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A Feiticeira
Ela chegou num dia de tempestade. Enquanto as pessoas se trancavam em casa,
encanadas num medo secular, trovões sacudiam a cidade, de maneira que
o rio passeava por entre as ruas e todos eram só o pavor. Então
ela chegou, molhada, seu vestido curto colado no corpo deixava ver na transparência
molhada o negror do bico dos seios e até o triângulo fogoso. Vinha
calmamente caminhando pelo meio da rua de dentro da borrasca.
Como uma Iemanjá de ventos ela tocou a procela e o estio se fez, o sol
apareceu radiante sacudindo um arco-íris no meio de seus cabelos negros.
Nunca mais a cidade teve paz. Dividida ao meio, os homens a amavam, a desejavam,
queriam sua carne. As mulheres a odiavam, se escarpiam em despeito.
Ela fez morada numa pequena casa alugada no centro do vilarejo, vivia de vender
divindades, colares e miçangas que fazia, ora de cristais que lhe acorriam
quando caminhava nas matas em derredor, ora de conchas de não se sabe
que mar, se em profundezas do interior ela tinha se afundado.
O padre a condenara. Jamais se confessara. O feitor dos pecados estava com o
ouvido cheio de tantas mentiras, nas confissões, homens que nunca a tocaram
(e até algumas mulheres) mentiam, ou enlouqueciam, confundiam a realidade
com este desejo atormentado e forte, e teciam para o padre urdiduras de volúpias
loucas de três mil penetrações em mil buracos diferentes
e línguas e braços.
Nunca ninguém, em verdade, na cidade a tocara. Embora quase todos a quisessem.
O coronel Torquemada tentou. Primeiro se fez de capitalista, lhe propôs
casamento dispondo-se a se separar da esposa, lhe ofereceu jóias sempre
recusadas, suando por todas as suas banhas mil vezes entrara e duas mil vezes
saíra enjeitado de tentar seduzi-la. Ele não podia permitir admitir,
afinal, quando queria uma mulher era só apontar um dedo, e se fosse uma
camponesa então, só derrubar e montá-la como um burro,
ou outra animal. Este animal jurássico, por fim, se cansou de pedir o
que, por direito seria dele. Iria numa noite à casa de Bela (este era
o nome dela, sempre que lhe perguntavam, ela apenas dizia Bela, Bela de nada...)
e tomaria à força, com seus capangas do corpo dela como melhor
lhe aprouvesse. Propósitos adivinhados por ela em seus tarôs, no
dia que ele marcara para a desforra adormeceu de dia com uma preguiça
incomum e foi morto com água quente no ouvido pela beata mulher que se
enlouqueceu e até hoje corre pelos caminhos deste mundo, como se perseguida
pelo demo em pessoa.
Depois foi um playboy, comedor de meninas incautas, o gostosão da cidade.
Todas as mulheres suspiravam por ele, porque ela não. Se perfumou, se
engravatou, poliu o carro, não se fez de rogado. Tentou de tudo e se
apaixonou. E ficou bobo de amor, imprestável para as outras, sem nunca
ter tocado em bela. De tanta tristeza morreu tuberculoso e todos na cidade vêem
sua alma entristecida vagueando pelas noites com um único nome na boca:
Bela.
Um seminarista largou a batina, que já estava se incendiando em contato
com o pênis, que ficou empedrecido de tanto desejo ao sentir o cheiro
dela. Para não enlouquecer foi embora da cidade. Parou no primeiro bordel,
comeu a cafetina, que se apaixonou, mas ficou ele tomado de um tesão
tão grande que, quando não está dormindo, está fodendo,
e, para isto ela teve que permitir que ele trepasse com todas as putas do bordel.
Virou uma sensação na cidade e tem mulher que vem de longe para
ver e experimentar, pois não há no mundo tesão igual. Entretanto,
ele está sempre com um olhar tristonho e enjeitado, pois o cheiro de
mar de Bela nunca lhe saiu das narinas.
Outros enlouqueceram na cidade, casais se separaram, velhos se suicidaram, planos
mil para conquistá-la. Estuprá-la, também pensaram, mas
era impossível, pois seus santos sempre lhe iluminavam o caminho e ela,
com um feitiço, matava ou enlouquecia o infeliz.
Temida e poderosa, solitária, de peito fechado para o amor, encantada
no seu espelho, fazia sexo com ela mesmo, rolando pela cama durante as noites,
um espelho frente a outro, como se amasse infinitas Belas...
Um dia, depois de cinco anos, volta a cidade um simples rapaz que fora, a muito
custo, estudar na capital. Voltou doutor, graças as economias da vida
da mãe e de seu próprio esforço sobre-humano em trabalhar
em tudo que pudesse.
Logo que chegou foi avisado que jamais olhasse nos olhos de Bela, pois estaria
enfeitiçado para sempre. Mas a desobediência era seu destino e
o este lhe sorriu quando um dia ao ir pescar encontrou com ela encantando peixes
e colhendo estes no rio.
Ela o olhou, mas ele não se alterou. Continuou com seu olhar sombrio
e tristonho, de quem não tem nada mais na vida que sua própria
consciência e este bem mais bem vale que um tesouro. E pensou consigo
mesmo: Esta é a bruxa? Que mulher comum! E este pensamento surdo atordoou
Bela que o adivinhara pela indiferença. Ele passeou por ela, como se
ela fosse mais uma das pedras do caminho, e, pela primeira vez, depois dos séculos
que ela vivera, ela se pertubou com um homem.
Naquela noite não conseguiu fazer amor com os espelhos. Seus dedos não
lhe davam prazer, senão dor. Seu sexo estava teso e ela se sentia rígida
e irritada. Fez então um feitiço e atirou contra ele. Inútil,
era um menino tão distraído, que o feitiço não deu
conta dele, e foi acertar o vigário, que louco de amor, largou batina
e ficou uma semana cantando serenatas, dia e noite à porta de Bela, escandalizando
a cidade, até que ela entendesse o mal-feito e desfizesse o bruxedo.
Então ela se perfumou de mar e jasmim, colocou seu vestido mais simples
e belo, alinhou os cabelo e foi à praça, onde sabia, o encontraria.
Lá chegou, e ele distraído, como sempre. Tão ausente ele
estava que ela teve que se sentar ao lado dele no banco para que ele a notasse.
O cheiro dela entrava por seu nariz e ele não se pertubava. Não
sabia como aquele homem podia não querer tocá-la. Pensou, talvez
ele fosse bicha e ia quase se levantando, quando ele falou um oi.
Ela se zangou, como? Só oi! Pensava ela. Era impossível alguém
imune a feitiços. Então ela fez uma coisa que seus quatro séculos
de vida jamais pensaram em fazer, suas muitas cidades e andanças, tomou
da boca deste doce menino e beijou, para que o encantasse. A cabeça de
Bela viu espelhos se quebrarem no mesmo instante e os dois foram arrebatados
por um tufão junto com a praça inteira. Ninguém mais na
cidade teve notícias dos dois desaparecidos.
Na verdade ele era o prometido dela, coisa que o tarô, que tudo a ela
avisara, disto jamais dissera, pois o amor é sempre um ladrão
sem vergonha e imprevisível. Ao se tocarem, todos os segredos foram contados,
seus corpos se consumiram em fogo e seus espíritos transformaram-se me
estrelas loucas insones, posto que orbitam fazendo amor em milhões de
gozos escarlate por toda eternidade.
Rio, 10 de maio de 1999.