Stephen Hawking
Deus, a ciência e eu
Um dos homens que mudaram a concepção do Universo, o físico inglês Stephen Hawking, conta histórias da Física e de sua vida em seu segundo livro recém-lançado na Europa.
O sucesso de Uma breve história do tempo — seu primeiro livro, traduzido em trinta idiomas e com 5,5 milhões de exemplares vendidos desde o lançamento em abril de 1988 — levou Hawking a escrever História do tempo: um guia para o leitor (ainda não editado no Brasil). Nele, o físico fala de seu empenho em aprender, comunicar-se, viver, e ainda oferece informações adicionais para auxiliar os leitores a compreender melhor os conceitos expostos em Uma breve história do tempo e também no filme de mesmo nome, dirigido por Errol Morris. Astro principal da história, Hawking estranhou o roteiro quando as filmagens começaram. Segundo ele, havia pouca ciência e muita biografia, coisa que de cara tinha descartado. Mas, depois, o cineasta o convenceu de que tinha de ser assim, pois o filme imaginado pelo físico, mais ao estilo documentário, atrairia apenas um pequeno grupo de pessoas. Hawking acabou concordan-do, pois, em sua opinião, "Morris é um homem íntegro, coisa pouco freqüente no mundo do cinema". O resultado será, com certeza, um novo best seller e um filme bem-sucedido. Reproduzimos a seguir alguns dos trechos mais surpreendentes desse guia para o leitor.
Sob o signo de Galileu
"Nasci em 8 de janeiro de 1942, exatamente 300 anos depois da morte de Galileu. Calculo, entretanto, que naquele mesmo dia nasceram outros 200 000 bebês e desconheço se algum se interessou posteriormente por Astronomia. Vim ao mundo em Oxford, embora meus pais vivessem em Londres. Era um bom lugar para nascer durante a guerra, graças ao acordo pelo qual os alemães tinham se comprometido a não bombardear Oxford nem Cam-bridge se os britânicos respeitassem Heidelberg e Göttingen (essas cidades eram e continuam a ser sede de quatro grandes e seculares universidades). Foi uma pena que esse tipo de pacto civilizado não se estendesse a outros lugares.
Meu pai era de Yorkshire, de uma família arruinada em princípios deste século e, mesmo assim, conseguiu enviá-lo a Oxford para estudar Medicina e ele logo se especializou em Medicina tropical. Minha mãe nasceu em Glasgow, Escócia, e, como meu pai, pertencia a uma família de poucos recursos. Apesar disso, ela também pôde ir para Oxford. Ao sair de lá, teve vários empregos, entre eles o de fiscal fazendária. Mas ela não gostava daquele mundo e o deixou para tornar-se secretária. Foi assim que conheceu meu pai, nos primeiros anos da guerra.
Eu era um menino bastante normal, lerdo para aprender a ler e muito interessado em como funcionavam as coisas. Na escola nunca estive entre os primeiros da classe (era um grupo muito brilhante). Quando eu tinha 12 anos, um amigo apostou com outro um saco de caramelos como eu não seria nada na vida. Não sei se a aposta foi paga ou, caso tenha sido, quem foi o ganhador.
Oxford apático
Meu pai queria que eu estudasse Medicina. Para mim, a Biologia era muito descritiva e não suficientemente fundamental. Eu preferia estudar Matemática e Física. De sua parte, meu pai achava que a Matemática não tinha outra saída que não fosse o ensino, e por isso me fez aprender Química e Física. Além do mais, ele pretendia que eu me matriculasse no mesmo centro que ele, a Universidade de Oxford. Mas lá não se ensinava Matemática naquele tempo. Quando chegou o momento, em 1959, ingressei na dita instituição para estudar Física, o que realmente me interessava.
A maioria de meus companheiros de universidade tinha feito o serviço militar e, portanto, eram maiores de idade. Durante o primeiro ano e parte do segundo me sentia muito sozinho. Até o terceiro ano não me senti à vontade. Na Oxford daquela época, a atitude predominante era o antitrabalho. Supunha-se que se deveria ser brilhante sem fazer nenhum esforço ou aceitar as próprias limitações e conseguir um título de quarta categoria. Esforçar-se para obter uma qualificação melhor era considerado coisa de medíocre, a pior palavra do vocabulário oxfordiano.
Naquele tempo, os cursos de Física de Oxford estavam enfocados de tal forma que era fácil evitar o trabalho. Tive de fazer um exame médico antes de entrar na universidade e não voltei a ser examinado outra vez até o final do curso, três anos depois. Segundo meus cálculos, devo ter estudado aproximadamente umas mil horas durante esse período, uma hora diária em média. Não tenho orgulho de ter trabalhado pouco, simplesmente descrevo minha atitude de então, compartilhada pela maior parte de meus colegas: apatia diante de tudo e a sensação de que nada valeria a pena se fosse necessário esforçar-se por alguma coisa.
Crônica de uma morte sonhada
Pouco depois de fazer 21 anos entrei no hospital para fazer uns exames. Extraíram uma amostra de tecido muscular do meu braço, me colocaram eletrodos e injetaram um líquido de contraste em minha coluna para observar, por meio de raios X, como ela subia e descia ao se inclinar a cama. O diagnóstico foi esclerose lateral amiotrófica, ou doença dos motoneurônios, como é conhecida na Inglaterra.
Ao saber que tinha uma doença incurável, que provavelmente me levaria à morte em poucos anos, sofri uma comoção. Como isso podia ter acontecido comigo? Naquela época, meus sonhos eram bastante perturbadores. Antes que diagnosticassem minha enfermidade cheguei a ficar aborrecido com a vida. Parecia nada valer a pena. Porém, pouco depois de sair do hospital sonhei que iam me executar. De repente, compreendi que se eu fosse indultado poderia fazer muitas coisas interessantes. Na raiz da minha doença cheguei à seguinte conclusão: quando temos de enfrentar a possibilidade de uma morte prematura, nos damos conta de quanto viver vale a pena.
O sentido da vida
Parecia-me não ter sentido continuar com minhas pesquisas, pois não esperava viver o suficiente para terminar o doutoramento. Com o passar do tempo, a indolência recuou. Comecei a entender a relatividade geral e a progredir em meus estudos. No entanto, o realmente decisivo foi meu compromisso com uma mulher chama--da Jane Wilde. Ela me deu uma razão para viver e me fez entender que tinha de conseguir um trabalho se queríamos nos casar.
Meu pedido para fazer pesquisa em Cam-bridge foi aceito, embora tenha me decepcionado ao saber que meu orientador não seria Fred Hoyle e sim um desconhecido chamado Dennis Sciama (provavelmente, Hawking não o conhecia na época, mas ele é um dos maiores físicos do pós-guerra). Tanto um quanto outro acreditavam na teoria do estado estacionário, segundo a qual o Universo não teria princípio nem fim no tempo. No final, a mudança de orientador re-sultou muito gratificante. Hoyle viajava sem cessar ao exterior, e era provável que eu o visse muito pouco. Sciama, ao contrário, estava sempre à mão, e sua presença era estimulante, ainda que freqüentemente não compartilhas-- se de suas idéias. Assisti ao seminário no qual se anunciou a existência dos pulsares (estrelas que emitem pulsos regulares de rádio, e pare-- cem uma mensagem cifrada, daí a piada de que seriam sinais de extraterrestres). A sala esta-- va enfeitada com homenzinhos verdes de pa-- pel. Os primeiros quatro pulsares descober-tos foram batizados de LGM I, II, III e IV. LGM é a sigla em inglês para Little green men, homenzinhos verdes.
No princípio foi a singularidade
As observações das galáxias remotas indi-cam que elas estão se distanciando de nós. O Universo está em expansão. Isto quer dizer que os astros tinham de estar mais juntos no passado. E aqui surge uma questão: houve um tempo em que todas as galáxias estiveram comprimidas num único ponto e a densidade do Cosmo era infi-nita? Ou houve uma fase prévia de contração na qual as galáxias evitaram se chocar? Talvez tenham passado umas ao lado das outras em grande velocidade e em seguida começado a se distanciar. Para responder a essa pergunta eram necessárias novas técnicas matemáticas. Estas, em sua maior parte, foram desenvolvidas entre 1965 e 1970 por Roger Penrose e por mim mesmo. Nós as utilizamos para demonstrar que se a teoria geral da relatividade estava certa, de-via haver um estado de densidade infinita no passado. Esse fenômeno é conhecido como a singularidade do Big Bang e constituiria o princípio do Universo. Diante dele, todas as leis co-nhecidas da ciência viriam abaixo. Isso signi-ficaria que, se a relatividade geral está corre-ta, nós cientistas não poderíamos deduzir co-- mo começou o Cosmo.
Buracos negros e espaguetes
Cair num buraco negro se transformou num dos horrores comuns da ficção científica. Porém, os buracos negros já podem ser considerados realidades científicas. Como é lógico, os escritores de histórias fantásticas somente se interessam pelo que acontece se você despencar num deles. Uma idéia muito difundida é que se o buraco negro tem um movimento rotatório, você pode entrar num pequeno vazio de espaço-tempo e sair em outra região do Universo. Obviamente, isso abre enormes possibilidades às viagens pelo Cosmo. Com efeito, necessitamos algo assim para poder visitar outras estrelas, para não dizer outras galáxias. Do contrário, já que nada pode viajar mais rápido que a luz, um périplo de ida e volta à estrela mais próxima duraria oito anos. Esqueçamos os fins de semana em Alfa Centauro. Por outro lado, se pudéssemos passar através de um buraco negro, reapareceríamos em qualquer lugar do Universo. Assim, não fica muito claro como conseguiríamos chegar ao nosso destino: seria o mesmo que planejar férias em Virgem e acabar na nebulosa do Caranguejo.
Sinto ter que desiludir o turista galáctico do futuro, mas as coisas não são assim: se saltasse dentro de um buraco negro, você ficaria em pedaços e seria esmagado até não restar nenhum sinal. Apesar disso, as partículas que foram seu corpo seriam transportadas, de certo modo, a outro mundo. Não sei se isso serve de consolo a alguém que é convertido em espaguete no inte-rior de um destrutivo turbilhão espacial.
O astronauta reciclado
Uma noite, pouco depois do nascimento de minha filha Lucy, comecei a pensar nos buracos negros enquanto me preparava para deitar. Devido à minha incapacidade física, essa simples rotina cotidiana se convertera num processo bastante lento. Por isso, dispunha de muito tempo. De repente, compreendi que a área do horizonte de eventos (a superfície que delimita o buraco negro) sempre aumenta com o tempo. Estava tão entusiasmado com minha descoberta que quase não dormi naquela noite. O aumento dessa zona fronteiriça indicava que um buraco negro possui uma quantidade chamada entropia, a medida do nível de desordem que contém. E se tem entropia, deve ter também uma temperatura. Bem, se você aquecer um atiçador no fogo, ele vai ficar vermelho e emitir radiação. Mas um bu-raco negro não irradia absolutamente nada pois nada escapa dele.
A relatividade geral é considerada uma teoria clássica. Pressupõe um caminho único definido para cada partícula. Porém, segundo a outra grande teoria do século XX — a da mecânica quântica —, existe um elemento de probabilidade e incerteza. Durante o tempo que visitei Moscou, em 1973, discuti com Yakov Zeldovich, o pai da bomba de hidrogênio soviética, o efeito da mecânica quântica sobre os buracos negros. Pouco depois, fiz meu achado mais surpreendente. Descobri que as partículas se filtrariam através do horizonte de eventos e escapariam do buraco negro. Primeiro contei isso a Sciama e logo me dei conta de que o segredo não era mais segredo. Roger Penrose me telefonou durante um jantar de aniversário. Estava tão entusiasmado e falou tanto tempo que, quando desligou, minha comida estava completamente fria. Foi uma pena: era ganso, um dos meus pratos favoritos.
Eu ainda não acreditava totalmente. Convenci-me de que os buracos negros emitem radiação quando encontrei o mecanismo que podia fazer isso acontecer. Segundo a mecânica quântica, o espaço está cheio de partículas e antipartículas virtuais que de forma constante se materializam em duplas, se separam, logo voltam a se juntar e se aniquilam. Na presença de um buraco negro, pode ser que uma das partículas desse par caia no seu interior deixando a outra sem companheira para destruir. A partícula abandonada constitui a radiação emitida pelos buracos negros. A mecânica quântica admite que uma partícula escape de uma dessas terríveis gargantas galácticas, coisa que a teoria da relatividade não permitia.
Einstein jamais aceitou a mecânica quântica devido a seu componente de improbabilidade e incerteza. Ele dizia: "Deus não joga dados". Parece que o gênio alemão estava duplamente equivocado. Os efeitos quânticos dos buracos negros sugerem que Deus não apenas joga dados como às vezes os tira de onde ninguém pode vê-los. Todas essas descobertas nos têm mostrado que o colapso gravitacional não é tão definitivo como pensávamos. Se um astronauta cair em uma garganta galáctica, será devolvido ao resto do Universo em forma de radiação. Nesse sentido pode-se dizer que o astronauta será reciclado.
Cada vez mais sereno
Até 1974 podia comer, sentar e levantar sem ajuda. Jane foi capaz de cuidar de mim e criar dois filhos sem a ajuda de ninguém. Mas as coisas estavam fi-cando cada vez mais difíceis e decidimos que um de meus estudantes viria mo-rar conosco.
Tempo real e tempo imaginário
Meu interesse pela origem e destino do Universo se reavivou em 1981, quando assisti a uma conferência sobre Cosmologia no Vaticano. Depois, o papa João Paulo II, que ainda estava se recuperando de um atentado contra sua vida, concedeu-nos uma audiência. Ele nos disse que era correto estudar a evolução do Universo depois do Big Bang, porém não devíamos indagar sobre a Grande Explosão em si, pois esse foi o momento da Criação, e portanto, obra de Deus. Alegrei-me por ele não saber o tema de minha conferência: a possibilidade de o espaço-tempo ser finito, mas sem fronteira, o que significaria que não tinha havido um começo. Em meu trabalho As condições de fronteira do Universo, eu sugeria que o espaço e o tempo eram finitos em extensão, porém estavam encerrados em si mesmos, sem limites, da mesma forma que a superfície do planeta Terra é finita ainda que não tenha fronteiras. Em nenhuma das minhas viagens consegui cair da borda do mundo.
Na época da conferência do Vaticano não sabia como utilizar essa idéia para fazer previsões sobre o comportamento do Universo. Entre 1982 e 1983 trabalhei com meu amigo e colega Jim Hartle, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, e demonstramos como utilizar o conceito da inexistência de fronteiras para calcular o estado do Cosmo em uma teoria quântica da gravidade. Se a proposta da ausência de limites for correta, não haveria nenhuma singularidade e as leis da ciência seriam sempre váli-das, inclusive a do começo do Universo. Tinha conseguido realizar minha ambição de descobrir como tudo começou. Ainda assim, continuo sem saber por que o fiz.
Para falar de nossas origens, necessitamos de leis que possam ser válidas em qualquer estado. No tempo real só existem duas possibilidades: que este se prolongue para trás, no passado, para sempre, ou que tenha um princípio. Pode-se então imaginar uma linha que vá do Big Bang ao Big Crunch (o colapso final do Universo). Mas também pode-se considerar outro sentido do tempo, em ângulo reto ao tempo real. É a chamada direção imaginária. Nela não há por que haver singularidade que constitua um começo ou um fim para o Universo. O espaço não seria criado nem destruído. Talvez o tempo imaginário seja o autêntico tempo real e o que chamamos tempo real seja somente um produto de nossa imaginação.
Um lugar para Deus
A maioria das pessoas acredita que Deus permite a evolução do Universo de acordo com um conjunto de leis, sem precisar intervir nele. Mas continuaria sendo assunto divino dar corda ao relógio e escolher o momento de fazê-lo funcionar. Se o Universo teve um começo, podemos supor que teve um criador. Porém, se o Cosmo, com efeito, se contém em si mesmo, há lugar para um sumo Criador? Em certa ocasião, Einstein perguntou: "Que grau de deliberação teve Deus na gênese do Universo?" Se a proposta da ausência de limites estiver correta, ele não teve nenhuma liberdade para escolher as condições iniciais. Só pôde escolher as leis que regeriam sua obra magistral.
De fato, é possível que não tenha havido tal determinação. Na realidade, pode ser que exista somente uma teoria unificada que permita a existência de estruturas tão complicadas como os seres humanos, indivíduos capazes de investigar as leis do Universo e questionar sobre a natureza de Deus.
Minha última assinatura
Em 1979, fui eleito professor de Matemática na mesma cátedra que, um dia, fora ocupada por Isaac Newton. Há um enorme livro que todos os professores da universidade devem assinar. Depois de mais de um ano ali, eles se deram conta de que eu ainda não o havia assinado. Trouxeram-me o livro e assinei com certa dificuldade. Aquela foi a última vez que escrevi meu nome.
Voz da ciência
Antes da intervenção cirúrgica, minha fala havia se tornado ininteligível e poucas pes-soas que me conheciam conseguiam me en-tender. Ditava meus trabalhos científicos e dava seminários com a ajuda de um intérprete. A traqueotomia me privou totalmente dessa função, tão corriqueira nos outros. Durante algum tempo, a única maneira que eu tinha de me comunicar era soletrando as palavras e levantando as sobrancelhas quando alguém assinalava a letra correta numa cartolina com o alfabeto. Com esse método, era bastante difícil manter uma conversa, quanto mais re-digir um trabalho científico.
Por sorte, um especialista em Informáti-ca, da Califórnia, ciente da minha situação, mandou um programa que me permitia sele-cionar palavras de uma série de menus na tela apertando uma tecla com o dedo. O apa-relho também funciona com outro botão acionado por um movimento da cabeça ou dos olhos. Quando tenho frases suficientes posso mandá-las para um sintetizador de voz que, junto com o computador, está acoplado à minha cadeira de rodas. Esse sistema permite que agora eu me comunique muito melhor. Posso construir até quinze palavras por minuto e dizer o que escrevi ou gravar num disco. A voz é muito importante, pois se temos uma fala inexpressiva é mui-to provável que as pessoas nos tratem como deficiente mental. Meu sintetizador é o me--lhor de quantos ouvi, pois muda de entonação e não vocaliza como se fosse um robô estú-- pido. O único problema é que me deu um sotaque americano.
Adeus ao passado
O que aconteceria se o Universo deixasse de se expandir e começasse a se contrair? A seta termodinâmica se inverteria e com o tempo começaria a diminuir a desordem? Veríamos xícaras quebradas se recompondo no chão e saltando de novo sobre a mesa? Recordaría--mos as cotações da manhã e faríamos fortu-- na na Bolsa? Eu acreditava que o Cosmo te-- ria de voltar a um estado de calma e ordem quando começasse a se contrair. Se fosse as--sim, durante essa fase as pessoas viveriam suas vidas ao contrário. Morreriam antes de nascer e se tornariam progressivamente mais jovens conforme o firmamento diminuísse. Estava enganado. Eu estava utilizando um modelo de Universo demasiadamente sim-plificado. O tempo não mudará de direção quando o Universo começar a se contrair. E as pessoas, infelizmente, continuarão a envelhecer como sempre.
O Big Crunch
O Cosmo tem dois pos-síveis destinos. Pode continuar se expandindo sempre ou contrair-se de novo e terminar com o Big Crunch. Sou defensor da segunda tese. Tenho, sem dúvida, certas vantagens sobre outros profetas do fim do mundo. Aconteça o que acontecer, é pouco provável que dentro de mil milhões de anos eu esteja aqui para me dizerem que estava enganado.
A borda da morte
Voltava para casa, na noite de 5 de março de 1991. Estava escuro e chovia. A cadeira de rodas tinha luzes de bicicleta dianteiras e traseiras. Ao atravessar uma avenida, vi uns faróis que se aproximavam, mas julguei que poderia cruzar a rua com segurança. No entanto, o veículo andava mais rápido do que eu pensava. Quando me encontrava no meio da avenida, a enfermeira gritou: "Cuidado!" Ouvi o chiado das rodas e o carro chocou com a parte traseira de minha cadeira. Sofri um tremendo golpe. Terminei caído no asfalto e gravemente ferido.
Conheceremos o Criador
Se chegarmos a descobrir uma teoria completa, com o tempo esta deveria ser compreensível para todos e não só para um pequeno grupo de cientistas. Então, todo o mundo poderia discutir sobre a existência do ser humano e do Universo. No caso de encontrarmos a resposta a esta questão, alcançaríamos o triunfo final da razão humana, porque nesse momento conheceríamos a mente de Deus. Teríamos tornado realidade todos os nossos sonhos.
O dicionário do senhor Hawking
Antipartícula: cada partícula elementar tem uma antipartícula do mesmo tipo. Quando uma se encontra com a outra, elas se aniquilam mutuamente, deixando apenas energia.
Big Bang: a singularidade do começo do Universo, quando tudo estava concentrado num unico ponto de densidade e temperatura infinitas.
Big Crunch: singularidade que se produzirá no final do Universo, caso ele entre em colapso até tornar-se um úni-co ponto de densidade e temperatura infinitas.
Buraco negro: região do espaço-tempo da qual nada pode sair devido à sua força gravitacional muito concentrada. Nem sequer a luz é suficientemente veloz para escapar: portanto, a zona não emite radiação e parece negra. Porém, o princípio de incerteza da mecânica quântica admite que partículas e radiação se filtrem para fora.
Espaço-tempo: descrição quadridimensional do Universo, segundo a teoria da relatividade, unindo as três dimensões do espaço e a única dimensão do tempo.
Horizonte de eventos: fronteira de um buraco negro. Uma vez atravessada, é impossível escapar dele.
Mecânica clássica: sistema de leis no qual cada objeto tem uma posição e uma velocidade determinadas.
Mecânica quântica: sistema de teorias no qual as partículas não têm posições nem velocidades determinadas e se comportam, de certo modo, como ondas.
Princípio de incerteza: supõe que não se pode estabelecer com exatidão a posição e a velocidade de uma partícula; quanto melhor se conhece uma delas, pior se conhece a outra.
Pulsar: estrela de nêutrons em rotação, que emite pulsações de ondas de rádio quando seu campo magnético interage com o campo magnético que a rodeia.
Quasar: segundo se acredita, consiste no núcleo de uma galáxia em cujo centro há um enorme buraco negro rota-tório no qual cai continuamente grande quantidade de ma-téria. Esta alcança uma temperatura muito alta e emite muita energia antes de ser apanhada pelo buraco negro. Os quasares estão muito longe, mas podem ser observados devido à sua alta potência.
Radiação de Hawking: partículas elementares e ra-dia-ção emitidas pelo horizonte de eventos dos buracos ne-- gros. Quanto menor é o buraco, maior é a quantidade de radiação de Hawking, chegando a uma grande explosão quando, finalmente, o buraco se evapora e desaparece.
Relatividade geral: a segunda teoria da relatividade de Einstein (1916), estabelece que a gravitação é o resultado de distorções na geometria do espaço-tempo (isto é, uma geometria que não considera só a distância entre pontos no espaço, mas também a distância entre pontos no tempo) e estabelece que os campos gravitacionais interferem nas medidas de um e outro.
Segunda lei da termodinâmica: estabelece que a quantidade de desordem do Universo, ou entropia, aumenta com o tempo. Diferencia-se das outras leis porque nem sempre é certa — existe minúscula possibilidade de a desordem não aumentar, num certo sistema. Também depende de o Universo ter começado num estado caótico.
Singularidade: ponto no qual o espaço-tempo se curva infinitamente e chega a um fim. A teoria clássica da relatividade geral prevê que este fenômeno ocorre, porém não pode descrever como se comporta, porque ao chegar a este ponto suas leis já não funcionam.
Teoria da ausência de limites: propõe que o espaço e o tempo imaginário formam juntos uma superfície finita em extensão, ainda que sem fronteiras nem bordas. Nessa teoria, o espaço-tempo seria como a superfície da Terra, porém, com duas dimensões a mais.
O filme de uma vida
Longe de conformar-se em ser um dos cientistas vivos mais admirados pelo grande público, Stephen Hawking decidiu passar para um campo mais popular: o cinema. Por isso, mergulhou na tarefa de modelar em celulóide o autêntico filme de sua vida. Passo a passo com o diretor Errol Morris, o próprio físico supervisionou a filmagem do documentário Uma breve história do tempo, baseado em sua biografia.
Numa espécie de "esta é a sua vida", Morris recolheu testemunhos dos personagens que mais influenciaram a carreira do cientista. Os parentes, os colaboradores e alunos mais próximos, incluídos alguns dos pesquisadores mais importantes do mundo, concordaram em colocar-se diante da câmera para mostrar o mundo particular e cotidiano do privilegiado Hawking. O resultado de três anos de trabalho duro e centenas de horas de filmagens são os noventa minutos de entrevistas pessoais que es-tão sendo exibidos nos cinemas de uma parte da Europa.
QUANDO OS GÊNIOS SE ENCARAM NO FIM DO MUNDO
No mais importante duelo teórico dos últimos dez anos, os dois cérebros mais criativos da Física atual, os ingleses Stephen Hawking e Roger Penrose, discutem como nasceu e como
vai acabar o Universo.
Por: Flávio Dieguez
Os buracos negros não são apenas corpos ultrapesados, criados pela implosão de uma estrela gigante. Eles são como o fim do mundo, um lugar dentro do qual já não faz sentido falar em tempo ou espaço, e deixam de valer todas as leis conhecidas da Física. Para todos os efeitos, essas obscuras esferas estão fora da realidade, pois ninguém pode ver, ou mesmo analisar, o que existe no seu interior. Mas os físicos acreditam que, escondida nessas regiões proibidas, chamadas de "singularidades", está a chave para entender toda a evolução do Universo, desde o seu primeiro momento de existência até os seus últimos dias.
Não foi à toa, portanto, que as singularidades dominaram por completo o mais importante "pega" teórico dos últimos dez anos, em que trocaram chumbo os dois cérebros mais criativos da Física contemporânea, os ingleses Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, e Roger Penrose, da Universidade de Oxford. Hawking deu um show de inteligência e de bom humor durante toda a discussão. Mostrou, como vem fazendo há anos, que sua mente continua imune ao mal terrível que paralisa gradualmente cada músculo de seu corpo, a esclerose lateral amiotrófica.
O criador da pesquisa
Penrose rebateu com facilidade todas as provocações do oponente, entre outras coisas porque é o grande mestre da investigação sobre os buracos negros. Foi o criador da pesquisa teórica nesse campo, nos anos 60. Não é exagero dizer que ensinou a Hawking boa parte do que este sabe sobre o assunto. Penrose agora faz brincadeira, dizendo que ele mesmo não entende alguns dos conceitos de Hawking. Em um fax escrito a mão, endereçado à SUPER, afirmou: "Tenho dificuldades — e dúvidas — em acompanhar o seu raciocínio".
Claro que não passa de uma provocação. Apesar das divergências, que eles discutem e rediscutem até a exaustão, os dois são bons amigos e têm grande admiração um pelo outro. Aqui você vai conhecer as idéias mais importantes que os dois físicos apresentaram no Instituto Isaac Newton de Ciências Matemáticas, em Cambridge, em 1994, e este ano, finalmente, foram condensadas no livro The Nature of Space and Time (a natureza do espaço e do tempo, ainda não editado em português). Prepare-se para um mergulho no abismo mais radical já vislumbrado — ao menos em teoria — pela ciência.
No debate que travou em 1994 com o teórico Roger Penrose, na Universidade de Cambridge, Inglaterra, Stephen Hawking tinha em mente dois grandes enigmas. Primeiro: exatamente como nasceu o Universo? Segundo: o que vai acontecer no final dos tempos?
Eram dúvidas para gênio nenhum botar defeito. E, como Hawking sabe muito bem, elas só serão respondidas se a Física esclarecer o que se passa dentro dos buracos negros. O motivo é que no centro desses astros a matéria atinge concentração infinita, ficando na mesma situação em que estava o Universo no instante do seu nascimento, 15 bilhões de anos atrás. Nesse momento, tudo o que existe estava dentro de um único ponto. Assim, ao decifrar o núcleo dos buracos negros — que é um ponto chamado singularidade —, teremos uma idéia mais clara sobre o início de tudo.
O nó da questão, segundo Hawking, é que as fórmulas conhecidas fracassam quando são usadas para elucidar as enigmáticas singularidades. Até agora elas foram estudadas por meio da Teoria da Relatividade, mas essa teoria não está completa, acredita o cientista. Basta ver que, lá dentro da esfera negra, as medidas dos relógios e das réguas dão números infinitos. E é impossível fazer cálculos com quantidades infinitas.
Para Hawking, as singularidades podem sumir se a Relatividade for corrigida pela outra grande teoria atual, a Mecânica Quântica, que explica o mundo das partículas subatômicas. Ou seja, ele quer usar as leis das coisas muito pequenas para entender o Universo, uma coisa muito grande.
Hawking conquistou a fama, em 1973, usando a Mecânica Quântica para demonstrar uma novidade sobre os buracos negros: que eles podiam emitir energia e partículas subatômicas. Foi um achado impressionante pois a tremenda gravidade desses astros, gerada por sua densidade altíssima, parecia impedir que qualquer coisa, mesmo a luz, escapasse para o espaço vizinho. E impede mesmo, diz Hawking. Mas a partir de certo ponto, como se quisesse aliviar a tensão da matéria em seu interior, o buraco negro começa a emitir uma pequena quantidade de energia. O êxito nesse caso leva Hawking a pensar que, hoje, a quântica ajudará também a resolver os problemas da singularidade cósmica.
Penrose não discorda de que a quântica pode ser útil, mas acha que não vai ser suficiente. Mais atrevido que Hawking, ele quer montar uma teoria inteiramente nova, inspirada nas idéias aprendidas nos últimos anos. Uma delas é que o Cosmo teve um início tranqüilo, pelo menos em comparação com o que pode vir a ser no futuro, quando o espaço deve virar peneira devido a uma vasta proliferação de buracos negros.
Explicando melhor, embora o Universo tenha começado como uma singularidade, a matéria lá dentro estava bem distribuída. Em nenhum lugar se viam mais átomos que em outro. Mas, com o tempo, surgiram grandes vazios enquanto a matéria se agrupava em certos pontos, formando estrelas, galáxias e conjuntos de galáxias. Assim começou o ajuntamento de átomos que no futuro promete jogar tudo dentro dos astros negros, autênticos poços sem fundo.
A força da gravidade controla a evolução do Universo de um modo muito especial porque cria atração entre os astros. E o efeito final da atração é agregar a matéria em blocos cada vez maiores, num "encaroçamento" radical. Esse fato, para Penrose, revela um aspecto decisivo do Cosmo: ele tem duas caras, uma em cada ponta do tempo. É que no princípio ele era bem uniforme. Nenhum lugar continha mais matéria que outros. E no final, devido ao encaroçamento, os átomos vão ficar fortemente concentrados em certos locais, os buracos negros.
É uma situação delicada, nota Penrose. A estrutura do Universo não deveria mudar porque as equações em vigor não aceitam discriminação, nem entre começos e fins, nem entre idas e voltas. Imagine uma bola: não importa se ela está voando na direção de uma parede ou se já bateu no anteparo e está viajando de volta para quem chutou. Tanto o movimento para a frente (do pé para a parede) como o movimento inverso (da parede para o pé) devem ser calculados pela mesma fórmula. Com o Universo é a mesma coisa: ele deve ter um fim igual ao começo. Essa igualdade é o que Hawking chama de "democracia" das leis físicas.
Mas Penrose propõe esquecer a noção de igualdade e tentar desenvolver uma nova teoria sem ela. Para Hawking, não é por aí. No debate, nem esperou sua vez de falar. Da platéia mesmo, cortou Penrose no meio da explicação dizendo que não admitia violar um princípio básico. Preferia gastar neurônios em busca de um outro meio para resolver a desigualdade entre o início e o fim do Universo.
Até uns anos atrás, Hawking achava que tinha resolvido o dilema do fim do Universo, que tende a um estado caótico, pontilhado de buracos negros. A pergunta é: por que o começo foi suave, harmônico, e o fim será confuso? A resposta, dizia Hawking, é que a expansão iria continuar por alguns bilhões de anos, mas depois mudaria de rumo. O Universo, em vez de acabar, passaria a encolher. E aí voltaria atrás na desarrumação.
Então, não é certo que as coisas vão da harmonia para o caos. O que existe é um eterno ciclo, da baderna para a ordem e vice-versa. A sacada de Hawking, se fosse verdadeira, seria sensacional. Ele diz que na etapa de encolhimento tudo aconteceria ao contrário. "Pensem numa xícara de café caindo da mesa e se espatifando no chão", comparou ele durante o debate. "Na fase de contração, os cacos é que iam subir do assoalho para a mesa enquanto se colavam uns aos outros durante o trajeto."
Hawking abandonou sua idéia ao perceber que a contração não elimina obrigatoriamente a desordem. Basta ver que os buracos negros nascem de uma estrela em contração e ficam mais caóticos do que ela. Conclusão: ainda não sabemos se o Universo vai ou não encolher. Mas não adianta. De um jeito ou de outro, ele caminha para o caos que acompanha as singularidades. E estas continuam sendo um enigma, como a esfinge da mitologia grega. Obscura, ela encara os gênios como quem desafia: "Decifra-me ou te devoro".
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