Projeto Rumo ao Novo Milênio
Devemos pedir perdão? A proposta do Papa para entrarmos
renovados no novo Milênio e as críticas que recebeu

O Papa apresentou no último Consistório, reunião plenária dos Cardeais realizada em Roma nos dias 13 e 14 de junho de 1994, uma proposta desafiadora. Era um pedido de conversão, como em todo Jubileu. A novidade era a exigência de a Igreja Católica aprofundar a consciência de erros e culpas de seus filhos, para também declarar sinceramente seu arrependimento e, consequentemente, pedir perdão aos ofendidos.

A proposta não foi recebida com entusiasmo pelos Cardeais, que apreciaram mais outras sugestões do Papa, como o encontro de representantes de todos os cristãos em Jerusalém ou Belém, uma peregrinação de judeus, muçulmanos e cristãos ao monte Sinai etc.

Reconhecer os escândalos antievangélicos dos cristãos
O Papa não se assustou com as críticas recebidas - respeitosas, mas incisivas. Retomou a proposta na carta "Tértio Milênnio Adveniente" (TMA), publicada em 10 de novembro de 1994, apontando principalmente duas "verdadeiras formas de antitestemunho e de escândalo" dos cristãos:

  • a divisão entre os próprios cristãos (o segundo milênio começou com a excomunhão recíproca entre as igrejas de Roma e de Constantinopla, em 1054; é marcado pelas divisões dos cristãos do ocidente deste o séc. XVI; e termina com numerosas guerras civis, onde cristãos lutam ferozmente contra outros cristãos...) (cf. TMA 34);
  • o uso da intolerância e da violência na difusão da fé cristã, a serviço daquilo que os cristãos acreditavam ser a verdade (nesta lista podemos colocar as Cruzadas contra os Mouros, na Espanha e na Terra Santa; a perseguição aos judeus; a Inquisição; a conquista da América e de outros Países extra-europeus, misturando colonização e evangelização...) (cf. TMA 35).
Por que não?
Muitos tradicionalistas se apressaram a criticar o Papa, seguidos com mais prudência por alguns cardeais. Vamos lembrar algumas dessas críticas, reconhecendo que o tema é difícil, tanto mais explicado em poucas linhas. Mas essencial está claro e "a bom entendedor meia palavra basta".

A primeira objeção à proposta do Papa foi que é difícil compreender um passado remoto, afastado de nós. Podemos correr o risco de julgar com critérios de hoje fatos acontecidos em outro contexto, como Cruzadas (quem sabe direito como começam, faz 900 anos?), perseguição aos judeus, Inquisição, causas do protestantismo ou massacre de indígenas das Amoriscas no século XVI.. É verdade. Mas também não se pode renunciar a um esforço de adquirir uma imagem mais objetiva, mais justa, deste passado. Não podemos julgar só do nosso ponto de vista, exclusivamente católico.. Muitos progressos foram feitos nas últimas décadas para ouvir o ponto de vista do outro. Sabemos hoje como as Cruzadas foram contadas pelo árabes ou pelos cristãos bizantinos. Superamos a imagem deformada e simplista de um Lutero psicopata, doentio, único culpado de um processo de divisão do Ocidente cristão, que foi pintada por eruditos católicos até as primeiras décadas do século XX! Sabemos que as feridas do Ocidente cristão têm causas muito mais amplas, inclusive o incrível atraso na "reforma" da Igreja romana, solicitado por tantos santos...

Apenas lendas contra a Igreja?
Outra objeção, mais radical provavelmente fruto da ignorância, é aquela que diz que não precisamos pedir perdão por "lendas anticleriais". O problema é que não se trata de lendas, mas de eventos ainda vivos na memória das populações que os sofreram. Assim o Oriente cristão, e não apenas os muçulmanos, conservam um ressentimento profundo por aquilo que significam as Cruzadas, pelos massacres impiedosos que os acompanharam, pelo desprezo da Igreja do Oriente pelos latinos. Ou seria simplesmente lenda o anti-semitismo (= ódio dos judeus) por parte dos cristãos, que provocou - em Países cristãos - o massacre de seis milhões de judeus ainda no século XX (1939-45) e emenda até hoje a paz na terra de Jesus? Ou é pura "lenda negra" o desaparecimento de grande parte das populações e culturas indígenas no Caribe, no México ou no Brasil, após a chegada de espanhóis e portugueses, desprezando os direitos humanos fundamentais, "jus gentium", o direito dos povos? Ou não percebemos que até hoje, na Iugoslávia ou na Bósnia ou no Burundi, são cristãos que se matam entre si com crueldade e violência incríveis, massacrando homens, mulheres e crianças?

A Igreja é humana e sempre deve vigiar e renovar-se
Há outras objeções ainda, que são mais aceitáveis e compatíveis com a proposta do Papa. Alguém manifestou o temor de que o Jubileu do ano 2.000 olhasse demais para a Igreja e pouco para Cristo. Mas esse exame de consciência seria possível, se a Igreja não tomasse Cristo como referência e modelo do seu comportamento? É olhando para Jesus, que tomamos consciência de nossas falhas. Outros sugeriram que a Igreja olhasse mais para as responsabilidades de hoje do que para o passado: sugestões que o Papa acolheu (cf. TMA 36).

A grande objeção, no fundo, é que A Igreja não pode admitir que tenha errado, que tenha culpas. Esqueceu-se a verdade reconhecida pelo Vaticano II: "A Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercia continuamente a penitência e a renovação" (Lumen Gentium 8).

Por que pedir perdão?
Poder-se ia lembrar a palavra de Jesus (Mt 5, 23-24): "Se você for até o altar para levar a sua oferta, e aí se lembrar que seu irmão tem algo contra você, deixe aí a sua oferta e vá primeiro reconciliar-se com seu irmão..." Como reconciliar-se com Deus, num "ano santo", sem antes reconciliar-se com os irmãos?

Mas principalmente gostaríamos de lembrar o sentido do perdão. Não perdoar significa considerar que o passado está morto e não pode ser modificado em nada. Significa aceitar que as coisas permaneçam para sempre como estão: os cristãos, divididos; os judeus, perseguidos; os muçulmanos, inimigos dos cristãos; as vítimas, não só mortas, mas condenadas sem apelação, mesmo as vítimas inocentes. Perdoar, ao contrário, significa superar o passado e permitir que seja resgatado, redimido:
  • se os cristãos se reconciliarem, os erros e culpas do passado não serão a última palavra, mas deixarão o lugar a uma realidade nova, que dará outro sentido - mais humano, mais consoante como a vontade de Deus - ao que parecia perdido para sempre;
  • se o ódio entre os cristãos, judeus e muçulmanos terminar, as tantas vítimas dos cruéis massacres do passado não terão sido em vão. Elas serão somente não de vingança e de novo ódio, mas de reconciliação e paz;
  • se houver, nas Américas, uma sociedade mais justa e solidária, que respeite as diversas culturas, as feridas da "conquista" destruidora e da escravidão forçada poderão cicatrizar. E assim por diante.
Não é um mau sinal, para nós cristãos, que tenhamos tanta dificuldade em perdoar e pedir perdão: Não é Jesus o revelador de um Pai que perdoa? Quem somos nós para deixar de perdoar? Esquecemos Mateus 18, 21-35? Deixaremos passar despercebida essa palavra do Papa, tão evangélica? O desafio é enorme, mas o primeiro passo não é impossível: pedir e conceder o perdão, como todo dia rezamos (conscientemente) no "Pai Nosso".

Pe. Alberto Antoniazzi


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