"Os cristãos que não têm apreço nem respeito pelos outros
crentes e pelas suas tradições religiosas, estão mal preparados para lhes
anunciar o Evangelho".(1)
Vivemos numa sociedade complexa, que
sofre mudanças muito rápidas e marcada por um contexto cultural e
religioso fortemente pluralista. Essas características são mais visíveis
no mundo urbano, sobretudo nas grandes cidades. Infelizmente, a atitude
mais comum entre os cristãos é de medo e de espanto. Alguns se enrijecem
sustentando posições retrógradas e arcaicas que acabam funcionando como
escudos que os "protegem" contra o novo que não entendem. Outros, buscam a
via da indiferença, como se as mudanças nada tivessem a ver com suas
vidas. Graças a Deus, há os que já encontraram o caminho do diálogo.
Diálogo entendido como comunhão recíproca, visando um fim comum, comunhão
interpessoal; uma atitude de respeito e de amizade com os que pensam e
organizam suas vidas de maneira diferente. Somente neste "espírito" é que
podemos falar de diálogo inter-religioso.
O diálogo inter-religioso
é entendido, pela Igreja, como "o conjunto das relações inter-religiosas,
positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outros credos para
um conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento, na obediência à
verdade e no respeito à liberdade"(2).
Sem sombra de dúvidas, foi o
Concílio Vaticano II o último evento cristão que melhor nos preparou para
o diálogo com o mundo pluralista. "Com efeito, o Concílio consagrou os
esforços de abertura e de diálogo com o mundo e a cultura contemporânea;
promoveu a imagem da Igreja como povo de Deus; favoreceu a participação
dos leigos, o pluralismo e a comunhão; reconduziu os católicos à Bíblia e
renovou a liturgia; deu origem a uma reinterpretação da atividade
missionária e, no que diz respeito às outras religiões, Igrejas e
culturas, permitiu a passagem de atitudes de superioridade e exclusividade
para uma fase de respeito e de diálogo"(3).
É com o Concílio que
superamos a arrogância de detentores de toda a verdade sobre Deus, nos
tornamos menos intolerantes e aprendemos a mergulhar no "mistério" da
salvação, reconhecendo que também nas outras tradições religiosas há
"sementes do Verbo" ocultas(4).
Às portas do Terceiro Milênio, somo
convidados por João Paulo II a uma atitude de arrependimento dos "métodos
de intolerância ou até mesmo de violência no serviço à verdade" utilizados
pela Igreja, especialmente nalguns séculos de sua história(5). Não podemos
esquecer que, em nome da religião, já se excluiu, torturou e até matou.
Faz-se mais que necessário um apelo veemente para que o diálogo seja o
método natural do anúncio. Não foi assim que fez o Mestre ao conversar com
a Samaritana? Nenhum amor pela verdade justifica a violência no
relacionamento humano. Somos convidados a testemunhar Jesus com a nossa
vida, mais que com as palavras.
Dentre os obstáculos para um
autêntico diálogo inter-religioso destacam-se: a ignorância religiosa, a
auto-suficiência, a falta de confiança na sinceridade dos parceiros para o
diálogo, o espírito polêmico, a mescla de motivações religiosas, étnicas,
raciais, políticas e outras.
Na atual conjuntura, verifica-se,
sobretudo, a prevalência de um espírito polêmico nos novos movimentos
religiosos, quer autônomos, quer católicos. A busca da afirmação da
própria identidade tem confundido muita gente de boa fé. Há os que pensam
que para afirmar-se é preciso destruir o outro. Tal postura redunda em um
total equívoco, pois a identidade de um ser se torna mais evidente no
convívio com o outro. É o outro, em outras palavras, que afirma a nossa
identidade.
Faz-se necessário reconhecer que há um diálogo mais
profundo em marcha, que não se dá no mundo das idéias e discussões
teológicas, mas no chão concreto da vida. O que para os teólogos é objeto
de especulação, para o povo de Deus é prática de sobrevivência. Nas
Comunidades Eclesiais de Base e nos mais diversos movimentos populares, os
pobres já aprenderam que a fome, a falta de terra, de água são ecumênicas.
Atingem a todos: católicos, evangélicos, "crentes" e não crentes.
É
neste prisma que se compreende que "o empenho fundamental que deve existir
entre as religiões neste novo horizonte ecumênico vai no sentido de
promover uma comunidade humana de afirmação da vida, uma comunidade
fundada no encontro, na justiça e na paz. Dar vida a este mundo: este é o
grande desafio enfrentado hoje pelas religiões. As religiões não podem
existir para si mesmas, seu objetivo fundamental é fazer com que o humano
viva mais próximo da divindade mediante a experiência do amor. Este é o
grande sentido da oração sacerdotal de Jesus em favor da unidade no
Evangelho de João: "para que todos sejam um, como nós somos um: Eu neles e
tu em mim. (...) a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu
neles (Jo 17,22-23.26)"(6).
Permanece, porém, o maior desafio no
campo do diálogo inter-religioso: reconhecer que o pluralismo religioso
não só não constitui um mal, um pecado, uma limitação humana, mas
expressão do multiforme mistério de Deus. Sem negar a plenitude da ação
salvífica de Jesus Cristo, reconhecer que o mistério de Deus é inesgotável
e não plenamente apreendido por nós.
Sem uma grande dose de
humildade, corremos o risco de roubarmos o lugar de Deus e transformarmos
tudo o que Ele nos deu como Graça (a Eucaristia, a Igreja e Maria) em
obstáculos para a realização do sonho de Jesus: "Que todos sejam
um".
Pe. Manoel
Godoy -------------------------------- (1) Pontifício Conselho
para o Diálogo inter-religioso, Diálogo e Anúncio, Petrópolis, 1991,
73c. (2) Idem, nº 9. (3) Frisotti, Heitor, "Passos no Diálogo", São
Paulo, Paulus, 1996, pp. 16-17. (4) (cf. Ad Gentes, 11). (5) (cf.
Tertio Millennio Adveniente, 35). (6) Teixeira, Faustino L. Couto,
"Novos paradigmas resultantes do diálogo inter-religioso",
apostila.