HISTÓRIA
ANTECEDENTES
A 'Caxemira' compreende todo o estado de Jammu e Caxemira, conforme existia antes de outubro de 1947.
Por milhares de anos, o vale da Caxemira ficou sob o mar Tethya e as altas montanhas que hoje são vistas no vale já estiveram submersas. Os geólogos acreditam que o Vale da Caxemira tenha sido afetado por enormes ondas sísmicas que se levantaram do oceano Índico e camadas de sedimentos e rochas formaram a cadeia de montanhas do Himalaia. Essas ondas trouxeram as águas que formaram os lagos. No início, a Caxemira era uma extensão de água e os primeiros habitantes tinham suas casas sobre a água. No decorrer do tempo, surgiram ilhas de terra e inicou-se o processo de migração. Há diversas teorias para essa evolução. Uma grande erupção vulcânica teria aberto uma cratera nas montanhas e drenado a água. Os terremotos são comuns na região e cinza de lava é facilmente encontrada nas montanhas.
O registro histórico da Caxemira, embora parcialmente envolto em mito, retrocede há quase 3 mil anos. Durante todo esse tempo, a Caxemira foi reconhecida como uma entidade distinta cultural e fisicamente. Embora tenha se submetido por breves períodos a vários poderes dominantes - principalmente os Mauryas, os Kushanas, os Guptas e os Hunas, nesta ordem - a Caxemira, de um modo geral, permaneceu um estado independente até a sua incorporação ao império mogol, em 1586.
Na mitologia hindu, o grande lago (Satisar) era habitado por Nagas, que temendo o demônio (Jaladeo) suplicou a Kashyap (o sábio). O sábio iniciou uma longa penitência para libertar Nagas. Shiva (deusa hindu) desceu à terra e com um duro golpe abriu uma cratera nas montanhas, drenando a água e as pessoas passaram a viver na superfície. Existe também uma lenda sobre o rei Salomão que teria usado métodos engenhosos de canalização, drenando as águas, usando a força de trabalho humana.
Uma outra tradição conta que o Vale da Caxemira era conhecido pelo nome de Kashyapmar, ou a morada de Kashyap Rishi. Quando Rishi partiu em peregrinação à Caxemira e alcançou Naukabandan, perto de Kaunsarnag, ele matou Bahudev, o Gigante de Satisar, a pedido do povo e deixou que a água do lago passasse perto de Baramulla. Aquela região ficou conhecida como Kashyampar, que depois mudou para Kashmar e de Kashmar para Kashmir. Outra corrente acha que a região tomou esse nome quando o povo de Kash se estabeleceu definitivamente no vale, que passou a ser conhecido como Kashmir. Qualquer dessas versões carece de fundamentação histórica ou científica.
O budismo foi introduzido no século III a.C, pelos missionários de Ashoka, neto de Chandra Gupta, o rei maurya que transformou Srinagar na capital de seu grande império. Os budistas governaram até o século VIII e deixaram sua marca nos monastérios, principalmente em Ladakh. Depois vieram os hunas e os ujjan.
No século VII, Durlabhavarrdhana fundou a dinastia Karkota, que permaneceu até 855 d.C. O reinado hindu de Lalitya Dityas Muktapid (724-761), o membro mais expressivo da dinastia Karkota, marcou um período de grandeza e esplendor para a região. Tendo a Caxemira por base, seus exércitos conquistaram vários países da Ásia e Índia. O Punjab, sul da Índia, Irã, Bengala, Gujarat, Turquestão, Tibé foram conquistados por ele. No Sindh ele acabou com o domínio árabe. Suas vitórias criaram um sentimento de orgulho na população e foram celebradas, quatrocentos anos após sua morte, pelo grande poeta do século XII, autor de autor de Rajatarangi (Rio de Reis), Pundit Kalhane. Ele também foi um grande construtor e entre suas obras estão a construção de grandes templos como o de Khir-Bhawani, Martand (templo do sol), Avantipor e Pandrethan, que ainda permanecem de pé e que nos remontam a uma época em que as atividades nos campos da arte, literatura e arquitetura predominaram. Ele estabeleceu o exemplo da Caxemira como um país independente.
Depois de sua morte, seguiu-se uma série de governantes fracos, com exceção de seu neto, Jayatida, que patrocinou o ensino e estendeu esse patrocínio a Bhavabhuti, Vakpatrija, Udhata Bhata, Damodhar Gupta, Manoratha, Sankhdanta e Samadhimat etc. Com a morte de Jayatida, a dinastia Karkota entra em declínio, todos os territórios conquistados tornam-se independentes e a autoridade do governante da Caxemira fica limitada à bacia do Vitasta. Os hábitos extravagantes dos governantes apressaram a ruína econômica. Segundo o poeta Kalhane "os ministros e nobres arrebatavam as receitas do país, regalavam-se no reino sem dono, como lobos disputando um búfalo morto no deserto". Apesar de tudo isto, o reinado Karkota pode ser considerado como um dos períodos mais gloriosos e notáveis da antiga Caxemira.
A dinastia karkota foi substituída pelos Utpalas. O reinado de Unmattavati (939-944) foi de repressão e tirania. Ele rasgava o ventre das mulheres grávidas para observar os fetos, cravava a adaga entre os seios de mulheres nuas. Mais tarde, seguiram-se os Tantrins, os Yaskaras e os Parva Gupta. Didda, uma rainha gupta viúva, governou a Caxemira até 1003 d.C., quando a dinastia Lohara assumiu o poder.
O histórico de repressão continuou durante o reinado de Harisha (1089-1101). Pundit Kalhane, escreveu "A Caxemira pode ser conquistada pela força do espírito porém jamais pela força dos soldados", e que vale a pena ser lembrado em razão do momento político atual que vive a Caxemira.
O período de relativa tranquilidade foi breve. Zulfi Khan (1300-1320), um tártaro da família de Gêngis Khan, invadiu a Caxemira e entregou-se a massacres implacáveis, saques e incêndios. Ele morreu numa nevasca ao cruzar o desfiladeiro de Devasar e foi substituído por um curto período por Simha Deva e seu aliado Ram Chand. Quando o príncipe Rinchen tomou o poder, matou Ram Chand e casou-se com sua filha, Kuta Rani. Rinchen converteu-se ao Islam e passou a se chamar Sultão Sadru-ud-din. Ele mandou construir a grande mesquita Jama e Ziyarat para Bulbul Shah, que tinha sido seu mentor. Com a morte de Rinchen, o irmão de Simha Deva, Udayadeva, casou-se com a viúva Kuta Rani e governou por 50 dias. Shah Mir, um muçulmano que tinha sido conselheiro de Rinchen, tomou o trono e iniciou a dinastia Sultan, que duraria 200 anos, quando o imperador mogol, Akbar, conquistou e anexou a Caxemira ao seu vasto império.
Até 1325, a região foi governada por 155 rajás independentes e soberanos. De 1325 a 1585, por sultões muçulmanos independepentes e soberanos. A partir de 1586, inicia-se um período de ocupações e lutas pela liberdade. Hoje, 1/3 da Caxemira é ocupada pelo Paquistão e 2/3 pela Índia.
PERÍODO MUÇULMANO
Depois da morte da rainha Kota, subiu ao trono o sultão Shamas-ud-din e sua dinastia dominou o território por 222 anos. Este período é um dos mais importantes da Caxemira, durante o qual o Islam foi introduzido. O Islam chegou ao Vale em 1372, quando surgiu na região Mir Syed Ali Hamadani (Shah-I-Hamadan) vindo da Ásia Central com milhares de seguidores, divulgando a mensagem islâmica e obtendo grande aceitação por parte da população que passou a se converter em massa. Enquanto isto, Shah Mir morria em 1389, sendo substituído por Sultan Sikander, que governou por 24 anos. Ele foi o responsável pela destruição de ídolos dos hindus convertidos. Sikander foi substituído por Zainul Abidin.
Na dinastia de Shamas merecem destaque dois grandes governantes, o sultão Shihabud-din e o sultão Zain-ul-Abdin. O primeiro liderou seus exércitos e conquistou o Sindh, derrotou os afegãos próximo a Peshawar e conquistou Cabul, Ghazni, Candahar, Pakhali, Swat e Multan. Em seguida, dirigiu-se para Dardistan e Gilgit, que foram facilmente conquistadas. Depois seguiu para Kashgar, na Ásia Central, incorporando os territórios. A caminho de Dehli, ele enfrentou o exército de Ferozashah Tughlaq numa batalha inconclusiva. Foi assinado um acordo de paz que determinava que todo o território desde Sirhin até a Caxemira pertenceriam ao governante da Caxemira. Shihab-ud-din, além de grande conquistador, foi um administrador capaz e governou com justiça. Em sua época, a Caxemira gozou de grande fama e poder. Ele foi um governante tolerante e tratou os súditos hindus com generosidade.
Quanto ao sultão Zainul Abidin, conhecido como Budshah, ele inaugurou o que ficou conhecido como a Era de Ouro da história da Caxemira. Seu reinado foi excepcional em progresso, prosperidade e justiça e se estendeu pelo Tibé e Punjab. Ele mandou construir um palácio na ilha de Zainlank, onde existe a seguinte inscrição: "Que este prédio seja tão firme quanto as fundações dos céus". Ele se casou com uma indiana de Jammu e depois de sua morte, em 1470, na disputa pelo trono seus dois filhos acabaram perdendo para a família Chak.
Yusuf Shah Chak e sua esposa, Haba Khatun, eram os governantes quando Akbar, o imperador mogol, entrou na Caxemira, em 1586. Cabe salientar que Yusuf Shah foi o único rei que Akbar não conseguiu vencer numa batalha. Para derrotá-lo, Akbar usou de um artifício e fingiu que não queria mais invadir a Caxemira. Convidou-o para uma visita de cortesia e quando Yusuf chegou Akbar o fez prisioneiro e invadiu a Caxemira. A partir daí, o povo caxemire vem lutando para se libertar do jugo de governantes estrangeiros. Depois dos mogóis, vieram os afegãos, os sikhs e os dogras, que submeteram a população a toda sorte de humilhação e tortura.
PERÍODO MOGOL - 1587 A 1752
Os mogóis permaneceram no poder de 1587 a 1752, e este foi um período de prosperidade. Em 1579, o imperador mogol, Akbar, visitou a Caxemira por três vezes e com ele veio uma grande quantidade de nobres e generais do exército. A fama do Vale se espalhou e muita gente começou a visitar a região. Mas, foi no tempo de Jahangir que a beleza do lugar atraiu milhares de visitantes. O grande imperador costumava visitar o Vale e nunca vinha sozinho, trazia com ele nobres, emires, príncipes e generais do exército. Dizem que sempre que encontrava uma montanha ele aproveitava para plantar jardins. Os jardins de Shalimar e Nishat, às margens do lago Dal, são exemplos desse amor de Jahangir pelas belezas naturais. Talvez nenhum outro governante tenha celebrado mais a beleza da Caxemira do que ele.
Jardim Shalimar, mandado construir por Shah Jahangir
Shah Jahan também visitou o vale várias vezes e também sempre acompanhado de vários nobres. Ele construiu o jardin de Chashmashai e uma parte do Shalimar. Durante o reinado de Aurangezeb, filho de Shah Jahan, começam as revoltas em várias partes do país. Nas mais distantes partes do império, começa uma era de anarquia e desordem. Vários estados tornam-se independentes, o mesmo acontecendo na Caxemira.
Em 1664, Aurangzeb saiu de Delhi para a Caxemira, acompanhado por sua irmã Roshan Ara, 100.000 cavaleiros, camelos, elefantes e gado. Grande parte do gado foi perdida nas montanhas. Os governantes mogóis começam a roubar e saquear o povo e ao mesmo tempo foi o começo de uma política de intolerância religiosa e fanatismo. O povo da Caxemira já não mais aceitava o desgoverno mogol que chegou ao fim com a invasão do líder persa Nadir Shah, em 1739. Ele ocupou o trono e se apossou do famoso diamante Kohinoor, trazendo-o de volta para a Pérsia e deixando os mogóis no mais absoluto caos. O diamante, atualmente, adorna a coroa da rainha Elizabeth, da Inglaterra. Quando o afegão Ahmad Shah Abdali chegou a Lahore, em 1752, ele não encontrou muita resistência por parte da população e acabou por ocupar o Vale sem muita dificuldade. A Caxemira tornou-se parte do Afeganistão. O domínio mogol na Caxemira chegava ao fim, embora continuasse a existir no norte da Índia até 1857.
PERÍODO AFEGÃO - 1752 A 1819
Este talvez tenha sido o pior período da história da Caxemira. Os governantes afegãos governaram com mão de ferro, usando o terror como política de estado. As maiores vítimas foram os hindus, os xiítas e os bombas do vale de Jehlum. Ahmad Shah Abdali governou a Caxemira de forma implacável, ordenou execuções públicas e as pessoas eram afogadas no rio Jehlum. Os afegãos construíram o forte Hari Parbat. Azad Khan, um governante de 18 anos de idade, pilhou, matou e estuprou feito um louco. Ele cortou o estômago de seu médico porque este não tinha conseguido curar uma doença em seus olhos. Em 1818, morreu o último Abdali em Cabul e, na luta pela sucessão, seus filhos perderam a Caxemira para os sikhs.
PERÍODO SIKH - 1819 A 1846
A Caxemira continuou dependente de Cabul até 1819, quando foi conquistada por Ranjit Singh, que a anexou ao reino sikh do Punjab. Ranjit Singh nunca esteve na Caxemira mas sempre se beneficiou dos impostos e taxas, lenços e mulheres. Em 1820, o marajá Ranjit Singh deu de presente o território de Jammu para Gulab Singh, um comandante dogra, como recompensa por ter combatido os ingleses. No entanto, Gulab Singh traiu seu antigo senhor e ajudou os britânicos a derrotarem Ranjit Singh. A Inglaterra exigiu estabeleceu um preço para deixar a Caxemira. Gulab Singh aceitou e a Caxemira foi vendida a ele por Rs$ 75.000, um cavalo, 12 cabras e três lenços de cabeça. Estas foram as bases do Tratado de Amritsar. A região de Ladakh e Dardistan foi conquistada por Gulab Sing, e, em 1846, ele era o possuidor do maior principado da Índia antes da partilha, ocorrida em agosto de 1947.
Os sikhs governaram a Caxemira por um breve período de tempo, durante o qual Lahore, cidade capital que hoje fica em território paquistanês, voltada para as questões internas, prestava muito pouca atenção a situação de suas províncias. A miséria do povo aumentou devido às calamidades naturais, uma nevasca prematura que destruiu a plantação de arroz trouxe a fome. A fome trouxe doenças como a cólera e a peste. Milhares de pessoas migraram para a Índia em busca de melhor sorte. As cidades ficaram desertas e as pessoas que ficaram viviam em condições extremas de miséria e doença. Quando o marajá Ranjit Singh morreu, em 1830, foi o sinal para o motim do exército sikh que se tornou incontrolável, levando confusão e caos ao Punjab.
PERÍODO DOGRA - 1846 A 1957
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O marajá Ranjit Singh havia confiado o principado de Jammu e áreas adjacentes a Gulab Singh, seu general dogra. Gulab Singh incorporou áreas maiores ao seu controle, inclusive Ladakh, Zanskar, Gilgit e Baltistão, intitulou-se marajá e assinou um tratado em separado com a Inglaterra que lhe deu a condição de príncipe governante independente da Caxemira. Ele consolidou o poder e estabeleceu a dinastia dogra que durou um século. Ele foi muito cruel e tentou acabar com a religião muçulmana.
Quando morreu, foi substituído por Ranbir Singh (1857-1885), que ajudou a Inglaterra a retomar Delhi. Seu governo durou 28 anos e foi substituído pelo marajá Partap Singh (1885-1925), cujo reinado abriu um novo capítulo na história da Caxemira moderna. A Inglaterra queria um governo forte que enfrentasse os problemas sócio-econômicos do estado. Em 1889, Partap Singh foi destituído de sua autoridade administrativa, que passou a ser exercida por um Conselho Regencial, sob controle inglês, até 1921. Isto representou um grande alívio para os caxemires pois as leis desumanas, os trabalhos forçados e as execuções pelo abate de vacas foram abolidos. Porém, em 1906, o marajá reassumiu o poder e o histórico de tirania recomeçou. Como não tivesse tido filhos, ao morrer foi substituído por seu sobrinho, Hari Singh, nascido e educado em Paris. Ele se transformou num marajá ocidentalizado. A pesca de truta, o polo, o golfe tornaram-se comuns na Caxemira.
Ghulab Singh e seus sucessores governaram a Caxemira de forma repressiva e tirânica. A consolidação do governo dogra em Jammu e Caxemira coincidiu com o fortalecimento do movimento de libertação indiano, sob a liderança de Mahatma Gandhi. Em 1931, o sentimento anti-dogra no estado tinha criado raízes sólidas sob a liderança de Sheikh Mohammad Abdullah e de outros líderes muçulmanos. A luta de libertação indiana liderada por Gandhi logo ecoaria em muitos principados e com mais intensidade na Caxemira.
A greve dos trabalhadores da fábrica de tecelagem de seda de Srinagar, em 1924, foi um marco importante no renascimento político da Caxemira. Os trabalhadores apresentaram ao vice-rei da Índia uma petição contendo suas reivindicações. Em 13 de julho de 1931, nove pessoas foram baleadas em frente à prisão central. Elas protestavam contra a profanação do Alcorão por um policial de Jammu. Este episódio ficou conhecido como o "Dia dos Mártires". Milhares de pessoas morreram em decorrência da repressão do exército Dogra e a Inglaterra criou a Comissão Glancy para investigar. O marajá não resistiu e, em 1934, baixou um ato que previa uma assembléia constituinte, onde 35 das 70 cadeiras seriam ocupadas mediante eleição. O movimento "Deixe a Caxemira", iniciado por Sheikh Abdullah, espalhou-se como rastilho de pólvora. Abdullah, um professor de ensino médio, tinha criado a "Conferência Muçulmana de Jammu e Caxemira", o primeiro partido político da Caxemira, que mais tarde transformou-se na Conferência Nacional, para que pudesse abrigar os não muçulmanos, em especial hindus e sikhs. A Conferência Muçulmana conseguiu 14 cadeiras no parlamento. No entanto, a inquietação em relação ao governo do marajá continuava. A repressão intensificou-se a ponto de Nehru declarar que "Srinagar transformou-se num cemitério. Preciso ir lá."
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De acordo com os instrumentos da partilha da Índia, em 1947, os governantes dos principados poderiam escolher livremente se queriam ser anexados à India ou ao Paquistão, ou continuar independentes. Mas, eles foram aconselhados a se anexarem ao domínio contíguo, levando em consideração aspectos étnicos e geográficos.
No entanto, o governante de Jammu e Caxemira, cujo estado se situava entre o Paquistão e a Índia, hesitava. Ele era hindu e a população majoritariamente muçulmana. A população se rebelou e a situação fugiu ao controle do marajá. O povo da Caxemira queria se juntar ao Paquistão. Ele chegou a assinar um acordo de interrupção com o Paquistão, para que atividades como comércio, viagens e comunicações não sofressem solução de continuidade. A Índia não assinou um acordo semelhante.
Em 22 de outubro, tribos pashtuns vindas do Paquistão invadiram a Caxemira, praticando toda sorte de violência contra os muçulmanos, com o objetivo de precipitar a anexação ao Paquistão. Em24de outubro, o Paquistão ocupa um terço da Caxemira e proclama o Governo Provisório de Azad Kashmir. Quando a capital estava a ponto de ser ocupada, o marajá, temendo pela própria vida, fugiu para a Índia e, cedendo à pressão indiana, assinou o Instrumento de Anexação, em 26.10.47. O exército indiano intervém na Caxemira e ocupa dois terços do território. A Caxemira foi provisoriamente anexada ao estado indiano, pois a anexação estava condicionada à realização de um plebiscito livre e imparcial, por meio do qual o povo deliberaria a respeito da questão. Esta condição ficou estabelecida em uma carta do governador geral da Índia, Lord Mountbatten, ao marajá, em 27.10.47. Na carta, Lord Mountbatten, acreditando ser a solução menos explosiva, aceitava a anexação provisória e esclarecia que o estado só seria incorporado à Índia após o referendo do povo da Caxemira. A Índia aceitou o princípio do plebiscito mas, não obstante, boicota todas as tentativas no sentido de sua realização.
Além disso, a Índia também aceitou as resoluções do Conselho de Segurança sobre a Caxemira, que convocavam um plebiscito que fosse supervisionado pela ONU para garantir que a vontade do povo de Jammu e Caxemira fosse respeitada. Desde então, Índia e Paquistão, membros da ONU, vêm apresentando suas infundadas reivindicações sobre o estado. O desejo e aspirações políticas de 13 milhões de pessoas foram deliberadamente apresentados ao mundo como significando uma disputa territorial entre a Índia e o Paquistão, e a linha de cessar-fogo acabou transformando-se virtualmente em uma fronteira internacional, que dividiu o estado de Jammu e Caxemira em Caxemira ocupada pela Índia e Caxemira ocupada pelo Paquistão.
Em 1947-48, eclodiu o primeiro combate entre forças paquistanesas e indianas sobre a questão da Caxemira. Em 1/01/49, foi declarado um cessar-fogo que criou a primeira Linha de Controle (LOC), que divide a Caxemira.
Linha de Controle que divide a Caxemira entre Índia e Paquistão (BBC)
Em 1957, contra todas as resoluções da ONU e condições estabelecidas no Instrumento de Anexação, o estado da Caxemira foi efetivamente incorporado à India. A constituição da Caxemira foi alterada e o novo artigo foi feito às pressas pelo governo de Bakshi Ghulam Mohammed, sem que o povo da Caxemira fosse consultado. O primeiro-ministro Sheikh M. Abdullah foi preso e mantido em cativeiro por 11 anos.
Em 1965, mais uma vez a Caxemira seria a causa do novo conflito entre Índia e Paquistão. O cessar-fogo foi acordado em setembro de 1965. O primeiro-ministro indiano, Lal Bhadur Shastri, e o presidente paquistanês, M. Ayub Khan, assinaram o Acordo de Tashkhent, em 1/06/66. Era uma tentativa de acabar com a disputa com a adoção de meios pacíficos.
Em 1971, estourou a guerra civil no leste do Paquistão e forças indianas mais uma vez combateram os soldados paquistaneses na Caxemira. Daí resultaram um novo cessar-fogo e a assinatura do Acordo de Shimla, por Indira Ghandi e Z. A. Bhutto, que basicamente reiterava as promessas contidas no Acordo de Tashkhent.
Isto demonstra como os vizinhos da Caxemira estão tão obcecados pela possibilidade de ganhos territoriais que negam insistentemente aos caxemires a oportunidade de exercerem o direito fundamental à autodeterminação, concedido pela ONU e aceito por ambos países. Enquanto isso, a população dos dois lados da linha divisória continua a sofrer.
A ONU, por sua vez, deixa de ter uma atuação mais efetiva para fazer cumprir suas próprias resoluções. Um exemplo disto foi a autorização concedida para a edição de um livro sobre suas conquistas nesses 50 anos de sua existência. No capítulo sobre os direitos humanos, os autores citaram uma observação feita pelo Dalai Lama, do Tibé, que diz: "é inerente á natureza do ser humano o desejo de liberdade". Mas a ONU considerou essa afirmação "inaceitável" e pediu que os autores a retirassem. Ao defenderem esta postura, que foi descrita pelo editor do livro, Jonathan Power, como "limpeza intelectual", os funcionários da ONU dizem que como o livro vem com o emblema da ONU, ela não poderia permitir que ele contivesse passagens que possam ofender qualquer de seus vizinhos. Em outras palavras, até para fazer com que a ONU condene os seus vizinhos, que são membros da ONU, a Caxemira precisaria tornar-se um membro seu. Isto só será possível no dia em que o povo da Caxemira conseguir primeiro sua independência. Não pode, sequer, reclamar à Comissão dos Direitos Humanos da ONU contra as atrocidades de torturas, assassinatos, prisões, saques e outros excessos perpetrados pelos 500 mil soldados do exército de ocupação da Índia, sediados na Caxemira. Até para isto, é preciso que algum estado membro da ONU apresente o caso perante a Comissão.
O povo da Caxemira, embora mal equipado e mal treinado, mas tem demonstrado enorme coragem e determinação nestes últimos oito anos, ao enfrentar o poder militar da Índia. Eles enfrentam uma luta crescente, mas o apoio moral e político do mundo em geral, pode tornar a luta mais fácil para eles.
CONCLUSÃO
Desde a guerra de 1971, a situação tem sido descrita como um beco sem saída, com a Índia controlando a maior parte da Caxemira e fazendo de tudo para legitimar suas reivindicações em relação à Caxemira.
Para o Paquistão, na medida em que existe uma disputa sobre o estado de Jammu e Caxemira, a questão da anexação forma um aspecto importante de seu argumento. Ao declarar que o Instrumento de Anexação foi assinado em 26 de outubro, quando claramente não foi, o Paquistão acredita que a Índia não agiu de boa-fé, o que invalidaria, assim, o Instrumento de Anexação.
Os indianos argumentam que, independente da discrepância de datas, o marajá escolheu anexar-se à Índia. Com base nessa afirmação, a Índia reivindica a propriedade de todo o estado, que inclui aproximadamente um terço do território atualmente administrado pelo Paquistão. A Índia jamais apresentou ao Paquistão ou a ONU, um documento que comprove isto. Em 1995, ela disse que o documento havia sido perdido, levantando dúvidas sobre se o marajá realmente havia assinado tal acordo.
O conflito da Caxemira foi passado para as gerações futuras e muitos daqueles que estão à frente da luta hoje, sequer eram nascidos quando o conflito começou e nem aqueles que morreram lutando pela causa da Caxemira. O estado de Jammu e Caxemira permanece colocado estrategicamente entre vizinhos poderosos e rivais. A China, a leste, as novas repúblicas da Ásia Central, ao norte e oeste, e as terras do subcontinente ao sul. No entanto, o mundo tornou-se muito mais perigoso desde 1947. A questão básica que desafia o governo da Índia é a mesma: o direito de determinar o seu futuro. Os caxemires que desafiam o governo indiano, contudo, acreditarm que é dever moral da comunidade internacional apoiar sua causa, tendo em vista, principalmente, as diversas resoluções aprovadas, por unanimidade, pelo Conselho de Segurança, pedindo que se chegue a um acordo através da realização de um plebiscito livre e imparcial sob os auspícios da ONU.
Os parâmetros do mundo mudaram e tornam a exigência dos caxemires pela autodeterminação cada vez mais forte e irreversível. É preciso que o povo da Caxemira tenha a chance de exercer o direito à autodeterminação através de um plebiscito, caso contrário permanecerá sempre como uma questão insepulta.
FONTES