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Prefácio

Este livro não tem pretensão literária. Não vejam esta declaração como uma desculpa para a falta de talento do autor. Mas, efetivamente ele pretende apenas afirmar que: OUTRO MUNDO É POSSÍVEL. Mais do que isto, OUTRO MUNDO É NECESSÁRIO. No momento em que o Capital perdulário e destrutivo começa a ameaçar a existência da vida no nosso planeta, tem que soar mais alto o grito SOCIALISMO OU BARBÁRIE, que já está quase sendo transformado em SOCIALISMO OU BARATAS (isto se sobrarem baratas).
Só o controle sócio metabólico direto da sociedade dos produtores sobre seu próprio destino, alforriando-se do controle tirânico do Capital, que em sua reprodução, hoje em dia, só promete miséria, violência, fome e a ameaça letal de guerra continuada e sem controle.
Diante das declarações imbecis das personificações do Capital que querem nos convencer que a história acabou e que é o Capitalismo ou Nada, temos que pensar que o Capitalismo é o Nada e que teremos Tudo, livrando-nos de uma forma de reprodução da vida humana onde somos reduzidos à carcaça do tempo do trabalho, valor contabilizado, que do momento em que não pode ser aproveitado, pode, de maneira trágica ser colocado na sarjeta como um DANO COLATERAL DO DESEMPREGO ESTRUTURAL.
Contra a irracional de um processo que torna o homem inimigo do homem e algoz da natureza, a única alternativa foi, é e continua sendo o socialismo.
Este pequeno livro em forma de novela é, todo ele, um grito, o grito do negro, do mongol e do índio contra o racismo, o grito da mulher contra a dominação do homem e a exploração sexista do seu corpo pela sociedade de consumo, o grito do pobre por condições decentes de vida, o grito de todos os explorados e oprimidos que só pode ser resumido em um grito:
SOCIALISMO OU BARBÁRIE!!!!

POIS SOMOS DO POVO O ATIVO
TRABALHADOR FORTE E FECUNDO
PERTENCE A TERRA AOS PRODUTIVOS
OH PARASITA DEIXA O MUNDO
OH PARASITA QUE TE NUTRES
DO NOSSO SANGUE A GOTEJAR
SE NOS FALTAREM OS ABUTRES
NÃO DEIXA O SOL DE FULGURAR.


AO MOVIMENTO COMUNISTA INTERNACIONAL E A TODOS OS CAMARADAS MORTOS NA LUTA PELO SOCIALISMO.
AO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO E AOS CAMARADAS BRASILEIROS PRESOS, TORTURADOS E MORTOS NA LUTA PELO SOCIALISMO.
AOS 25 MILHÕES DE CAMARADAS SOVIÉTICOS QUE TOMBARAM NA LUTA CONTRA O NAZI-FASCISMO PARA QUE EU PUDESSE HOJE, TRANQÜILAMENTE, ESCREVER ESTE LIVRO.
A FERNANDO LADERA CUBERO E AOS CAMARADAS MORTOS LUTANDO CONTRA O FASCISMO NA GUERRA CIVIL ESPANHOLA.
A SALVADOR ALLENDE, CHE GUEVARA, FARABUNDO MARTI, TUPAC AMARU, JOSÉ MARTI, JOÃO CÂNDIDO E TODOS AQUELES QUE MORRERAM POR AMAR ESTE CONTINENTE E DESEJÁ-LO LIVRE.
A TODOS AQUELES QUE ESTÃO SÃOS O SUFICIENTE PARA ENTENDER QUE O SOCIALISMO É A ÚNICA ALTERNATIVA.

Stalingrado

Velas por todos nós, Cidade-fantasma,
Resto de terra, inferno na face do mundo.
Velas por meu sono tranqüilo,
Velas pelo futuro de nosso filhos
Sejam eles brasileiros, americanos,
Finlandeses, Ingleses ou mesmo os alemães que te sangram

Stalingrado.

Nada que se fale, nada que descreva,
Pode penetrar na realidade do teu terror.
Como é possível imaginar que resististes.
Cidade sem prédios. Cidades sem ruas.
Cidade só de subterrâneos.
Teus combatentes, famintos e sedentos
Não se alimentavam de esperança.
Não, Stalingrado.
Teus combatentes se alimentavam do desespero.
Por saber o que significaria a vitória de Hitler.
Por não consentirem num mundo onde não houvesse sonho.
Por não quererem a terra organizada pela cor de pele.
Stalingrado.
Perfurada, sangrada, ferida.
Tuas meninas não se casaram.
Elas ainda debutantes morreram
Matando nazistas manipulando canhões anti-aéreos.
Suas faces carbonizadas num último grito de horror
Se transformaram nas rosas invisíveis de Stalingrado.
Tuas mães pariram mortos.
Viver era teimosia e lutar viver.
Teus filhos soviéticos morreram grudados ao corpo do inimigo nazista
E um metro nesta cidade custava a Hitler mais dias que toda Europa.

Stalingrado.
Em teu solo o trabalhador, o proletário
Deu provas que é a vida é mais que pão
Que a vida começa quando transcendemos o presente
E eles puderam olhar a própria morte como uma dádiva para o futuro.
Stalingrado.
Corpos e mais corpos. Pilhas de corpos, um mar de sangue.
Por que te assassinavam? Por que te atacavam?
Por que te matavam? Por que simbolizavas a Pátria Vermelha?
A terra sem donos, a fábrica sem amos.
Como, neste mar de sangue, dor e fome
Ainda pudestes resistir,
Conta-me, como,
Stalingrado.

Stalingrado, teus combatentes, teus soldados e guerrilheiros
Teceram com suas vidas a liberdade de nosso mundo
E teu sacrifício, que tentam apagar da história,
Nos demonstra que toda tirania quando enfrenta um povo
Que se faz uno em corpo e alma é invencível.
Stalingrado.

Quero sempre amar teus mortos, gritar teus mortos, lembrar teus mortos.
Reavivar a memória para que saibamos, em todo momento que estamos aqui
Que cada tijolo teu despedaçado e reconstruído não lutava apenas pelo teu presente.
Mas por um futuro onde não seja fabricada mais nenhuma bomba.
Stalingrado.

Primeiro Capítulo

A ciência havia avançado muito nos últimos dois séculos e meio. Pela primeira vez, ela iria tentar aquilo que parecia impossível: o milagre da vida. Um homem que vivera durante os últimos duzentos e cinqüenta anos em coma induzido, quase que hibernando, acabou por esperar, involuntariamente, a sua cura. O planeta havia mudado, as pessoas, o sistema político-econômico. Mais do que um simples despertar, a questão era mais complexa. Como ele se comportaria diante do choque cultural? Como um índio do século dezesseis, arrancado de sua civilização e entregue a um mundo europeu diferente e hostil pelas grandes navegações? O capitão Marcos Antônio do Nascimento virara uma curiosidade científica. Durante quase dois séculos travou-se uma verdadeira batalha ideológica para se saber se era lícito ou não mantê-lo vivo, vegetando, ou praticar a eutanásia (agora uma opção legal em todo o mundo), uma opção familiar, sendo que ele não tinha parentes próximos vivos. Nas últimas décadas, uma verdadeira guerra mobilizou uma grande parte da opinião pública de Cosmópolis. Com a moderna ciência era possível despertá-lo de seu hibernar e curar o seu mal, mas, e como seria seu amanhecer numa nova era?
A antiga Terra do século XX, terra de miséria na abundância, terra de guerra e hostilidade, já não mais existia. Seu mundo, o do capitão, ficara no passado. Aliás, nem mesmo ele era capitão, pois não havia mais exércitos e nem países pelos quais guerrear. O que seria daquele homem de repente transformado em criança, reaprendendo a viver num mundo que não era seu? Tudo como no sonho da música AImagine@ de Lenon. Se era uma loucura, algo como um sonho absurdo imaginar um mundo sem países no século XX, agora parecia um sonho um dia todo o mundo estar dividido em Pátrias rivais, envolvidas em guerras econômicas que fizeram a humanidade feder a fumo e sangue.

Havia outras questões sobre Marcos. Depois de duzentos e cinqüenta anos hibernando, num coma induzido, experimentando uma série de novas drogas feitas para a conservação da vida, o que ele relembraria? De sua mulher, filhos, casa? Houve o cuidado, por parte da assistência social do hospital, de pesquisar os seus descendentes, que já contavam quase dez gerações após o capitão, e juntá-los, para apresentá-los àquele patriarca, espécie de fóssil vivo de um tempo bárbaro, da pré história da nova era que a humanidade vivia. Conseguiu também se recuperar fotos e filmes da época dele, onde ainda poderia ver a sua família original, mulher e filhos. O capitão entrara em coma induzido no ano 2000, pois sofria um raro tumor que, após debilitar todas as suas forças, estacionou, sem regredir, impediu-o de viver normalmente e colocou-o à beira do limite entre a morte e a vida durante dois séculos e meio.
Agora estava curado. Nos últimos duzentos anos experimentara drogas que reduziram seu metabolismo e envelhecimento, de maneira que, embora estivesse com trinta e três anos quando entrou em coma, agora, um quarto de milênio passado, não aparentava ter mais que cinqüenta anos. A questão era como retirá-lo do coma da maneira menos traumática possível. Uma descendente sua foi encarregada de tutoreá-lo. Era a pessoa mais indicada, médica e psicóloga, cientista pesquisadora, brilhante acadêmica, sensível e com grande instinto maternal. Seu nome era Carla. Encarregou-se voluntariamente do serviço, tinha a consciência de que aquele não era apenas um trabalho científico, mais uma responsabilidade fraternal, humana: a de trazer um homem de volta à realidade, num mundo completamente desconhecido para ele, como se ele houvesse viajado num espécie de máquina do tempo.
Na sala do hospital estavam apenas os médicos e os descendentes que foram chamados para receber seu patriarca. A droga, Combalion, especialmente produzida para retirar pacientes de coma profundo, iria ser injetada. Plenamente eficaz, jamais teve utilização para um caso parecido com este, o de um paciente de uma outra era humana. Todos os movimentos de Marcos estavam sendo monitorados, o coração, o pulmão, o cérebro.
Quatorze horas e quarenta e cinco minutos do ano 2.250 do Nosso Senhor Jesus Cristo, ou do ano 200 da Revolução Mundial. O capitão Marcos Antônio do Nascimento, nascido a três de abril de 1967 irá retornar à vida. O combalion vai sendo injetado em suas veias, a temperatura vai sendo levemente elevada e os batimentos cardíacos são acelerados, sua atividade cerebral vai se tornando cada vez mais consciente, até que... Um milagre da ciência: o capitão Marcos abre os olhos, retorna a vida.
_ Sofia - balbucia o nome da esposa procurando-a com os olhos pela sala.

Carla toma de sua mão e lhe pede calma, diz-lhe também que depois a esposa dele virá vê-lo. Ele tenta se levantar, mas é impossível, todos os seus músculos estão atrofiados. Ele vai necessitar de um longo caminhar para se recuperar física e psicologicamente, para entender e se inserir neste novo mundo comunitário, fraterno e solidário que é a terra do Século XXIII.



Capítulo II

Passaram-se seis meses até que o Capitão Marco Antônio pudesse sair da clínica onde convalescia; foi necessário um grande esforço para recuperar-se fisicamente depois de dois séculos sem se mexer. Usou-se magnetismo, hipnotismo, fisioterapia, monitoramento computadorizado de todas as funções vitais com eletrodos energizantes espalhados pelo corpo e todas as novas técnicas que a medicina desenvolvera, para que ele voltasse a andar, pois, ao acordar, não conseguia sequer levantar o corpo.
Mais importante do que a recuperação física foi a psicológica. Em seis meses, Carla teve de passar para Marcos um histórico que parecia inverossímil. Foi tudo muito complicado. Chegou o Capitão mesmo a pensar na filosofia solipcista, onde só ele existia e o mundo era uma ilusão que ele havia criado. Era como se adormecesse, sonhasse e acordasse em outro sonho, como Alice no País das Maravilhas. Como explicar para alguém que o mundo em que vivera, na verdade, não existia. Não existia o país em que nascera, pois já não existiam mais países. Não tinha mais mulher, filhos ou netos e aquela bonita mulher que o acompanhava, era uma parenta distante oito gerações. Não tinha mais emprego e nem era mais capitão. Aliás, não existia mais a patente, por uma razão simples, não havia mais exército por não haver mais guerras. Com o fim do capitalismo acabaram-se os motivos econômicos geradores de guerra, a dicotomia entre produção e controle, a sociedade autoritária gerada sobre a alienação do homem em relação ao produto e a seu processo de trabalho. Com o fim do sistema econômico e espiritual em que vivera, as pessoas eram muito diferentes. Como levar Marco Antônio para conviver novamente em sociedade, nesta nova sociedade livre que controlava diretamente seu destino sem a mão invisível do Capital?

A primeira coisa a fazer foi arrumar uma casa para que ele vivesse, num local não muito movimentado e uma forma de sustento. Coisa fácil dentro da nova organização social comunista, que se seguiu à caducidade internacional do capitalismo. A segunda era arrumar uma função para ele, para que, aos poucos, ele fosse entendendo e se inserindo na sociedade. Isto era mais difícil: ao se passar do reino da necessidade para o reino da liberdade as pessoas se tornaram moralmente melhor equipadas e intelectualmente muito superiores às gerações anteriores. O que ele poderia fazer? A junta médico-psicológica que o atendia decidiu que o melhor seria levá-lo para colaborar, algumas horas de seu dia, num centro de ensino; para que ele palestrasse e servisse de base para uma pesquisa sobre as pessoas que viveram em outra sociedade, na sociedade do Capital, na Sociedade do Valor (onde o homem só tinha sentido se inserido como ferramenta, como mecanismo sobre uma organização que lhe era exterior, e que lhe sugava valor, mais valia, como se extrai suco de uma fruta, jogando-se o bagaço, o que sobrou de humano, no lixo).
Marcos já estava em seu novo lar acompanhado de perto por Carla. Ele estava espantado. Sua nova casa era onde antes fora o bairro de Campo Grande. Entretanto, em lugar de o bairro ter crescido em duzentos anos, diminuíra. Ele não entendia aquilo muito bem. Quase não via carros na rua. Poucos ônibus, muitas bicicletas. Menos tumulto e nenhuma poluição. Muitas árvores e casas bem amplas, quase nenhum prédio de apartamentos. Aos poucos, ele foi deduzindo que devia se tratar de uma nova concepção de vida, em tão pouco tempo histórico passado. Decidiu perguntar a Carla:
- Nossa! Que mudança! Eu conheci este bairro antes, era um bairro pobre, cheio de problemas, com falta de saneamento, miséria. Vejo tantas mudanças, tantas árvores, parece a vista de um bosque, até o clima está mais ameno.
- As coisas mudaram muito. Com o fim do sistema capitalista, acabou-se a concentração de renda e também da produção. Uma cidade hoje, com mais de um milhão de habitantes é considerada impraticável, por causa da qualidade de vida, de maneira que a produção foi planejada para que, zonas antes semidesérticas recebessem população. Na verdade, quase toda cidade é auto-sustentável, embora no sistema comunista auto-gestionário, umas comunidades intercambiem seus produtos com as outras, sem expectativa de lucro. Hoje o Rio de Janeiro tem apenas um milhão e meio de habitantes e é uma cidade em reconstrução. Você ficaria espantado se visse o que hoje é a Baía de Guanabara. Você deve lembrar de alguma coisa, não.

- Sim, recordo-me, a Baía estava totalmente poluída. As praias do Flamengo, Botafogo, Urca, Icaraí eram totalmente impróprias para banho. Isto sem contar a área da comunidade da Maré, praia de Ramos que era horrorosa, totalmente favelizada. As pessoas vivendo em meio ao predomínio do tráfico de drogas.

- Como você já sabe, não existe mais o tráfico, até porque, numa sociedade onde os conceitos das pessoas não passam mais pelo buraco da agulha do valor financeiro, uma sociedade que eliminou não só a miséria e toda a desigualdade social, eliminou o fetiche do valor, o feitiço da mercadoria. Um mundo que não é mais o mundo do mercado onde se vendiam homens e outros produtos, não mais é necessária a fuga. No reino da liberdade as pessoas não precisam mais ficarem dopadas para suportarem a existência. A única droga que ainda é usada, para celebrar, é a bebida alcoólica. Mas não existem mais alcoólatras. Hoje o ser humano não é mais descartável. Não está mais coisificado, não é o triste parafuso de uma grande fábrica de fazer loucos, como magistralmente decifrou Chaplin no imortal ATempos Modernos@. Na sociedade capitalista, no reino da necessidade, o trabalho era uma espécie de maldição compulsiva, e aquele que não conseguisse uma ocupação dentro da engrenagem era visto como um anormal, ficava deslocado, jogado a margem de uma estrutura que só aceitava as pessoas de acordo com sua identidade com relação ao trabalho compulsivo, pouco se importando com o que realmente a pessoas era, seus sentimentos e necessidades. Uma faina escrava que consumia as melhores horas do dia e os melhores anos da vida das pessoas. Hoje está abolido este trabalho compulsivo formador de capital e devorador de seres humanos, não existe mais o trabalho como você conheceu. Todos tem que participar um pouco na produção dos bens necessários a manutenção da vida, do organismo coletivo humano, embora este não seja mais um sentido da existência em si, gastamos de duas a no máximo três horas diárias com este tipo de serviço. Os trabalhos de manutenção e conservação da sociedade são feitos em rodízio por todos, como uma espécie de serviço comunitário, como por exemplo a limpeza urbana (bastante simplificada hoje por conta da consciência ecológica desta sociedade não comunista). Vou te dar um exemplo. Na sua época a sociedade produzia uma infinidade de embalagens para produtos, embalagens estas que poluíam o meio ambiente. Hoje as embalagens são reutilizáveis. São feitas todas para retornarem centenas de vezes e serem novamente enchidas e, quando não estiverem mais em condição de uso, aí sim, vão para seu descarte, seletivamente providenciado. Em lugar de fazermos compras e recebermos bolsas de plástico para carregarmos os produtos, cada qual tem uma série de bolsas grandes e duradouras onde coloca suas compras. Assim evita-se a produção do plástico, este resíduo tão letal a vida da terra. Depois destas duas ou três horas na fábrica, na limpeza, em algum serviço, todos temos o dia inteiro livre para lermos, dançarmos, cantarmos, praticarmos um esporte, namorar ou então não fazer nada, simplesmente gozar a vida. A necessidade material, o reino da miséria na abundância não mais comanda a vida dos seres humanos como um deus Aex máquina@ semeando o desespero e a neurose contínua de se viver para o trabalho criador de valor. Ao dominar a práxis materialista dialética o homem conseguiu se tornar coletivamente senhor do seu próprio destino e assim alcançar a felicidade como bem coletivo. Além do que, é uma humanidade diferente, a produção organiza-se de baixo para cima, da comunidade, na base onde se decide o que é como deve ser produzido, até os organismo gerenciais coletivos de produtores, que em conjunto entrelaçam-se, de maneira que a produção esteja sempre dentro do ditame, DE CADA UM CONFORME SUA CAPACIDADE, A CADA UM CONFORME SUA NECESSIDADE. O trabalho, como você conheceu, foi abolido. Não dá mais status. Trabalha-se para sobreviver e conservar, não é mais um fim em si. As pessoas hoje utilizam a maior parte do seu tempo para desenvolver as suas capacidades humanas mais elevadas, como a arte, por exemplo. Não existe mais o profissional técnico super-especializado, indispensável numa determinada área.
É lógico, que determinadas funções, como médicos e engenheiros, requerem uma qualificação técnica maior. Mas as facilidades de aprendizagem na sociedade comunista e a perspectiva de vida muito mais longa, dá condições a que uma pessoa seja numa determinada fase de sua vida médico, depois engenheiro, ou uma parte do tempo cientista, outra parte esportista, outra músico... Mas não como algo compulsivo e obrigatório. Um tempo no ócio, outro no desfrute puro e simples, da natureza, da sexualidade ou do ócio. O ser humano múltiplo e com total possibilidade de realização continuada. Este é o fruto desta sociedade livre da necessidade cega.
Carla acrescentou:

- Sobre a antiga Comunidade da Maré, não existem mais favelas no nosso mundo. A Maré hoje é um dos locais mais aprazíveis para se viver na Guanabara, um bairro em meio ao Parque Ecológico da Baía da Guanabara (tombada como patrimônio ecológico da humanidade e transformada em viveiro da vida marinha). Todos no nosso mundo tem uma vida decente e, com isto, aquilo que vocês chamavam de criminalidade simplesmente deixou de existir. Um assassinato na nossa sociedade é algo inaceitável e raríssimo. Mas vamos continuar a falar do mar e da praia. Vamos fazer o seguinte, vamos pegar o metrô e iremos até Ramos para que você conheça o novo balneário.
Depois que Marco trocou de roupa, Carla o levou para um passeio de metrô de Campo Grande até o novo Parque Ecológico de Ramos dentro da Baía de Guanabara. Parque que reunia as novas habitações de quem morava em meio a uma crescente floresta tropical, pois as instalações industrias e militares que antes existiam margeando a Baía foram desativadas, desmontadas e no seu lugar plantadas árvores originais que, em mais de 100 anos já formavam uma impressionante mata cheia de fauna.. Marcos demorou horas para acreditar no que via. Em lugar da imensa favela que conhecera, ladeando a Avenida Brasil, o que ele via agora era uma agradabilíssima praia, cheia de coqueiros e pitangueiras, com espaço enorme para lazer, com quadras de esporte, ancoradouros, barcos indo e vindo. Parecia um sonho, e ele quase só reconhecia a antiga Praia de Ramos por avistar o Aeroporto e a Ilha do Governador. Carla então o convidou:
- Vamos andar até a água.
Os dois caminharam até a água e então ele soltou uma exclamação.
- Nossa, que isto! É uma maravilha! Água límpida, clara, cristalina! Eu não posso crer. É impossível. Há apenas duzentos anos isto era um esgoto a céu aberto! Vejo peixes, cardumes inteiros! Uma fauna marinha incrível! Até botos pulando ao longe? Estou enganado, meus sentidos estão me traindo? Esta é realmente a antiga praia de Ramos?

- A humanidade mudou Marcos. A natureza é sagrada e todas as religiões tem um lado panteísta. Ao ferir a Natureza, a pessoa estará ferindo Deus, qualquer que seja o seu deus. Aliás, os ateus, que existem em grande número, também pensam que a natureza é sagrada, que somos uma parte dela e portanto ela é nossa continuidade. Há um respeito mútuo profundo em relação ao credo de todos, todas as formas religiosas estão imbuídas hoje de um modo de concepção de vida científica extremamente humanista e racional. O homem descobriu que a natureza é parte integrante dele mesmo, que ele é natureza, uma manifestação dela, numa forma sublime. Ao primeiro mandamento, amarás a Deus, sobre todas as coisas, da religião judaico-cristã, acrescentou-se, e a natureza, manifestação sublime de Deus e sua obra para o homem. O ser humano é um tripé, ele é: 1) Em primeiro lugar sua individualidade, seu eu, sua existência física materializada, seus anseios, sentimentos, aspirações, desejos, instintos. 2) Natureza. Ele é um ser, que respira, que se alimenta, que esta integrado neste organismo vivo chamado terra, parte integrante dela, como um astronauta num passeio interplanetário pelo universo e depende inexoravelmente desta natureza. Não depende dela de uma forma puramente contemplativa, a própria indústria humana se alicerça na natureza, que é única e frágil, um único organismo vivo interplanetário que nos chamamos de Pacera, mãe terra. 3) Os outros homens. Um homem é um ser social, isto não é uma frase vazia, ele se forma homem ao interagir com os outros. Imita o próximo, aprende com o próximo, aperfeiçoa o que aprendeu e ensina o próximo. Assim o homem não é visto de forma estática, mas como o processo de sua própria autoconstrução diária, uma práxis dialética-social onde a felicidade é um bem coletivo. Só que estas três faces do homem, seu eu, a natureza, os outros homens, não podem ser separadas, estão numa relação sinérgica, intrínseca, necessária. Quando o homem nega a natureza em si fica bestializado, frio, doente, neurótico.
Aos mandamentos existentes em todas religiões, a todas elas, e inclusive para os não religiosos, foi incluído mais um mandamento. Amarás a natureza, parte integrante de teu próprio ser, molécula fluida do teu próprio corpo, pois tens todo o direito de estar aqui agora, vivendo, fruindo e criando a vida. És uma parte integrante divina do universo, assim como a Terra e as Estrelas. És terra e estrela, teu corpo é um astro, cujo brilho, se é menos intenso que de uma estrela, não é menos importante para o concerto universal infinito.
Bem, mas, se você ficou espantado com o que viu, preste atenção no que eu vou fazer agora.

Carla andou com ele até um ancoradouro que ia mar adentro uns quinhentos metros, desceu por uma escada, sentou-se. Marcos, como que hipnotizado, seguiu-a e sentou-se a seu lado. Então ela se concentrou e logo apareceram botos, brincando na água próximos a ele. Um arrepio de medo percorreu o corpo de Marcos e, num salto, ele se afastou dela. Estava confuso, estaria ele do lado de uma bruxa? Carla tranqüilizou-o:
- Calma, não há o que temer, o que estou fazendo é completamente normal. A humanidade agora também desenvolveu o lado antes oculto do cérebro. Meditação, telepatia, cura. É possível chamar pessoas e animais com o pensamento. Não é bruxaria ou mágica. Apenas um sentido a mais que há no ser humano que ele não desenvolvera ainda. Intuição, premonição. Há pessoas hoje capazes de prever catástrofes como terremotos e furacões lendo as linhas da natureza, outras são capazes de curar doenças. Tudo está dentro de nós mesmos, do potencial durante anos inexplorado da humanidade. Nós somos energia e estamos em comunicação permanente com o cosmos. Não há nada de sobrenatural, antes de muito natural nisto. Assim como a sexualidade, que durante séculos foi renegada, por considerada antinatural, assim também nossos dons espirituais, por serem vistos como bruxaria.
Marco acabou se controlando e se maravilhando ao ver os botos pedindo carinho a Carla, como se fossem cãezinhos. Estava maravilhado e não conseguia perceber ainda muito bem as coisas. Agora já começava a divagar. Será que tudo era real? Ou o seu passado era um sonho, ou o futuro em que estava vivendo. Mas, não podia ser. Ele estava ali. Pôs a mão nos botos, sentiu-lhes a pele, colocou a mão na água, sentiu o frescor. Num impulso botou um pouco de água salgada na boca. Mesmo o gosto do sal não pôde esconder a pureza dela. O que foi feito com as favelas? O que foi feito com o esgoto? Tinha muito ainda a entender e conversar com Carla. Perguntou para ela sobre a Avenida Brasil.
- A avenida Brasil diminuiu de tamanho, o que aconteceu?

- Hoje a cidade é menor, conta com apenas um milhão e meio de habitantes e está ainda diminuindo. O objetivo é chegar nos próximos cem anos a ter apenas um milhão de habitantes, número ideal, tendo em vista a extensão e a geografia acidentada do Rio de Janeiro. As cidades próximas cresceram e foram planejadas para receber um contingente maior de população de maneira equilibrada, assim conseguimos replanejar o espaço de todo o Estado, redividimos a população que estava na Cidade do Rio em toda á área fluminense. É lógico que isto só foi possível devido a reforma agrária, conseguida através de uma acirrada luta de classes, os camponeses acabaram com o latifúndio no Brasil há mais de duzentos anos. O embrião lançado pela liga camponesa e que floresceu como Movimento dos Sem Terra, desabrochou numa luta vitoriosa, que enterrou o latifúndio como um defunto infecto, um câncer, um lixo histórico, que não deixou nenhuma saudade. Aqui no Rio, onde o campo era dividido de norte a sul em imensas herdades improdutivas, tudo foi transformado em propriedade coletiva do povo. Imensas fazendas completamente mecanizadas, com estrutura de ensino e cultura e completamente reflorestadas. Usa-se na agricultura o princípio da agrofloresta, onde a policultura é feita em total harmonia com a natureza e há pomares e plantações no meio da mata. Recuperou-se toda a área do Estado degradada pela monocultura, primeiro do café, depois da cana e pela pecuária extensiva. Hoje toda criação animal é intensiva, de maneira que não haja o absurdo ecológico que ocorria na tua época, de se destruir imensas florestas para se formar pastos. Além do que a pecuária era o principal sustentáculo do latifúndio. Três bois numa fazenda tornavam-na Aprodutiva@. Isto é parte de um de um absurdo passado, que mais parece um filme de terror, posto que era um desperdício absurdo dos recursos do planeta com danos ecológicos sentidos até hoje, já que as matas demoram séculos para se recuperarem do desmatamento e a fauna original não é reconstituída. A reforma agrária tornou possível a reforma urbana e acabou com a solidão do campo, posto que as fazendas foram planejadas para que os camponeses vivessem em coletividades, não isolados e assim podem disponibilizar todos os recursos de informação e lazer que existem na cidade.
Carla continuou:

-Para a comunicação dentro do Estado há metrôs, este foi o nome que vocês conheceram e o que usamos até hoje, cortando todo o território como artérias e veias interligadas. Hoje se você quer ir a qualquer canto, o que necessita é apenas de uma passagem de metrô. Os ônibus, que são movidos à energia solar ou a hidrogênio, energia nuclear limpa, não cortam mais grandes distâncias, apenas pequenas, em locais intermediários entre estações. Portanto há menos veículos automotores na rua. Tem outra coisa que tenho de explicar também. Com o enriquecimento de toda a humanidade, com a distribuição de renda, todos acabaram por ter condições de ter um automóvel, o que seria inviável, em termos de não exaurir os recursos naturais da terra e envenenar o planeta. Como o automóvel satisfaz certas necessidades, principalmente de lazer, encontrou-se uma solução. Há carros, mas para alugar. As pessoas não tem mais a propriedade dos veículos. Imagine se tivéssemos hoje, um automóvel para cada família. Teríamos mais de um quatro bilhões de automóveis. O consenso é o de que haja carros suficientes para alugar para que as pessoas satisfaçam suas necessidades de lazer, de se ir a lugares onde o transporte público não leva. A humanidade despertou para o fato de que o automóvel era o maior agente destruidor da natureza e, com a humanidade tendo uma nova mentalidade, o automóvel não é mais símbolo de status e poder. Além do que, na produção auto-gestionária, controlada diretamente pelos produtores, que não visa ao lucro. Com a extinção da relação Capital de extração de mais valia, pode se acabar com o absurdo desperdício advindo da necessidade crescente e destruidora de acumulação, intrínseca a própria existência do Capital como processo sócio metabólico. Sem acumulação contínua, sem expansão crescente o Capital entra em crise agônica e terminal e se vê emparedado dentro dos limites máximos de exploração, até chegar a um ponto em que efetivamente a extração de mais valia depende de um tal grau de participação do trabalho morto (corporificação do trabalho vivo em máquinas) que a reprodução do sistema só se daria com o risco de extinção da humanidade. Foi a partir da luta contra a extrema destrutibilidade de um sistema que só podia se reproduzir desde então, arrasando o meio ambiente a humanidade que se deu o processo de revolução comunista mundial.
O automóvel, indústria mor da acumulação, alicerce do sistema Capitalista no seu século, era uma espécie de panacéia, servia até para esconder a frustração de homens infelizes sexualmente e inaptos para amar. Hoje em dia, ele é um bem como outro qualquer, sem nenhum fetichismo. O que uma mulher procura num homem não é mais a posse de um Ferrari, mas satisfazer-se como mulher. Procura um companheiro, um amante, um parceiro.

Dentro dos continentes, as malhas ferroviárias ligam as cidades de ponta a ponta. Você pode sair do Rio e ir a Buenos Aires ou Bogotá de trem, de maneira rápida, eficiente e segura, ou, é claro, também poderá ir de avião. O transporte de carga, convencionou-se internacionalmente, ficou praticamente proibido de ser feito em caminhões. Estes só servem para pequenos fretes. São os trens que levam a carga em qualquer distância maior do que cem quilômetros. Também os carros não são mais poluentes. São todos elétricos, acabou a era do combustível fóssil, o Petróleo não move mais nenhum carro no mundo. A concepção dos carros também mudou e eles são feitos para durar mais que vinte anos, pelo menos. Depois são totalmente reciclados. De maneira que a exploração dos recursos naturais da terra cai ano a ano. É um paradoxo do novo sistema de vida comunitário: a produção diminui, mas a pobreza não aumenta, pois a produção não visa o lucro, mas a satisfação das necessidades sociais geradas dentro de um novo sócio-metabolismo, não autoritário e auto-gestionário das comunidades.
Marcos estava fascinado, não acreditava no que via. Logo ele, um antigo defensor do status quo, formado pela Escola Superior de Guerra, defensor da Doutrina de Segurança Nacional, que alertava para o perigo vermelho e via como inimigos aqueles que quisessem mudar o sistema. Tudo aquilo não era possível, em apenas duzentos anos! Mas, como não era possível, se ele via com os seus próprios olhos! Era como um grande sonho. A utopia era real, ele estava comprovando ali. Ele, que acreditava que o homem era o lobo do próprio homem e que a humanidade estava fadada ao perpétuo fracasso social, a uma continuidade interminável de insucessos, por causa da natureza perversa humana. Todo seu sistema de pensamento estava em xeque, aliás, tinha sucumbido em pouco tempo. Se a humanidade avançara tanto era porque, teleologicamente, a raça humana estava destinada ao progresso, à perfeição, a transformar a terra num paraíso. O que era o Éden prometido nas Escrituras, diante do que ele começava a ver ali? É lógico que a morte ainda existia (e iria existir sempre) mas a expectativa de vida média da humanidade agora era de 200 anos e aumentando. Estaria sonhando? A terra, um jardim: sem guerras, sem atos terroristas, sem crimes bárbaros e prisões, sem sistema judiciário e Estado. Estaria vivendo uma alucinação?
Carla achou que estava na hora de levar o Capitão Marcos de volta a sua casa, então tomou de sua mão e retornaram, de metrô.



Capítulo 3


O conselho curial, que cuidava da adaptação de Marcos ao mundo livre comunista, decidiu arrumar uma ocupação para o capitão na área da pesquisa. Ele iria trabalhar na Universidade Livre do Rio de Janeiro (uma das mais importantes e prestigiadas do mundo) e iria ministrar palestras para alunos e professores sobre a Terra no período em que ele vivera antes de entrar em coma.
Numa sexta-feira à noite, ele recebeu a visita de Carla, sua conselheira, amiga e psicóloga, que, com outros dois amigos dela, vinha num carro alugado levá-lo para um passeio. Era especial para ele aquilo, pois ainda não estava totalmente adaptado ao mundo hodierno e ficava quase todo o tempo em casa estudando. Aliás, havia mil e uma formas de estudar no mundo atual. O que a humanidade no século XX conhecera como Internet, avançou a ponto de ser um elo de tão grande peso, que estava ligado, internacionalmente a todas as bibliotecas, livrarias, academias, rádios, televisões, casas de espetáculos, etc. Na verdade, o computador não era mais apenas um computador, era um sistema de controle de toda a energia doméstica, controlando gastos, sua captação (praticamente todas as casas tinham conversores de energia solar ou de energia eólica, que ajudavam a economizar a energia elétrica hidráulica), os aparelhos eletrodomésticos, o rádio, e a TV. Aliás, a tela do computador geralmente já era a televisão, interligada às vezes a três ou quatro terminais (dependendo do tamanho da casa ou da família), onde as pessoas podiam, independentemente uma das outras, escolher, desde assistir um programa de TV (que deixou de ser a maior invenção da humanidade a serviço da imbecilidade humana), ouvir rádio, até acessar os arquivos de toda e qualquer pesquisa científica no mundo ou baixar um livro para imediata leitura. Também a energia elétrica agora era completamente limpa. Não havia mais usinas termoelétricas, além da captação de energia diretamente pelas casas, a energia que vinha da rede era produzida ou por usinas hidroelétricas ou por usinas atômicas que usavam como combustível o hidrogênio e que, portanto não produziam lixo atômico.

Carla iria levar o capitão Marco Antônio até o centro do Rio de Janeiro para que ele assistisse a um show de música. Ela mesma conduziu o carro com os três amigos (incluindo o capitão) até uma casa na Lapa. Marco estava impressionado deveras: ao chegar no antigo reduto carioca da boêmia, reconheceu imediatamente. Era agora um grande centro cultural a céu aberto, com toda sua antigüidade preservada: os arcos (o antigo aqueduto), o bondinho, o Circo Voador (tombado como patrimônio cultural carioca e com a Fundição Progresso a seu lado totalmente restaurada como Centro Cultural) e o antigo casario. Aliás toda a Cidade Maravilhosa, a mais importante arquitetonicamente do Brasil, havia sido tombada e declarada como patrimônio cultural da humanidade. Havia diferenças, é claro, quase todo o casario estava destinado à música, artes plásticas, teatros, museus, cinemas, bibliotecas e dança. Era algo fabuloso!!! Havia também esculturas por todos os lados; de Noel Rosa, de Nélson Cavaquinho, de Zé Keti, de Marçal, de Monarco, de Jamelão, de Bide, de Cartola, de Chiquinha Gonzaga, de Taiguara, de Elis Regina, de Elizeth Cardoso, de Mano Décio, de Clara Nunes, de Beth Carvalho, de Paulinho da Viola, de Chico Buarque, de Tom Jobim, de Vinícius de Moraes, de Renato Russo, de Candeia, de Martinho da Vila, de João Nogueira, de Paulo César Pinheiro, de Cristina Buarque, de Teresa Cristina, de Noca da Portela, de Tia Surica, de Clara Nunes, de Nelson Sargento, de Cazuza (fora outros, que ele não conhecera por serem desta nova era da Terra) muitas, espalhadas, belas, criativas, pelas calçadas, homenageando os vários compositores e músicos que ajudaram a construir a alma cultural carioca. Próximo aos arcos, um grande monumento a Pixinguinha e um conjunto de chorões tocando para uma assistência muito jovem as músicas do grande mestre. O capitão não conseguia esconder a emoção. Sempre fora fã da cultura brasileira e acreditava naquele ditado: Apinte a sua aldeia e serás universal@ de Tolstói.
- Nossa! como há música brasileira, hoje em dia!!!!! B exclamou ele para Carla

- Marco, não há mais países, mas as pessoas preservaram sua identidade cultural. Também não existe mais uma concepção Anacionalista@, pois ela foi superada por um internacionalismo, onde todos somos parte de uma mesma raiz chamada humanidade. Entretanto, com o fim da dominação cultural que os Estados Unidos, na sua época exercia sobre o resto do planeta (principalmente nos países dependentes), com o fim do imperialismo cultural, acabou também o imperialismo da mídia. Hoje, cada povo preserva e desenvolve sua cultura, sem ranços, sem disputas, mas com muito amor em relação à sua própria identidade. Em lugar de uma visão de universalização fascista do pensar, onde as culturas eram batidas no liquidificador, perdiam seu significado e validade ganhando uma cor ianque, hoje se tem uma visão biodiversa. Cada povo, homem é membro de uma determinada raiz, com sua língua, modus vivendi, música, culinária, literatura. Valoriza-se como membro desta comunidade, e desta forma contribui para um verdadeiro universal, porque diverso. Você não vai ver mais brasileiro imitando ianque, vestido de cowboy ou coisa parecida. Houve um redescobrimento da nossa raiz e um pesquisar crescente de todos os seus significados. Os brasileiros perdemos nosso complexo como povo e, temos grande orgulho de sermos reconhecidos pelo resto da humanidade pela imensa diversidade cultural existente na nossa terra.
Marcos acenou com a cabeça como concordando. Então avistou um cartaz indicando banheiro público. Ele pediu licença e dirigiu-se a ele para urinar. O banheiro era gratuito e limpíssimo, pois a urbanidade das pessoas mantinha a higiene de todos os lugares. Ao entrar no banheiro o capitão ficou tonto. Aquilo não era possível! Os vasos e os mictórios pareciam ser de ouro e as torneiras de prata! Não, não podia, devia ser alguma tinta ou uma substância nova parecida. Mictórios e vasos sanitários de ouro! Aquilo era uma loucura que não podia entrar na cabeça dele. Afinal, a humanidade sempre se matou, uns aos outros por causa dos metais preciosos. A civilizações Incas, Aztecas e Maias foram arrasadas, destruídas, num dos genocídios mais bárbaros da história por causa disto, mineiros de todo o mundo consumiram seus pulmões para extrair o vil metal, desde os mitayos até os mineiros comunistas heróicos do Chile e Bolívia. Os habitantes primitivos da América do Norte também foram barbaramente mortos e escalpelados por conta da corrida do ouro. Os índios do interior do Brasil tiveram sorte parecida, para o metal ir parar nos mictórios públicos!!!!
Ele saiu torpe do banheiro e foi logo interrogando Carla.
- Carla, aquilo no banheiro é tinta dourada?
- Não, Marco, é ouro e prata.
- Como? não posso entender!

- Bem, esta idéia era antiga, era uma pretensão já de Lenin, de quem você já ouviu falar, o artífice da primeira grande revolução libertária na história da humanidade que teve sucesso: a Revolução Russa Comunista de outubro de 1917. Ele planejou usar, nos mictórios públicos, ouro, para simbolizar a nova face da humanidade. Não conseguiu sucesso, as coisas só ocorrem dentro do seu tempo. Aquela revolução era muito jovem, teve problemas, percalços de construção, mas lançou uma base de libertação para toda a humanidade, de uma vez para sempre de qualquer forma de escravidão, mostrou que a vitória sobre a dominação de classe e a exploração do Capital é possível. Colocou na ordem do dia o fim da sociedade de classes, a tomada do poder por uma classe que já não é mais uma classe para si. Que não podia se libertar sem libertar junto de si todas as outras classes. Que não tinha interesses de classe diversos do de outras classes da sociedade e que, com a sua libertação, só poderia libertar de uma vez por todas todo o julgo opressor da extração do trabalho humano social, por uma minoria privilegiada.
Hoje, quando já não existe mais bolsa de valores, nem acumulação de capital, pois já não existe a relação capital baseada na mais valia, quando todos os meios de produção são coletivos, o ouro é usado mais para bijuterias e arte do que para outra coisa. Para você entender a diferença, basta lembrar da conquista dos Incas por Pizarro. Lembra que os incas diziam que os conquistadores se atiravam ao ouro como porcos? Para os incas, a prata e o ouro não tinham valor comercial, antes apenas, religioso e artístico. Nós recuperamos esta idéia. O grama do ouro tem valor comercial desprezível, e é muito usado pelos artistas pela sua durabilidade. A idéia de fazer mictórios públicos de ouro foi uma forma de demonstrar que a humanidade já atingiu uma espiritualidade diferente, uma maior maturidade social. Existem mictórios públicos de ouro no mundo inteiro, como um símbolo de uma nova era, do fim de um sistema que foi o último dos sistemas de exploração do homem pelo homem: o capitalismo.
O capitão Marco estava boquiaberto, com a cara de uma criança que acaba de escutar um conto de fadas. O fato é que, ele vira com os próprios olhos e não podia deixar de se admirar: quanto sangue foi ceifado, jovem ainda, por causa de ouro e prata? Quantos saques, pilhagens, invasões, guerras e crimes individuais não foram gerados pelo vil metal? Não podia ser o grande deus ouro, jazendo nauseabundo num banheiro, como que desprezado por todos os enterros do qual foi diretamente responsável.

Carla tocou no braço de Carlos e o conduziu a uma sala de música dentre os sobrados que pululavam de variedades a serem escutadas. Carla escolheu uma que o capitão conhecia. Era um grupo de jovem, autodenominados os Novos Batutas, que faziam uma homenagem especial a dois dos mais importantes poetas brasileiros: Vinícius de Morais e Tom Jobim. O show se chamava: Garota de Ipanema, e era uma apresentação de todas as grandes músicas feitas pela dupla e algumas outras parcerias dos dois, ora com Toquinho, ora com Garoto, ora com Baden Powel ou Chico Buarque. Para a surpresa do capitão, o som não tinha nada de eletrônico, embora ligado a aparelhagens, era o mais acústico possível. A tecnologia era usada para reproduzir, o mais fielmente possível, apenas o som cru dos instrumentos, e o que sobressaía era o talento do artista.
A música que tocava, de Toquinho e Vinícius, era assim:
AQuem já passou por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá para quem se deu
Para quem amou,
Para quem chorou
Para quem sofreu...@
Mais um dia de aprendizado para a nova vida de Marco. Ele estava intrigado, porém, mais do que isso, ele estava maravilhado. Em relação ao que vivera antes, apesar da saudade imensa da família, ele reconhecia que a Terra estava se excedendo na perfeição e se tornando cada vez um lugar melhor para se viver.


Capítulo IV

Marcos teria um dia diferente. Seria seu primeiro dia como professor palestrante na Universidade Livre do Rio de Janeiro, onde era a antiga UERJ, que ele conhecera há três séculos. Ficou espantado com as mudanças ao ir para o local, num carro. O que antes fora a favela da Mangueira, hoje era um bairro completamente urbanizado e arborizado. O que conhecera como guetos fazia parte do passado, de um triste passado. No alto do morro uma estátua enorme de Cartola com Carlos Cachaça, próximo ao Cruzeiro, estava contígua ao museu da escola onde os grandes poetas Mangueirenses, como os já citados, mais Nelson Cavaquinho, Padeirinho, Nélson Sargento, Elton Medeiros, etc. estavam eternizados e imortalizados, junto com as Damas Dona Neuma, Dona Zica, Beth Carvalho, Alcione e outros novos e desconhecidos dele. O capitão não teve tempo de ir lá em cima no morro para ver que beleza o novo museu, cheio de imagens e sons de uma tradição viva, já que o samba era toda uma linguagem de uma nação completamente curada de seu complexo de inferioridade.
Uma universidade com um perfil completamente diferente. Universidade para todos. Se na sua época, Marcos via uma universidade pública branca, destinada à classe média, que tinha acesso aos melhores escolas, que podia comprar uma educação não sucateada, com o fim do sistema de castas sociais diferenciadas pelo dinheiro, criadas pelo Capital, a universidade agora era multi-étnica. Acontecer o que Candeia previra, os negros, livres de serem aqueles que estavam destinados a fazer os piores serviços e receberem os piores salários, livres da maldição de serem maioria nas prisões e minoria na Universidade (o que levou a algumas teorias racistas e reacionárias, de tipos criminais, que tinham como grande função confundir efeito com causa e transforma vítima da exploração social em culpado geneticamente pelo seu destino), agora podiam fazer sua cultura constar no currículo universitário, junto com a cultura branca européia, o Iorubá e o samba entraram no currículo e Candeia e Cartola passaram a ser tão conhecidos quanto Lenon e Macarthiney.

Na Universidade seria um dia longo. Várias palestras para várias turmas. As pessoas simplesmente não conseguiam acreditar no que o capitão dizia. Para elas, criadas no espírito de solidariedade de uma sociedade do ser, e não do ter, tudo aquilo lhes era impossível. Mendigos? Pessoas que moram na intempérie, que vivem de sobras? Que dormiam nas marquisas? Só podia ser piada... Não era possível crer que havia mulheres com crianças no colo pedindo dinheiro para sobreviver... enquanto jovens completamente alienados, e que jamais na vida iriam trabalhar, vadiavam em carros importados que valiam muito mais do que os indigentes conseguiriam ganhar em toda vida. Para a juventude criada na sociedade da cosmogonia comunista era impossível pensar em tanto desperdício de vida humana.
Tráfico de drogas? Pessoas se drogando para fugir de uma realidade monstruosa e cruel? Um indústria de armamentos, poderosíssima, influenciando de forma decisiva no destino da humanidade. Gastar mais recursos do planeta na indústria da morte do que na saúde, na educação e na proteção à infância!? Isto era concebível? Pessoas se matando por dinheiro; numa roda-viva da loucura que fazia milhares de vítimas, só no Brasil todos os anos... Aquilo era incompreensível para aquela nova geração sem nenhum vício. O homem novo do evangelho cristão existia, mas, paradoxalmente, este homem novo havia sido criado pela sociedade igualitária avançada laica comunista.
Crianças de 10, 11, 12, 13, 15 anos se prostituindo em sinais de trânsito? Homens de 30, 40, 50 anos, com dinheiro, com projeção na sociedade pagando para que fossem satisfeitos seus instintos mais sórdidos... Era completamente inconcebível. Aliás qualquer relação pessoal, inclusive sexual, baseada na posse do dinheiro era inconcebível, numa sociedade onde os livres produtores eram realmente iguais e não se distinguiam por suas posses, mas sim por sua personalidade e temperamento.

Marcos estava maravilhado. Fora possível, agora ele cria, acabar com a prostituição. Com o fim das gritantes diferenças sociais e a revalorização das pessoas, com a igualdade real da mulher, na sociedade livre e igualitária todas as mulheres trabalhavam e a gravidez indesejada era algo tão improvável quanto alguém ganhar na loteria na antiga sociedade, a prostituição de todas as formas era impossível. Sexo era algo natural e completamente ligado ao caráter e personalidade das pessoas. Ter prazer era um direito do ser humano. Os adolescentes tinha uma educação sexual positiva e não hipócrita, fundada não num erotismo super-valorizado com esteio no consumo, como o da sociedade capitalista, mas sim no amor próprio e no respeito pelo semelhante. Assim o sexo não era para as pessoas algo vazio e entorpecedor como uma droga, mas sim uma fonte de prazer e encontro.
De outro lado, com o fim da produção externa ao ser humano, do controle autoritário sobre o trabalho e a existência humana, a mulher finalmente libertou-se de sua condição subalterna de garantidora genética de uma descendência que pudesse herdar, e passou a ser parceira integral do homem na gestão de todo o metabolismo social, inclusive da nova forma de família não compulsiva, não autoritária e não moralista, advinda da sociedade livre. As pessoas uniam-se apenas por amor, paixão, carinho e separavam-se, pois não havia carências materiais que o evitassem, a família monogâmica não era mais o microcosmo econômico autoritário garantidor de pessoas castradas que não questionassem a sociedade autoritária. Era uma sociedade do amor livre, mas este amor livre não tinha o sentido moralista que o conservador queria lhe dar. Pessoas com um grande nível intelectual e ético, geradas dentro de uma sociedade equilibrada e livre, eram não compulsivas, completas, profundas. Assim, havia completo respeito às opções individuais. Se um casal se formasse e decidisse viver 20 anos juntos, 30, ou o resto da vida, teria completamente respeitada sua opção. Se uma mulher decidisse não casar, durante toda sua vida e ter quantos namorados quisesse, era uma opção não censurada. Maior conhecimento do corpo, dos processos psíquicos, da consciência e do subconsciente, levou a que todos pudessem fruir da forma mais completa do prazer, sem descambar para a pornografia, que no fundo, era o complemento necessário, a outra face da moeda de uma sociedade compulsiva que tinha de negar o tempo inteiro o direito ao indivíduo de controlar suas próprias emoções sem passar por uma sanção social.

Nesta sociedade libertária o romantismo não decaíra e não se descambou para o vale-tudo, como o próprio capitão pensara que existiria numa sociedade comunista. Aliás, nisto está imbuído o preconceito pequeno burguês contra a mulher. O pequeno-burguês sempre ouviu falar que no comunismo os meios de produção seriam socializados, como ele vê a mulher como uma propriedade, achou então que as mulheres também seriam socializadas. Como Marx colocou, este ponto de vista era próprio do comunismo grosseiro, típico do pequeno-burguês estúpido. Ele só consegue ver a vida na relação de posse e de coisa. Assim, a sociedade comunista para ele só podia ser a sociedade onde todos seriam proprietários. O que ocorria era o oposto, uma sociedade nova e realmente livre onde as pessoas estavam muito pouco preocupadas com a posse e muito mais preocupadas com viver a própria vida, numa espécie de hedonismo responsável. A máxima ética parecia ser a procura do prazer de viver com responsabilidade. Não fazer ao próximo aquilo que não gostarias que fizessem a ti.
Em relação às mulheres, vítimas da primeira grande exploração de classes sociais, ainda na barbárie, onde foram exploradas pelo patriarca na indústria doméstica, agora estavam completamente livres na sociedade comunista. Formas mais elevadas de organização social levaram a um homem mais elevado e exigente. As pessoas queriam trepar sim, mas se queira afeto, intimidade, amizade, companheirismo, paixão, amor. Os valores espirituais renasceram nos relacionamentos porque as pessoas não mais tinham posses de bens para comerciar amor. Como já falava o velho poeta inglês, o ouro é um veneno muito mais letal para o espírito das pessoas do que qualquer veneno para o corpo já inventado.
Os relacionamentos eram bastante duradouros e geralmente profundos e enriquecedores. As pessoas não se prendiam uma as outras por obrigação, apenas por amor. As barreiras da sobrevivência: como baixos salários, a impossibilidade de se criar um filho sozinho, tinham sido superadas pela indústria doméstica. Era mais fácil encontrar uma creche ou uma escola do que uma igreja na antiga sociedade. Havia restaurantes e lavanderias para todos os lados, as pessoas dedicavam menos tempo a cuidar de suas casas. Havia mais tempo livre para se dedicar aos filhos, aos companheiros, sejam namorados, amantes, esposos, ou para estudar, brincar. O ócio nesta sociedade não era a oficina do inferno, pois a cultura geral e a grande oferta de prazer, visto sob uma ótica que ia de um simples livro a um passeio em uma bela praia limpíssima, era tão grande, que até era possível se duvidar de tanta felicidade.

De outro lado, com o fim da produção externa ao ser humano, do controle autoritário sobre o trabalho e a existência humana, a mulher finalmente libertou-se de sua condição subalterna de garantidora genética de uma descendência que pudesse herdar, e passou a ser parceira integral do homem na gestão de todo o metabolismo social, inclusive da nova forma de família não compulsiva, não autoritária e não moralista, advinda da sociedade livre. As pessoas uniam-se apenas por amor, paixão, carinho e separavam-se, pois não havia carências materiais que o evitassem, a família monogâmica não era mais o microcosmo econômico autoritário garantidor de pessoas castradas que não questionassem a sociedade autoritária. Era uma sociedade do amor livre, mas este amor livre não tinha o sentido moralista que o conservador queria lhe dar. Pessoas com um grande nível intelectual e ético, geradas dentro de uma sociedade equilibrada e livre, eram não compulsivas, completas, profundas. Assim, havia completo respeito às opções individuais. Se um casal se formasse e decidisse viver 20 anos juntos, 30, ou o resto da vida, teria completamente respeitada sua opção. Se uma mulher decidisse não casar, durante toda sua vida e ter quantos namorados quisesse, era uma opção não censurada. Maior conhecimento do corpo, dos processos psíquicos, da consciência e do subconsciente, levou a que todos pudessem fruir da forma mais completa do prazer, sem descambar para a pornografia, que no fundo, era o complemento necessário, a outra face da moeda de uma sociedade compulsiva que tinha de negar o tempo inteiro o direito ao indivíduo de controlar suas próprias emoções sem passar por uma sanção social.
Os homossexuais eram respeitados e o seu direito a relacionar-se garantido. Numa sociedade livre e evoluída conseguiu-se superar o preconceito contra o homossexualismo. Ficara claro, em quase dois séculos de evolução de sociedade comunista auto-gestionária, que, ao contrário do que os conservadores temiam, a liberdade de manifestação da homossexualidade não aumentou o número de gays no mundo. Na verdade, com o direito à liberdade de manifestação, muitos homossexuais Asaíram do armário@. Estudos mais sérios demonstraram que o número de homossexuais dentro das diversas sociedades humanas era constante, e que a maior ou menor repressão leva apenas a que a manifestação da identidade sexual da pessoa não seja expressa. Assim, na sociedade comunista, o número de homossexuais, proporcionalmente falando, era exatamente igual ao da sociedade anterior, só que agora eles tinham seus direitos preservados e puderam se respeitar e se conhecer melhor. É claro, que numa sociedade onde a prostituição fora abolida, também a forma homossexual de venda do corpo acabara, e todos passaram a ter relações onde não havia nenhuma forma de pagamento.

Para os olhos antes reacionários do capitão tudo aquilo mais parecia um sonho. Um sonho mais bonito do que todos os que sonhara antes. E como os achava tolo agora... Ser general, uma Ferrari... Uma casa no campo... Férias na Europa... O que adiantava tudo aquilo... Tudo entorpecentes quando havia tanta dor e infelicidade na sociedade e o futuro, no seu tempo, se mostrava sombrio e violento...
Agora sim ele podia entender o que queria dizer Ernesto Che Guevara, quando, ao parafrasear José Martí, o grande poeta da liberdade das Américas, dizia, amor é sentir no próprio queixo o murro desferido por alguém no queixo de qualquer companheiro...
Aquela tarde de conferências na faculdade deixou em Marcos a sensação de estar falando sobre a idade média... De ele ser um fóssil vivo... Uma reminiscência de uma sessão de torturas... Tudo em seu espírito fora por água abaixo... A Doutrina de Segurança Nacional... Seus preconceitos de cor... Seus preconceitos de macho... Quantas mulheres lindas e quão inteligentes... Como ele sentia em seu espírito que o mundo em que vivera oprimira o espírito humano... Quantos gênios feneceram passando necessidade na rua... Quantos talentos artísticos e científicos sepultados... Quanto dor... Quanta fome... Quanta miséria... Quanta desesperança... Quanto desperdício de sangue jovem...
Sozinho, num canto, no fim do dia o capitão senta e chora... Chora um choro convulsivo e barulhento... Uma mea culpa... Como fora estúpido... Como fora estúpido.


Capítulo V

Marcos estava feliz, de uma felicidade íntegra e nova que ele jamais imaginara sentir na vida. Era bom acordar de manhã e respirar ar puro. Abrir janelas e ver crianças brincando despreocupadas na rua, ver o noticiário e não ouvir falar de tragédias. Era uma sensação diferente. Sair as três, quatro horas da manhã andando despreocupado, num mundo cheio de parques, praças, locais para práticas de esportes, lagos, rios limpos, cheio de árvores, prenhe de animais, ver namorados se curtindo às centenas pelos parques e crianças correndo despreocupadas pelas calmas ruas. O paraíso está na terra, esteve o tempo todo dentro de nós, pensava ele consigo mesmo. Ainda que não conhecesse Hegel, o capitão Marcos concordaria com o que o filósofo e profeta dissera ao profetizar que o racional é real. Se não o é no presente, será no futuro através da práxis humana de consertar o mundo.
Marcos sairia com Carla para ver um jogo de futebol. Estava curioso de assistir a uma partida. Quando de sua época, vibrara ele muito com os clássicos do Maracanã entre o Flamengo, seu time de coração, e os outros grandes do Rio de Janeiro. Como estaria o futebol carioca depois de tanto tempo? Na verdade, o futebol mudara muito, mantendo um pouco da tradição secular.
Marcos e Carla pegaram o Metrô em Campo Grande e se dirigiram para o Maracanã. Seria possível, duzentos e cinqüenta anos depois? O estádio tri-centenário foi mantido e constantemente reformado como templo máximo do futebol mundial. Carla, para espanto de Marcos, lhe explicou como funcionava o futebol então.
- Embora o mundo esteja modificado, todos os povos formam uma única grande humanidade, as copas de nações se mantiveram pela sua tradição. Assim, ainda existe o campeonato brasileiro.
- E, como funciona? B questionou Marcos.
- São 24 clubes, jogam todos contra todos, o ano inteiro, em turno e returno, o campeão é o que fizer o maior número de pontos. Três são rebaixados e três sobem.
- Simples assim? E dizer que na minha época não conseguiam fazer isto. E os campeonatos regionais?

- Acabaram B Finda o assunto, Carla.
Eles chegaram a um Maracanã renovado, que era a cara do mesmo Maracanã de há 200 anos, só que, mais confortável, com placares eletrônicos que reproduziam o jogo e com um público interessado apenas em festa e não em briga.
O jogo era Flamengo e Vasco, meio do campeonato brasileiro. Carla explica:
- Uma tradição se manteve, o Flamengo é o time mais popular e importante do Brasil, o que tem mais títulos nacionais e internacionais também. É agora o tetra campeão brasileiro e está na frente do atual certame.
Lógico que tal explicação tirou um sorriso de satisfação do rosto de Marcos, que logo se surpreendeu na entrada em campo dos times quando viu quatro árbitros e nenhum bandeirinha.
- Onde estão os bandeirinhas? - perguntou Marcos.
Carla lhe respondeu que não existiam mais. Eram quatro árbitros, dois atuando em cada lado do campo, com a mesma autoridade, como acontecia nos outros esportes coletivos como futsal e basquete.
- E não dá confusão?
- A mesma que haveria com um árbitro, com a vantagem de haver sempre um próximo ao lance. Erros de arbitragem serão sempre impossíveis de se evitar, mas são menos comuns agora. B retrucou Carla.
- As regras são as mesmas?
Carla pede para que eles vejam o jogo e, durante a partida, ele mesmo veja as modificações.
O jogador do Flamengo recebe a bola sem nenhuma marcação, invade a área, dribla o goleiro do Vasco e faz o primeiro gol. Festa em rubro-negro, cem mil pessoas fazem o Maracanã pular em uníssono, como sempre fez secularmente a maior e mais bela torcida do mundo. Marcos está emocionado, em sua cabeça passado e presente se confudem.. Após abraçar Carla e sentir uma energia eletrizante, não deixa de exclamar:
- O centroavante não estava impedido?

- Não existe mais impedimento. Era uma regra sem sentido que não servia para nada além de criar retranca e confusão. Servia só para manter o emprego do bandeirinha.
O capitão continua com os olhos no jogo e vê outra coisa que lhe intriga. Uma falta na intermediária, sem nenhuma barreira.
- Falta sem barreira?
Carla explica que o número de faltas com barreira foi limitado e, por isto, após a oitava falta em cada tempo, são cobrados tiros livres diretos numa marca um metro depois da meia lua, ou do local em que a falta foi cometida, à escolha do cobrador.
- O jogo ficou menos violento e mais solto, hoje se prefere os jogadores versáteis aos grandalhões e parrudos. Houve o renascimento do futebol-arte. B Ela diz em tom apologético.
Marcos com um meneio de cabeça concorda. A falta é cobrada e mais um gol surge. Flamengo 2x0.. O Maracanã canta um hino antigo e conhecido:
AOh, Meu Mengão,
Eu gosto de você,
Quero cantar ao mundo inteiro
A alegria de ser rubro-negro,
Cante comigo Mengão,
Acima de tudo rubro-negro@
Marcos está abraçado com Carla e suas sensações estão confusas. Seu sangue está quente e ele não sabe como se comportar diante dela. Cala-se e tenta se concentrar no jogo.
- Já percebi que os laterais são batidos com os pés.

O jogo estava agradável de se ver. Bola de pé em pé, poucas faltas, muita habilidade e rapidez. O futebol evoluíra muito, mas não no sentido de ser mais físico e menos mental, voltara ao romantismo da técnica prevalecendo sobre a força e os jogadores mais valorizados eram exatamente aqueles que tratavam a bola como você e pretendiam entrara numa seleta galeria de craques como Zico, Sócrates, Falcão, Didi, Garrincha, Pelé, Leandro, Rivelino, Maradona, Platini, Coutinho, Gérson, Puskas, Di Stefano, Cruif, Beckenbauer, Júnior, Andrade, Adílio, Nilton Santos, Geraldo, Ademir Menezes e da Guia e poucos outros. O craque era reconhecido e reverenciado e o perna de pau tinha a oportunidade de mostrar sua raça e força no judô, karatê, atletismo, etc.
Outra coisa a se reparar era que não havia nenhuma espécie de Acera@, tão logo a bola saia ou havia uma falta ela era batida. Marcos foi informado por Carla de que o tempo de jogo agora era de bola em jogo, 35 minutos cada tempo, cronometrado por uma mesa, independente dos juízes, que interrompia o tempo em cada paralisação. Assim não adiantava catimba ou demorar para bater falta, lateral, etc. O tempo de jogo só era contado quando a pelota estava em jogo, o que conferia mais dinamismo e emoção, pois em dois minutos podia acontecer muita coisa.
Outra modificação era que o carrinho: fora proscrito. Todo e qualquer carrinho, ainda que fosse na bola era falta, o que diminuíra, e muito, o número de contusões. Juntado-se a proibição de se dar carrinho à limitação do número de faltas, a marcação passou a ser feita mais na bola e menos no corpo do adversário, o que exigia mais habilidade que propriamente força físico. A figura do cabeça de área que só sabia destruir fora uma coisa definitivamente relegada ao passado. Todos os jogos pareciam mistos das seleções brasileira de 70 e 82, pela habilidade, com a seleção holandesa de 74, pela mobilidade, num balé artístico extremamente prazeroso de se ver. Mas, no fundo, o maior responsável pela volta do futebol arte, fora um fato ligado a nova organização comunitária da sociedade, a volta das crianças as ruas, brincando livremente de pelada.
Outra coisa que mudara era que as substituições eram de número ilimitado e não se parava o jogo por conta delas. O jogador que saísse de campo podia voltar a qualquer hora. Bastava para isto que o jogador ao sair passasse pela linha lateral do campo na altura do meio de campo, o jogador que entrava em jogo tinha que entrar também pela linha do meio, após o jogador substituído deixar o jogo. Assim não havia tanto cansaço no jogo, e as variações táticas durante a partida eram bem maiores do que antes. Um treinador podia colocar um jogador só para cobrar uma falta, ou só para receber um escanteio. Como o tempo estava parado, não havia perdas no jogo. O ritmo do futebol de campo do século XXIII parecia o do futsal.

Marcos estava extasiado. No jogo mais um show de bola do Mengão. Final 5x2 e uma bela festa em vermelho e preto com a torcida cantando samba e vibrando no Maraca. Uma coisa mudara nele, agora ele começava a ver Carla de uma forma diferente. Mais do que uma amiga, ou acompanhante no processo de recuperação, ela prendia sua atenção como bela mulher que era. Para Marcos isto seria embaraçoso, o conflito de mundos que ele tinha se refletia em sua consciência e o deixava sem saber o que fazer.
O caminho de volta para a casa seria um pouco mais difícil, ele estava fazendo também o caminho de volta para o mundo, um completamente diferente, mas que agora era seu mundo também.



Capítulo VI

Marcos agora teria a oportunidade de fazer sua primeira viagem espacial em companhia de Carla. Estava ansioso. Iria, primeiro, visitar a colônia implantada na Lua, depois, diretamente do nosso satélite natural, iria visitar o primeiro núcleo de povoamento humano de marte. Coisas que antes ele só imaginara em ficção, agora aconteciam frente a seus olhos. Em trezentos anos de socialismo a humanidade se aperfeiçoara muito. Livre da expropriação privada do produto do trabalho socializado, o produto de todo o esforço humano servia agora para aperfeiçoar a humanidade cultural e tecnologicamente. Conseguiram, com o passar dos anos, criar formas de energia bem mais limpas. Não havia mais eletricidade por queima de carvão e petróleo. O desperdício era tenazmente controlado nas casas modernamente projetadas com seus processadores centrais. Quase a totalidade da energia elétrica vinha do própria sol, aproveitando não só o seu calor, mas mesmo suas ondas eletromagnéticas para transformá-las na energia que iria mover desde os trens, até as indústrias e as casas. Era muito usada também a energia elétrica vinda da forças eólica e hidráulica.
Também havia a energia gerada pelas usinas atômicas. Havia um novo tipo de cisão nuclear, limpo a partir do hidrogênio, não havia subprodutos, o antes chamado lixo tóxico nuclear.
Para as viagens espaciais, além da energia conseguida através de motores à explosão compostos por mecanismos poderosíssimos, havia se descoberto o uso dos campos gravitacionais dos corpos celestes, como força de atração e propulsão das naves, o que conferia uma velocidade inacreditável para as viagens. Uma viagem para a lua durava pouco mais de três horas, e para Marte não se levava mais que um mês.

Carla se divertia ao olhar nos olhos de Marcos a tensão diante da perspectiva de ir até a lua. Pegariam um ônibus espacial para a lua no aeroporto, como na época de Marcos se pegava um ônibus espacial. Para ir até a lua era necessário um passe, pois a procura era muito grande e excedia a oferta de visitação, o que não impedia que o ônibus espacial, que mais parecia com aqueles boeings antigos por sua capacidade, estivesse completamente lotado. Cerca de quatrocentas pessoas sairiam para visitar a lua por diversas questões, desde assuntos de trabalho até a exploração escolar. Dentro do ônibus Marcos não sentiu a tênue subida. Quando na terra, primeiro se fazia uma pequena subida vertical, e só depois de ganhar uma certa altura se usavam os motores de explosão. Com a evolução dos combustíveis não eram necessários mais os gigantescos tambores. Havia também postos de reabastecimento na órbita da terra, na lua, e espalhados pelos sistema solar, pois as viagens de exploração se tornaram freqüentes, muitas sem tripulação. O conhecimento do universo se expandira.
Agora já se sabia que eram 11, e não nove como se acreditava, ou dez como se suspeitava, os planetas do sistema solar. A teoria do Big Ban, ou grande explosão caíra no completo descrédito. Cada vez se comprovava a suspeita filosófica de que, Primeiro: O Universo era infinito. Sendo assim, como poderia caber numa única massa de matéria, por mais atrativa que esta fosse? Seria impossível atrair o infinito! e por mais que ela conseguisse concentrar uma quantidade imensa de matéria, ainda haveria infinitesimais matéria e espaço além desta massa concentrada; Segundo: O universo não tinha começo, nem fim. Portanto existira desde sempre e para toda a eternidade. Os planetas, as estrelas, os sistemas, as galáxias, todos morremos, mas sempre há algo nascendo em algum canto do universo, num eterno construir e desconstruir; Terceiro: Porque uma bolinha de matéria altamente concentrada e em equilíbrio, um dia perdeu este equilíbrio e resolve explodir? Ficou de saco cheio? Cansou de não ter com quem bater papo... Perdeu a paciência com seu time há dez séculos na fila... Era tricolor e perdeu a cabeça com o rebaixamento para a terceirona? Estava com TPM? Uma hipótese física que parecia, à atual geração do século XXIII, tão ridícula quanto, era para a do século XX, a discussão do sexo dos anjos em Bizâncio.

Inclusive filosoficamente o big bang era absurdo. O que é infinito é infinito ad eternum. Do finito não se pode criar o infinito. Se algo teve um princípio, um primeiro motor, uma explosão, o que havia antes disto? O nada? Do nada não pode surgir coisa alguma. Ora, se sempre, eternamente existiu uma bola concentrada de toda massa do universo, estável, que razão a faria desestabilizar? Na verdade o big bang não passava de um disfarce físico da teoria do primeiro motor, deísta, que concebia o universo criado por um ser inteligente, que teria sido a causa inicial de tudo que existe. Então, do nada (e não do infinito) surgiriam as infinidades de coisas finitas e divisíveis. Como algo poderia surgir do nada? A esta dificuldade os deístas respondiam que a limitação de nossa visão do mundo não nos permitia conceber todos os atributos da divindidade, do primeiro motor, de Deus.
Em conclusão, o Big Bang não passou de um disfarce pseudo-científico, de uma reapropriação da teoria da criação (desacreditada por conta do darwinismo, pela descoberta das nebulosas, etc) pela igreja através de uma hipótese físico-matemática absurda.
Ou seja, em lugar de avançar na busca científica das razões do universo, o big bang retrocedia em relação à hipóteses deísta, tentava explicar de maneira simplista, algo para ser entendido de forma continuada, por um esforço lento, gradual e eterno das ciências da natureza, que dialética e portanto contraditória e complexamente, colocavam sempre novas questões a cada descoberta feita. O big bang, com sua base mecanicista, deísta e reacionária tentava elucidar de maneira simples uma questão para qual não há e nem haverá resposta teórica satisfatória, o do momento da criação do universo conhecido
O conceito de universo agora era mais abrangente, era o que no século XXI chamava-se de multi universo. Vários planos cósmicos coexistindo pelo infinito: uns sendo criados, outros sucumbindo. A energia que ia sendo espargida em um plano se concentrado no imediatamente próximo e ocasionando e impulsionando o nascimento de um novo plano universal. Assim, o que antes se pensava que era o começo de todo o universo, o big bang, não era nada mais do que o início de um dos planos universais. Como um reta numérica matemática, onde, por mais que se adicione ou se subtraia, sempre haverá um campo mais à esquerda, ou mais à direita, assim é o plano da existência universal. Existindo sempre, sem princípio e sem fim. O fim e o início dentro do universo só podem ser compreendidos dentro de um plano extremamente limitado.
Para comparar é como se olhássemos para a vida deste organismo chamado terra. A vida de um homem é um momento único, especial, mas apenas uma parte da existência extremamente multi-diversa do planeta. Cada plano do universo infinito, cada Auniverso@ do multi universo é apenas um momento, um átomo do infinito corpo cósmico, matéria fluida que através de leis rígidas do caos retira organização complexa para criar desde a matéria inanimada e atmosfera até a vida e a consciência (produto superior de bilhões de anos de evolução).

Marcos estava fascinado... Sua primeira experiência no espaço. Que sensação diferente... De realmente ser algo muito maior que um plano pequeno e limitado. A sensação do infinito, complexo, radiante, contínuo, magistral, matemático, quase musical. Carla explicava que a concepção do Astronauta havia desbancado a do cowboy na terra. Ele pediu que ela explicasse.
Antes da revolução havia duas concepções de modus vivendi. A do cowboy. O que exaure a terra. Que vê a terra como uma lata de lixo. Que atira nos búfalos, que envenena os rios, que tudo suga e quer transformar em ouro e lucro. Que acha que a terra é algo inanimado e morto e que seus recursos são inexauríveis. Esta a concepção capitalista. A outra, a do astronauta, que sabe que está numa nave espacial em alta velocidade viajando pelo universo. Que dispõe de recursos limitados e que deve preserva-los e que sabe também que esta nave é muito especial. Gaia, Pacera, mãe terra (esta a comunista).. Ele necessita de seus companheiros de viagem e sabe que seus companheiros de viagem são átomos componentes desta mesma terra viva e que, portanto, ao ferir, agredir, qualquer um dos companheiros de sua missão no universo, sejam estes companheiros aves, rios, árvores, ar, mamíferos, ou mesmo um outro homem, este astronauta fere a si mesmo. E pode morrer infeccionado, envenenado por suas próprias agressões que criam feridas que podem ser incuráveis. Hoje a terra está sendo muito bem tratada, como mãe, como útero fecundo e límpido. Finalmente levamos a sério o aviso ditado pelo cacique Nicarágua a quase meio século atrás:
AQuando houverem matado o último pássaro, envenenado o último rio, derrubado a última árvore, aí, então, verás que o dinheiro não se come.@

A nave chegou a seu pouso na Lua. Marcos parecia uma criança num parque de diversão. Primeiro visitou a colônia de moradores que fora implantada, uma mini Terra em redoma com ar, árvores, água. Usada para a exploração da lua, através dela se descobriram séries de novos componentes químicos, inclusive metais não existentes na terra, com eles progressos científicos foram conseguidos na astronomia e medicina. Depois, ele, como só em seus sonhos mais audazes pensara, teve permissão de pisar na área não habitada da lua, acompanhado por astronautas experientes, em algo que estava mais para farra de meninos do que para experiência científica, tal a alegria daqueles homens transformados em crianças ao brincar nas crateras lunares.



Capítulo VII

Um novo dia e coisas inéditas misturadas a antigas se evidenciavam a Marcos. Como era Portelense, após ter feito uma visita à Mangueira, pedira a Carla para que eles fossem à Portela. Reconhecer Madureira foi fácil, continuava muito parecida ao que era no século de Marcos; só que mais arborizada, mais limpa, mais bela, todavia, continuava a ser a Capital do Samba. Primeiro uma passada rápida no Império Serrano, uma das grandes raízes da cultura carioca e brasileira, Império, do jongo na Serrinha (agora um bairro completamente urbanizado). As tradições culturais recuperadas. O jongo se jogava agora também dentro da quadra da escola, meninas belas, novas, sem nenhuma vergonha de suas raízes, aprendiam as danças, músicas e línguas da mãe África, grande matriarca de nosso samba. Lindos painéis de Silas de Oliveira, Mano Décio e Dona Ivone Lara faziam da quadra um verdadeiro altar, onde todos tocavam e sambavam. O samba de quadra havia renascido, a escola não mais vivia em função simplesmente do desfile, novos compositores continuavam o talento dos predecessores compondo sambas inesquecíveis, como o Bum Bum Paticumbum Prucurundum de Beto sem Braço e Aluísio Machado...
AEnfentei, eu enfeitei...
Meu coração, de confetes e serpentinas
Minha mente se fez menina
Num mundo de recordação.
Abracei a coroa imperial
Fiz meu carnaval
Extravasando toda a minha emoção.
Oh, Praça Onze, tu és imortal!
Teus braços embalaram o samba. A tua apoteose é triunfal.@
Marcos ficara encantado, chorinho, samba, jongo, muita sonoridade e poesia, as crianças sabiam de cor as músicas e cantavam pérolas de Ivone Lara ou de Silas de Oliveira e Mano Décio, de mais de dois séculos:

AVejam esta maravilha de cenário
É um episódio relicário
Que o artista, num sonho genial
Escolheu para este carnaval.
E o asfalto como passarela será a tela do Brasil em forma de aquarela...@
Ou, dela ainda:
ATristeza rolou dos meus olhos de um jeito que eu não queria
E manchou meu coração
Que tamanha covardia
Afivelaram meu peito
Para eu deixar de te amar
Acinzentaram minh´alma
Mas não cegaram o olhar...@
Obras primas maravilhosas se sucediam. Todos boquiabertos da poesia que, jorrava sem limites. Harmonia, melodia, uma revivescência do samba após a revalorização da brasilidade advinda da libertação do Colonialismo Cultural disfarçado de Globalização.
Após a visita ao maravilhoso Império eles foram ver a Velha e belíssima Águia Portelense. Passaram na quadra, um lindo painel com imagens maravilhosas de Clara Nunes, de Paulo César Pinheiro, de Paulinho da Viola, de Candeia, de Paulo da Portela, de Monarco, de João Nogueira, de Marquinhos de Osvaldo Cruz, de Surica, de Argemiro, de Manacea, de Noca da Portela, de Marçal, de Paulo César Pinheiro, todos maravilhosos portelenses que floriram magicamente a cultura do país, pesquisando nossas raízes, liberando nossa alma no cantar, tecendo um canto coletivo belo que refletia a essência do ser brasileiro, como neste samba de David Correa e Jorge Machado:
ADeixa me encantar como todo o seu
Te revelar, la-la-laiá
O que vai acontecer nesta noite de esplendor
O mar subiu a linha do horizonte
Desaguando como fonte

Ao vento a ilusão teceu@
Ou, de Paulinho da Viola:
ASe um dia, meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração tem mania de amor.
Amor não é fácil de achara
As marcas do meu desengano ficou, ficou
Só um amor pode apagar...
Portela, Portela, o samba fazendo alvorada meu coração conquistou
A minha Portela, quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir aquele azul
Não era do céu, nem era do mar
Foi um Rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar...@
Ou, ainda, de Marquinhos de Osvaldo Cruz::
AEu digo e repito que eu não acredito
Que o samba esteja perdendo a sua tradição
Nem de perto isto é fato, é mero boato intriga da oposição
E para defender o samba que tanto seduz
Existe um poderio em Osvaldo Cruz...
Paulo está lá no céu de sentinela
E aqui embaixo a Velha Guarda da Portela...@

Já na quadra da Velha Guarda, estes e outros sambas candidamente eram entoados pelas pastoras e bambas diversos, muito gingado, muitas histórias. Parecia que realmente um azul melífluo estava no ar tocado e espraiado pelas notas musicais. Uma escola feita de poetas tão inúmeros e tão diversos, como se fala num samba: antigo terreiro de bambas onde todos ouviam o verdadeiro samba. Um celeiro contínuo, criadouro de poesia e história linda, águia altaneira do carnaval do Rio, belíssima a desfilar não só na Sapucaí, mas agora e sempre, desfilando pelas ruas de Madureira.
Aliás, o carnaval fora resgatado. Além da recuperação das escolas como celeiros de samba B locais onde eram feitos, tocados e cantados sambas o ano inteiro, onde se ia aprender os sambas desde seu nascedouro, seu berço, desde Ismael, Donga, Ataulfo, Noel, Vadico, Paulo da Portela B os blocos de animação foram recuperados: Cacique de Ramos, Bafo da Onça, Boêmios de Irajá. As grandes sociedades renasceram, Bola Preta, Magnatas, Democráticos, etc. Carnaval de rua não só com samba, mas a recuperação da marchinha e até da marcha rancho, confetes, serpentina, ruas tomadas, alegria sem violência. O que um dia fora um sonho de carnaval, agora era a realidade da festa nacional, linda, única, rica, multi-diversa, como do filme Orfeu, de Marcel Camus, da obra de Vinícius.
O carnaval carioca renascera, não era mais apenas uma festa relegada à Sapucaí, em todos os bairros: coretos, blocos de sujo, bate-bolas, muito colorido, muitas baterias, as famílias pela rua, toda a essência da cultura popular numa prisma multicor e de sonoridade ímpar, de Santa Cruz à Ipanema, do Méier à Barra, de Olaria a Copacabana, a cidade estava tomada pelo samba, cantava-se esta pérola de Nélson Sargento
ASamba agoniza mas não morre
Alguém sempre te socorre
Antes do suspiro derradeiro.
Samba, negro forte destemido
Foi duramente perseguido
Nas esquinas, nos botequins, nos terreiros...@
Agora este negro traquina estava solto feliz e loucamente ladino pela sua cidade. Via um povo recuperado de seu complexo de inferioridade e que agora podia dar ao mundo o espetáculo único desta festa artística maravilhosa, encontro das três raças.
Marcos saiu sambando pela quadra da Velha Guarda:
AE lá vou eu pela imensidão do mar

Esta onda que corta a avenida de espuma me arrasta a sambar!!!!!@



Capítulo VIII

AMarcado pela própria natureza o nordeste do meu Brasil,
Oh, solitário Sertão
De Sofrimento e Solidão
A terra é seca, mal se pode cultivar.
Morrem as plantas e foge o ar.
A vida é triste neste lugar...@
Um samba antigo ecoava na cabeça de Marcos. Uma viagem pelo nordeste, terra outrora só de sofrimento. De coronelismo, indústria da seca, exploração sem fim, fanatismo religioso, fome, pobreza extrema, de vida sem alegria, murcha caatiguenta. Homens vazios de sua humanidade, perdidos na sua miséria.
Os olhos de Marcos brilhavam, outro era o nordeste. Livres da monocultura e do latifúndio, as terras antes pertencentes às usinas, aos grandes coronéis, ao pasto de gado e às multinacionais de frutas, agora pertenciam ao povo nordestino. Nada daquele espetáculo diabólico de homens com pernas tortas, cabeças enormes, peitos de pombo, inchados pela hidropsia. Nem viúvas da seca, vivendo com suas dezenas de filhos morto-vivos à espera dos maridos que embarcavam sem volta para o sul. A terra estava lavrada e cultivada. A Zona da Mata aumentara de tamanho e formosura. Boa parte da mata Atlântica fora replantada e ela avançava agora por sobre regiões antes desérticas.

Carla explica a Marcos que uma das primeiras providências que o governo revolucionário brasileiro fizera fora a transposição das águas do Araguaia para o São Francisco. Daí, uma rede intricada de canais garantia a perenidade das águas durante todo o ano. Também foi utilizado a tecnologia para prospecção de petróleo no fundo do oceano para retirar água de vários lençóis freáticos nordestinos. O ciclo da água no nordeste fora refeito, o reflorestamento aliado a irrigação tornou o ciclo da chuva, que se contava por anos, agora menos espaçado, raramente se ficava muitos meses sem chuva. Não se dependia mais apenas das massas de ar vindas do litoral que conseguiam transpor a barreira das serras, a evaporação dos Rios e canais, agora torrenciais, transformara o clima da região. A área semi-desértica da caatinga diminuíra de tamanho e o Nordeste se transformou no celeiro do Brasil. Seus habitantes eram em sua maioria agricultores abastados (não coronéis latifundiários). Como na música, na poesia mais sonhadora do cordel, o sertão tinha virado um mar, um mar de felicidade. O Movimento dos Sem Terra, heróica organização camponesa, de resistência e luta por uma sociedade socialista, sem exploração, fora responsável direta, ao organizar os pobres do campo no nordeste brasileiro, pelo fim do latifúndio. Com milhares de mártires, posto que o latifúndio, como um escorpião ferido, não se deixou morrer sem provocar dor e destruição, o movimento foi tomando forma, corpo, varrendo como um furacão a propriedade da terra e da água para alguns poucos que era a fonte da indústria da seca no nordeste. Os ruralistas, que pensavam-se uma força maior do que a dos trabalhadores que exploravam, que iludiam-se, achando-se necessários a manutenção de seus escravos, foram vencidos e viram, de forma paradoxal a libertação de seus escravos ser também a libertação de toda a sociedade da prisão, do invólucro, da forma valor no campo, da produção destinada pura e simplesmente para reproduzir valor para mercados distantes. Com a nova organização comunitária comunista, basicamente a produção era destinada a alimentar a sociedade auto-gestionária organizada em comunas, e só o excedente virava fundo de reserva ou era intercambiado com outras comunidades auto-gestionárias. Não só no Nordeste, mas em todo o Brasil, e em todo o mundo livre comunista, a produção não voltada para o lucro, não provocava o desperdício, a miséria na abundância, a exploração da terra vinculada a um Mercado que como uma mão invisível podia levar uma região inteira a desertificação, simplesmente porque era lucrativo produzir determinado produto ali, ainda que o prejuízo ecológico de tal prática fosse incomensurável. Esta prática, autoritária, de controle externo, alienante do controle da comunidade sobre a produção, fora banida com a nova forma de controle sócio metabólico, auto-gestionário da produção.

Foram até Exu, a cidade natal de Luiz Gonzaga. Árvores frutíferas de diversos tipos por toda estrada. Meninos lambendo mangas, cajás, graviolas, correndo descalços pela natureza em redor. Crianças gordas, bem nutridas, sem dentes cariados. Na cidade uma estátua para um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos e um museu para o Rei do Baião. Havia vários espetáculos de música pela cidade, que se especializara em difundir a cultura musical nordestina pelo mundo. Uma espécie de Conservatória do Nordeste, só que, em lugar de seresta, tocava-se xote, maracatu e baião. Lá além de toda a genialidade de Luís Gonzaga, ficara registrado numa espécie de Memorial da música nordestina, todo a magistralidade de Zé Dantas, Humberto Teixeira, Quinteto Violado, Jackson do Pandeiro, Geraldinho Azevedo, Manuelzinho Araújo, etc.
Ele lembrou de um trecho:
A Lá no meu pé de serra, deixei ficar meu coração,
Ai que saudade tenho,
Eu vou voltar lá pro sertão...@
A poesia única deste grande gênio agora era finalmente reconhecida. Sua musicalidade inata e instintiva estudada e glorificada. As crianças que eles observavam só se pareciam aos nordestinos de outrora pelos trejeitos e falares, nada da aparência raquítica. Todos tinham um que de campônios gordos, o jeito de andar calmo e o olhar de quem tem todo o tempo a viver mansamente. Também a musicalidade e a poesia própria do nordestino. Viam-se desafios na praça, de poesia e música. Esmerava-se em se exibir o conhecimento de sua herança.
No museu Gonzaga havia um espaço reservado a Patativa do Assaré. A visão dura e direta daquele poeta de todos os males e de todas as esperanças nordestinas era venerada. Os males foram vencidos. O domínio dos coronéis, a Indústria da seca, a fome, a retirada, as pragas advindas da miséria, o analfabetismo. As esperanças, agora, eram realidade doce de ser cantada.
Noite caiu, Marcos e Carla sentados num bando da praça, aparece um violão, uma jovem bela, solitária e cantadora começa a versejar para eles a bela canção de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco (ela devia imaginar que eram um casal de namorados):
ANão há, oh gente, oh não, luar como este do sertão...
Ai que saudade do luar da minha terra lá na serra branquejando.
Folhas secas pelo chão.
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão...@

E na verdade o luar era um espetáculo de per si. Parecia que todas as estrelas do universo vieram ali para aquela praça para escutar a jovem cantadora entoar Catulo da Paixão Cearense. As miríades de estrelas que estavam no céu davam as mãos e valsavam na melodia. Marcos e Carla sem sequer notar encostaram a cabeça e ficaram a suspirar aquela poesia eterna...
ASe a lua nasce por detrás da verde mata.
Mas parece um sol de prata a pratear a solidão.
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração...@


Capítulo IX

Marcos fora convidado para ir até a Palestina, agora livre e múltipla, como gerações de pacifistas sonharam. Com o fim do capitalismo, acabou-se o imperialismo norte-americano. Israel deixou de ser um ponta de lança militar estratégico para o pentágono e, sem a exploração do homem pelo homem, sem miséria material e, conseqüentemente espiritual, árabes e judeus puderam enfim conviver pacificamente na mesma região.
Bastante modificada pelo modo de produção comunista, florida, com um clima mais ameno, com águas abundantes, até os costumes se transformaram. A escravidão da mulher no islamismo foi completamente abolida. Todas as barreiras à realização sexual plena das mulheres foram abolidas. Não havia mais punições severas para o adultério porque, simplesmente, na nova sociedade comunista, os costumes eram completamente distintos. Homens e mulheres não eram propriedades um do outro, quando se aproximavam, namoravam, flertavam ou transavam o faziam por puro interesse, paixão, amor. Não havia outros móveis materiais que os compelissem a uma atitude hipócrita e dissimulada, devido ao interesse material oculto por trás dos casamentos da sociedade de classes.
Cristãos, Judeus, Ortodoxos, Budistas, Ateus. Todos os praticantes de qualquer fé e os materialistas dialéticos (em enorme número) praticavam de uma ética de respeito mútuo e tolerância extrema. Na verdade todas as religiões evoluíram deveras. Com o progresso material e espiritual imenso da sociedade comunista as práticas supersticiosas foram abandonadas. Ninguém mais acreditavas em tarólogos, numerólogos, astrológos e outras excrecências putrefatas da sociedade capitalista. A religião também não era mais usada para submeter a mulher ou para mortificar o corpo e negar a sexualidade. Os padres casavam e se separavam com facilidade. Era considerado pecado um homem e uma mulher viverem simplesmente por uma convenção social, sem amor, sem desejo. O desejo, ao contrário do que previu Freud demonstrou que não era incompatível com a civilização, desde que esta civilização tivesse resolvido seus problemas basilares, a fome e a exploração do homem pelo homem.

Na nova sociedade não havia nenhuma forma de escravidão. Nem assalariada, nem sexual, nem da ignorância.
Marcos passeava de mãos dadas pela bela Jerusalém, agora um centro ecumênico e cultural onde Judeus dançavam de mãos dadas com muçulmanos, e se sentia revigorado vendo acontecer na sua frente, na terra, uma verdadeira versão do paraíso. É claro que a dor ainda existia. A morte jamais seria vencida. Perdiam-se familiares queridos, um dia a vida se exauria. Mas, comparada com a incerteza e a dor que existia faz pouco tempo na Terra, viver tinha um sentido completo, pois cada vida humana existia para cada vez mais tornar a aventura da humanidade na Terra um concerto belíssimo, onde a infância dolorosa da flor enganou aqueles que não conseguiram enxergar no gérmen seu maravilhoso futuro desabrochar.
O comunismo assim se via no seu sentido filósofico mais profundo, como previra Marx em seus escritos mais hegelianos: dentro do sistema comunitário se dava a reapropriação da essência humana. Se no capitalismo a vida do homem estava alienada e só começava depois do expediente de trabalho, na sociedade de livres produtores o homem realizava sua essência o tempo todo, trabalhando para a sua própria felicidade. Numa sociedade assim liberta não havia contradição insolúvel entre a individualidade e a coletividade e o homem se realizava dentro da sua reprodução diária, dentro do seu processo de se recriar homem, sem nenhuma forma de alienação.
Marcos sentia o pulsar deste novo mundo como um sonho incrível, como se fosse Alice no País das Maravilhas, só que, sua companheira de viagem, Carla, era muito mais interessante que o coelho branco. A mão dela em suas mãos não era um devaneio, nem o desejo ardente que ele sentia por sua preceptora. Ele não sabia como agir, pois estava revendo todas suas posições e, embora fosse um homem maduro e experiente, era como se voltasse a sua adolescência e, desta maneira, não soubesse nem por onde começar para seduzir sua paixão.

Sua viagem a palestina serviu-o para lembrar que, se o homem havia mudado muito em trezentos anos, o amor continuava eterno e irresistível, a força que faz o mundo girar em redor do sol e razão maior que faz valer a pena respirar e acordar para ver o sol brilhar apaixonado pela terra, dia após dia. Seus raios são os carinhos intrépidos de amante com o qual ele copula com esta bela jovem azul e nua.
Na lembrança de Marcos, todavia, havia muito sangue. A violência sem fim do Imperialismo Anglo-americano, que na busca do controle direto sobre o petróleo e da hegemonia militar mundial, construíram uma máquina de guerra, de terrorismo de Estado, oficial, que custava trilhões de dólares, num inimaginável gasto absurdo dos recursos da terra e a morte prematura de milhões de pessoas em países artificialmente divididos pelo Imperialismo e controlados de forma direta, ou indiretamente através da chantagem econômica da dívida (com a instalação de indústrias transnacionais para sangria de recursos além mar) pelo truste do petróleo com sua polícia de guerra genocida Ianque.
O petróleo, que fedia a sangue, cada barril significava a dor, a morte, a miséria, a guerra, a dominação. Um holocausto na história da humanidade (de gente e da natureza) no trono de Manon, o grande Deus Dinheiro. Guerras e invasões fascistas, como a Guerra do Golfo de Bush filho, assentadas numa bestial e racista idéia de predomínio ocidental.
A revolução comunista mundial acabara para sempre com a máquina de guerra fascista e imperialista, assim libertara os povos do oriente, que agora brindavam a humanidade com sua infinita riqueza cultural. Sem intolerâncias e sem fundamentalismos, um islamismo renovado, numa nova sociedade auto-gestionária comunista, livre de amos, recebeu um influxo cultural parecido com o da Teologia da Libertação católica. Todas as religiões pregavam a tolerância mútua, todas, católica, evangélica, muçulmana, budista, animista, todas estavam livres da xenofobia e da idéia de Destino Manifesto (de que um povo era destinado a Deus, a despeito dos outros, então destituídos da graça). Todas, sobre a base da tolerância mútua e da auto-determinação de todos os povos pregavam uma idéia ecumênica de que todas as religiões buscavam uma mesma religação com a divindade, em que pese a diferença de cor, língua ou credos.

Nem no islã, nem no judaísmo havia agora qualquer pregação de ódio mútuo. Judeus e muçulmanos comungavam em festas e procedimentos religiosos comuns e seus filhos casavam-se entre si, sem nenhuma barreira. Seus filhos estudavam em escolas comuns por todo território do Oriente Médio, aprendendo a máxima de que, independente da religião, somos todos irmãos e iguais.
Marcos estava boquiaberto... O fim do Capital, da relação autoritária de extração de valor do ser humano, da propriedade privada dos meios de produção, fizera-se uma revolução moral na sociedade. O fim do derramamento de sangue, a transformação de todos os homens em irmãos, apesar das diferenças a comunhão, o comungar, o comer junto, vendo-se iguais nos traços que nos distinguem. O celebrar contínuo e ininterrupto da vida.



Capítulo X

Machu Pichu: poderosa alma de uma civilização amante de Pacera, mãe terra. Homens para os quais o tempo não significa dinheiro, era um Deus sagrado, a bela aventura da vida. Monumento de pedra a grandeza de nossa América. Nele vagam as almas de todos os amantes apaixonados por estas selvas nossas. América, agora liberta e única. Tu és nação, povo único. Todos os latino-americanos: argentinos, bolivianos, peruanos, mexicanos, brasileiros, chilenos, agora perguntados por sua nação não mais respondem dizendo: argentino, boliviano, mexicano, brasileiro, chileno. Agora respondem em uníssono. Sou americano. Filho do ideal de Bolivar.
Latinos, todos nós: Mestiços, miríade de misturas: negros de olhos verdes, loiros com lábios grossos e cabelos pixaim, morenos de face indígena. Um único povo de mesmo sangue e de passado comum.
Mãe América: invadida, explorada, devastada, roubada, alienada, prostrada, submetida, enfim chegou tua liberdade. Teus mártires jamais serão esquecidos. América de Fidel, de Che, de Bolívar, de San Martim, de Che, de Tupac Amaru, de Manoela Sanz e das mulheres guerrilheiras de todos os séculos, de Antonio Vieira, de Bartolomeu de las Casas e dos jesuítas que morreram junto dos índios; dos montoneros, de José Marti, dos guerrilheiros negros do Haiti, de Zumbi, de Canudos e Contestado. América do Capitão Prestes do Brasil e dos jovens assassinados pela ditadura fascista de 64.
Tua face um dia foi a face macerada do Che fuzilado, a face da revolução vencida. Crianças famintas, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, nordeste, haiti, favelas, barrios, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, Argentina, Brasil, Peru, Andes, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome, fome. Entretanto, em algumas mesas, fartura. O pão mal dividido. Tuas terras sangradas, entregues a coronéis, a criollos, e aos bancos e multinacionais.

Muita dor, choro. Políticos corruptos, os maiores bandidos da tua história combinando teu repasto. Vampiros que sugavam do povo todo o sangue e ainda assim conseguiam viver. Homens sem alma, clones vendidos ao amo formados na Soborne, em Washington, em Oxford. Gabarolas empertigados cheios de citações tecnocratas em inglês.
Que passado o teu, América! Que passado dolorido e sangrento. Tuas crianças vagavam na rua! Na fome, no frio, na desventura, um poeta denunciava:
- Há uma criança na rua! E que denúncia dolorosa era esta. Porque esta criança não brincava na rua. Vagava como um cão vira-lata disputando a comida com os ratos. Roubando, cheirando cola de sapateiro, sendo assassinados. Esta era a tragédia diária de uma terra riquíssima que negava o pão a seus filhos e proteção a sua infância. Triste infância da América de passado tão dolorida na calçada fria, dormindo na intempérie. Hoje a liberdade que colhemos de tuas terras teve como regadio o sangue de teus melhores filhos, aqueles que deram sua vida para que a vida das crianças das novas gerações não tivesse como berço a calçada fria das ruas.
América livre, alma de minha alma, criadora do meu espírito. Nós irmãos americanos rompemos nossas barreiras e agora o olho mestiço de nosso irmão é o espelho onde nos refletimos e resgatamos nossa alma.
Esta América livre, legada pela Revolução Cubana, pela Revolução Colombiana, pela Revolução Brasileira, pela Revolução Argentina e Chilena, pela luta de libertação latino-americana contra o imperialismo, que foi unindo cada elo de uma cadeia insurgente inquebrantável que legou ao mundo uma nova América.

Paradoxalmente, a libertação da América Latina foi também a libertação dos EUA. A revolução latino-americana levou ao fim o Imperialismo Norte Americano. Hoje os ianques também faziam parte do conselho de iguais da América. Estavam livres de todos os bandidos que comandavam sua terra durante o Século XX: os bandidos da indústria armamentista, os sangüinários assassinos da CIA que semearam mais de 500 mil mortes pelo mundo, os políticos fascistas como Bush que transformaram o Estado numa arma de terror mortal, os mafiosos que faziam parte escancaradamente do sistema de poder ianque. Livres dos bancos que financiavam a miséria dos outros povos e as guerras insanas. Estes mesmos bancos que financiavam o narcotráfico e lucravam fábulas lavando o dinheiro e ficando com a maior parte do lucro. Os Estados Unidos Socialistas da América agora tinha acabado em definitivo com o racismo. Duzentos anos de trabalho político-sexual propiciaram uma miscigenação parecida com a do resto da América Latina. A Doutrina Monroe foi desmentida e transformada na Doutrina Bolivariana, a América para todos os povos, como mãe carinhosa de povos iguais.
No monumento à unidade latino Americana, duas mulheres maravilhosas se destacavam. Deusas mãe da consciência musical de nossos povos: Violeta Parra e Mercedes Sosa. O sonho delas, de unidade, de respeito às diferenças, de manutenção das culturas, de respeito a diversidade do modo de vida, agora era a realidade palpável de todos os dias. Numa terra transformada e igual, finalmente se podia cantar com liberdade:
AGracias a la vida
Que me ha dado tanto
Me dío dos luceros
Que cuando los abro
Perfecto distingo
El negro del blanco...@
Dentro do monumento Carla e Marcos viram uma série de homenagens. Painéis, quadros, videotecas, todos vistos como herança cultural de um povo único (americano!): Glauber Rocha, Leon Hirzman, Chico Buarque, Darci Ribeiro, Pablo Milanez, Gabriel Garcia Marques, Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Júlio Cortazar, Mercedes Sosa, Allendes (Salvador e Isabela), Castro Alves, Frei Betto, Leonardo Boff, Hene de Bonafani, Rigoberta Michu, Eduardo Galeano e milhares de outros. Tudo num incrível calidoscópio desta imensa terra de fazer gênios e lutadores chamada América.
Com um profundo silêncio religioso, Carla e Marcos escutaram de uma jovem inca a homenagem a Violeta Parra:

Defesa de Violeta Parra
de Nicanor Parra

Doce Vizinha da Verde Selva
Hóspede eterna do abril florido

Grande inimiga da zarzamora
Violeta Parra.

Jardineira
............. artesã
....................... costureira
Bailarina da água transparente
Árvore cheia de pássaros cantores
Violeta Parra.

Percorreste toda a comarca
Desenterrando cántaros de argila
E liberando pássaros cativos
Entre as ramas.

Preocupada sempre com os outros
Quando não com o sobrinho
................................. com a tia
Quando vais a lembrar-te de ti mesma?
Viola piedosa.

Tua dor é um círculo infinito
Que não começa nem termina nunca
Pero tu te sobrepões a tudo
Viola admirável.
Quando se trata de bailar a cuenca
De teu violão não se livra ninguém
Até os mortos saem a dançar
Cuenca valseada.

Cuenca da Batalha de Maipú
Cuenca do Naufrágio do Angamos
Cuenca do Terremoto de Chillán
Todas as cosas.

Nem cavaquinho
................. nem tenca
............................... nem pardal
Nem codorna livre ou cativa
Tu
somente tu
................... três vezes tu
....................................... Ave do paraíso terrena.

Charagüilla, gaivota de água doce
Todos os adjetivos se fazem poucos
Todos os substantivos se fazem poucos
Para denominar-te.

Poesia
.......... pintura
...................... agricultura
Tudo dominas a mil maravilhas
Sem o menor esforço
Como quem bebe uma taça de vinho.

Entretanto os secretários não te querem
E fecham a porta de tua casa.
E te declaram a guerra até a morte.

Viola dolorosa.

Porque tu não te fantasias de palhaço
Porque tu não pode ser comprada ou vendida
Porque falas a língua da terra
Viola chilensis.

Porque tu desmacaras a eles no ato!

Como vão a querer-te?
............................... Pergunto-me
Quando não passam de tristes funcionários
Cinzentos e tristes como as pedras do deserto
Não te parece?

Em compensação tu!
..................... Violeta de los Andes!
Flor da cordilheira da costa!
És um manancial inesgotável
De vida humana.

Teu coração se abre cuando quer
Tua vontade se fecha cuando quer
E tu saúde navega quando quer
Remando contra a maré!!

Basta que tu os chame por seus nomes
Para que as cores e as formas
Levantem-se e andem como Lázaro

Em corpo e alma.

Ninguém pode queixar-se cuando tu
Cantas a meia ou quando gritas
como se a estivessem degolando
Viola vulcânica!

O que tem que fazer o promotor
É guardar um silencio religioso
Porque teu canto sabe aonde vai
Perfeitamente.

Raios são o que sai de tua voz
Até os quatro pontos cardeais
Vinicultora ardente de olhos negros
Violeta Parra.

Acusam-te disto e daquilo
Eu te conheço e digo quem és
Oh cordeirinho disfarçado de lobo!
Violeta Parra.

Eu te conheço bem
Velha irmã
Norte e sul do país atormentado
Valparaíso fundido para cima
(Ilha de Páscoa!

Sacristã de Andacollo

Tecedora a agulha e novelo
Mestre velha de anjinhos
Violeta Parra.
Os veteranos do Setenta e nove
Choram Quando te ouvem soluçar
No abismo da noite escura
Lâmpada de sangue!

Cozinheira
............. babá
....................... lavadeira
Menina prendada.
.................... todos os trabalhos
Todos los arrebóis do crepúsculo
Viola fúnebre.

Eu não sei o que dizer nesta hora
A cabeça da voltas e voltas
Como se eu tivesse bebido cicuta
Irmã minha!

Onde vou a encontrar outra Violeta?
Mesmo que eu percorra campos e cidades
Ou permaneça sentado no jardim
Como um inválido.

Para te ver melhor fecho os olhos
E retrocedo aos dias felizes
Sabes o que esto vendo?

Teu avental estampado.

Rio Cautín!
................. Lautaro!
.............................. Vila Alegre!
Ano de mil novecentos e vinte e sete
Violeta Parra!
Pero eu não confio nas palavras
Por que não te levantas da tumba
A cantar
............ a bailar
....................... a navegar
Em teu violão?

Canta-me uma canção inesquecível
Uma canção que não termine nunca
Uma canção, nada mais.
.............................. uma canção
É o que peço.

O que te custa mulher árvore florida?
Alça-te em corpo e alma do sepulcro
E faz estalar as pedras com tu voz
Violeta Parra

Isto é o que queria dizer-te
Continua tecendo teus arames
Teus ponchos araucanos
Teus cantarozinhos de Quinchamalí

Continua a polir noite e dia
Teus toromiros de madeira sagrada
Sem aflição
................... sem lágrimas inúteis
O se queres, com lágrimas ardentes
E recorda que és
Um cordeirinho disfarçado de lobo.@

- Conta-me sobre a libertação da América-Latina - Pediu Marcos à Carla.
- Você lia um poeta de sua época, João Cabral de Mello Neto? Você conheceu um poema dele que dizia que um galo só não faz uma amanhã? Do canto dele outros galos são acordados e o canto conjunto deles faz nascer o sol e ilumina o dia. Assim foi a libertação da América Latina. Na verdade um processo demorado e doloroso. Houve várias tentativas de libertá-la: Desde Bolivar, San Martin e José Marti, aos processos de insurreição dos escravos negros do Haiti, Tupac Amaru e a Revolução Inca até os processos revolucionários socialistas, iniciados no século XX e terminados somente no século XXI. - responde a moça e continua:
Tivemos tentativas de governos populares nacionalistas, como o de Vasco Alvarado no Peru, Balmaceda no Chile e por fim o assassinato cruel do socialista revolucionário Salvador Allende, página homérica da construção de nossa liberdade conhecida como 11 de Setembro Negro. O dia em que um homem em lugar de renunciar e salvar sua vida decidiu ter o mesmo destino que a fina flor do povo chileno. Defendeu o mandato que lhe foi democraticamente outorgado e morreu de armas na mão. A mensagem dele foi clara, é preferível morrer por uma causa justa do que morrer como escravo. Foi mais um da lista de milhões de assassinatos dessa aristocracia covarde que, aliada ao Imperialismo Norte-Americano, durante séculos, condenou a América Latina a mais vil escravidão.

- Todavia renasce José Marti, renasce Balmaceda, renasce Tupac Amaru, renasce Marti, renasce Alvarado, renascem todos os guerrilheiros da fome assassinados em El Salvador, Haiti, Brasil, Chile. E a América começa através de um doloroso parto a nascer como realidade bela, diáfana, única e soberana. Primeiro a vitoriosa Revolução Cubana, comandada por Fidel. este desafio ao Imperialismo a poucos quilômetros da fronteira do Império. Vilipendiada, estrangulada, bombardeada, boicotada, durante décadas, sobreviveu da força de seu povo, liberto da fome, da plantatión, da prostituição e depois dela vieram dezenas. Veio a derrotada revolução nicaragüense, por ter recuado diante das exigências do Império e tentar manter uma aparência de democratismo burguês. Derrotada pelo suborno de milhões de dólares foi um exemplo concreto de que o caminho revolucionário não devia recuar diante das exigências descabidas do Império. Que a verdadeira democracia só podia ser construída depois da abolição do latifúndio, da abolição da propriedade privada dos meios de produção que levavam a que um punhado de famílias controlassem a vida de milhões, donas das fábricas e dos meios de comunicação em aliança com as multinacionais. Seguindo o exemplo da revolução cubana o povo tomou o poder na Colômbia através das FARCs-ELP, acabando com aquele reinado de crimes da oligarquia referendado pelo tráfico de drogas.
- Hoje, sabe-se que o tráfico de drogas era controlado pela própria burguesia colombiana e pelos bancos americanos e europeus. A lavagem de todo o lucro do tráfico era feita completamente por eles e, assim, financiavam e ficavam com a maior parte do lucro do tráfico. O tráfico era um dos principais alicerces do sistema capitalista. Com a abolição do capitalismo, daquele modus vivendi onde o homem valia pelo que tinha, e não pelo que era, o tráfico foi extinto praticamente sem violência. Houve alguma repressão no início. Mas as suas bases de consolidação não existia mais. Com o fim do sistema financeiro internacional não havia mais onde lavar o dinheiro e foi extinta a principal forma de financiamento. O fim do tráfico de armas também minou completamente a força bélica do tráfico. As favelas ou barrios também foram completamente urbanizados. As pessoas não queriam mais arriscar sua vida, agora com um sentido e perspectiva, por uma carreira curta no tráfico. Do outro lado o consumo caia ano a ano. O socialismo fez com que o consumo de drogas se extinguisse. As lavouras de coca e maconha foram substituídas por fazendas comunistas de alimentos, fazendas com infra-estrutura excepcional, com escolas, tratores, agrônomos onde se produz intensivamente alimentação para todo povo. Não havia mais braços para trabalhar na lavoura da droga.

- Hoje o tráfico passou a ser apenas uma das escrufuloses que provam como era insano o sistema capitalista. Concomitantemente à Revolução Colombiana a revolução Bolivariana Venezuelana se transformou em socialista e se unificou com a revolução dos povos indígenas do Equador. Logo estes três países formaram a Confederação Bolivariana. A chama se estendeu para toda a América Latina. No Brasil uma grande revolução proletária varreu a oligarquia de norte a sul, extinguindo para sempre os politiqueiros parasitas, o latifúndio, os monopólios. Com a perda do Brasil, Colômbia, Equador e Venezuela a influência do Imperialismo Norte-Americano ficou extremamente reduzida. Os oligarcas da indústria de armas ainda tentaram mandar seu exército de conquista para a América, mas o efeito foi deletério, contrário. A presença das tropas norte-americanas no solo sul-americano provocou uma reação em cadeia. Logo o povo de Chile e Argentina se juntou aos povos de outros países. Substituíram seus governos fantoches de patrões por governos de trabalhadores e entraram na Confederação Bolivariana. Os mariners foram derrotados, não só pela reação popular mas pela convulsão interna contra mais esta aventura fascista sanguinária. Os países restantes, pacificamente juntaram-se a Confederação Bolivariana e formaram este país chamado América. Como um rastilho de pólvora, nos anos seguintes, os países da América Central, um a um, a começar pela Nicarágua e El Salvador foram derrubando suas oligarquias e os EUA ficaram sem uma única colônia econômica no resto da América Latina.
- Golpeada de morte, a aristocracia armamentista norte-americana começou a ser contestada por seu próprio povo. Sem os mecanismo de extorsão praticados contra o resto do continente, o povo norte-americano começou a se revoltar contra a pobreza e a exclusão social crescentes. Este foi o golpe final contra o sistema capitalista. Todo sistema social que não consegue reproduzir em condições decentes a vida material do homem está condenado à extinção. Tendo se manifestado em toda sua dimensão o capitalismo entrou em inexorável desintegração econômica. Cada nova Revolução era mais pacífica do que a anterior e, assim, a classe trabalhadora finalmente assumiu o poder em todo o mundo, acabando a sociedade de classes para todo o sempre. - Finalizou Carla.
- Impressionante! - responde maravilhado Carlos.

- Como eu era imbecil, na minha época, eu achava que a desigualdade provinha da natureza e que os homens tinham sido criados dotados de maior ou menor poder. Então, a exploração era algo que devia se perpetuar. Hoje eu vejo que isto não passava de um preconceito de classe e que, no fundo, eu só queria manter meus privilégios. Mas agradeço à vida por estar assistindo ao que a humanidade conseguiu construir. Eu jamais pensei na possibilidade de se criar uma sociedade sem criminalidade, sem pobreza, sem prostituição, sem discriminação e, ei-la! Aqui, na minha frente, a realidade maravilhosa de todo o planeta!
Marcos agora parara para observar mais uma inscrição, sobre a data colocada como símbolo de libertação da América, o 11 de Setembro, no Memorial à Liberdade Latino-Americana, que levava o nome de Salvador Allende, estava transcrito o seguinte:

Salvador Allende, 11/09/73 - Documentos Radiofônicos Por: Luiz Rio

7:55 A.M. RADIO CORPORACIÓN
Fala o Presidente da República desde o Palácio La Moneda. Informações confirmadas assinalam que um setor da Marinha haveria isolado Valparaíso e que a cidade estaria ocupada, o que significa um levantamento contra o Governo, do Governo legitimamente constituído, do Governo amparado pela lei e pela vontade do cidadão.
Nestas circunstâncias, chamo a todos os trabalhadores. Que ocupem seus postos de trabalho, que acorram a suas fábricas, que mantenham a calma e a serenidade. Até este momento em Santiago não se produziu nenhum movimento extraordinário de tropas e, segundo me informaram o chefe da Guarnição Santiago estaria aquartelada e normal.
Em todo caso, eu estou aqui, no Palácio de Governo e ficarei aqui defendendo ao Governo que represento por vontade do povo.
Desejo que essencialmente os trabalhadores estejam atentos, vigilantes e que evitem provocações.
Como primeira etapa temos que ver a resposta, que espero seja positiva, dos soldados da Pátria, que tinham jurado defender o regime estabelecido que é a expressão da vontade cidadã, e que cumprirão com a doutrina que prestigiou ao Chile e lhe prestigia o profissionalismo das Forças Armadas.

Nestas circunstâncias, tenho a certeza que os soldados saberão cumprir com sua obrigação. De todas as maneiras, o povo e todos os trabalhadores, fundamentalmente devem estar mobilizados ativamente, porém em seus locais de trabalho, escutando o chamado que pode ser feito a eles e as instruções que lhes dê o companheiro Presidente da República.
8:15 A.M.
Trabalhadores do Chile:
Fala a vocês o Presidente da República. As noticias que temos até estes instantes nos revela a existência de uma insurreição da Marinha na Província de Valparaíso. Ordenei que as tropas do Exército se dirijam a Valparaíso para sufocar este intento golpista. Devem esperar as instruções que emanam da Presidencia. Tenham a segurança de que o Presidente permanecerá no Palácio de La Moneda defendendo o Governo dos Trabalhadores. Tenham a certeza que farei respeitar la vontade do povo que me entregou o mando da nação até 4 de Novembro de 1976.
Devem permanecer atentos em seus lugares de trabalho à espera de minhas informações. As forças leais respeitando o juramento feito às autoridades, junto aos trabalhadores organizados, rechaçarão o golpe fascista que ameaça à Pátria. 8:45 A.M.
Companheiros que me escutam: A situação é crítica, enfrentamos a um golpe de Estado em que participa a maioria das Forças Armadas. Nesta hora amarga quero recordar-lhes algumas de minhas palavras ditas no ano de 1971, as digo com calma, com absoluta tranqüilidade, eu não tenho talhe de apóstolo, nem de messias. Não tenho condições de mártir, sou um lutador social que cumpre una tarefa que o povo me deu. Porém que entendam aqueles que querem retroagir a história, e desconhecer a vontade majoritária do Chile, sem ter carne de mártir não darei um passo atrás.

Que saibam, que escutem, que gravem profundamente: deixarei La Moneda cuando cumpra o mandato que o povo me deu, defenderei esta revolução chilena e defenderei o Governo porque é o mandato que o povo me entregou
Não tenho outra alternativa. Somente alvejando-me de balas poderão impedir a vontade que é cumprir o programa do povo. Se me assassinam, o povo seguirá sua rota, seguirá o caminho com a diferença talvez que as coisas serão muito mais duras, muito mais violentas, porque será uma lição objetiva muito clara para as massas que esta gente não se detém diante de nada.
Eu tinha contabilizado esta possibilidade, não a ofereço, nem a facilito.
O processo social não vai desaparecer porque desaparece um dirigente. Poderá demorar-se, poderá se prolongar, porém não poderá se deter.
Companheiros permaneçam atentos em seus locais de trabalhos, que o companheiro Presidente não abandonará seu povo, nem seu local de trabalho. Permanecerei aqui no La Moneda, inclusive com o custo da minha própria vida.
9:03 A.M. RADIO MAGALLANES

Nestes momentos passam os aviões. É possível que nos fuzilem. Pero saibam que aqui estamos, pelo menos com nosso exemplo, de que neste país há homens que sabem cumprir com seu dever. Eu o farei pelo mandato do povo, pelo mandato consciente de um presidente que tem a dignidade do caro entregue pelo seu povo em eleições livres e democráticas.
Em nome dos mais sagrados interesses do povo, em nome da Pátria, chamo vocês para dizer-lhes que tenham fé. A história não se detém nem com a repressão, nem com o crime. Esta é uma etapa que será superada. Este é um momento duro e difícil, é possível que nos derrubem. Pero o amanhã será do povo, será dos trabalhadores. A humanidade avança para a conquista de uma vida melhor.

Pagarei com a minha vida a defesa dos princípios que são caros a esta Pátria. Cairá a vergonha sobre aqueles que violaram seus compromissos, faltado com os princípios que são caros a esta Pátria. Cairá a infâmia sobre aqueles que violaram seus compromissos, faltaram com suas palavras, rompido a doutrina das Forças Armadas.
O povo deve estar alerta e vigilante, nem deve deixar-se massacrar, porém deve defender também suas conquistas. Tem o direito a construir com seu próprio esforço uma vida melhor.

9:10 A.M.

Seguramente esta será a última oportunidade que terei de me dirigir a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magalhães. Minhas palavras não tem amargura senão decepção. Que sejam elas o castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do . La Fuerza Aérea ha bombardeado las antenas de Radio Magallanes. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas un castigo moral para quienes han traicionado su juramento: soldados do Chile, Comandantes em Chefe titulares, o almirante Merino, que se auto proclamou comandante da Armada, mais o senhor Mendoza, general rasteiro que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao governo, e que também se auto-denominou Diretor Geral dos Carabineiros. Diante destes feitos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não Vou Renunciar!!
Colocado em um trânsito histórico pagarei com minha vida a lealdade do povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos a consciência digna de milhões e milhões de chilenos, não poderá ser segada definitivamente. Têm a força, poderão avassalar-nos, porém, não se detém os processos sociais nem com o crime, nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.

Trabalhadores da minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que só foi intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra de que respeitaria a Constituição e a lei, assim eu fiz.
Neste momento definitivo, o último em que posso me dirigir a vocês, quero que aproveitem a lição, o capital estrangeiro, o Imperialismo, unidos a reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que havia sido ensinada pelo General Schneider e a reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje está esperando com mão alheia, reconquistar o poder para seguir defendendo suas terras e privilégios.
Dirijo-me também a vocês sobretudo a mulher de nossa terra, à camponesa que acreditou em nós, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais patriotas que seguiram trabalhando contra a sedição auspiciada pelos colégios profissionais, colégios classistas, que defendiam os privilégios de uma sociedade capitalista.
Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e entregaram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao obreiro, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque no nosso país o facismo já esteve presente em diversas ocasiões; nos atentados terroristas, voando as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, diante do silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir.
Estavam comprometidos. A história os julagará.

Seguramente a Rádio Magalhães será calada e o metal tranquilo de minha voz não chegará a vocês. Não importa. Vocês seguirão me ouvindo. Sempre me ouvirão. Estarei sempre junto de vocês. Pelo menos minha lembrança estará junto de vocês. A lembrança de um homem que foi leal com sua Pátria.
O povo deve defender-se, não sacrificar-se. O povo não deve se deixar arrasar nem ser metralhado, também não pode ser humilhado.
Trabalhadores da minha Pátria, tenho fé no Chile e no seu destino. Superarão outros homens este momento cinza e amargo en que a traição pretende impor-se. Sigam vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde se abriram as grandes avenidas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva Chile! Viva o povo! Vivam os trabalhadores!
Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a felonia, a covardia e a traição.
Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973.

Marcos, guardando um profundo silêncio religioso, chorava copiosamente, diante do exemplo ímpar de resistência, dado por Allende, que traiçoeiramente fuzilado, ofereceu sua vida no altar da liberdade da América.


Capítulo XI

Dentro da Floresta da Tijuca Marcos e Carla faziam um piquenique. A atração entre os dois crescera com os meses de convivência. Carla deixara de se apenas a assistente no processo de readaptação de Marcos ao Mundo Livre Comunista. Na verdade, a adaptação dele acabara. Marcos tornou-se professor e pesquisador adjunto da Universidade Livre do Rio de Janeiro. Carla retomou seu antigo trabalho de pesquisadora médico-biológica. Agora os dois se encontravam espontaneamente, mas os escrúpulos nascidos pela relação profissional entre os dois evitavam que eles tivessem um caso. Entreambos havia o que poderia chamar-se de amor platônico. Marcos aprendera a respeitar àquela mulher inteligentíssima, como antes não havia respeitado mulher nenhuma.
Na sociedade comunista a igualdade dos sexos era absoluta. Uma infinidade de creches, escolas, sociedades de auxílio a infância, libertaram de vez a mulher. A maternidade não era mais uma prisão, senão um prazer. Não havia mulher impossibilitada de trabalhar por causa dos filho. O senso de responsabilidade criado a partir do fim da mercanditização do corpo e das pessoas levou a que a maternidade e a paternidade não desejada fosse praticamente extintas

Marcos estava encantado com a Floresta da Tijuca. Todas as favelas que existiam dentro da floresta foram retiradas havia mais de 100 anos e foi feito um processo de reposição da fauna original. De antas a veados, a floresta agora era um local superpovoado. Micos, sagüis, gatos do mato, pássaros por toda a parte. Na atual sociedade não havia mais gaiolas, nem jardins zoológicas. Os animais todos antes pertencentes aos jardins zoológicos foram readaptados à natureza. A caça fora extinta e só era liberada para controle de populações (como por exemplo a dos elefantes e a das focas) quando estas ameaçavam o equilíbrio dos sistemas. A humanidade que respeitava a natureza sabia que também fazia parte da cadeia alimentar e, portanto do equilíbrio ecológico. A proibição severa aos esquimós de caçar as focas havia quase produzido e extinção de várias espécies de peixe. Tirado do estudo, da observação da natureza, havia um manejo sustentado desta. Da pesca industrial à extração de madeiras, tudo era programado para não criar desertos ou extinguir espécies.
Este novo mundo, um verdadeiro jardim, onde não havia uma única rua sem uma árvore e as cidades planejadas com menos habitantes, tinham ar puro e extrema qualidade de vida. O prêmio merecido para a evolução do sistema social planejada e obtida na luta pelo próprio homem.
Carlos acariciava de forma leve o cabelo de Carla. Estavam próximos a uma cachoeira, um poço no meio da floresta da Tijuca. O beijo foi inevitável e longo, carinhoso, quente e apaixonado. Estavam envolvidos fortemente. Havia amizade, carinho, paixão, respeito, admiração e desejo. Todos os ingredientes para uma grande paixão. Do beijo às carícias mais intensas, onde a roupa vou sendo tirada de forma automática. Eles fizeram amor dentro da cachoeira, na água límpida e fria. Foi um gozo uníssono, forte e intenso. Profundo. Eram partes da natureza, partes indissolúvel dela. Sua energia vinha dela e para ela fluía. Sentiam que seu prazer era o mesmo prazer da terra mãe.
Marcos morrera para um velho mundo e renascera para outro que seus amigos, parentes, conhecidos não tiveram acesso. Sentia-se como Alice no País das Maravilhas, com um agravante. O sonho dele era real. No meio da natureza, sentindo-se amado e pleno só uma coisa ele lamentou. Jamais havia feito alguma coisa para que o mundo chegasse aonde chegou. Não fizera sua parte, não contribuíra. Tinha sido parte da força reacionária e conservadora. Havia colocado seus bens acima dos bens da humanidade. E agora sentia um complexo de culpa, uma imensa culpa, que só podia ser diminuída, apaziguada, trabalhando agora intensamente pelo bem da humanidade.

Absorvido pelo valor, via-se no espelho apenas através do valor. Do apartamento ao carro, passando pelos eletrodomésticos, possuir era a essência da sua vida anterior. Até a sua sexualidade anterior era moldada por isto. Primeiro por seus preconceitos de classe. Jamais havia se relacionado com uma mulher de classe inferior. Filho de um coronel do exército nasceu e fora criado na Lagoa. Todas as suas namoradas foram da mesma classe social. Chegar a transar com duas empregadas domésticas na sua adolescência, mas vira isto apenas como uma aventura. Na verdade, lhe era impossível se envolver com alguém de outra classe social. Só agora podia ver como as barreiras invisíveis de classe social são tremendas forças dentro de uma sociedade antagonicamente dividida. E que, da mesma maneira que os proletários, as pessoas da classe mais baixa, os grandes explorados da terra, estavam atados irremediavelmente (até a Grande Revolução Socialista) a uma terrível escravidão social, ele, que pertencia aos extratos médios superiores, estava escravizado por uma crosta de preconceitos a uma visão do mundo unilateral e irremediavelmente idiota.
Hoje, sabia o descalabro que havia sido o uso indiscriminado dos recursos da terra para a manutenção da obsolescência programada, para o consumo artificialmente aumentado que havia provocado um dano ecológico de impacto tal que, mesmo trezentos anos de sociedade comunista ainda não haviam conseguido apagar de todo os desastres provocados na natureza. A consigna da Grande Revolução Vermelha, o maremoto que varrera de uma vez para sempre o capitalismo do mundo, Socialismo ou Barbárie, fora um grito desesperado dos aflitos do sistema de miséria na abundância que salvara Pacera, a mãe terra. Pois se não houvesse havido a Grande Revolução Vermelha, a vida na terra teria sido dizimada, afogada num mar de excrementos, degenerescências e putrefações industriais de uma sociedade que se via não como uma parte da Terra Mãe.
Só agora entendia como uma sociedade assim tinha que efetivamente produzir homens e mulheres castrados, que não conseguissem observar a realidade de uma forma mais profunda. Como o sistema capitalista tinha que ser um sistema de dominação total, incluindo o apossar do corpo e da alma da humanidade, a destruição de sua sensibilidade e de seu prazer para que todos pudessem se transformarem em autômatos, escravos da produção, parafusos, porcas, engrenagens tão insensíveis ao sofrimento quanto os robôs da linha de produção Toyotista.

Havia sido uma grande pré-história da consciência, e agora, na sociedade comunista começa a história da Razão, onde a humanidade perdeu a acidentalidade na práxis de sua vida, fez a passagem do reino da necessidade para o da liberdade e substituiu a liberdade burguesa de possuir, pela liberdade de uma existência humana coletiva digna. A produção agora era planejada pelos indivíduos livres comunistas para que todos os homens pudessem fruir de forma plena de todas as benesses do mundo. Não se trabalhava mais para se acumular riqueza individuais, a riqueza coletiva sem miséria garantia a todos, sem nenhuma exceção o bem-estar absoluto. Uma realidade: o princípio, de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidade.
E, numa sociedade destas, onde o potencial artístico de cada um podia ser desenvolvido ao extremo, a existência de cada um perdeu aquele caráter de idiotismo individual onde o próprio conceito de felicidade era egoísta. Um conceito competitivo que pressupunha a infelicidade de todos os outros. A sociedade aprendera que a Felicidade é um bem-comum, numa sociedade onde a infelicidade da maioria é a regra, nenhum ser humano pode realmente ser feliz. Do lema de Rosa Luxemburgo, Socialismo ou Barbárie a realidade havia pavimentado seu futuro.
Como na lógica hegeliana invertida. Se o real é racional, o real é racional. Se não o é no momento em que se pensa, se constrói a partir do pensamento, corroendo as estruturas velhas e podres e fazendo sacar do meio do esterco a nova vida, o pensamento inédito, um outro mundo possível.

Capítulo XII

AA Religião é o ópio do povo@. Marcos recordava muito bem os dizeres de Marx que ele havia aprendido nas aulas de contra-revolução da Escola Superior de Guerra. Agora, ele lembrava quase rindo de si mesmo a raiva entredentes do Coronel seu superior, que lhe ensinava o ódio aos Comunistas, pessoas pervertidas, sem moral, que queriam acabar com a família, com a religião, com a propriedade, com tudo que havia de mais sagrado para ele. Pelo menos era o que ele pensava há 300 anos. Como testemunha viva do novo sistema socialista, ele acabou por se dedicar ao estudo de Marx. Ainda que, agora, com mais de dois séculos de humanidade comunista, vivendo no reino da liberdade, e que o pensamento de Marx, como tudo que havia sido construído para uma determinada fase da humanidade, houvesse sido ultrapassado na práxis; Marcos só podia se entender e entender o mundo que mudou lendo o genial ideólogo alemão.
Aprendeu que Marx não era um perseguidor de religiosos, que embora ele fosse um materialista dialético que defendia uma determinada escola filosófica, progressista e científica, seus ataques à religião estavam baseados no uso feito da religião como instrumento de superstição, ignorância e reacionarismo político. Com o evoluir dos próprios movimentos religiosos grande parte do pensamento progressista de Marx foi assimilado, notoriamente nos movimentos de libertação nacional onde participavam Muçulmanos, budistas, cristãos ou em teorias religiosas progressistas como a teologia da libertação, que pregava uma crença no sobrenatural norteada pela razão e livre dos preconceitos e intolerâncias religiosas.

Ao contrário do que Marx predissera, mesmo após mais de 200 anos de socialismo-comunismo, ainda que praticamente toda a humanidade tivesse o que chamamos em outras épocas curso superior, a religião ainda resistia, e tinha grande influência sobre grande parte da humanidade. Devido a grande evolução material e intelectual do ser humano, todavia, todas as religiões mudaram. Não se tolerava em nenhuma delas a secessão das mulheres, a pregação da intolerância religiosa, a rigidez moralista assexuada, a exploração econômica dos fiéis para fins de enriquecimento. Todos estes atos eram considerados crimes contra a humanidade. Todavia, não havia quem os praticasse, a própria evolução intelectual das pessoas levou a que uma outra mentalidade coletiva suprimisse os fanatismos estéreis de toda espécie.
As pessoas freqüentavam as igrejas, criam em variegadas manifestações metafísicas, na possibilidade de vida pós mortem (nunca provada), mas almagamado a isto havia todo um pensamento humanista racional que temperava a conduta e evitava que víssemos na nova humanidade os espetáculos degradantes de pessoas histéricas refugiando-se na religião para manifestarem suas neuroses. Cartomantes, tarólogos, numerólogos e toda espécie de charlatões que exploravam as pessoas não mais existiam por falta de quem cresse neles.
A religião afro-brasileira, a Umbanda, o Candomblé, passou a ser melhor tolerada, pois a perseguição a ela não passava de preconceito racial do mais fascista, e o sincretismo religioso passou a dominar nos religiosos brasileiros, que agora sabiam que a religião da natureza nada tinha que ver com o diabo preconizado pela religião branca. O estudo científico de boa parte das plantas utilizadas pelo animismo negro provou que parte das curas feitas nos terreiros tinha fundamento científico, não o ritual em si, mas o ingrediente ativo descoberto através do empirismo de culturas milenares. Todo o ritual negro do Candomblé e da Umbanda e as danças e cantos dele saídos, como o Jongo do Morro da Serrinha, foram recuperados como arte e eram ensinados livremente nas escolas na aulas de cultura brasileira.
O brasileiro se via melhor, com sua real pele mestiça, livre da dominação econômica e cultural eurocêntrica passou a amar suas manifestações culturais originais, uma mistura única de ritmos africanos, ameríndios e europeus.

A tolerância ao ateísmo também cresceu. O número de ateus já alcançava a impressionante marca 35% da humanidade e era crescente. A tolerância entre ateus e gnósticos era total. Não era incomum ver ateus incorporarem-se a cerimônias religiosas pela beleza artística das mesmas, ou pelo significado (como o ritual do casamento), e da parte dos religiosos, não havia mais o azedume preconceituoso quando alguém declarava que não acreditava em outro mundo que não este. Na verdade, o mosaico religioso mudara mundo, na verdade, com a integração da humanidade num só corpo, as religiões passaram a ser mais ecumênicas e uma passou a receber influência dos aspectos progressivos da outra e até da ciência. De outra parte, num campo mediano, entre os ateus e os deístas, havia os agnósticos, que embora não praticassem nenhuma religião, tinha uma postura Voltariana de acreditar que a razão humana, embora soberana neste mundo, não tem alcance suficiente para compreender todo o mistério da criação. Estes criam em Deus, liam os filósofos metafísicos mais progressistas como Hegel, Spinoza, Kant e os recentes, mas não praticavam nenhum ritual. Tinha uma atitude livre pensadora de que ADeus está dentro de cada um, e para cada um se manifesta de uma maneira@. Na verdade, o pensamento destes, que criaram vários filósofos, em muito influenciava uma religião mais individual e racional.
Marcos, católico praticante, não perdera a fé no seu despertar. Perdera seus preconceitos. Lamentava-se profundamente de haver defendido posições tão ridículas quanto as que defendia a antiga e fascista TFP brasileira, e se pudesse voltar no tempo, pensava, teria sido membro do movimento de Teologia da Libertação que renovou de forma revolucionária a religião no Brasil. Carla já era atéia convicta. Cientista brilhante, exercitada nas ciências da natureza, ela não via que não esta que ela vivia e só via uma maneira de se perpetuar. Fazendo sua parte, doando seu ser, sua vida, suas idéias, seus trabalhos, suas convicções ao corpo da humanidade, este sim, ela considerava eterno.
Duas concepções de mundo distintas, que na nova sociedade, em lugar de se tornarem antagónicas e odiosas uma a outra, conviviam em total e perfeita harmonia.


Capítulo XIII

Num barracão de terra batida, com todos os símbolos do candomblé e da umbanda dentro, lindas negras, descendentes das que primeiro habitaram a Serrinha, dançavam o jongo, com os trajes típicos lindíssimos de pano da costa. Nem todas que dançavam acreditavam nos santos negros. Mas com o fim do racismo, houve uma valorização da cultura negra, e as tradições culturais trazidas da áfrica e aqui mescladas as tradições lusitanas e indígenas, tinham o mesmo status das tradições européias. No Rio e na Bahia, os dois Estados com maior influência da cultura negra no país, havia um mês inteiro de festa em homenagem à influência da cultura negra na nossa brasilidade, fora do próprio carnaval. Na Bahia fora reservado o mês de fevereiro, aproveitando o dia 2 de fevereiro com a procissão de Iemanjá. No Rio de Janeiro, aproveitava-se o mês de dezembro, a festa começava com o dia do samba e só terminava com a queima de fogos no dia 31, onde sempre havia uma festa de samba de raiz, com apresentação das baianas da Serrinha e de toda uma série de homenagens aos grandes do samba, de Donga a João Nogueira, de Paulo César Pinheiro e Clara Nunes, até Noel Rosa e Cartola.
Com o fim do preconceito racial e com a tolerância aos cultos afro-brasileiros completamente ligadas ao fim desta perseguição, não só negras belas dançavam no chão batido da Serrinha, mulheres de todas as cores dançavam no chão panteísta da Serrinha, até loiras de olhos claros se mesclavam com desenvoltura à festa, e demonstravam orgulhos desta mescla, do fato de nosso povo ter se constituído espiritualmente pela mistura essencial de etnias diferentes, mescladas na cama, na mesa, na música, nas crenças. O dia de Zumbi dos palmares tinha sido transformado em feriado em toda a nação brasileira, onde na festividade do ADanço, logo existo@, da Velha Guarda da Portela aos tambores do Olodum, todos soavam orgulhosamente na celebração da resistência que fora moldando o caráter e a personalidade dos brasileiros.
Marcos ouvia atento o relato de Carla, queria saber mais. E as favelas? As grandes Senzalas brasileiras? Embora soubesse que elas não mais existiam, ele queria saber como fora o processo de destruição das favelas, com a manutenção da cultura das comunidades.

Carla explicava que os morros foram sendo desabitados e reflorestados. E nos bairros circunvizinhos reurbanizados para receber com dignidade as pessoas cultuou-se todo o riquíssimo legado cultural dos antepassados. Algo parecido ao Japão do tempo de Marcos, que cultuava os antepassados. Aqui cultuava-se a cultura da nossa terra, libertos da dominação cultural pela revolução socialista, pudemos enfim nos descobrir como brasileiros. Finalmente entendemos que o samba vale tanto, tanto não, vale mais que o rock, porque é mais rico em ritmos e formas. E a juventude que cultuava Elvis Presley, descobriu Candeia, descobriu Monarco, Nelson Sargento, Marquinhos de Osvaldo Cruz, Tia Doca, Surica, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Gonzaguinha, descobriu Vadico, Herivelton Martins e Braguinha.
Embora a comemoração fosse da Negritude, eram celebrados também todos os brancos de alma negra, aqueles que lutaram toda a vida pela valorização da cultura negra do nosso país, como Jorge Amado e Dorival Caimmy, que desbravaram e plantaram em todo mundo a beleza da cultura negra do nosso país. Um Brasil mulato recém descobertos havia feito a paz com a maioria da sua população, que antes, como no samba da Mangueira, estava Alivre do açoite da Senzala, preso na miséria da favela@.

E como no sonho de séculos, ocorreu como: AQue Zumbi dos Palmares voltou, a miséria do negro acabou, foi um nova redenção!@. Livres da favela, livres do tráfico, livre do destino da miséria. Dos piores postos de trabalho. Antes, empregadas domésticas, faxineiras, porteiros, operários, camelôs, agora os negros eram como na Cuba do Século XX, Cientistas, acadêmicos, artistas, professores universitários, líderes políticos. A presidente da república Socialista do Brasil era uma mulher e negra. Mas não fazia marketing disto. A verdade é que num passado distante, alguns negros usaram do marketing da negritude sem defender a negritude. Negros que se elegiam por sua condição de pele, mas nada faziam para defender o grande legado cultural africano no Brasil. De outro lado, havia muitos que sequer se candidatavam a cargos púbicos e, todavia, defendiam com unhas e dentes o tesouro de além mar, como Nei Lopes, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, etc. Hoje, havia se conseguido um equilíbrio, com o reconhecimento por todos da negritude da brasilidade, da influência triunfal da cultura negra na musicalidade, na cozinha, no modos vivendi do brasileiro, não mais o marketing negro foi usado de forma hipócrita. Quem representava a gigantesca comunidade negra eram aqueles que efetivamente trabalhavam no meio da cultura afro, pessoas de todas as cores. Até porque, com o trabalho de mais de dois séculos contra o preconceito, o cruzamento de pessoas de diferentes cores se tornou muito mais comum. Os negros brasileiros estavam mais brancos e os brancos brasileiros estavam mais negros, uma mistura tão multiforme no país, que era difícil na imensa maioria dos casos dizer quem era negro ou branco. Um país completamente formado por mestiços. O pesadelo de todos os fascistas se realizou, o sonho de todos aqueles que lutaram pela igualdade social. E lógico que, devido aos alelos recessivos e dominantes ainda haviam negros muito negros, ou brancos muito brancos, mas em todas as famílias do país, havia pessoas de todas as cores, de maneira que no todo, o país se transformara num grande rebanho humano cuja identidade de pele desaparecera para sempre e fora substituída de forma progressista por uma identidade cultural fortíssima, celebrada, cantada e dançada a cada dia. Uma identidade mulata, pluríforme, que ia do samba às guaranias, sem nenhum sinal de preconceito racial.

O movimento fascista no mundo fora extinto. Era encarado pela atual geração como um câncer do qual o mundo padecera e que havia enfim se curado. Um só mundo, uma só raça, uma só espécie, multiforme. Ser diferente deixou de ser crime. O movimento do negro é bonito conseguiu a correspondência no Oriental é bonito, no Índio é bonito e fortes campanhas foram minados os veículos que irradiavam o preconceito racial. A televisão, por exemplo. De forma hipócrita fazia campanhas contra o preconceito, mas nunca atacava seu próprio preconceito branco eurocêntrico. Num país como o Brasil, predominantemente negro, todas as apresentadoras de programas infantis eram loiras. Parecia a Dinamarca! Isto de forma subjetiva perpetuava o preconceito, dizia claramente que o belo, para aparecer na máquina de fazer doidos chamada de televisão, na Ditadura da Imagem Única, no Grande Irmão, a menina tinha que ser loira, branca, racialmente eugênica. Um conceito fascista permanente e surdo. E não só nos programas infantis que já iam deformando as crianças desde o berço, nas novelas, a minoria negra sempre fazia papéis apendiculares. Uma vez ou outra Adiscutia-se o preconceito contra o negro dentro da sociedade@ mostrando um casamento de negro com branco. Mas nunca discutia-se o preconceito contra o negro dentro do próprio veículo de comunicação, onde o conceito de bonito era branco, claro, loiro, no máximo moreno de cabelo liso. Nunca, na história precedente da televisão brasileira, em nenhuma novela, o papel principal fora dado a um branco. E a criadagem da novela era em sua maioria negra ou nordestina. Um veículo de preconceito fascista permanente que mantinha o preconceito surdo, o preconceito calado que fica embaixo do tapete e que não pode ser colocada em xeque porque oficialmente não existe.
A nova sociedade comunista, que na prática havia extinto a desigualdade, havia trabalhado muito na super-estrutura de pensamento também. Clínicas psicanalíticas contra a Chaga psíquica emocional tratavam como doença senil o racismo. Gerações foram tratadas desta doença e muito havia se avançado no extermínio dela. Aqui e ali ainda permaneciam focos do pensamento racista ilhados em uma família ou outra. Mas hoje já se podia prever que, com o passar do tempo e com o trabalho continuado, em algumas décadas poderíamos um dia, de forma definitiva dizermo-nos livres desta chaga que foi o racismo. Sem sua base econômica, a desigualdade social, atacada em sua base ideológica, o predomínio do branco na cultura (em todos os programas de televisão, brancos e negros faziam todos os papéis de forma indistinta) e por último, tratado como chaga social a ser tratada como neurose, o racismo parecia com seus dias contados.
Marcos, que confessou a Carla, ter sido vítima desta doença, e na sua época, cúmplice no crime de racismo, chegou a ser tratado contra esta neurose que é colocada na cabeça das crianças na mais terna infância e que impossibilita, quando adulto, a que a pessoa tenha uma relação normal com os negros. Provoca grandes crises, profundas contradições no cotidiano, como toda neurose grave como a histeria ou a esquizofrenia. Ele disse para Carla que só agora compreendia como funcionava o mecanismo surdo do racismo no Brasil e como ele se perpetuava na dupla face da favela e da mídia branca. E que na sua época, o negro que era a base da sociedade ao trabalhar nos ramos essenciais e menos valorizados, era a minoria nos bancos das faculdades, mas a maioria no sistema penitenciário.

E que só agora, livre completamente dos seus preconceitos, ele podia começar a compreender a suprema importância da influência negra na nossa cultura, livre de sua cultura eurocêntrica ele enfim podia admirar toda a imponência da obra de Paulinho da Viola e reconhecer que ela tinha o mesmo quilate da obra dos brancos Chico Buarque e Caetano Veloso e que, sem dúvida, a negritude da pele, afetava, de forma negativa a possibilidade de sucesso no seu século. Que se, Clara Nunes, que tinha talvez a mais bela voz da sua geração, seria tão valorizada quanto foi a grandiosa Elis Regina, se não tivesse aquela ficada presa á grande tarefa de mostrar para o país a riqueza da cultura do terreiro, das favelas, do povo mais pobre.
Agora tocava um samba de terreiro, Carla puxou Marcos e ele começou a tentar sambar, duzentos anos depois ele não falaria que isto era música de negros, e se falasse, não teria o mesmo sentido pejorativo que havia antes. Afinal, o que há mais belo no mundo do que o samba? A música que transformou a tristeza da senzala e da miséria na sensualidade alegre mais exuberante dentre todos os ritmos do mundo.



Capítulo XIV

- Carla, como se deu a passagem da sociedade capitalista para a sociedade socialista? - Perguntou Marcos.
Carla sentou-se no braço da poltrona onde estava Marcos e começou calmamente a contar a história:
- Esta é um história longa. Na verdade a história do Reino da Liberdade, da sociedade socialista, começa com os primeiros movimentos operários radicais, que já se diferenciavam dos movimentos predecessores utópicas ao auto se intitular comunistas. Eram os elementos mais avançados e radicais, que já davam sinais de sua existência no desdobramento da Revolução Francesa ou em líderes radicais assassinados como Babeuf ou nos movimentos ditos heréticos de clamor comunista, revoltas camponesas quase sempre afogadas em sangue. Era o prenúncio de uma nova época na história da humanidade. O fim da pré história da humanidade e o começo da sua história, onde o homem não mais fosse dominado por forças cegas às quais ele estivesse completamente entregue, posto que não controlava seu destino. O problema de todos estes movimentos revulucionários comunistas pré-marxistas é que as condições para a emancipação de toda a humanidade ainda não estavam dadas. Numa sociedade de escassez, onde a produção não tenha alcançado um nível tal que garanta a manutenção da vida de toda sociedade com um certo grau de conforto, não é realmente possível se pensar numa sociedade igualitária. Com o advento do sistema capitalista, com a grande revolução fabril, novas forças produtivas foram incorporadas. O homem, antes completamente dependente das forças da natureza, que se utiliza de motores naturais para aumentar a força produtiva e acelerar a produção (junta de bois, moinho de vento ou de água), começou, a partir do invento da força à vapor, dos primeiros motores de combustão, a liberar uma quantidade inimaginável de forças produtivas, acelerando por centenas, ou milhares de vezes a produtividade do trabalho.
Carla continuou:

- Junto a este desenvolvimento produtivo e completamente dependente desta evolução material, da estrutura produtiva, há todo um desenvolvimento das super-estruturas, Ciência, Direito, Filosofia. O que na época convencionou-se chamar de Amodernização@, a era das Aluzes@, o renascimento. Na verdade, o revolucionar do pensamento necessária a adaptação da sociedade humana ao novo sistema social, baseado no Capital (extração autoritária e forçada de trabalho excedente ao máximo grau possível) fez com que as super-estruturas dependentes da sociedade também fossem revolucionadas. As ciências da natureza em pouco mais de dois séculos, evoluíram mais do que em todos os séculos precedentes, a coquista de novos campos na química, física, biologia, deu golpes de morte na concepção ptolomaica de mundo. O novo mundo descoberto e diminuído nas distâncias pela evolução da maquinaria era um mundo que nascia sobre a crendice que a reprodução ampliada da relação capital iria por fim, levar a todos os seres humanos as benesses do progresso, a ciência, a igualdade, a liberdade. Sabemos, Marcos, que não foi bem assim. A passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista esta embebida de sangue e fogo desde o seu nascedouro. A Revolução dos Preços que deu o impulso da acumulação inicial do Capital na Europa foi possibilitada pelo sistema colonial Americano, Africano e Asiático, que significou o aniquilamento de milhões e milhões de seres humanos, a aniquilação de culturas inteiras, como as culturas Azteca e Inca na América, ou o massacre dos ameríndios na América do Norte.
Marcos escutava com atenção. Ele conhecia bastante deste história, mas pela primeira vez, escutava ela sendo contada de outra maneira, com a visão dos povos vencidos, com a visão dos assassinados. Carla acrescentou:

- O sistema do Capital ao se estabelecer tinha que submeter toda a humanidade, cada ser humana a sua lógica do VALOR. Isto não foi algo natural, Marcos, como poderia parecer em sua época. Pelo contrário, foi uma tarefa autoritária, possibilitada pelos massacres dos povos e pessoas que se opusessem à nova lógica, ao domínio autoritário da mente e do corpo dos seres humanos. O processo de passagem de uma ordem feudal, que era injusta, mas onde o trabalho não adquiria uma realidade exterior ao indivíduo, para um sistema do Capital, onde o homem se transforma numa reles carcaça do tempo, em alguém cuja existência depende absolutamente de estar empregado, alienado, vendido de corpo e alma a um capitalista, foi um processo doloroso. A disciplina de trabalho que tornou possível ao homem ficar durante horas fechado em locais onde uma tarefa mecânica, repetitiva, sem lógica, sem arte, desumanizada era vivenciada na maior parte do dia do indivíduo, só poderia ser aceita pelas pessoas depois de muita oposição, de muitas lutas e muitas derrotas dos que se opuseram. O ser humano do feudalismo, que não tinha hora para comer, não tinha lugar ou hora para fazer suas necessidades fisiológicas, que fazia a colheita de acordo com as estações do ano e que trabalhava de acordo com a luz do dia, este tinha que ser completamente domado, dominado, transformado num parafuso, numa peça de uma nova engrenagem que passou a tomar conta da vida do ser humano, dia e noite. A luz artificial, com a qual nos acostumamos, pode nos parecer, de um lado, uma conquista, mas, de outro lado significou também, que a noite, antes sagrado descanso, até para os servos e escravos, passava a pertencer a um senhor que sugava o sangue de forma mais intensa do que os senhores anteriores. O capitalista. As horas em que a máquina estivessem paradas, só poderiam ser consideradas como horas de prejuízo, de perda e depreciação de seu capital, e assim, até a noite tornou-se parte da contabilidade dos lucros e sobre a luz nervosa das unidades fabris, os homens perderam o direito até ao sono. Tudo isto, Marcos, tudo, pode parecer natural, que se deu sem lutas, sem protestos, paulatinamente, mas não o foi. Além dos massacres dos ameríndios, você vai ter a perseguição Aas bruxas@. Estas bruxas, nada mais eram do que o símbolo de uma era de contato e harmonia com a natureza que se encerrava e também significavam o direito da mulher à sua sexualidade. Dentro da estrutura da sociedade do lucro e do valor, até o prazer tinha que ser disciplinado para que coubesse na estrutura de vida dos homens máquina.
Marcos olhava abismado, por fim disse:
- Engraçado, nunca havia pensado desta forma, nunca tinha visto deste jeito, e confesso, se não estivesse vivendo esta nova sociedade, teria morrido alienado, sem enxergar um palmo na frente do meu nariz. Mas, por favor, continue, quero tentar entender como chegamos até aqui, até a sociedade dos produtores livremente associados, auto-gestionária.
Carla prossegue:

- Bem, Marcos, junto com a moderna classe de senhores, os capitalistas, surge uma nova classe explorada: o PROLETARIADO. Mas esta classe tem uma característica diferente de todas as outras anteriores. Ela não é uma classe para si. Ela não poderia realizar sua libertação sem extinguir de uma vez para sempre todas as classes sociais, sem mandar para o museu as condições de dominação de classe. Não é uma classe como as anteriores, não tinha reinvidicações à parte de outras classes e sua missão histórica era enterrar de uma vez para todas as sociedades de extração de mais trabalho, de mais valor, de mais valia da história da humanidade. Como já tocamos levemente, as primeiras manifestações de insatisfação desta classe, foram intuitivas, sem programa, sem perspectiva de alcance ou de vitória definitiva futura. O proletariado só poderia se constituir com classe social revolucionária a partir do momento em que pudesse interpretar as condições que vivia de forma revolucionária. E tal processo se deu. As lutas revolucionárias da própria burguesia já carregavam em seus germéns (já que o proletariado era seu aliado) partes da teoria que viria depois a revolucionar o mundo. O materialismo revolucionário francês, ainda mecânico, não dialético. E, já na maturidade da revolução política burguesa a dialética hegeliana. Dois jovens alemães, influenciados pela filosofia idealista hegeliana, em via concreta de radicalização, tomaram contato com o movimento trabalhista inglês e o movimento revolucionário Francês: Carlos Marx e Frederico Engels. Aplicando a dialética hegeliana, o mais alto desenvolvimento até onde havia chegado a filosofia idealista ao materialismo revolucionário, eles criaram uma nova ciência, o materialismo dialético, método de abordagem revolucionário capaz de fazer a crítica radical de cima a baixo do constructo da sociedade.
Se os proletários, nos seus primórdios, lutavam contra as máquinas, e com uma série de revoltas, desejavam voltar as condições de vida pré capitalistas, com o advento dos primeiros embates mais violentos (revoltas proletários de 1848, 1871) e com a arma da nova crítica revolucionária radical, começaram a ver que era possível usar as novas forças produtivas, que agora serviam ao senhores para dominá-los como o instrumento de sua libertação definitiva e libertação de toda a sociedade.

Marx propôs uma sociedade outra. Uma em que a riqueza não fosse mais medida pelo tempo de TRABALHO, mas pelo tempo de FRUIÇÃO. O que levava claramente a uma outra visão de mundo. Não mais se mediria uma sociedade pela quantidade de produtos produzidos. Uma sociedade auto-organizada pelos produtores, com a abolição do Estado, auto-regulada, onde não só a quantidade, mas a qualidade do que fosse produzida teria de ser discutida o tempo todo. Uma sociedade onde os produtores livremente associados, sem classes sociais, parlamentos, juízes (como funcionamos hoje), discutiria o que seria produzido e porque seria produzido. Uma sociedade de onde tiramos de cada um conforme sua capacidade e damos a cada um de acordo com sua necessidade. Só que, Marcos, numa sociedade mudada, os seres humanos também são mudados. Hoje não temos uma grande produção de automóveis, prescindimos dela, não vivemos na sociedade do Capital, onde se alienam todos os efeitos destrutivos da produção para manter, de forma indefinida a reprodução da mais valia. Como já te falei, temos poucos carros e praticamente, só para lazer. Todavia, temos uma rede viária de estradas de ferro que cobre todos os continentes e atende de forma decente à toda humanidade. Por que? Porque sabemos que a indústria automobilística foi a mais agressiva e assassina que a humanidade já teve. Dilapidou os recursos naturais e causou danos ao meio ambiente, envenenou a terra, o ar, as águas, de uma maneira tal que ainda hoje nosso querido planeta sente os efeitos desta aventura louca que foi a produção dispendiosa de carros desnecessários. A insanidade na sua época chegou a um ponto tal, que depois do carro de família, como o Capital necessitava se reproduzir de forma intensiva, para não perecer, passamos ao carro por pessoa, por indivíduo (alguns com mais de um) pouco importando o altíssimo custo ecológico de tal desperdício.

Pois bem, Marcos, Marx abriu uma nova etapa na luta contra o Capital, uma luta de vida e morte que levou a nossa sociedade atual. A partir da teoria revolucionária marxista, síntese entre o materialismo francês, a dialética hegeliana e o movimento revolucionário proletário, abriu-se a perspectiva de uma derrota definitiva do capital, uma derrota que significaria a libertação de toda humanidade da tirania da forma VALOR. Marcos, dentro do mundo em que viveste, as pessoas estavam tão alienadas que só conseguiam se realizar dentro do Atrabalho@. Entretanto, trabalho era uma parcela muito ínfima da atividade e da vida humana e que consumia, porém, a maior e mais valiosa parte do tempo. Uma sociedade de homens alienados, participando de uma realidade reificada, onde eram apenas engrenagens e que só tinha sentido através de algo chamado FETICHE DO VALOR, FETICHE DA MERCADORIA. A valorização do homem se dava pela medição em bens que ele podia fazer de si mesmo. O homem ensandecido trabalhava para se escravizar aos produtos que deviam lhe servir. No final, era o homem que servia a estes produtos. Trabalhava 5 ou 6 horas do seu dia de trabalho para pode comprar um carro que consumia mais três horas dos seu dia em engarrafamentos gigantescos. Esta era a sua sociedade. A sociedade do valor, da miséria na abundância, sociedade que embora tivesse possibilidade de produzir em condições de alimentar, vestir, educar e dar condições dignas de saúde e educação para todo e qualquer ser humano, restringia esta benesse a 1/4 da humanidade, porque de outra forma não seria possível a reprodução sócioBmetabólica do capital, sem submissão da imensa maioria das pessoas e dos países a um punhado de países e pessoas. Uma sociedade fratricida, auto-destrutiva, que se apoiava no militarismo e na força. Respondia à violência dos oprimidos, com mais violência e ainda mercanditizava esta mesmo violência. Um mercado fluorescente da dor, onde de armas à ilusão da proteção numa sociedade da desproteção, tudo se vendia. Assim era tua sociedade Marcos. Uma sociedade da força, da dor, da repressão, da tortura, que se dava a auto-ilusão que era democrática. Incrível mesmo, de uma ironia trágica. Como tua sociedade podia se acreditar democrática, se o no etmo da palavra democracia está subsumido o governo do povo. Que governo do povo era este? Que funcionava contra o povo e cuja participação das pessoas deste mesmo povo resumia-se em colocar de quando em quando um pedaço de papel chamado voto numa urna. Nada mais. A sociedade dita democrática de vocês, tinha horror à democracia real, pois a participação popular efetiva desmontaria como um castelo de cartas toda esta farsa, de uma estrutura de arapucas feitas para controlar e dominar, onde o controle jamais sairia efetivamente da mão dos capitalistas, dos burgueses e, toda vez que esta democracia fictícia e Arepresentativa@ ameaçasse este domínio, de forma direta, com a maior hipocrisia, pela força, dissolvia-se o governo eleito e este era substituído por outro que garantisse a perpetuação Aeterna@ do Capital.
Marcos, curioso, interrompe:
- E como se deu, Carlinha, de forma efetiva, a passagem do Estado burguês para a sociedade auto-gestionária?
Carla sorriu, via a impaciência na expressão dele e continuou:

- Calma, senhor impaciente... Para eu explicar demorarei inda um pouco. Queres que eu conte mais de duzentos anos de história em dois minutos? Bem, Marcos, como eu te falei, o proletariado, munido de sua nova teoria começou uma luta de vida e morte contra o Capital. Conseguiu sua primeira e efêmera vitória durante a Comuna de Paris. Durante algum tempo os operários tomaram Paris, mas a aliança da reação prussiana junto com a traição de Thiers acabou por assassinar o movimento. Mas aquela primeira experiência vitoriosa, deu um salto na luta revolucionária e a demonstração que era possível e viável assumir o poder de Estado. Só que este Estado teria de ser modificado. Marx, em cima da experiência da Comuna de Paris escreveu sua famosa tese sobre a Ditadura do Proletariado. Neste ponto precisamos fazer um parêntese. A idéia de Marx sobre Ditadura é dialética. Para Marx, todo Estado é uma forma de Ditadura. Isto não quer dizer que ele não diferenciasse uma democracia burguesa de um Estado do tipo Prussiano, por exemplo (Marx não viveu a experiência nazi-fascista). Ele via e dizia que o proletariado deveria lutar por um Estado Burguês democrático, não porque ele pudesse resolver nele sua vida, mas porque nele seria possível se travar a luta vitoriosa onde se criariam as condições para emancipação definitivo da Classe Operária.

Marx via então o domínio do Proletariado, imensa maioria da população, em seu Estado, como uma Ditadura, só que uma Ditadura invertida. Se todos os Estados que existiram até então eram Ditaduras da Burguesia contra o proletariado, este seria, pela primeira vez, uma Ditadura do Proletariado contra a antiga classe exploradora. Seria na verdade um Estado em dissolução, uma fase transitória que levaria a uma sociedade sem classes e portanto sem Estado, posto que este é, em última instância, o órgão de dominação de uma classe por outra. É lógico, que nas primeiras existências socialistas houve um problema grave no metabolismo do Estado Proletário, que em lugar de se enfraquecer e perecer, fortaleceu-se e começou a criar uma existência própria dissociada do proletariado. Mas esta é uma discussão ainda grande. De qualquer maneira, a teoria de Marx, estava certas em linhas gerais. A revolução proletária, vitoriosa em todo mundo, de país em país, ajudada pela crise de reprodução do Capital e pelas lutas de emancipação dos povos, em linhas gerais teve de seguir esta orientação. Desde a primeira experiência socialista vitoriosa na Rússia, com a formação da União Soviética, o movimento revolucionário aprendeu muito, principalmente a necessidade de a sociedade ser erguida, organizada, em termos produtivos de baixo a cima e não de cima a baixo. Só a vitalidade de uma revolução continuada, que permaneça no coração e nas mentes das pessoas porque elas participam efetivamente de todas as decisões, pode garantir o sucesso da construção desta nova sociedade. O que não quer dizer, Marcos, que a experiência soviética não tenha sido fundamental. Os senhores, os capitalistas, saudaram entusiasticamente, o fim do socialismo na União Soviética como o fim da história. Míopes, como só os burgueses podem ser, não viam que realizavam sua festança num Titanic que afundava e fazia águas por todos os lados, e que sua vitória era um sucesso rumo ao fracasso final. A Revolução Russa foi a demonstração cabal de que era possível uma alternativa. Que era possível construir uma sociedade sem senhores, sem patrões. Que eram possíveis revoluções vitoriosas assumirem o poder e controlar o Estado. A influência dela foi magnífica. Todo o Estado de Bem Estar Social capitalista, teve sua origem na competição do Capital com as conquistas efetivas que o proletariado tinha na União Soviética. Todo o movimento de emancipação dos povos dominados pelo Imperialismo em todo o mundo deu um grande salto e outras Revoluções como a Chinesa, a Cubana, a Angolana, a Vietnamita e outras, só puderam ser vitoriosas por conta da existência da União Soviética.
-Isto, sem contar que a humanidade deve sua existência livre aos 25 milhões de soviéticos mortos na luta contra no nazi-fascismo. Foram os soviéticos que deram a maior parte do esforço, das vidas, da dor, de heroísmo, de abnegação, de sacrifício para extirpar a máquina de guerra nazi-fascista de uma vez para sempre da história da humanidade. Os capitalistas pensaram que poderiam apagar tudo isto da história dos povos, como se a experiência socialista não tivesse existido. Uma primeira experiência, é verdade, com erros terríveis, com acontecimentos trágicos, como deve ser toda primeira experiência. Trágica como a Revolução Francesa, mas, da mesma maneira que a Revolução Burguesa derrotada se espalhou pelo mundo e, contraditoriamente, por fim, tornou-se vitoriosa com o amadurecer das condições sociais necessárias a dominação burguesa em todo o mundo, assim foi a revolução soviética.

- Seus 25 milhões de combatentes anti nazistas não foram em vão. A ajuda do povo soviético, solidária ao Terceiro Mundo em luta contra o Imperialismo não foi em vão. Tão logo começaram a irromper as revoluções socialistas, a revolta da humanidade deserdada e faminta contra o Capital, logo o povo russo novamente se levantou e reorganizou seu povo de maneira socialista. Lógico que, nesta segunda experiência, não se cometeram os mesmos equívocos da primeira vez. Não houve hipertrofia nem do Partido Comunista, nem do Estado, não houve dicotomia entre a cadeia de comando e as organizações de massa. O novo socialismo foi construído aproveitando-se os acertos da primeira experiência e corrigindo-se os erros. Ditadura? Só contra os Imperialistas, não contra o povo. O povo e o poder passaram a ser uma mesma coisa e tal forma de organização social, saída das entranhas dos produtores organizados localmente, associados nacionalmente, solidarizados internacionalmente, mostrou-se invencível.
-É lógico, Marcos, que não se construiu o socialismo de um dia para outro. Estas novas determinações da sociedade, organizada de baixo em cima, revolucionada pela prática concreta do povo teve que ser aprendida, teve que ser inventada. E dela saiu uma nova sociedade, livre da pré-história do Estado e das classes sociais. Hoje o homem novo existe, a riqueza da sociedade não se conta pelo tempo de trabalho, mas pelo tempo de fruição. Todos participam das tarefas coletivas, como limpeza e manutenção da sociedade, mas isto não consome mais do que três horas por dia na vida de todo mundo. E todos temos que fazer. Não há mais faxineiros, empregadas domésticas e racionalizamos os serviços para que o esforço nestas tarefas seja o mínimo. Entretanto, Marcos, todos tem acesso à música, todos tem acesso ao canto, à dança, à escultura, à pintura, ao esporte, ou a pura e simples fruição do silêncio e do ócio. Temos hoje uma sociedade com uma produção capaz de atender a todos, com uma tecnologia de ponta, mas cuja psicologia é tão fraterna e pacífica como a que tinham nossos índios.

Carla encerrara a explicação. Marcos estava encantado. Ainda tinha que aprender muito deste mundo novo, sem Estado, sem Juízes, sem Cadeias!!! Sem homicídios, sem fome, sem crianças na rua, sem pobres... Tinha que aprender muito desta utopia. Só uma coisa lamentava em sua vida. Não ter contribuído em nada para a construção deste mundo novo comunista. Ele, que fora um adepto do Status Quo, formado na Escola Superior de Guerra, Agente da ABIN, lutara pelo mundo velho. Agora sabia, não só um mundo novo era possível, era mais do que isto. Era uma necessidade, a utopia possível. Cosmópolis, Mundo Íntegro, Reino da Liberdade do Novo Homem Comunista.

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