Cláudio Feldman
ave
a ave canta no ramo
sem conhecer a raiz
inverso é o poeta
bosque
no bosque negro
os vaga-lumes
brilham no céu do chão
doce
abelhas vermelhas
ébrias de corolas
zumbem o doce ímpeto
estrela
estrelas brilham
sobre catástrofes:
consolo ou ironia?
trigo
trigais vergados
de madurez
ondulam ouro
inverno
dias grisalhos:
as cigarras
cantam meu inverno
escuro
o pavão
perde seu reino
no escuro
pavor
o pavor gritado
das locomotivas
ecoa nos túneis
frio
cipreste esguio
só soma sombra
à terra do frio
amor
contraponto
entre a noite cega
e o clarão dos amantes
noite
a noite
terminou em orvalho
espero o mesmo
mar
o rumor do pinhal
é mar oculto
na âncora das raizes
perfume
no bosque
de eucaliptos
a noite é perfume
lento
a saliva
do lento caracol
deixa uma via de prata
azul
na varanda
azul de glicínias
o pássaro morto
anel
infância:
bambolês
como anéis de saturno
luz
o pássaro cegado
pelo relâmpago
canta memórias de luz
sal
a maré sobe:
os passos humanos
viraram sal
murchar
murcharam
as luzes de néon
e o teatro da noite
nuvem
poeta: pássaro
que faz ninho
nas nuvens
céu
até os esgotos cantam
com a água
dos céus
penas
a canção do pássaro
foge pelas grades
mas suas penas ficam
lago
a névoa
fecha os olhos
do lago
sapatos
meus sapatos
orvalhados
pisam outras manhãs
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