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O uso da informática em um contexto interdisciplinar e sua dimensão político-pedagógica
 
MARIA LUCIA SOARES MARTINS
 
I – INTRODUÇÃO
 
                  As últimas décadas têm sido testemunhas de uma gradual evolução das tecnoclogias da informação. A evolução tecnológica tem sido veloz e surpreendente. Novas maneiras de pensar e de se relacionar estão sendo elaboradas nesse mundo digitalizado e globalizado através das telecomunicações e da informática.
 
Hoje vivemos mergulhados numa sociedade que se caracteriza por um bombardeio incessante de informações. Estas informações chegam até nós, estimulando a aprendizagem de forma diferente daquela que até então estávamos preparados para reconhecer e interferir: uma aprendizagem impregnada de emoção, obtida através de uma leitura de mundo intuitiva e muitas vezes subconsciente.
 
O acúmulo e a rapidez do recebimento das informações favorece o desenvolvimento dos processos mentais de síntese, de estabelecimento de relações e de associações. Esta aprendizagem que utiliza estas operações de pensamento é positiva, pois permite a visão da globalidade sobre os fatos e a integração de conhecimentos. No entanto, a intervenção pedagógica torna-se necessária como meio de auxílio para o aluno no desenvolvimento da sua capacidade de estabelecer um pensamento crítico e analítico frente aos novos fatos que se apresentam.
 
O processo pedagógico atual deveria despertar nos alunos uma nova visão de mundo, impregnada por diversas mídias, e levando-os à conscientização de que a informação é uma produção cultural de um grupo social, mas passível de ser transformada pelo tempo e de acordo com o meio ambiente físico e social na qual ela se insere.
 
É preciso considerar também que, atualmente, o objeto do conhecimento científico começa a ser compreendido como algo cada vez mais inter-relacionado e complexo. As ciências têm sido obrigadas a romper com suas barreiras disciplinares. Torna-se cada vez menos determinante a noção de área especializada de conhecimentos, quando, por exemplo, exige-se do engenheiro cada vez mais uma compreensão de administração ou de um cientista social, uma visão dos problemas econômicos, colocando-se em xeque os corporativismos científicos. É o fim do universo em fatias.
 
O currículo disciplinar, da forma que hoje acontece nas escolas, é a interpretação decorrente da “disciplinarização” no campo científico. As disciplinas do contexto escolar são interpretadas como adaptações, pa fins educaionais, das disciplinas científicas organizadas através da lógica própria das ciências ou da natureza do conhecimento.
 
Ao contrário, portanto,  de uma concepção de ensino e aprendizagem vista como um processo que se desenvolve por justaposição de etapas de conhecimento, a urgência hoje é de que a atividade pedagógica seja capaz de criar situações que levem à construção do conhecimento, considerando-o como um objeto de estudo complexo e não acabado, passível de ser modificado ou reorganizado a partir de novas informações que venham a ser veiculadas.
 
Um ensino pautado na qualidade de seus resultados, que busca formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade, contempla o desenvolvimento de capacidades que possibilitam a produção e a circulação de novos conhecimentos e informações.
 
II - DESENVOLVIMENTO
 
A escola, hoje, não conta exclusivamente com o próprio contexto para a construção do conhecimento. A mídia, a família, os fatores são fatores que intervêm no processo de construção do significado dos “conteúdos escolares”. Considerar estes fatores e integrá-los ao trabalho passa a ser papel da escola, a partir do desenvolvimento de um processo articulado de interação e integração.
 
A interdisciplinaridade e a contextualização são recursos complementares que levam a inúmeras possibilidades de interação entre as disciplinas e entre as áreas em que as disciplinas são agrupadas. “Juntas, elas se comparam a um traçado cujos fios estão dados, mas cujo resultado final pode ter infinitos padrões de entrelaçamento e muitas alternativas para combinar cores e texturas.”[1]
 
Fundamentalmente, a interdisciplinaridade traz em seu bojo uma concepção contrária a considerar-se a realidade como um conjunto de dados estáveis, cujo ato de conhecer seja isento e distanciado. Baseia-se sim na complexidade do real e na necessidade de considerar as diversas relações entre os diferentes e, aparentemente, contraditórios aspectos da realidade. Questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimento, a visão compartimentalizada (disciplinar) da realidade que não leva em conta a inter-relação entre os fatos sobre a qual a escola, historicamente, se constitui.
 
Na verdade, a  interdisciplinaridade baseia-se na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação, em uma multiplicidade de interações, relacionado as disciplinas da forma que conhecemos tradicionalmente. 
 
“O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial  de   que    todo   conhecimento  mantém    um     diálogo    permanente   com    outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.
 
A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem, ensinam e aprendem sentem necessidade de procedimentos que, numa única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas fazem sentido quando são chamados a dar conta de temas complexos.”[2]
 
A relação entre as disciplinas que conhecemos tradicionalmente, em um enfoque interdisciplinar, deve ir além da simples comunicação de idéias ou da integração de conceitos. Deve efetuar-se pela constatação das diversas formas de conhecer o objeto de estudo. A partir de um eixo integrador, que pode ser apenas o objeto do conhecimento ou um projeto de investigação, as disciplinas selecionadas buscam compreender, prever e transformar a realidade. O conhecimento deixa de ser uma “matéria” para se tornar um fluído de maleabilidade ilimitada.
 
A compreensão da interdisciplinaridade, no entanto, não dispensa o conhecimento especializado. Somente o domínio de uma dada área permite transcender o conhecimento meramente descritivo, captando, conseqüentemente, as suas conexões com outras áreas do saber na busca de explicações para a construção do conhecimento sobre o objeto.
 
Numa visão simples no âmbito escolar, podemos ousar considerar que todas as linguagens trabalhadas pela escola são por natureza “interdisciplinares” com as demais áreas do currículo. “É pela linguagem – verbal, visual, sonora, matemática, corporal ou outra – que os conteúdos curriculares se constituem em conhecimentos, isto é, significados que, ao serem formalizados por alguma linguagem, tornam-se conscientes de si mesmos e deliberados.[3]
 
A informática entra no processo pedagógico como um recurso capaz de  facilitar a interdisciplinaridade, capaz de reorganizar e estabelecer novas relações entre conceitos científicos e estes próprios como elementos capazes de explicar os princípios da própria informática. Na sociedade atual, os sistemas tecnológicos fazem parte da prática social  e do mundo produtivo, criando novas formas de organização e transformação dos processos e procedimentos até então existentes.
 
As novas tecnologias trazem transformações nas formas de trabalhar o conhecimento e exigem, por sua vez, novas formas de organização do tempo, do espaço, das relações internas da escola. O conhecimento nas suas novas dimensões exige uma interação muito maior entre a escola e o seu espaço social. A informática, portanto, ao facilitar a conectividade, pode constituir uma ponte e melhorar a integração. Pode ser útil para integrar tudo que o aluno observa no mundo, no seu dia-a-dia e fazer disso o seu objeto de reflexão. A informática permite fazer esta ponte, trazer os “conteúdos” de forma mais ágil e devolvê-los de novo ao cotidiano, possibilitando a interação entre alunos, colegas e professores.
 
Torna-se tarefa do professor ser o mediador das interações professor-aluno-computador, de modo a possibilitar a construção do conhecimento em um ambiente desafiador, onde o computador torna-se o instrumento capaz de promover o desenvolvimento da crítica e da criatividade.
 
O campo da educação enfrenta, pois, um desafio: o de constituir-se em espaço de mediação entre a criança, o meio ambiente tecnificado – povoado de máquinas que lidam com a mente e o imaginário – e a complexidade dos diferentes objetos de conhecimento.
 
E como diz Pierre Lévy, “a inteligência ou cognição são o resultado de redes complexas onde interagem um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou “eu” que sou inteligente, mas “eu” com o grupo humano do qual sou membro, com minha língua, com toda uma herança de métodos e tecnologias intelectuais....O pretenso sujeito inteligente nada mais é que um dos micro atores de uma ecologia cognitiva que o engloba e restringe.”[4]
 
III – CONCLUSÃO
 
Na perspectiva transformadora do uso do computador no processo ensino-aprendizagem com bases em um contexto disciplinar, a atuação do professor não pode se limitar a fornecer informações aos alunos. Cabe ao professor, a princípio, dois papéis: ajudar na aprendizagem dos “conteúdos” e ser um elo que possibilite aos seus alunos a compreensão maior da vida.
 
Ao usar o computador, o aluno deve tornar-se o responsável pela construção de seu conhecimento, através da busca, da seleção e do inter-relacionamento de informações significativas. O professor deve, portanto, possibilitar, de forma intencional, o ciclo descrição – execução – reflexão - depuração ao planejar as suas atividades e, assim, propiciar e garantir a construção do conhecimento de seu aluno com a utilização do computador como uma ferramenta para o trabalho proposto.
 
Frente às transformações tecnológicas que varrem o planeta, as mudanças vão muito além de uma simples mudança de prática ma transmissão de informações. É a própria concepção de ensino que deve mudar, repensando os seus caminhos e as formas de tratamento dos “conteúdos” a serem transmitidos.
 
O mundo que hoje surge constitui um desafio ao mundo educacional e, de forma bastante direta, às atividades pedagógicas. U desafio porque o próprio conhecimento está sendo revolucionado de forma profunda. A mudança é hoje uma questão de sobrevivência e a contestação não virá das “autoridades” e sim do crescente “saco cheio” dos alunos que compararão as informações recebidas através dos mais diferentes recursos multimídias com as desinteressantes apostilas e repetitivas lições da escola.
 
A escola, com instituição que representa e reproduz a sociedade, tem de aprender a utilizar as novas tecnologias para compreender esta sociedade e transformá-la. Quando o conhecimento se torna a chave de transformação social, o papel da educação tem que mudar. O fato do conhecimento passar a se apresentar como algo que circula praticamente a velocidade da luz desloca os tradicionais paradigmas da educação, obrigando as estruturas de ensino a evoluir para um papel muito mais organizador de espaços culturais e científicos, deixando para trás o papel de “lecionadora de disciplinas” no sentido que conhecemos tradicionalmente.
 
A sala de aula deve transformar-se, portanto, em um espaço democrático onde o aluno é valorizado com sua inteligência e bagagem sócio-cultural. Ao professor passa a caber o desafio de levar os diferentes saberes e as variadas experiências ao confronto, garantindo a liberdade de falar e de agir, como condição do processo ensino-aprendizagem. Com a utilização da informática torna-se possível o favorecimento de uma atitude exploratória e lúdica, traduzindo-se em uma pedagogia ativa, capaz de potencializar as possibilidades e caminhos da construção do conhecimento do seu aluno.
 
Não se trata aqui de sonhar com transformações revolucionárias e imediatas ou transformações padronizadas. Na realidade, as dimensões organizacionais de tempo, espaço, hierarquias das divisões em disciplinas estão se colocando de maneira cada vez mais premente e, assim será preciso começar a trabalhar seriamente neste sentido.
 
O uso da informática em um contexto interdisciplinar na escola passará a desempenhar um papel chave na democratização da informação e do conhecimento, equilibrando o problema de como (e não se) o conhecimento será acessado não só pelos prósperos cidadãos urbanos “bem formados”, mas também pelos marginalizados, seja por razões de distanciamento geográfico, de deficiência individuais ou qualquer outra razão.
 
IV- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
ALMEIDA, M. E. B e ALMEIDA, F. J. Uma zona de conflitos e muitos interesses. In: TV e Informática na Educação. Brasília: MEC/Salto para o Futuro, 1998
 
GALLO, S.  Disciplinaridade   e    transversalidade.   In:   Linguagens,  espaços   e  tempos  no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A,2001
 
LÉVY,  P.   As    tecnologias    da    inteligência,   o   futuro  do   pensamento   na   era   da Informática. Trad. Carlos I. da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993
 
MACEDO, E.  O  que  significa  currículo disciplinar?.  In: Linguagens,  espaços  e tempos  no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A,2001
 
PCN. Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997
 
PCN.  Parâmetros    curriculares   nacionais:    ensino  médio:    Linguagens,   códigos      e  suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999
 
SILVA, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quarter, 2000
 
 
 
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[1]  PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC.1999, v1,p147.
 
[2]  PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC.1999,v1,p132.
 
[3] idem.v1, p 152.
 
[4] LEVY, P. As tecnologias da inteligência, o futuro do pensamento na era da Informática.. Trad. Carlos I. da Costa.. Rio de Janeiro. Ed.34, 1993, p 135