A garota das capas

Aos 18 anos, a gaúcha Gisele Bündchen desbanca as modelos esquálidas, estoura no mundo da moda e fixa um novo padrão de beleza

Entrevista foi gravada no Restaurante Circus, de Nova York, em junho de 1996. Com um sorriso que lhe iluminava as bochechas, Paulo Francis engatou duas perguntas marotas. "Você é menina ou mulher?" Ela sorriu, agitou os cabelos louros e cravou a segunda opção - mulher, claro. "E se eu disser que você é a mulher mais bonita do mundo?" Difícil acreditar que o mais ferino dos jornalistas brasileiros, 65 anos de impertinência e língua afiada, derretia-se como merengue diante de uma gauchinha de 15, que emergia nas passarelas. A cena está guardada nos arquivos da Rede Globo. Naquele almoço, o veterano foi mais que galanteador. Foi um profeta. Gisele Bündchen é hoje o rosto mais aclamado do mundo. Sobre ela, desmancham-se em elogios os melhores fotógrafos, os editores de moda mais exigentes e uma constelação de estilistas. É também a brasileira mais cara do mundo. A um mês de completar 19 anos, não sai de casa por menos d US$ 35 mil. É quanto vale seu dia de trabalho.

Surpreendido por um infarto oito meses depois, Francis não conferiu a profecia. Mas os amigos lembram-se do encantamento com a garota. "Por que tenho de entrevistar tantas pessoas aborrecidas? Eu quero a Gisele", pedia. Ao verter para o italiano o nome da musa-menina, exagerava no tom dramático. Pois a sua "descoberta" tornou-se a garota de todas as capas: Elle, Harper's Bazaar, Allure, Marie Claire, Vogue, W, BIG - os títulos mais sofisticados converteram-se em vitrines de luxo para a menina nascida em Horizontina, quieta cidade a 500 quilômetros de Porto Alegre. Entre aquele almoço em Nova York e este junho, a conta bancária da modelo cresceu em mais de US$ 2 milhões, e a previsão é de que esta cifra dobre em menos de um ano. Como explicar o fenômeno?

"Achamos a modelo perfeita", responde a todo-poderosa Donatella Versace, herdeira de um império de US$ 800 milhões, que passou a governar depois do assassinato do irmão, Gianni, em Miami. Donatella tem o olhar de quem aprendeu a vislumbrar um corpo escultural num grupo de freiras vestidas para a missa. "Gisele é forte e sexy", diz, sem parcimônia nos adjetivos. O americano Steven Meisel, o mais requisitado dos fotógrafos da atualidade, também acerta o foco na brasileira. "Além de linda, é inteligente", entusiasma-se. "Sem dúvida, ela é tudo o que queremos", avaliza Polly Mellen, editora da revista Allure, espécie de bíblia da beleza.

Gisele ainda não pode ostentar o título de modelo mais bem paga do momento. Seus ganhos são modestos perto da fortuna de Elle MacPherson. Aos 34 anos, essa australiana faturou mais de US$ 40 milhões no biênio 1997/98 e ainda se deu ao luxo de curtir uma gloriosa gravidez. Cindy Crawford embolsou outros US$ 37,7 milhões, no mesmo período, e prepara-se para a chegada do herdeiro. Perto delas, a brasileira é uma emergente. Esse também é o lado bom da história: Gisele é o que vem por aí, o estereótipo da beleza para o novo milênio. Não tem o rosto mimoso de Claudia Schiffer. Ao contrário, exibe traços fortes, queixo anguloso e nariz afirmativo. Não tem o corpo escultural de Cindy Crawford. Sua arquitetura equilibra-se em pernas finas demais para os seios fartos. Não tem a cor exuberante da negra Naomi. É alva demais. Somados, esses déficits compõem um exotismo magnífico.