non nocere", atribuída a Hipócatres, que significa "primeiro não lesar", "primeiro não causar danos", "primeiro não ser iatrogênico", princípio esse que reaparece no Juramento Hipocrático de "aplicar o tratamento em benefício dos doentes, de acordo com minha capacidade e consciência, evitando-lhes qualquer malefício", sendo dever de todo pesquisador tentar proteger os indivíduos e a sociedade como um todo, de todos os tipos e níveis de malefícios assim como evitar causá-los.

Já o princípio da Beneficência, também citado no Juramento Hipocrático, é expresso no ato, no hábito, no compromisso, na responsabilidade e na virtude de fazer o bem e na preocupação com o bem-estar dos pacientes, dos indivíduos, dos sujeitos de pesquisa, da coletividade e da humanidade.

O princípio da Autonomia está relacionado com o respeito pelas pessoas quer nas suas escolhas quer nos seus atos. É o respeito pelo livre-arbítrio e pelo direito que cada um tem de "autogovernar-se". É a base do pluralismo moral. Está associado, também, aos conceitos de liberdade, privacidade, confiabilidade e consentimento livre e esclarecido (consentimento informado ou pós-informado, para os Anglo-Saxões), ligando-se à máxima de Kant de que "as pessoas são um fim em si mesma". São os indivíduos, os sujeitos de nossas pesquisas ou o coletivo de indivíduos, no caso, a sociedade, que devem tomar, sempre, as decisões sobre suas vidas, sua saúde, seu tratamento e, no caso específico, sobre a sua participação ou não nas pesquisas, após terem todas as informações sobre os riscos e benefícios que envolvem qualquer tipo de estudo científico, consentimento esse que pode ser retirado a qualquer momento, até mesmo no "finalzinho" da pesquisa (para o desespero do pesquisador).

O princípio da Justiça, a maior de todas as virtudes, segundo Comte-Sponville (1995), envolve as noções de igualdade, universalidade, disponibilidade de informações, relacionadas aos possíveis malefícios e benefícios de qualquer pesquisa, inclusive aquelas que são polêmicas e controversas. É o respeito pelos indivíduos (autonomia), porém um respeito que é igual para todas as pessoas, independente de gênero, classe social, cor ou religião. É tratar as


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coisas similares de uma maneira igual e as coisas diferentes de maneiras diferentes, portanto encarna e expressa muito mais o conceito de eqüidade do que igualdade. É, como dizia Benito Juarez, ser consciente de que "liberdade é respeitar os direitos dos outros". É o direito que todos devem ter a "ter o direito" aos outros três princípios bioéticos. Na assistência à saúde, expressa-se na eqüidade da distribuição dos benefícios.

Mais especificamente em relação à pesquisa, não se sabe ao certo quando começou a preocupação com a ética na investigação científica. Alguns citam Claude Bernard, afirmando que foi ele quem lançou as bases científicas sólidas e, também, um dos primeiros a expressar preocupação com danos em pesquisa com seres humanos, apesar de seus próprios agravos éticos, principalmente aqueles cometidos contra prisioneiros. A verdade é que existem inúmeros relatos na história da medicina de atitudes e práticas consideradas hoje como uma verdadeira "barbárie ética", como os estudos de Walter Reed, em 1900, sobre febre amarela, que expunham os sujeitos de sua pesquisa a material contaminado ou ao próprio mosquito e pagava 100 dólares para aqueles que não adoecessem e 200 para os que adoecessem.

Entretanto, existe uma tendência a se considerar o Código de Nuremberg, em 1947, logo após o fim da II Grande Guerra Mundial, como marco de uma atenção especial com a ética na pesquisa com seres humanos, apesar da Declaração de Genebra, adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, em 1948, ser também muito citada como importante marco ético em termos de investigação científica.

Em verdade, as 10 afirmativas do Código de Nuremberg foram a primeira declaração internacional relativa ao tema, muito influenciada pelos crimes contra a humanidade, cometidos pelos nazistas em diversos experimentos, como, por exemplo, os de congelamento humano no campo de Dachau, entre 1942 e 1943, os do uso de sulfanilamida em Ravenbrueck, no mesmo período, e os da febre tifóide e com venenos em Buchenward, entre 1941 e 1945.

Considera-se, inclusive, que o atual consentimento livre e esclarecido tem suas raízes no seu primeiro artigo que afirma que "o consentimento


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voluntário do paciente humano é absolutamente necessário", apesar de haver referências a este tipo de "documento" no ano de 1830, quando um advogado inglês (S.W. Willcox) publicou um livro com as bases jurídicas para o uso de um consentimento, após informação, em pesquisas com pacientes.

O Código de Nuremberg é, também, marcado com uma preocupação com o princípio da Não Maleficência, já que, de seus 10 artigos, pelo menos seis expressam a preocupação de não causar danos aos sujeitos das pesquisas.

A década de 1950 é marcada pelo início de pesquisas em voluntários sadios e em 1964 o Comitê Interno do NIH (National Institute of Health) dos Estados Unidos afirmava que "o julgamento do investigador não é suficiente para salvaguardar os interesses dos sujeitos, existindo a necessidade de comitês de ética independentes do pesquisador e dos grupos financeiros envolvidos para tal fim".

Ainda neste mesmo ano, a preocupação com os aspectos éticos em pesquisas com seres humanos gera a Declaração de Helsinque, adotada pela XVIII Assembléia Mundial de Médicos em 1964, que foi, sem dúvida, a primeira regulamentação abrangente para a área, tendo sofrido sua primeira revisão em 1975, em Tóquio, durante a XIX Assembléia, e, posteriormente, em 1983, na Itália, em 1989 em Hong Kong, em 1996 na África do Sul e, finalmente, na LII Assembléia Geral de 2000 em Edimburgo, Escócia. Ela consiste em orientações e recomendações para médicos que participam de pesquisas biomédicas, envolvendo seres humanos, sendo esse documento subdividido, didaticamente, em princípios básicos e princípios para pesquisas clínicas e para pesquisas biomédicas não clínicas. Documento de vanguarda para sua época que, em sua introdução, já expressava o cuidado especial e respeito que se deve ter não só com os sujeitos que participam da pesquisa, mas também com o meio ambiente e com o bem-estar dos animais utilizados na pesquisa.

Vale a pena relatar que, em 1966, Henry Beecher publica um artigo na prestigiosa The New England Journal of Medicine onde, numa revisão de literatura, encontra 22 trabalhos científicos com sérios problemas éticos,


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publicados em vários periódicos médicos.

O ano de 1979 é marcado pelo Relatório Belmont (Belmont Report), que afirma a importância do respeito à pessoa humana através do exercício da autonomia e da proteção aos vulneráveis, seguido do livro "Princípios da Ética Biomédica", de Beauchamp e Childress, autores esses que são considerados os pais da teoria principialista da Bioética.

Na Declaração de Helsinque, encontramos, ainda, em seus princípios básicos, que toda pesquisa em seres humanos deve basear-se em experiências de laboratório e com animais, muito bem expressas na resolução 251 do Conselho Nacional de Saúde, de agosto de 1997, estabelecendo que, nos casos de investigação experimental laboratorial, relativas a novos fármacos, medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos, envolvendo seres humanos, a realização das 4 fases clínicas (primeiro estudo em seres humanos, voluntários; estudo terapêutico piloto; estudo terapêutico ampliado e estudos de vigilância pós-comercialização) só será permitida após os estudos pré-clínicos, em que já foram consolidadas as avaliações referentes à toxicidade tanto aguda quanto a subaguda e a crônica. Essas considerações estão hoje tão bem estabelecidas que são tidas não apenas como um correto passo metodológico mas também, uma conduta ética imprescindível.

Deve-se destacar que é na Declaração de Helsinque, em seu artigo segundo dos princípios básicos, que se estabelece a necessidade de um protocolo de pesquisa, em toda investigação com seres humanos, documento este que deverá ser apresentado a uma comissão independente, isto é, independente do investigador e do patrocinador, para considerações, comentários e orientações. Entretanto, naquela época, não havia a sugestão de um poder de veto ao projeto, poder esse atualmente exercido pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) em nível de Brasil.

Paralelamente às revisões e atualizações da Declaração de Helsinque, surgem as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, elaboradas pelo Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS), com a


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colaboração da Organização Mundial de Saúde, sendo que esse mesmo conselho, em 1991, estabelece as Diretrizes Internacionais para a Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos nas quais se consolidam os Comitês Independentes que, no Brasil, foram denominados de Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), para revisão dos protocolos de pesquisa, sendo agora necessária a obtenção de uma aprovação por esses comitês antes da condução da pesquisa proposta. Também recomenda que esses comitês tenham caráter multidisciplinar para uma melhor análise e julgamento das propostas apresentadas.

Por outro lado, começa a acontecer, na década de 70, um intenso debate que produz o surgimento da Bioética, que, dialeticamente, acaba impulsionando ainda mais a discussão sobre a questão dos aspectos éticos na investigação científica nas ciências biomédicas. Em verdade, o termo Bioética, que foi cunhado em 1971 por um biólogo e oncologista americano da Universidade de Wisconsin, Van Rensselear Potter, ultrapassa as ciências biológicas e médicas, podendo ser entendido como a "Ética da Vida" e, portanto, aplicável a todos os campos do conhecimento e à toda Biosfera.

Esses movimentos acabam se refletindo no Brasil, sendo que, em 1988, o Conselho Nacional de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, aprova a resolução número 01, em parte, também, pressionado pelas inúmeras denúncias, durante toda a década de 80, sobre abusos, principalmente nas questões relativas à saúde reprodutiva, particularmente quanto aos métodos contraceptivos. O caso Norplant, um implante anticoncepcional de cápsulas subdérmicas, desenvolvido pelo Population Council, foi, juntamente com as experiências com anéis vaginais hormonais, o mais polêmico de todos os casos, envolvendo aspectos éticos em pesquisas realizadas com mulheres brasileiras.

Essa resolução 01/88, a primeira norma nacional sobre ética na pesquisa em seres humanos, sendo considerada o grande marco brasileiro na temática, foi revista durante os anos de 1995 e 1996, depois de uma ampla consulta à comunidade científica nacional, particularmente na área das Ciências da Saúde e Biológicas e à sociedade civil organizada, culminando com a criação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e com a Resolução 196, de 10 de Outubro de


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1996 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que regulamentou as pesquisas envolvendo seres humanos, posteriormente aprofundada em Junho de 1997, com a resolução 251, que tratou especificamente da área temática de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos, seguidas pelas 292/99, 303/00 e 304/00.

Em verdade, existem inúmeros aspectos éticos envolvidos em uma pesquisa que vão desde aqueles bem estabelecidos e inquestionáveis, passando por alguns controversos, indo até aqueles sob os quais poucas reflexões são feitas pela própria comunidade científica. Um bom exemplo de aspectos éticos controversos seria em relação à escolha do tema a ser estudado. Para alguns, deveria haver uma prioridade, ou até mesmo, uma obrigatoriedade de que a temática a ser investigada estivesse não só em consonância com a realidade sócio-econômica e epidemiológica de uma região ou nação mas também que tivesse o maior impacto positivo naquela realidade, sendo que a otimização do custo-benefício da pesquisa, não só em termos da execução do projeto em si mas também dos seus efeitos na sociedade, deveria ser encarada não apenas como uma questão de eficiência, mas também, como uma postura ética adequada e imprescindível, embora, para outros, qualquer forma de coação ao "espírito e à liberdade científica" é inaceitável e representa uma ameaça não só a própria Ciência como também às liberdades individuais. Mas só para ilustrar: apenas 1% do dinheiro para subsidiar pesquisas vai para as doenças mais comuns e prevalentes nos países subdesenvolvidos, como, por exemplo, a Malária.

Depois da escolha do tema, a própria revisão bibliográfica poderia representar um estrangulamento ético, pois esta, ao ser inadequada, consciente ou inconscientemente, pode levar a marcos teóricos que subsidiem estudos que, de outra forma, poderiam não ser justificados. Ou ainda, proporcionem estudos que já foram considerados não éticos, como já foi dito anteriormente.

Outro aspecto que tem sido muito relegado no debate ético e bioético, embora deva ser merecedor de atenção, refere-se à questão dos autores, co-autores e bolsistas de iniciação científica. É bastante comum em nossa prática


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que, muitas vezes, para melhorar o Curriculum Vitae, pessoas que, de fato, não colaboraram para a realização do estudo, tenham seu nome nele incluído, ou que possam vir a colaborar com intensidade tal que seriam merecedores de um agradecimento e não, de uma co-autoria, ou, ainda pior, por questões hierárquicas, pressionem para que seus nomes sejam incluídos em trabalhos nos quais não tiveram nenhuma participação.

Também é merecedora de reflexão a situação de bolsistas ou estudantes de iniciação científica, que não só receberam orientação e supervisão para o desenvolvimento do estudo, mas até mesmo, muitas vezes, tiveram a escolha da temática pesquisada decidida pelo orientador. Quando da publicação, quem deve ser considerado o autor principal? Os bolsistas ou o orientador? Diferentemente da situação da publicação dos resultados de uma tese de mestrado ou doutorado, a ausência de critérios tem gerado polêmicas e atritos entre orientadores e orientados e, também, dentro dos Comitês de Ética. Ao nosso ver, em princípio, o projeto é do orientador e, portanto, o mesmo é o autor principal.

Já a questão do financiamento do estudo é um aspecto ético que vem recebendo bastante atenção nos últimos tempos não só pelas questões éticas, mas também metodológicas, sendo hoje considerado uma potencial fonte de viés. Mais uma vez, vale a pena reforçar a visão de que todo financiador tem interesses específicos na temática escolhida e financiada assim como nos resultados, sendo que esses interesses são, algumas vezes, fortemente pecuniários e seguem a perversa lógica da maximização do lucro a qualquer preço. Vale aqui relembrar a reflexão epistemológica de que, apesar de o método científico ser neutro, a Ciência não necessariamente o é, principalmente quando existem interesses financeiros ou políticos envolvidos. Isso explica, em parte, porque muitos estudos, inicialmente considerados como grandes contribuições a uma determinada área, acabam sendo rejeitados posteriormente devido a evidências (verdade manifesta) em contrário, geralmente vindas de pesquisas independentes, fato este, aliás, não muito raro, como por exemplo, em relação à eficácia de novos fármacos.

A escolha dos indivíduos ou grupos a serem estudados também é


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merecedora de reflexões. São esses indivíduos, ou grupos, os ideais para atingir os objetivos propostos ou, apenas, são os mais fáceis de serem cooptados para participar do estudo, devido as suas limitações de exercer uma correta crítica e análise da situação? Ou serão os que se encontram numa posição de fragilidade emocional e/ou social e, portanto, limitados em sua autonomia? Ou será apenas porque estão mais próximos e requerem menos esforços e custos para os investigadores? Ou será que são as melhores amostragens para, viciosamente, confirmar a hipótese investigada? Houve alguma forma de indução à participação (pagamento, sorteio de prêmios, entrega de medicamentos)?

Mesmo com o uso do consentimento livre e esclarecido, essas questões continuam sendo pertinentes, pois, muitas vezes, a qualidade do próprio consentimento ou a forma de sua obtenção podem impedir ou comprometer o exercício pleno da autonomia.

A elaboração do protocolo de pesquisa, também, é merecedora de cuidados éticos. Primeiramente a sua não elaboração, além de estar em evidente confronto com as determinações do Conselho Nacional de Saúde, deixa de proporcionar aos pesquisadores momentos de meditação sobre todas as implicações do estudo proposto, o que poderia levar a agravos desnecessários. Quando elaborado, deve este ser apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa para aprovação e modificações com vistas ao seu aprimoramento. Aliás, é consenso que os comitês não só têm o direito mas também o dever de contribuir com sugestões de modificações para correção ou aprimoramento metodológico do processo.

Em relação à instalação dos Comitês de Ética em Pesquisa, "um pré-requisito" para todas as instituições onde se realizam pesquisas científicas, também merece reflexão no processo de escolha dos componentes desses comitês, já que poderá haver inúmeras situações de confronto entre pesquisadores e membros do comitê, assim como nos parece ser de fundamental importância que boa parte destes tenham, também, experiência prática em pesquisa para que haja um equilíbrio entre o ideal e o real, prevalecendo o bom senso, a fim de não haver uma paralisação das atividades


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de pesquisa, na esperança de uma situação ética e bioética utópica.

Outro aspecto interessante e merecedor de reflexões e debates é em relação aos "donos dos sujeitos ou dos objetos da pesquisa". Cada dia mais, vemos pesquisadores ou não, "donos de peças cirúrgicas", "donos de soros", "donos dos pacientes da instituição", etc, etc, etc. Ultimamente, até mesmo alguns Comitês de Ética impedem a entrada de pesquisadores de outras instituições, ou lhes colocam barreiras, apesar de protocolos absolutamente corretos do ponto de vista ético e bioético. Existe "reserva de mercado"? Se existe, quais os critérios a serem estabelecidos assim como de que forma, por quem e para quem seriam esses critérios formulados?

É importantíssimo repetir, como forma de consolidação e aprendizado, que todo pesquisador tem obrigação de obter um Consentimento Livre e Esclarecido dos sujeitos da pesquisa. A linguagem desse consentimento deve ser compatível com o nível educacional e sócio-econômico dos sujeitos da pesquisa, para que ele seja entendido, evitando-se jargões e termos técnicos (por isso ele se denomina "esclarecido"). Deve expressar, também, que o exercício da sua autonomia, em caso de recusa, não vai interferir, por exemplo, na qualidade do atendimento assim como deve deixar claro a garantia da anonimidade e também da confidencialidade (e não segredo ou sigilo, pois os dados serão publicados) das informações colhidas e dos resultados. Mesmo assim, muitas vezes, a desigualdade da relação instituição-paciente ou profissional-paciente pode levar a um consentimento espúrio e de qualidade inferior, permissão essa que talvez, em outro cenário, não fosse dada. Lembre-se de que dor física, emocional ou espiritual não combina com racionalidade, muito menos com consentimento livre e esclarecido.

Atenção! Além do pesquisador, tanto o patrocinador como a instituição onde irá ser realizada a investigação, são responsáveis por qualquer agravo à saúde dos sujeitos, devendo todos prestar assistência quando de qualquer complicação ou danos assim como a compensação por possíveis danos. O CEP é também co-responsável por agravos éticos contidos no protocolo de pesquisa.

Dica: Faz-se necessário um esforço para que o consentimento livre e


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esclarecido, criado para garantir e resguardar a integridade, a dignidade e os direitos dos participantes de uma investigação científica, não se torne, apenas, um procedimento burocrático e legal, sem nenhuma preocupação ética. Em verdade, nenhum papel, código, lei, declaração, resolução, consentimento escrito ou oral é garantia de uma prática conscienciosa, honesta, sensata e sensível de um pesquisador, o que realmente só será alcançada na medida em que se aumentar sua consciência ética, bioética e humanista.

Outra dica: O consentimento oral livre e esclarecido, desde que realmente utilizado, pode ser, do ponto de vista ético, tão ou mais eficiente do que o escrito, que apesar de conter corretas e minuciosas informações, pode facilmente ser manipulado, principalmente quando aplicado a uma população de baixo nível sócio-econômico. Entretanto, ainda não há consenso sobre isso.

Sumarizando, todo consentimento livre e esclarecido, deve conter os objetivos, procedimentos, riscos/benefícios, garantia de sigilo/confidencialidade, oportunidade de poder fazer perguntas e solicitar esclarecimentos, liberdade de poder deixar a pesquisa em qualquer momento, garantia de apoio e resolução/manejo/tratamento dos danos e complicações e, nos casos específicos, que a sua não participação não afetará em nada a qualidade do seu atendimento.

Erros na condução de uma pesquisa podem representar desconhecimento metodológico, mas também, desvios éticos. Primeiramente, poderíamos afirmar que iniciar qualquer pesquisa sem o devido embasamento técnico científico já implica em importante questionamento ético e bioético, pois os pesquisadores estariam correndo riscos de equívocos básicos em todas as fases do estudo, acarretando desde possíveis desperdícios de tempo e recursos até à produção e divulgação de resultados sem confiabilidade e validade, além do fato de poder colocar em perigo desnecessário, sujeitos, cobaias e circundantes.

A pesquisa de campo, quando se trabalha com seres humanos, o processo de seleção dos indivíduos ou de coletivos de sujeitos, apresenta desafios e dilemas éticos que vão desde a definição dos critérios de inclusão e exclusão


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até a questão da escolha do grupo-controle e da randomização versus amostragem por "cluster". É ético a utilização de placebo nos estudos experimentais, controlados e randomizados? É ético, nos estudos de intervenção, deixar de oferecer a um grupo ação com boa plausibilidade de beneficência em nome de uma maior confiabilidade e validade do estudo?

Em relação à coleta dos dados, vale a pena refrisar que sempre existe o risco de que o viés do pesquisador não seja apenas inconsciente, embora seu interesse em determinado resultado possa levá-lo a influenciar as respostas, quando, por exemplo, se utilizam entrevistas com perguntas abertas, viés esse que pode se repetir quando da codificação de dados. Nesse mesmo tipo de pesquisa, em que se utilizam questionários ou entrevistas, algumas perguntas podem levar, por parte dos sujeitos, a reflexões, questionamentos, mudanças, ou até mesmo, atritos na vida pessoal (efeito Hawthorne negativo), o que, sem dúvida, levanta preocupações éticas e bioéticas sobre a inocuidade de estudos descritivos, principalmente em subáreas, como as das doenças sexualmente transmissíveis e a da sexualidade humana. Imaginemos o seguinte cenário: o entrevistador/a faz uma pergunta simples, como por exemplo " Você sabia que o HPV pode ser considerado uma Doença Sexualmente Transmissível?". Resposta do/a entrevistado/a: não! Mas, lá no fundo, ele/ela fica pensando: Eu tenho HPV e nunca pulei a cerca. Cabra safado/a do/a meu marido/ minha mulher! Quando chegar em casa, "a cobra vai fumar"!. Pronto! Uma simples pergunta destruiu um casamento, e o pior, é que, em nossa opinião, pode ser que ninguém "tenha pulado a cerca", mas isso não é tema desse manual.

Durante a análise dos resultados, a escolha do método e teste pode levar a significâncias estatísticas que não expressam a realidade. Não se esqueça: Com um bom estatístico ao lado, qualquer pesquisador pode provar qualquer coisa.

A fase de interpretação dos dados e apresentação dos resultados, como foi dito anteriormente, não só é campo para freqüentes erros na literatura científica, mas, um momento em que também existe espaço para desvios éticos, quando, novamente, os interesses dos pesquisadores e das fontes de


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financiamento podem exercer importante influência. Não é infreqüente em congressos e revistas de divulgação, por exemplo, a apresentação de apenas parte de um gráfico ou a ampliação de um segmento do gráfico, para valorizar diferenças entre os grupos estudados que, muitas vezes não têm tanto valor assim.

Até mesmo na discussão dos resultados encontrados, quando da comparação com outros estudos, pode haver um viés de seleção, de forma a reforçar a importância dos seus resultados. Nessa etapa da redação, a ausência de comentários a respeito das fraquezas do estudo realizado deveria ser considerada uma postura, científica e ética, inadequada, pois leva o leitor desavisado ou inexperiente a uma hipervalorização dos achados. E o contrário merece aplausos. Um pesquisador que ressalta as fraquezas e os riscos de vieses do seu estudo e, ainda, aponta para a necessidade de outras pesquisas que confirmem seus resultados e associações encontradas, demonstra maturidade científica e ética.

É comum encontrarmos conclusões que estão em desacordo com os resultados encontrados ou que se baseiam numa visão tendenciosa destes, expressando um viés do pesquisador, que pode ser por imaturidade e inexperiência científica, embora possa, também, infelizmente, ser consciente e, portanto, aético, assim como não é infreqüente a não publicação de dados negativos ou adversos aos interesses do pesquisador ou dos grupos de financiamento, o que pode ser interpretado como uma sonegação de informações à comunidade científica e à sociedade em geral.

As interrupções de pesquisas deveriam ser objeto de reflexões éticas e serem analisadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa, para separar aquelas interrupções que foram provocadas por dificuldades éticas (surgimento de efeitos adversos inesperados) ou econômicas ou por outros motivos inesperados, mas relevantes, daquelas em que houve desleixo quanto à avaliação da viabilidade do estudo ou da falta de responsabilidade e compromisso dos pesquisadores e orientadores, ou ainda pior, para que os resultados "negativos" ou que sejam contra os seus interesses não sejam divulgados.

É importante salientar que, após a identificação, através do estudo


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realizado, de conhecimentos incorretos, desinformações, práticas ou situações perniciosas ou danosas ao indivíduo ou à coletividade, a não correção ou, pelo menos, a tentativa de minorá-los, ao final da pesquisa e, até mesmo antes mesmo da publicação, deveria ser considerada um grave desvio ético e bioético.

A publicação e a divulgação dos resultados do seu estudo também é merecedora de reflexões éticas e bioéticas. Onde será mais eticamente adequado publicar os resultados? Em nível internacional ou entre seus pares locais e regionais? Quais os critérios a serem levados em consideração na hora da publicação? Onde os resultados terão maior impacto para os sujeitos da pesquisa ou onde terá maior impacto para o interesse do pesquisador ou dos financiadores? É ético a não divulgação ampla dos resultados entre os pares da instituição onde o estudo foi realizado? É ético não divulgar seus resultados nos meios "leigos" de comunicação, mesmo com riscos de deturpação, devido à importância dos seus achados para a sociedade? Para todas essas questões, ainda não existe unanimidade, devendo haver maiores debates para um consenso mínimo. É nossa opinião que os resultados de uma pesquisa, que possam melhorar a assistência ou a qualidade de vida da população, devam ser apresentados aos gestores/responsáveis antes mesmos da publicação dos achados nos periódicos científicos.

Recentemente, começamos a verificar disputas entre Comitês de Ética de diferentes instituições, o que, sem dúvida, é um desserviço aos objetivos desses comitês, fato esse que, junto com uma burocratização destes, pode levar a uma inviabilização prática dos Comitês de Ética em Pesquisa. Vale a pena também lembrar e refletir sobre a interferência descabida dessas instâncias, através da exigência de refinamentos metodológicos que, muitas vezes, ultrapassam o seu papel de fomento, de educação continuada, de contribuição científica e, principalmente, de controle das questões éticas e bioéticas, envolvidas na investigação proposta.

E, em relação aos membros dos comitês de ética? Devem ser eleitos pelos pares ou devem ser escolhidos pela direção da unidade? Se ele é multidisciplinar, como escolher os das outras categorias, inclusive os leigos e representantes da comunidade? Devem ter mandato ou não? Será ético afastar


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os membros mais experientes e colocar inexperientes? Enfim, em um processo dialético de amadurecimento, essas questões são importantes e merecedoras de reflexões continuadas, não havendo respostas prontas e finais, apesar das recomendações da CONEP e da resolução 190/96.

Também, em nossa opinião, é importante a instalação de comitês de ética em pesquisa em todos os locais que desenvolvam investigações científicas, apesar de todas as dificuldades, principalmente a de encontrar membros capacitados e dispostos a uma sobrecarga de trabalho e ao risco de uma incompreensão por parte de seus pares. Em outras palavras, é muito ônus para praticamente nenhum bônus.

Reafirmamos a necessidade de que esses comitês podem e devem ter o poder de auditoria, para verificar se o protocolo aprovado está realmente sendo respeitado. Dica: A avaliação de cinco por cento da casuística de cinco por cento dos protocolos aprovados, escolhidos aleatoriamente, pode servir de estímulo a uma prática ética e bioética mais adequada.

Dica importantíssima: Os Comitês de Ética em Pesquisa devem se vigiar para que, ao invés de instrumentos de criação de uma consciência crítica e de prevenção de abusos, não se tornem um entrave burocrático, engessando a própria produção científica. Os membros, que compõem um comitê, têm que ter consciência, uma vez que assim como não existe pesquisa metodologicamente perfeita, também não há pesquisa éticamente perfeita. Os Comitês de Ética em Pesquisa podem e devem ser um instrumento de criação de uma Ética local, baseada nas condições objetivas locais e não somente um mero instrumento de normatização e aplicação de uma meta-ética decidida alhures.

Atenção: Os comitês não devem ser superpostos. É nossa opinião que uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética de uma instituição pode ser, a princípio, o suficiente para o andamento da pesquisa, desde que este seja reconhecido pelo CONEP, para que não haja inviabilização da investigação científica por delongas desnecessárias, desde que, é claro, não haja um comitê no local onde será realizada a pesquisa, cujo parecer é, sem dúvida, o mais importante.


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Achamos também que deveria ser dada uma maior divulgação ao Código de Nuremberg, à Declaração de Helsinque e às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas em Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde (resoluções 196/96, 251/97, 292/99, 303/00 e 304/00) e também da, infelizmente, esquecida "Declaração Universal dos Direitos Humanos".

Como dicas finais para este capítulo, desejaríamos reafirmar:

. Os princípios Bioéticos da Beneficência, Não Maleficência, Autonomia e o da Justiça são a espinha dorsal dos preceitos éticos aplicados na pesquisa com seres humanos;

· A dignidade e o bem-estar do sujeito participante da pesquisa devem prevalecer sobre outros interesses, quer sejam econômicos quer da própria ciência;

· Na avaliação dos riscos da pesquisa, devemos levar em consideração não só os possíveis danos ou inconvenientes físicos, mas também, os psíquicos, os morais, os intelectuais, os sociais, os culturais e, até, mesmo os espirituais;

· Os danos podem ser de curto, médio, longo e longuíssimo prazo;

· O consentimento pode ser oral (não aceito pela CONEP) ou por escrito, sendo importante ter consciência de que um "consentimento" é muito mais abrangente do que uma simples aquiescência, no caso do oral ou de uma simples assinatura, no caso de um por escrito. Qualquer limitação, cultural-intelectual-social e, até mesmo, ambiental, como, por exemplo, a situação prática na qual ele é obtido, limitam a autonomia, o livre-arbítrio e o respeito a sua vontade de autogovernar-se;

· O consentimento negativo é uma outra forma de consentimento livre e informado, porém polêmico. Por exemplo, para os pais autorizarem a participação de seu filho numa pesquisa em uma escola, basta simplesmente desprezar o termo de consentimento negativo que lhe foi enviado e, para a não autorização, os pais devem preencher o documento e entregá-lo na escola. Como é mais trabalhoso preenchê-lo e encaminhá-lo, esse tipo de consentimento pode ser considerado como espúrio;

· No Brasil, toda pesquisa com sujeitos, deve estar baseada nas Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, Resolução do Conselho Nacional


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de Saúde (196/1996), sendo uma conduta de bom senso lê-la com atenção (algumas vezes), antes de iniciar qualquer tipo de estudo que envolva, direta ou indiretamente, seres humanos;

· A ética na pesquisa é baseada na visão de que esta última tem como objetivo principal melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, isolada ou coletivamente, e que nenhum outro interesse pode interferir neste objetivo;

· Uma seleção adequada dos sujeitos deve sempre proteger os indivíduos menos favorecidos;

· A randomização está ligada ao Princípio Bioético da Justiça;

· O placebo não deve ser utilizado quando da existência de um tratamento eficaz ou quando seu uso leva pacientes a risco ou, ainda, quando o paciente não deseja recebê-lo;

· Nas pesquisas internacionais e/ou multicêntricas, lembrar que são vedadas pesquisas ou investigações em um país, coordenadas por pesquisadores de outros países, lembrando sempre que os padrões éticos não podem ser menores no país de execução;

· Os CEPs devem ter independência, competência e recursos. Seus membros, devem ter sua carga horária adaptada a essa nova atividade ou a alguma forma de recompensa pela responsabilidade extra e pelo imenso consumo de tempo;

· Além da proteção dos sujeitos, os comitês e o pesquisador devem ter como prioridade à proteção dos trabalhadores e funcionários das instituições que ficam expostos a possíveis riscos;

· Como a ética e a bioética são dialéticas, existe sempre a necessidade de se estar atento ao aparecimento de novas questões e desafios devido à velocidade das transformações científicas e sociais;

· É preciso criar mecanismo para o acompanhamento e seguimento dos protocolos de pesquisa. Um protocolo "eticamente correto" não significa uma prática "eticamente correta";

· Existe uma necessidade de avaliação do desempenho dos CEPs, não esquecendo que os CEPs podem ser usados pelas instituições para proteger


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mais os pesquisadores (espírito corporativista, que existe, também, entre os pesquisadores, como em qualquer outra categoria) do que os sujeitos das pesquisas.

· A ética na pesquisa cientifica, na área biomédica, necessita ter o objetivo de também orientá-la para seu uso na promoção da saúde.

· A beneficência precisa estar também estendida ao grupo-controle (grupo não tratamento). Portanto, poderá não se justificar um "braço" placebo, no qual não haja nenhum tipo de tratamento, quando já houver relatos de algum que seja superior, em pesquisa publicada, ao placebo. Como dissemos no capítulo V, estas considerações estão bem expressas no item III.3 da resolução 196/96 que estabelece "caso haja necessidade, em pesquisas que envolvem seres humanos, de distribuição aleatória dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, o projeto deve ter assegurado, em sua revisão bibliográfica, que não se pode assegurar a priori que existam vantagens de um grupo sobre o outro".

Como dicas "super finais", gostaríamos de deixar claro que não é fácil colocar na prática do dia-a-dia da pesquisa questões ou princípios filosóficos. É importante ter em mente que a concepção da Bioética é multi e transdisciplinar, histórica e plural, sendo a tolerância em relação ao outro e ao diferente, assim como para as dificuldades de ordem prática, uma atitude fundamental ao estabelecimento de normas éticas e bioéticas para a pesquisa em cada área do conhecimento.

Finalmente, toda comunidade científica deve compreender que os preceitos éticos e bioéticos em pesquisa são baseados na visão de que essa forma de criação e consolidação do conhecimento tem como objetivo principal melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, isolada ou coletivamente, e que, reafirmamos, nenhum outro interesse pode se sobrepor a esse objetivo e, acima de tudo, deve ter a clareza de que a dignidade de todo ser humano e da vida humana, da concepção até a morte, é o preceito no qual, em verdade, deve estar baseada a Ética e a Bioética na pesquisa, pois, como disse Dostoiewski, "todo ser humano, qualquer um, por mais mesquinho que seja, merece respeito por sua dignidade de ser um ser humano". Acrescentaríamos


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nós: "Não só a humana, mas toda forma de vida".

No oitavo capítulo, que se inicia na próxima página, discorreremos sobre um tópico extremamente atual e muito pertinente para quem irá trabalhar com animais de laboratório: Bem-Estar Animal.


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8. CUIDADOS COM O BEM-ESTAR ANIMAL DURANTE

ESTUDOS CIENTÍFICOS

Em boa parte das pesquisas científicas, principalmente na produção de um novo medicamento, a utilização de experimentos em animais se constitui em etapa obrigatória antes dos testes clínicos com seres humanos. Os testes mais comuns incluem o teste de Draizer, com o objetivo de verificar e medir o índice de toxidade em cosméticos, pesticidas, produtos de limpeza, herbicidas e shampoos, (a substância fica em contato com a córnea de coelhos vivos), e o teste DL50, que significa Dose Letal para 50% dos animais, além da pesquisa de outras toxicidades, aguda e crônica, incluindo citotoxidade, mutagenicidade, oncogenicidade e teratogenicidade.

O histórico da pesquisa com animais, científica ou não, parece começar na medicina babilônica na qual era comum a prática da aruspicina, consistindo na realização de presságios, diagnósticos e prognósticos pela vivissecção de animais, fato este bem estabelecido no Código de Hamurabi, 2250 a.C. Já na história oficial da medicina ocidental, vamos encontrar que Hipócrates (450 a.C.), conhecido como o Pai da Medicina, utilizava animais em suas aulas e os relacionava com os seres humanos assim como o grande filosofo Aristóteles (384-322 a.C.), que também realizava estudos comparativos entre órgãos de animais e órgãos humanos. Mas foi o grego Galeno, que viveu entre os anos de 131 e 210, que com a publicação de mais de 256 trabalhos sobre o funcionamento de diferentes órgãos, deu a maior contribuição à ciência, utilizando modelos animais. Os seus trabalhos foram de grande relevância, e por tanto tempo, que passou a ser considerado como o fundador da fisiologia experimental com animais. Outro famoso personagem da pesquisa com animais, merecedor de citação, foi Harvey que, em 1638, publica "Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus", um minucioso estudo da circulação sangüínea em 80 espécies.

Em verdade, existem várias razões para o emprego de animais em pesquisa científica, precedendo ou não, a pesquisa com seres humanos. Dentre as principais, destacamos as Éticas e Morais, as Legais, a inexeqüibilidade de


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muitas pesquisas em seres humanos, a simplicidade e o fato de muitos processos básicos poderem ser descobertos mais facilmente, registrados em maiores períodos de tempo, em animais do que em humanos. Além disso, podemos destacar que as condições de um experimento com animais e, portanto, as variáveis de estudo, também podem ser mais facilmente manipuladas e mais bem controladas. Vale destacar que o custo financeiro costuma ser bem menor, e as observações não são prejudicadas pelas relações entre sujeito e experimentador, potencial fonte de vieses em pesquisa com seres humanos. Finalmente, as pesquisas com animais podem permitir identificar processos e componentes responsáveis por comportamentos complexos.

Dentre muitos marcos da "ética" em pesquisa com animais, poderíamos destacar Pitágoras, que viveu entre os anos 582-500 a.C. e afirmava que o bem-estar das criaturas não humanas era um dever, principalmente porque sua doutrina acreditava na metempsicose (a transmigração da alma entre animais e humanos, isto é, você poderia estar vivissecando seu bisavô ou o seu futuro neto). Já Montaigne (1533-95) via os seres humanos iguais, em essência, aos animais e acreditava numa "corrente" dos seres mais primitivos até Deus. Por outro lado, Descartes (1596-1650) afirmava que, como não tinham alma, os animais eram como máquinas e não sentiam dor.

Em 1789, o debate sobre a Ética e os cuidados com o bem-estar dos animais de experimentação é reacendido por Jeremy Benthan que, na sua publicação "Introduction to the Principles of Morals and Legislation", observa: "A questão não é, podem eles raciocinar ou podem falar, mas, podem eles sofrer?". O debate continuou acirrado com Claude Bernads que, em seu "Introduction to The Study of Experimental Medicine", de 1865, escreve que "temos o direito, total e absoluto, de experimentar em animais e vivissecar", sendo que esse famoso cientista utilizou o próprio cachorro de estimação de sua família numa aula.

Possivelmente como uma resposta aos seus arroubos e "chocada" pelo ocorrido a esposa de Claude funda a primeira associação de defesa dos animais contribuindo bastante para o nascimento e consolidação do movimento de defesa e proteção aos animais. Paralelamente, no início do


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século XIX, começam a surgir várias sociedades de defesa dos animais como a Society for the Preservation of Cruelty to Animals, em 1814, na Inglaterra, que a partir de 1840, passa a ser patrocinada pela rainha Vitória, com status de Real Sociedade, seguida pelo decreto de 1876, conhecido como "British Cruelty to Animal Act", a primeira lei a regulamentar o uso de animais em pesquisa, sucedida, já no século XX, pela primeira publicação norte-americana sobre aspectos éticos em pesquisa animal (1909).

A luta a favor dos cuidados e do respeito com animais, particularmente os de experimentação, teve também aliados inusitados, dentre eles, Hitler, que em 1930, publica decreto, tornando a experimentação animal ilegal, atitude essa talvez explicada nas frases célebres "eu aprendi a desprezar o ser humano do fundo de minha alma" e "quanto mais eu conheço a espécie humana, mais eu gosto do meu cachorro".

Em 1959, o zoólogo Russel e o microbiologista Burch publicam as regras que ficaram conhecidas como os 3Rs (Reduce, Replace and Refine) que se constituem, ainda hoje, num paradigma da pesquisa científica com animais. O princípio da redução (reduction) estabelece que devemos tentar diminuir o número de animais ao mínimo em um experimento, o que significa que, além da utilização de um cálculo amostral adequado, implica também em garantir a qualidade sanitária dos biotérios (para diminuir a mortalidade e morbidade dos animais) assim como a utilização de animais geneticamente idênticos, conhecidos como isogênicos. Também se fazem necessários cuidados básicos com a padronização das condições ambientais (temperatura, umidade, etc). Em consonância com esse princípio, sempre que possível, deve-se reutilizar, ou melhor ainda, utilizar o mesmo animal para outros estudos, concomitantemente ou não.

O princípio do refinamento (refinament) implica em apurar, ao máximo, a técnica a ser utilizada, para que o animal sofra o menos possível, acompanhado sempre da utilização de analgésicos e/ou anestésicos e o emprego da Eutanásia. Já o princípio da Substituição (replacement) indica a necessidade, sempre que possível, de serem utilizados métodos alternativos, como a cultura celular e a cromatografia.


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Logo após o estabelecimento dos 3Rs, a Comissão de "Precaution and Standars in Animal Experimentation", em 1962, edita as suas seis regras, que também se tornam referência padrão para os pesquisadores que utilizam animais em seus experimentos, a saber:

1) Todos os animais usados para fins experimentais devem ser adquiridos legalmente, e sua retenção deve estar estritamente de acordo com as leis e regulamentos federais e locais;

2) O cuidado e a alimentação de todos os animais experimentais devem estar de acordo com as práticas de laboratório mais aceitas, com a devida consideração do seu bem-estar físico, de um tratamento bondoso, em um ambiente sanitariamente adequado;

3) Deve-se fazer todo o esforço para evitar desconforto desnecessário aos animais de experimento. Pesquisas que submetem animais a desconforto somente devem ser feitas quando um cientista experimentado estiver convencido de que este desconforto é exigido e justificado pelo significado da pesquisa;

4) Os procedimentos cirúrgicos devem ser feitos sob adequada anestesia e apenas os de menor extensão, sob anestesia local. Quando a natureza do estudo exigir que o animal sobreviva, devem ser seguidas rigorosamente técnicas para se evitar infecção. Quando o estudo não exige a sobrevivência do animal, deve-se dele dispor, de uma maneira "humana", após a conclusão da operação;

5) O cuidado pós-operatório do animal deve reduzir o seu desconforto durante a convalescença, de acordo com práticas aceitas;

6) Quando os animais são usados por estudantes, para sua educação e seu estudo de ciência, este trabalho deve ser feito sob a direta supervisão de um professor ou pesquisador experiente. As regras para realizar este trabalho deverão ser as mesmas usadas para realizar a pesquisa.

Essa nova consciência e preocupação também pode ser encontrada na segunda versão da Declaração de Helsinque (Tóquio, Japão, 1975),


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documento fundamental como referência para pesquisadores em estudos com seres humanos, que passa a recomendar cuidado especial com o bem-estar dos animais utilizados em pesquisa.

Apesar da enunciação desses princípios, regras e orientações, o respeito aos direitos dos animais, particularmente os utilizados em pesquisa, continuou sendo negligenciado, o que acabou levando Peter Singer a publicar, em 1975, o livro-manifesto "Animal Liberation", no qual denunciava as condições dos animais utilizados na produção de cosméticos e alimentos, atitude essa seguida por Henry Spira que publica no New York Times a manchete "Quantos coelhos a Revlon cega para a sua beleza?" numa referência ao "Draizer Eye Test" onde a substância experimental é pingada ou injetada em uma das córneas do coelho, enquanto o outro olho permanece preservado para servir como comparação, ao contrário do Draizer Skin Test que é realizado na pele dos animais. Em continuidade a esse momento, a UNESCO publica em 1978, em Bruxelas, Bélgica, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais que reproduzimos a seguir:

ARTIGO 1: Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência.

ARTIGO 2: a) Todo animal tem direito ao respeito; b)O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando seus direitos; tem o dever de pôr os seus conhecimentos a serviço dos animais; c) Todo animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.

ARTIGO 3: a) Nenhum animal deverá ser maltratado e submetido a atos cruéis. b) Se a morte do animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor nem angústia.

ARTIGO 4: a) Todo animal que pertence a uma espécie selvagem, tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.

ARTIGO 5: a) Todo animal que pertence a uma espécie, que vive


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habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer, segundo o ritmo e as condições de vida e liberdade, que são próprias de sua espécie. b) Qualquer modificação deste ritmo e destas condições, impostas pelo homem, para fins mercantis, é contrária a este direito.

ARTIGO 6: a) Todo animal que o homem escolher para companheiro tem o direito de uma duração de vida, conforme a sua longevidade natural. b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

ARTIGO 7: Todo animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, a uma alimentação adequada e ao repouso.

ARTIGO 8: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico e psíquico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas substitutas devem ser utilizadas e desenvolvidas.

ARTIGO 9: No caso de o animal ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e morto, sem que, para ele, resulte ansiedade ou dor.

ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição de animais e os espetáculos que utilizam animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um delito contra a vida.

ARTIGO 12: Cada ato que leve à morte de um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja um delito contra a espécie.

ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência das quais os animais são vitimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos do animal.

ARTIGO 14: As associações de proteção e salvaguarda dos animais devem ser defendidas por leis, como os direitos do homem.


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Essas publicações e denúncias, entre muitos outros fatos, acabaram provocando uma grande comoção na opinião pública, particularmente entre os defensores dos direitos dos animais, inclusive gerando atos de violência e terrorismo, que acabaram levando a Avon e a Revlon, duas grandes empresas de cosméticos, a deixarem de usar animais em seus experimentos, no ano de 1989.

Em termos de Brasil, a Lei Brasileira 6638, de 1979, estabeleceu as Normas para a Prática Didático-Científica da Vivissecção de Animais, na qual só estabelecimentos de Terceiro Grau podem realizar práticas com animais e estabelece critérios para evitar sofrimento. Na Constituição de 1988, encontramos a Lei de Crimes Ambientais que, no seu capítulo V, secção I, artigo 32, afirma que "incorre em crime, com penas de multa e detenção de três meses a um ano, quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animais, ainda que para fins didáticos e científicos, quando existirem recursos alternativos". Encontram-se em andamento dois projetos de lei:1153/95 e o 3964/97.

Dica final do capítulo: No famoso "The Case of Animal Rights", de 1983, de Tom Regam, se firmou a jurisprudência de que todas as criaturas são "sujeitos de uma vida" e possuem o mesmo valor moral intrínseco. Mesmo que você não concorde com isso ou com qualquer afirmação expressa nesse capítulo, tenha muito cuidado com o bem-estar dos animais de experimentação porque, cada vez mais, você está passível de um processo ético e/ou legal.

No próximo, e penúltimo capítulo, faremos uma revisão, bem pragmática, sobre muitos dos assuntos e dicas oferecidas neste manual, em formato de questionamentos e recomendações.


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9. LEITURA CRÍTICA DE UM ARTIGO CIENTÍFICO

Este brevíssimo capítulo é quase que um resumo, servindo, também, como uma breve revisão sobre tudo o que foi dito anteriormente, apenas apresentada na forma de perguntas, questionamentos ou como um check-list que você deve fazer quando estiver diante de qualquer texto científico, podendo ser um protocolo de pesquisa, um artigo, uma tese ou a sua própria pesquisa. Nosso primeiro contato com essa abordagem foi quando ainda éramos alunos de pós-graduação e, desde então, viemos aprimorando-o. Aí vai a nossa penúltima contribuição para a sua iniciação científica:

1. As questões éticas foram respeitadas?

2. A pesquisa colocou em risco a saúde dos participantes?

3. Quais foram os cuidados tomados para preservar os participantes?

4. Esses cuidados aparecem no texto?

5. Os objetivos foram claramente explicitados?

6. O desenho do estudo é o mais adequado para os objetivos explicitados pelo autor?

7. Se não é o mais adequado, o autor justificou o desenho escolhido?

8. O desenho escolhido permite as conclusões da pesquisa?

9. O cálculo do tamanho da amostra foi explicitado?

10. Como os dados foram coletados?

11. São confiáveis?

12. Refletem as condições reais ou podem ter sido influenciados por uma interação/reação entre o pesquisador e os participantes, como por exemplo, quando se utilizam entrevistas ou questionários?

13. Houve uma tendenciosidade no processo de amostragem?

14. O estudo é aleatório (randomizado)? Ou a amostragem foi sistemática ou incidental?

15. Os sujeitos selecionados representam realmente o universo que os pesquisadores querem estudar?

16. Quais foram as técnicas utilizadas para controlar as variáveis envolvidas?


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Randomização? Estratificação? Pareamento?

17. Se os dados poderiam ser coletados num estudo prospectivo, com maior confiabilidade e validade interna, os autores justificaram e discutiram as limitações e os riscos de uma abordagem retrospectiva?

18. O autor se referiu ao número de casos que foram perdidos no seguimento (follow-up) ou ao número de casos que não quiseram participar da pesquisa?

19. Os critérios de inclusão e exclusão foram explicitados?

20. Os dados coletados podem estar relacionados com a memória dos pacientes para os fatos mais recentes e esquecimento de fatos mais antigos?

21. Pode ter havido erro na coleta dos dados ou nas respostas dos pacientes? (lembre-se, simples atitudes do entrevistado podem alterar os resultados, como, por exemplo, o tom de voz, a roupa utilizada, as maneiras e, até mesmo, a origem racial).

22. Os pacientes podem ter falseados os resultados dando informações incorretas, subestimadas, hiperestimadas?

23. O lugar das entrevistas, a duração da entrevista, o interesse em relação ao assunto pesquisado podem ter afetado o resultado?

24. Pode ter havido erros na codificação das respostas?

25. O tamanho da amostra permite uma confiabilidade na análise estatística?

26. As conclusões do trabalho estão estritamente limitadas aos resultados da pesquisa ou extrapolam os resultados?

27. Os dados realmente suportam as conclusões do autor?

28. Os resultados e as conclusões podem ser generalizadas?

29. Os autores reconhecem e discutem as fraquezas e as limitações do estudo?

30. Como se poderia diminuir as fraquezas e as limitações do estudo?

31. Os autores consideraram outras possíveis explicações para os seus resultados?

32. Discutiram essas possíveis explicações comparando-as com a preferida?

33. Os autores sugerem novos passos que possam corroborar seus resultados ou esclarecer pontos duvidosos em sua pesquisa?

34. O que você poderia fazer melhor, se fosse o autor da pesquisa?

35. Quais são as virtudes e contribuições do estudo?


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36. Como posso aproveitar na minha prática, na minha vida, e, principalmente, como pesquisador as contribuições do estudo?

Dica: Tenha esse "check list" sempre perto de você e aprimore-o também. Ele também serve para lembra-lo sobre quantas variáveis estão envolvidas com a qualidade e a validade na produção do conhecimento. E, jamais esqueça que eles são questionamentos absolutamente necessários.

Bem chegou a hora das dicas terminais, isto é, desculpe, super finais de nosso manual, mas não menos importantes (last but not least): O bom pesquisador deve admitir que nem sempre o resultado é o que foi previsto e, neste caso, a análise das "surpresas" deve fazer parte das conclusões e, portanto, merecerem destaque.

Como em tudo na vida, a ciência não é ensinada totalmente, porque não é apenas técnica. É igualmente uma arte. Portanto "é preciso aprender a técnica, para termos base suficiente; embora não se possa sacrificar a criatividade à técnica". Além disso vale ressaltar que "o bom artista é aquele que superou os condicionamentos da técnica e voa sozinho". Quem segue excessivamente as técnicas, será por certo limitado, porque onde há demasiada ordem, nada se cria. Toda metodologia é expressão de uma visão cartesiana, mesmo assim a intuição e bom senso ainda são instrumentos poderosíssimos em todas as fases da pesquisa.

Finalmente, esperando que todo o nosso esforço tenha valido a pena e tenhamos conseguido estimulá-lo (e não o contrário), não se esqueça, como primeira tarefa prática, trate de pôr seu currículo na plataforma Lattes do CNPq (é fácil e você imediatamente passará a pertencer à comunidade científica brasileira). Segunda tarefa prática: associe-se a alguns amigos, escolha uma temática, crie um grupo de pesquisa e se cadastre no CNPq. Terceiro: Publique! A primeira é sempre mais difícil. Mas, depois a gente pega o "macete" e o gosto. Quem sabe você não acaba escrevendo um "manualzinho", como esse aqui ou ganhe um prêmio Nobel. Aliás, alguns dos vencedores ganharam com trabalhos teóricos e só precisaram de "cérebro", imaginação e inspiração.


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Quarto: Nunca se esqueça que para ser um bom pesquisador é necessário ter em mente a nossa regra denominada de 4Cs: ser sempre cético, crítico, criativo e confiante. Pense nisso com carinho.

Um grande e fraternal abraço.

Ps: Aí vão quatro pensamentos que nos guiaram durante todo o processo de maturação desse manual.

"A mim pouco importa o que sei; importa, sim, o que ainda não sei; mas o que ignorarei para sempre é o que mais me entristece e subjuga."

José Henrique de Souza

"Existem três formas de felicidade:

a primeira é uma vida de prazeres e de satisfações;

a segunda é uma vida de cidadão livre e responsável;

a terceira é viver a vida como pesquisador e filósofo."

Aristóteles (III AC)

"Penso que só há um caminho para a Ciência ou para a Filosofia: Encontrar um Problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte vos separe, a não ser que encontrem um outro problema ainda mais fascinante, ou , evidentemente, a não ser que obtenham uma solução. Mas mesmo que obtenham uma solução, poderão então descobrir, para vosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores, ainda que difíceis talvez, para cujo bem-estar poderão trabalhar, com um sentido, até o fim dos nossos dias."

Karl Popper

"É Graça Divina começar bem; Graça maior é persistir na caminhada certa; mas a Graça das Graças é não desistir nunca."

Dom Hélder


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10. ANEXOS FUNDAMENTAIS

ANEXO 1

MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Texto básico para alterações, contextualizações e adaptações)

TITULO DA PESQUISA:

Eu, ....... (nome do voluntário), abaixo-assinado, dou meu consentimento livre e esclarecido para participar como voluntário do projeto de pesquisa supracitado, sob a responsabilidade do pesquisador .........(nome do pesquisador), membro da................. (instituição à qual pertence o pesquisador).

Assinando este Termo de Consentimento, estou ciente de que:

1) O objetivo da pesquisa é ............... (explicitar, em linguagem accessível, o/s objetivo/s);

2) Durante o estudo realizarei.............(explicitar as atividades em que os sujeitos realizarão);

3) Obtive todas a informações necessárias para poder decidir conscientemente sobre a minha participação na referida pesquisa;

4) Estou livre para interromper a qualquer momento minha participação na pesquisa, se assim o desejar e, por qualquer motivo, e estou ciente de que tal fato não irá alterar a qualidade nem os meus direitos quanto ao meu atendimento;

5) Todas as medidas serão tomadas para assegurar a confidencialidade e a privacidade de meus dados pessoais, e os resultados gerais obtidos através da pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, expostos acima, incluída sua publicação na literatura cientifica especializada e apresentação em eventos científicos;


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7) Poderei entrar em contato com membros da equipe de pesquisa no telefone ......... (telefone do pesquisador) e com o Comitê de Ética em Pesquisa da ............(citar o nome da Instituição) para apresentar recursos ou reclamações em relação à pesquisa ou ensaio clínico através do telefone ........ (número do telefone do Comitê) o qual tomará as medidas cabíveis.

Local, data

___________________________ __________________

(assinatura do voluntário) RG

——————————————

(assinatura do pesquisador)


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ANEXO 2

DECLARAÇÃO DE HELSINQUE

(Princípios Éticos para as Investigações Médicas em Seres Humanos)

(Adotada pela 18ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, Helsinque, Finlândia, em junho de 1964 e emendada pela 29ª Assembléia Geral, Tóquio, Japão, em outubro de 1975, pela 35ª Assembléia Geral, Veneza, Itália, em outubro 1983, pela 41ª Assembléia Geral, Hong Kong, em setembro 1989, pela 48ª Assembléia Geral, Somerset West, República da África do Sul, em outubro de 1996 e pela 52ª Assembléia Geral da AMM, Edimburgo, Escócia, Outubro de 2000)

Introdução

1. A Associação Médica Mundial promulgou a Declaração de Helsinque como uma proposta de princípios éticos que sirvam para orientar os médicos e outras pessoas que realizem pesquisa médica em seres humanos. A pesquisa em seres humanos inclui a investigação do material humano ou informações identificáveis.

2. O dever do médico é promover e zelar pela saúde das pessoas. Os conhecimentos e a consciência do médico devem se subordinar ao cumprimento desse dever.

3. A Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial vincula o médico com o preceito "zelar solicitamente e antes de tudo pela saúde de meu paciente", e o Código Internacional de Ética Médica afirma: "O médico deve atuar somente no interesse que possa ter o efeito de debilitar a condição mental e física do paciente".

4. O progresso da medicina se baseia na investigação, a qual,


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em última análise, tem que recorrer, muitas vezes, à experimentação em seres humanos.

5. Na pesquisa médica em seres humanos, a preocupação pelo bem-estar dos seres humanos deve ter sempre primazia sobre os interesses da ciência e da sociedade.

6. O objetivo principal da pesquisa médica em seres humanos é o de melhorar os procedimentos preventivos, diagnósticos e terapêuticos e, também, compreender a etiologia e a patogenia das enfermidades. Inclusive os melhores métodos preventivos, diagnósticos e terapêuticos disponíveis devem se pôr à prova continuamente através da pesquisa, para que sejam eficazes, efetivos, acessíveis e de qualidade.

7. Na prática da medicina e da pesquisa médica do presente, a maioria dos procedimentos preventivos, diagnósticos e terapêuticos implicam em alguns riscos e custos.

8. A pesquisa médica está sujeita a normas éticas que servem para promover o respeito a todos os seres humanos e para proteger sua saúde e seus direitos individuais. .Algumas populações submetidas à pesquisa são vulneráveis e necessitam de proteção especial. Deve-se reconhecer as necessidades particulares dos que têm desvantagens econômicas e médicas. Também se deve prestar atenção especial aos que não podem dar ou não dão o consentimento por si mesmos, aos que podem outorgar o consentimento sob pressão, aos que não se beneficiarão pessoalmente com a pesquisa e aos que têm a pesquisa associada à atenção médica.

9. Os pesquisadores devem conhecer os requisitos éticos, legais e jurídicos para a pesquisa em seres humanos em seus próprios países, igualmente aos requisitos internacionais


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vigentes. Não se deve permitir que um requisito jurídico diminua ou elimine qualquer medida de proteção para os seres humanos estabelecida nesta Declaração.

Princípios básicos para toda pesquisa médica

10. Na pesquisa médica, é dever do médico proteger a vida, a saúde, a intimidade e a dignidade do ser humano.

11. A pesquisa médica em seres humanos deve conformar-se dentro dos princípios científicos geralmente aceitos e deve apoiar-se no profundo conhecimento da bibliografia científica, em obras, fontes de informação pertinentes, assim como em experimentos de laboratório corretamente realizados e em animais, quando seja oportuno. 

12. Ao pesquisar, há de se prestar a atenção adequada aos fatores que podem prejudicar o meio ambiente. Deve-se cuidar, também, do bem-estar dos animais nas experiências. 

13. O projeto e o método de todo procedimento experimental em seres humanos devem ser formulados claramente, em um protocolo experimental. Este deve ser enviado para consideração, comentário, conselho, e quando seja oportuno, aprovação, a um comitê de avaliação ética especialmente designado, que deve ser independente do investigador, do patrocinador e de qualquer tipo de influência indevida. Subtende-se que esse comitê independente deve atuar de conformidade com as leis e regulamentos vigentes no país onde se realiza a investigação experimental. O comitê tem o direito de controlar os ensaios em curso. O investigador tem a obrigação de proporcionar informação de controle ao comitê, em especial sobre todo incidente adverso grave. O investigador também deve apresentar ao comitê, para que


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a revise, a informação sobre financiamento, patrocinadores, vinculações institucionais, outros possíveis conflitos de interesses e incentivos para as pessoas em estudo.

14. O protocolo de pesquisa deve fazer referência sempre às considerações éticas referentes ao caso, devendo indicar que se observaram os princípios enunciados nesta Declaração.

15. A pesquisa médica em seres humanos deve ser levada a cabo por pessoas cientificamente qualificadas, e sob a supervisão de um médico clinicamente competente. A responsabilidade sobre as pessoas envolvidas na pesquisa deve recair sempre em uma pessoa com capacitação clínica e nunca, nos participantes da pesquisa, ainda que tenham dado seu consentimento.

16. Todo projeto de pesquisa médica em seres humanos deve ser precedido de uma cuidadosa avaliação dos riscos em relação aos benefícios previsíveis para o indivíduo e para outros. Isto não impede a participação de indivíduos sãos na pesquisa médica. A evolução de todos os dados em estudo deve estar disponível para o público.

17. Os médicos devem se abster de participar em projetos de pesquisa em seres humanos a menos que estejam seguros de que os riscos inerentes tenham sido adequadamente avaliados e de que é possível prosseguir de maneira satisfatória. Devem suspender a experimentação em marcha, se observarem que os riscos possíveis sejam mais importantes do que os benefícios esperados ou existam provas concludentes de resultados positivos ou benefícios.

18. A pesquisa médica em seres humanos só deve ser realizada quando a importância de seu objetivo for maior que o risco


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inerente e os custos para o indivíduo. Isto é especialmente importante, quando os seres humanos são voluntários sadios.

19. A pesquisa médica só se justifica se existem possibilidades razoáveis de que a população, sobre quem a investigação se realiza, possa se beneficiar de seus resultados.

20.Para tomar parte em um projeto de pesquisa, os indivíduos devem ser participantes voluntários e informados.

21. Sempre deve se respeitar o direito dos participantes na pesquisa de proteger sua integridade. Devem tomar todo tipo de cuidados para resguardar a intimidade dos indivíduos, a confidencialidade da informação do paciente e reduzir ao mínimo as conseqüências da pesquisa sobre a integridade física e mental e sobre sua personalidade.

22. Em toda pesquisa em seres humanos, cada indivíduo deve receber informação adequada sobre os objetivos, métodos, fontes de financiamento, possíveis conflitos de interesses, vinculação institucional do investigador, benefícios calculados, riscos previsíveis e danos derivados da pesquisa. A pessoa deve ser informada do direito de participar ou não da pesquisa e de retirar seu consentimento em qualquer momento, sem se expor a represálias. Depois de assegurar-se de que o indivíduo entendeu a informação, o médico deve obter, então, preferivelmente por escrito, o consentimento esclarecido e voluntário do indivíduo. Se o consentimento não pode ser obtido por escrito, o processo para obtê-lo deve ser documentado formalmente diante de testemunhas.

23. Ao obter o consentimento esclarecido para o projeto de pesquisa, o médico deve ter especial cuidado quando o


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indivíduo está vinculado com ele por uma relação de dependência ou se consente sob pressão. Neste caso, o consentimento esclarecido deve ser obtido por um médico bem informado que não participe da pesquisa e que nada tenha a ver com aquela relação. 

24. Quando a pessoa for legalmente incapaz, ou inábil física ou mentalmente para outorgar o consentimento, ou menor de idade, o pesquisador deve obter o consentimento esclarecido do representante legal e de acordo com a lei vigente. Estes grupos não devem ser incluídos na pesquisa a menos que esta seja necessária para promover a saúde da população representada, e esta investigação não possa ser realizada em pessoas legalmente capazes. 

25. Se uma pessoa considerada incompetente pela lei, como é o caso de um menor de idade, é capaz de dar seu consentimento para participar ou não de uma pesquisa, o investigador deve obtê-lo, além do consentimento do representante legal.

26. A pesquisa em indivíduos dos quais não se pode obter consentimento, inclusive por representante ou com antecipação, deve ser realizada, apenas, se a condição física ou mental que impede obter o consentimento esclarecido é uma característica necessária da população investigada. As razões especificas pelas quais se utilizam participantes na investigação que não podem outorgar seu consentimento esclarecido devem ser anotadas no protocolo experimental que se leva à consideração e aprovação do comitê de avaliação. O protocolo deve estabelecer que o consentimento para se manter na investigação deve se obter o mais breve possível do indivíduo ou do seu representante legal.


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27. Tanto os autores como os editores têm obrigações éticas. Ao publicar os resultados de sua pesquisa, o médico está obrigado a manter exatos os dados e resultados. Devem publicar tanto os resultados negativos com os positivos ou, do contrário, devem colocar à disposição do público. Na publicação deve citar a fonte de financiamento, vinculações institucionais e qualquer possível conflito de interesses. Os informes sobre investigações que não se conciliem aos princípios descritos nesta Declaração não devem ser aceitos para publicação.

Princípios aplicáveis quando a pesquisa médica coincide com a atenção médica

28.O médico pode conciliar a pesquisa médica com a atenção médica, só na medida em que tal pesquisa se imponha por um justificado valor preventivo, diagnóstico ou terapêutico. Quando a pesquisa médica se concilia com a atenção médica, as normas médicas adicionais se aplicam para proteger os pacientes que participam da investigação.

29. Os possíveis benefícios, riscos, custos e eficácia de todo procedimento novo devem ser avaliados mediante sua comparação com os melhores métodos preventivos, diagnósticos e terapêuticos existentes. Ele não exclui que se possa usar um placebo ou nenhum tratamento em estudo para os quais não há procedimentos preventivos, diagnósticos ou terapêuticos comprovados.

30. No final da pesquisa, todos os pacientes que participam do estudo devem ter a certeza de que contaram com os melhores métodos preventivos, diagnósticos e terapêuticos provados e existentes, identificados por estudo. 


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31. O médico deve informar cabalmente ao paciente os aspectos da atenção que têm relação com a pesquisa. A negativa do paciente em participar de uma investigação nunca deve perturbar a relação médico-paciente.

32. Quando os métodos preventivos, diagnósticos ou terapêuticos disponíveis apresentem resultados ineficazes na atenção de um paciente, o médico, com o consentimento esclarecido do paciente, pode se permitir usar procedimentos preventivos, diagnósticos e terapêuticos novos ou não provados, se a seu juízo ele dá alguma esperança de salvar a vida, restituir a saúde ou aliviar o sofrimento. Sempre que seja possível, tais medidas devem ser investigadas, a fim de avaliar sua segurança e sua eficácia. Em todos os casos, essa informação nova deve ser registrada e, quando seja oportuno, publicada. Devem seguir todas as outras normas pertinentes desta Declaração.

 

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ANEXO 3

CÓDIGO DE NURENBERG DE 1947 PARA EXPERIMENTAÇÃO HUMANA

1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial.

Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomar uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante que eventualmente possam ocorrer devido à participação no experimento.

O dever e a responsabilidade em garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete com ele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.

2. O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, e não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.

3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação com animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.

4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento


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e danos desnecessários, quer físicos, quer mentais.

5. Não deve ser conduzido nenhum experimento quando existirem razões para acreditar que possa ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema a que o pesquisador se propõe resolver.

7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota.

8. O experimento deve ser conduzido, apenas, por pessoas cientificamente qualificadas.

9. O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento.

10. O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes.


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ANEXO 4

RESOLUÇÃO 196/96 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

I - PREÂMBULO

A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92 e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial), e outras.

Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e


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deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões periódicas desta Resolução, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética.

Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os princípios emanados deste texto, deve cumprir com as exigências setoriais e regulamentações específicas.

II - TERMOS E DEFINIÇÕES

A presente Resolução, adota no seu âmbito as seguintes definições:

II.1 - Pesquisa - classe de atividades cujo objetivo é o desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, relações ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência.

II.2 - Pesquisa envolvendo seres humanos - pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais.

II.3 - Protocolo de Pesquisa - Documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis.

II.4 - Pesquisador responsável - pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.

II.5 - Instituição de pesquisa - organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.

II.6 - Promotor - indivíduo ou instituição responsável pela promoção da pesquisa.

II.7 - Patrocinador - pessoa física ou jurídica que apoia


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financeiramente a pesquisa.

II.8 - Risco da pesquisa - possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente.

II.9 - Dano associado ou decorrente da pesquisa - agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico.

II.10 - Sujeito da pesquisa - é o(a) participante pesquisado(a), individual ou coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.

II.11 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa.

II.12 - Indenização - cobertura material, em reparação a dano imediato ou tardio, causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida.

II.13 - Ressarcimento - cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decorrentes da participação do sujeito na pesquisa.

II.14 - Comitês de Ética em Pesquisa-CEP - colegiados interdisciplinares e independentes, com "munus público", de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.

II.15 - Vulnerabilidade - refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.

II.16 - Incapacidade - Refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capacidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido,


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devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislação brasileira vigente.

III - ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais.

III.1 - A eticidade da pesquisa implica em:

a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;

b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;

c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);

d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade).

III.2- Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica.

III.3 - A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos, deverá observar as seguintes exigências:

a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades concretas de responder a incertezas;

b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em


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laboratórios, animais ou em outros fatos científicos;

c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio;

d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos previsíveis;

e) obedecer à metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleatória dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam seres humanos;

f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo em termos de não maleficência e de necessidade metodológica;

g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal;

h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competência do pesquisador e o projeto proposto;

i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de auto-estima, de prestígio e/ou econômico - financeiro;

j) ser desenvolvida, preferencialmente, em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa, quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida;

l) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos bem como os hábitos e costumes quando as pesquisas envolverem comunidades;

m) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível,


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traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como lhes será assegurado o respeito;

n) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as comunidades onde elas forem realizadas. Quando, no interesse da comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível, disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;

o) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que estes puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da pesquisa não sejam estigmatizados ou percam a auto-estima;

p) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa;

q)assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos;

r) assegurar a inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou patrocinador do projeto;

s) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangeira, os compromissos e as vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos, deve ser identificado o pesquisador e a instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo deverá observar as exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento de aprovação, no país de origem, entre os apresentados para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição brasileira, que exigirá o cumprimento de seus próprios referenciais éticos. Os estudos patrocinados do exterior também devem responder às necessidades


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de treinamento de pessoal no Brasil, para que o país possa desenvolver projetos similares de forma independente;

t) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo;

u) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulheres grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferências sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o puerpério, a lactação e o recém-nascido;

v) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem, ser precedidas de pesquisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o objetivo fundamental da pesquisa;

x) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que desenvolverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e

z) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que a aprovou.

IV - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.

IV.1 - Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente os seguintes aspectos:

a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;

b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;

c) os métodos alternativos existentes;

d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;

e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;


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f) a liberdade do sujeito em se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;

g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa;

h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa; e

i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.

IV.2 - O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requisitos:

a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima;

b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;

c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e

d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador.

IV.3 - Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar:

a) em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade;

b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente


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estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias;

c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da impossibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;

d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser realizadas, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

- documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito);

- consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifestação prévia da vontade da pessoa;

- respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo;

- sem ônus econômico financeiro adicional à família;

- sem prejuízo para outros pacientes, aguardando internação ou tratamento;

- possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa ser obtido de outra maneira;

e) em comunidades culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com a anuência antecipada da comunidade através dos seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento individual;

f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos sujeitos, tal fato deve ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados obtidos a partir dos sujeitos da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no protocolo e/ou no consentimento.

V - RISCOS E BENEFÍCIOS

Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano eventual poderá ser imediato ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade.


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V.1 - Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando:

a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos;

b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado;

c) o benefício seja maior, ou no mínimo, igual a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.

V.2 - As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psicológica, social e educacional.

V.3 - O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conseqüente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.

V.4 - O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo.

V.5 - O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos.

V.6 - Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assistência integral, têm direito à indenização.

V.7 - Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procurar obter indenização por danos eventuais.


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VI - PROTOCOLO DE PESQUISA

O protocolo, a ser submetido à revisão ética, somente poderá ser apreciado, se estiver instruído com os seguintes documentos, em português:

VI.1 - folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade, CPF, telefone e endereço para correspondência do pesquisador responsável e do patrocinador, nome e assinaturas dos dirigentes da instituição e/ou organização;

VI.2 - descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens:

a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas;

b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for testar um novo produto ou dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira ou não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto a agências regulatórias do país de origem;

c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos, casuística, resultados esperados e bibliografia);

d) análise crítica de riscos e benefícios;

e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação;

f) explicitação das responsabilidades do pesquisador, da instituição, do promotor e do patrocinador;

g) explicitação de critérios para suspender ou encerrar a pesquisa;

h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e instituições nas quais se processarão as várias etapas da pesquisa;

i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa e para atender eventuais problemas dela resultantes, com a concordância documentada da instituição;

j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação bem como a forma e o valor da remuneração do pesquisador;

l) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas, demonstrando a inexistência de qualquer cláusula restritiva quanto à divulgação pública dos resultados, a menos que se trate de caso de obtenção de patenteamento; neste caso, os resultados devem se tornar públicos, tão logo se encerre a etapa de patenteamento;


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m) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não; e

n) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados.

VI.3 - informações relativas ao sujeito da pesquisa:

a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo, cor (classificação do IBGE), estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc. Expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis;

b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa;

c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e dados a serem obtidos de seres humanos. Indicar se esse material será obtido especificamente para os propósitos da pesquisa ou se será usado para outros fins;

d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a serem seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão;

e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa, para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa;

f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade;

g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual. Quando apropriado, descrever as medidas para assegurar os necessários cuidados à saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever, também, os procedimentos para monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivíduos, incluindo as medidas de proteção à confidencialidade; e

h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A importância referente não poderá ser de tal monta que possa interferir na autonomia da decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da pesquisa.


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VI.4 - qualificação dos pesquisadores: "Curriculum vitae" do pesquisador responsável e dos demais participantes.

VI.5 - termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cumprir os termos desta Resolução.

VII - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA-CEP

Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa.

VII.1 - As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa- CEP, conforme suas necessidades.

VII.2 - Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador responsável deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencialmente dentre os indicados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS).

VII.3 - Organização - A organização e criação do CEP será da competência da instituição, respeitadas as normas desta Resolução assim como o provimento de condições adequadas para o seu funcionamento.

VII.4 - Composição - O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não inferior a 7 (sete) membros. Sua constituição deverá incluir a participação de profissionais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, dependendo das especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas.

VII.5 - Terá sempre caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais que metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores "ad hoc", pessoas pertencentes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos.

VII.6 - No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades, deverá ser convidado um representante, como membro "ad hoc" do CEP, para participar da análise do projeto específico.


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VII.7 - Nas pesquisas em população indígena, deverá participar um consultor familiarizado com os costumes e tradições da comunidade.

VII.8 - Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando diretamente envolvidos na pesquisa em análise.

VII.9 - Mandato e escolha dos membros - A composição de cada CEP deverá ser definida a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com experiência em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A escolha da coordenação de cada Comitê deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a primeira reunião de trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução.

VII.10 - Remuneração - Os membros do CEP não poderão ser remunerados no desempenho desta tarefa, sendo recomendável, porém, que sejam dispensados nos horários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas instituições às quais prestam serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transporte, hospedagem e alimentação.

VII.11 - Arquivo - O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os relatórios correspondentes, por 5 (cinco) anos, após o encerramento do estudo.

VII.12 - Liberdade de trabalho - Os membros dos CEPs deverão ter total independência na tomada das decisões no exercício das suas funções, mantendo, sob caráter confidencial, as informações recebidas. Deste modo, não podem sofrer qualquer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada pesquisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar submetidos a conflito de interesse.

VII.13 - Atribuições do CEP:

a) revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive os multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas;

b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, identificando com clareza o ensaio, documentos estudados


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e data de revisão. A revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das seguintes categorias:

· aprovado;

· com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém identifica determinados problemas no protocolo, no formulário do consentimento ou em ambos, e recomenda uma revisão específica ou solicita uma modificação ou informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias pelos pesquisadores;

· retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente;

· não aprovado; e

· aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa -CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo VIII, item 4.c.

c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autoridades sanitárias;

d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos pesquisadores;

e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência;

f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos ou notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como antiética a pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou;

g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúncias de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprovação, comunicar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa-CONEP/MS e, no que couber, a outras instâncias; e

h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS.


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VII.14 - Atuação do CEP:

a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres humanos não poderá ser dissociada da sua análise científica. Pesquisa que não se faça acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada pelo Comitê.

b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia de trabalho, a exemplo de: elaboração das atas; planejamento anual de suas atividades; periodicidade de reuniões; número mínimo de presentes para início das reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consultas de experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de tomada de decisão, etc.

VIII - COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA (CONEP/MS)

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP/MS é uma instância colegiada, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde.

O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno da Comissão e de sua Secretaria Executiva.

VIII.1 - Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com pessoas de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada atuação nos campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos, um seja da área de gestão da saúde. Os membros serão selecionados, a partir de listas indicativas elaboradas pelas instituições que possuem CEP registrados na CONEP, sendo que 07 (sete) serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) serão definidos por sorteio. Poderá contar também com consultores e membros "ad hoc", assegurada a representação dos usuários.

VIII.2 - Cada CEP poderá indicar duas personalidades.

VIII.3 - O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação alternada a cada dois anos, de sete ou seis de seus


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membros.

VIII.4 - Atribuições da CONEP - Compete à CONEP o exame dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização das normas atinentes. A CONEP consultará a sociedade sempre que julgar necessário, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuições:

a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias;

b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias;

c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas especiais tais como:

1- genética humana;

2- reprodução humana;

3- farmácos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II e III) ou não registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações;

4- equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados no país;

5- novos procedimentos ainda não consagrados na literatura;

6- populações indígenas;

7- projetos que envolvam aspectos de biossegurança;

8- pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior; e

9- projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados merecedores de análise pela CONEP;

d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas temáticas especiais bem como recomendações para aplicação destas;

e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas sistematicamente, em caráter ex-ofício ou a partir de denúncias ou de solicitação de partes interessadas, devendo manifestar-se em um prazo


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não superior a 60 (sessenta) dias;

f) rever responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporariamente, podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive, os já aprovados pelo CEP;

g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, mantendo atualizados os bancos de dados;

h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do governo e da sociedade, sobre questões éticas relativas à pesquisa em seres humanos;

i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres humanos;

j) a CONEP juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá normas e critérios para o credenciamento de Centros de Pesquisa. Este credenciamento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da Saúde, de acordo com suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e

l) estabelecer suas próprias normas de funcionamento.

VIII.5 - A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação:

a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres humanos, inclusive modificações desta norma;

b) plano de trabalho anual;

c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos projetos analisados.

IX - OPERACIONALIZAÇÃO

IX.1 - Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais.

IX.2 - Ao pesquisador cabe:

a) apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronunciamento deste, antes de iniciar a pesquisa;


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b) desenvolver o projeto conforme delineado;

c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;

d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento;

e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo fichas individuais e todos os demais documentos recomendados pelo CEP;

f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico participante do projeto;

g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.

IX.3 - O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto à CONEP/MS.

IX.4 - Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa.

IX.5 - Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP, exceto os que se enquadrarem nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido encaminhamento.

IX.6 - Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipamentos e dispositivos para a saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária.

IX.7 - As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científicas deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou CONEP, quando for o caso.

IX.8 - Os CEP institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a relação dos projetos de pesquisa analisados, aprovados e concluídos bem como dos projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos.

X. DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

X.1 - O Grupo Executivo de Trabalho-GET, constituído através


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da Resolução CNS 170/95, assumirá as atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se por:

a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS;

b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais;

X.2 - O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas.

X.3 - Os CEP das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao levantamento e análise, se for o caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação dos mesmos.

X4 - Fica revogada a Resolução 01/88.


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11. LEITURAS RECOMENDADAS

1. Abramson J H, "Making Sense of Data", Oxford University Press, 1988.

2. Abramson J H, "Survey Methods in Community Medicine", Oxford University Press, 1988.

3. Beauchamp T.L. and Childress J.F., "Principles of Biomedical Ethics", Oxford University Press, 1994.

4. Buger R.E et al, "The Ethical Dimensions of the Biological Sciences", Cambridge University Press, 1993.

5. Castle W M, "Statistics in Small Doses", Churchill Linvingstone, 1977.

6. Comte-Sponville A., "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", Livraria Martins Fontes Editora Ltda, São Paulo, 1995.

7. Conselho Federal de Medicina, "Desafios Éticos", Conselho Federal de Medicina, Brasília, 1993.

8. Darrell Huff, "How to Lie with Statistics", 42a Edition, 1954. W.W. Norton & Company de New York.

9. Fletcher R H et al, "Epidemiologia Clínica: Elementos Essenciais", Artes Médicas, 1996.

10. Forttini O P, "Epidemiologia Geral", Artes Médicas, 1996.

11. Hennekens C H, ""Epidemiology in Medicine", Little, Brown and Company, 1987.

12. Hiller, "Medical Ethics and The Law Implications for Public Policy", Allinger Publishing Company, Cambridge, 1981.

13. Harris J., "The Value of Life: An Introduction to Medical Ethics", Routledge, London, 1985.

14. Hebert M, "Planning a Research Project", Cassell Educational Limited, 1990.

15- Judd C.M., Smith E.R. & Kidder L.H., "Research Methods in Social Relations", Ed. Holt, Rinehart and Winston Inc, Florida, USA, 1991.

16- Kerlinger F.N., "Foundations of Behavioral Research", Ed. Holt, Rinehart and Winston Inc, Florida, USA, 1986.


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20. Lee R and Morgan D., "Birthrights: Law and Ethics at the Beginning of Life", Routledge, London, 1989.

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