O PÓS-MODERNISMO

Por Marcelo Ribeiro Dantas

I . COMPREENDENDO O PÓS-MODERNISMO

Definir o Pós-Modernismo é uma tarefa que tem ocupado seus principais autores. Há aqueles que afirmam que qualquer tipo de esforço de definição do conceito é inútil. A maior certeza é que esta busca pelo conceito de Pós-Modernismo leva a muita contradição: marca particular do movimento (Agger, 1993; Kumar, 1997; Alvesson & Deetz, 1999). Kumar (1997) afirma que os pós-modernistas têm "horror a definir, em parte porque toda definição de pós-modernismo acabará por ser moderna". E que não se pode afirmar que exista uma teoria unificada do Pós-Modernismo ou mesmo um conjunto coerente de posições, sendo a diversidade uma das características mais marcantes do movimento: "ela (a diversidade) encoraja a criatividade, enquanto a repetição a inibe" (Jameson apud Kaplan, 1993, p. 29). Outro sustentáculo do movimento pós-modernista, a negação das metanarrativas, leva consigo a rejeição do passado e a ausência de um futuro imaginável, que não tem fundamento nem sentido na construção do mundo. De acordo com esta concepção de passado sem sentido e futuro "indefinível", não é coerente pensar-se no Pós-Modernismo como uma sucessão do modernismo enquanto movimento histórico. Conforme Jameson (apud Kaplan, 1993) "no Pós-Modernismo o passado em si desapareceu – junto com o conhecido senso de passado e memória coletiva. O que toma seu lugar são simulações (simulacros) e representações do passado mas sem senso de passado" (Soares, 1996).

Na contenda por uma definição, há autores que defendem o Pós-Modernismo como uma rejeição ou superação ao movimento modernista, dando por encerrado esta fase da história (Kumar, 1997). Outros, afirmam que o Pós-Modernismo não é uma fase histórica, que indica temporalidade, mas que toda a fase histórica teria sua idade média, moderna e pós-moderna.

Condicionados por uma exigência de mercado, alguns autores arriscam-se na tarefa de definir o Pós-Modernismo. Permitindo-se a variação e o ecletismo, a definição envolve indefinição, fragmentação do indivíduo, que é visto pelo movimento como um modernista desencantado, esquizofrenia, pluralismo, heterogeneidade e, sobretudo, contradição (Horton, 1995). A contradição pós-modernista está na preocupação com as vozes excluídas pelo modernismo e na ambigüidade do mundo pós-moderno. Ser ambíguo, no Pós-Modernismo, é dar voz e vez àqueles que foram excluídos e ficaram à margem ou, da mesma forma, é aceitar a contribuição de várias fontes e correntes, obstando os dogmas impostos pela verdade absoluta.

O Pós-Modernismo emergiu para o interesse acadêmico na área organizacional ao redor dos anos 80 (Wood Jr, 1999; Alderson & Deetz, 1999). Autores como Foucault, Baudrillard, Jameson, Derrida e outros, contextualizam o surgimento do Pós-Modernismo a partir de uma antítese aos pressupostos modernistas, pronunciando sua morte (Kilduff & Mehra, 1997; Alderson & Deetz, 1999).

O Pós-Modernismo se insere no contexto dos extraordinários fenômenos sociais e políticos de 1945. Foi o ano que assistiu o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Era Atômica com as explosões de Hiroshima e Nagasaki. O mundo passa a acreditar numa paz duradoura. Cria-se a Organização das Nações Unidas (ONU) e, em seguida, publica-se a Declaração dos Direitos do Homem. Mas, logo depois, inicia-se a Guerra Fria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

II. O INDIVÍDUO PÓS-MODERNO

Fragmentação do indivíduo e a idéia de hiper-realidade estão presentes no Pós-Modernismo. As redes de informação e a sociedade eletrônica dão o tom desta nova (hiper)realidade. Neste estágio de sociedade, eletrônico e interligado por uma rede interminável, onde tudo parece tão desesperadamente perto que não há mais segredos ou intimidade, pois tudo é dissolvido em informação, resta-nos perguntar "quem sou eu e então onde estou?" (Kumar, 1997, p. 139).

A sociedade de informação dá ao discurso pós-moderno vazão e meio para que suas diferenças e oposições ao modernismo concretizem-se. Participação, ausência, dispersão e fragmentação do indivíduo são permitidas pela malha eletrônica que atinge a todos na sociedade (Hassan, 1985). Ausência e fragmentação – binômio inexorável no Pós-Modernismo - nos dão a fronteira (e não o modelo) do conceito de consumidor pós-moderno: pessoas diferentes procuram (compram e consomem) coisas diferentes. Mas, também, as mesmas pessoas, em ocasiões diferentes, demandarão produtos e serviços diferentes (Kumar, 1997).

O sujeito descentrado da pós-modernidade não pensa em sua identidade em termos temporais. O self pós-moderno é uma entidade descontínua, com identidades construídas e reconstruídas permanentemente ao longo do tempo. Assim, a biografia pessoal torna-se um conjunto de experiências e identidades descontínuas e não uma história de personalidade em desenvolvimento. O indivíduo não experimenta um crescimento contínuo, pois vivencia uma interminável troca de identidades. Tudo se desenrola num eterno presente, sem destino ou origem, mutável e temporário (Kumar, 1997) .

Sobretudo, o indivíduo pós-moderno é convencido de que a razão humana e a inteligência não podem garantir felicidade a todos. Não há esperança em movimentos utópicos, sejam eles liberais, conservadores ou democráticos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III. A DESCONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO NO PÓS-MODERNISMO

Desconstruir para revelar significados. A perspectiva pós-modernista usa técnicas, insights, métodos e abordagens de uma variedade de tradições, permitindo ao pesquisador, ir, voltar, e ir novamente, sem muita preocupação com os limites acadêmicos. Desta perspectiva do Pós-Modernismo, todos os estímulos são simultaneamente aceitos. O Pós-Modernismo não se limita ao desconstrucionismo como técnica, apesar desta ter sido considerada e especialmente útil em seu projeto de compreensão do mundo. A análise de discurso e as genealogias foucaultianas também são utilizadas (Calás & Smircich, 1999).

A visão de mundo da pesquisa pós-moderna é essencialmente diferente do modelo modernista. A epistemologia da pós-modernidade focaliza tudo ao analisar um fenômeno, sem deixar qualquer elemento de fora do cenário - mesmo que este não seja central no discurso.

A desconstrução, como forma de "leitura", analisa as particularidades de um texto julgando de forma crítica seus significados. Motivados pelo desafio da desconstrução de um conceito mercadológico hegemônico, busca-se identificar o que está nas entrelinhas, identificando elementos obscurecidos pela força do discurso dominante. A ideologia reproduzida nas histórias – ou nos conceitos - pode significar uma forma de dominação de um sujeito sobre outro. Desconstruir significa contar a história de outra forma, revelando elementos escondidos, marginalizados por quem conta a história. O discurso pós-moderno, questionador e preocupado com as minorias, afirma que toda história tem dois lados ou, pelo menos, mais de um lado (Boje & Dennehy, 1993; Derrida, 1999).

Mas como desconstruir? O método da desconstrução foi proposto por Derrida e adotado pelos pós-modernistas. Segundo Paul de Man, um dos maiores divulgadores da desconstrução como método de análise e seguidor de Derrida, o texto tem uma significação aberta que possibilita constantes modificações, em contraste com a concepção modernista de significados únicos e fechados (Stern, 1996b). Esta afirmação encontra respaldo em Barthes (1987, p. 150): "...um sentido nunca pode ser analisado de modo isolado. Os signos são constituídos por diferenças." Desconstrução não quer dizer destruição. Desmontar, para analisar e entender o real significado do significante, as entrelinhas e elementos subjacentes ao discurso que, quase sempre, têm a voz do contador da história (Boje & Dennehy, 1993; Foucault, 1998). Desconstruir é, de fato, aproximar-se do conceito e significação original da palavra "analisar", desfazer.

A proposta de desconstrução elaborada por Stern (1996a, 1996b) segue o leito de Derrida (1967) na qual é feita uma leitura aproximada do texto, usando-se a práxis da nova crítica – close reading – para analisar os significados e expor seus paradoxos e elementos não revelados, utilizando-se os atributos da linguagem, influências históricas e suposições culturais do texto. O procedimento se dá pela exposição intertextual, pelo rompimento das hierarquias, pelo desmantelamento dos binários, revelando relações de poder e enfrentando a limitação dos significados presentes no texto. Este método será adotado para a desconstrução do conceito e da prática da segmentação de mercado por respaldar o pesquisador com uma teoria e história sobre a estrutura ou relação a ser desconstruída.

O método envolve a identificação de elementos textuais, construção de significados e, por fim, a desconstrução deste, fase na qual o pesquisador desafia as perspectivas de significado dominantes.

A primeira fase tem a finalidade permitir ao pesquisador a identificação dos atributos presentes no texto, tais como linguagem e personagens.

Posteriormente, volta-se a atenção da crítica desconstrutiva, em revisitar o "o quê" do texto. A identificação de atributos e gêneros serve como impulsionador para a exploração desconstrutiva do que não é percebido, inconsciente e não-presente na superfície do significado.

A desconstrução permitirá a penetração na simbologia que o conceito e a prática de segmentação de mercado encerram, identificando seus significados omissos e escondidos sob o conceito universalmente aceito e praticado, trazendo à tona uma realidade alternativa, prestigiando elementos e atores marginalizados, suprimidos pelo conceito dominante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IV. A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA

PÓS-MODERNIDADE E PÓS-MODERNISMO

 

Existe, realmente, uma estreita relação entre Pós-Modernidade e Pós-Modernismo. Apesar de genericamente, ser usado o termo Pós-Modernismo, ou ainda, Pós-Moderno. Com efeito, não há como dissociar os termos que são interdependentes. Segundo Eagleton, em As Ilusões do Pós-Modernismo, a palavra "Pós-Modernismo" refere-se em geral, a uma forma de cultura contemporânea reflexo da Pós-Modernidade, a qual aludiria a um período histórico específico no qual a linha de pensamento questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade , a idéia de progresso, emancipação universal, os sistemas únicos e as grandes narrativas, ou os fundamentos definitivos de explicação, os quais impregnaram toda sociedade ocidental.

O teórico alemão Andreas Huyssen diz que o termo "Pós- Moderno" é na verdade, "pelo menos por agora, totalmente adequado para designar uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais".

Parece ser consenso geral do pensamento marxista, que para haver uma mudança subjetiva na sociedade, é preciso que se tenham mudanças objetivas, mudanças nas bases econômicas. Estas transformações, determinariam as "mudanças no pensamento" defendem Jameson , Eagleton, Berman Marshall e toda uma linha de pensadores de influência marxista. Mercantilismo, feudalismo, capitalismo, através do tempo, na ruptura desses modos de produção, observou-se várias modificações culturais na sociedade ou movimentos culturais distintos.

Sendo assim, como definiríamos uma transformação cultural em nossa contemporaneidade, sem a tal ruptura no modo de produção? Então, de que forma romperíamos com a modernidade para entrarmos na Pós-Modernidade? Ou, será que para entrar na Pós-Modernidade seria preciso delegar a morte da modernidade ?

A própria filosofia do movimento Pós-Modernista diz que seu objetivo não é o de romper, nem negar o movimento vigente, substituindo-o por outro completamente diferente (como fazem de costume as vanguardas), mas sim, incorporá-lo, criticá-lo e transformá-lo, assim, como os demais movimentos anteriores a ele. Por isso, costuma-se atribuir ao Pós-Modernismo um caráter antivanguardista.

Convencionou-se chamar de Pós-Modernismo o período que começa, entre o fim da Segunda guerra mundial (1939-1945) e o início dos anos 50, quando se inaugura a crise do capitalismo e do socialismo. Novas tecnologias e grandes transformações políticas sociais e culturais mudam o cotidiano na maior parte do mundo. O termo é usado para identificar a fase posterior ao período chamado de modernismo . Enquanto o Modernismo se opõe ao passado e à estética tradicional, o Pós-Modernismo mescla o antigo com o novo. É eclético, pluralista , mistura tendências opostas sem conflito. Um exemplo disto, na arquitetura, é o prédio da AT&T(1984), em Nova York , do arquiteto Philip Johnson. Nele, aparecem alusões a arquitetura do renascimento e um frontão triangular típico da mobília Chipendale, que dominou a Inglaterra no século XVIII, com sua decoração Rococó. Tudo combinado num contexto ousadamente moderno. (Almanaque Abril 96, p. 667)

 

 

Entretanto, para que acontecesse a constatação da Pós-Modernidade (para ser aceita historicamente), algum mecanismo teria que deflagrá-la. "A nova etapa do capitalismo empurrou-nos irreversivelmente para a Pós-Modernidade" (Jameson, 1996, p.22-23). O teórico marxista explica, que a preparação econômica para a Pós-Modernidade começou nos anos 50, depois que a falta de bens de consumo e de peças de reposição da época da guerra tinham sido solucionadas e novos produtos e novas tecnologias , incluindo aí a mídia, puderam ser introduzidas.

No entanto, o Habitus Psiquico (uma nova forma de agir e de pensar), como ele mesmo cita, de uma nova geração, exigiria uma quebra radical, fortalecida por uma ruptura de gerações. Esta, segundo Jameson, vem se dar, mais propriamente, nos anos 60.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

V. O CAPITALISMO TARDIO

 

As alegações são muitas, especialmente as oriundas de correntes modernas, de que seria precipitado dizer que mudanças drásticas estariam ocorrendo no sistema econômico - o capitalismo - e, que não houve a ascensão de qualquer outro modelo de sociedade, por conseguinte, não haveria Pós-Modernidade e assim, Pós-Modernismo.

No entanto, ocorreram inegáveis mudanças político-sociais e econômicas. Mudanças objetivas e subjetivas. O movimento da contracultura, ocorrido nos Estados Unidos, nos anos sessenta, mas, que repercutiu em todo o ocidente influenciando sucessivas gerações; A revolta estudantil de 68, em Paris, os Panteras Negras, a revolução sexual, o movimento feminista da década de 70 e o movimento ambientalista - que vê a natureza comprometida pelo progresso, principal bandeira do Modernismo. Todos esses movimentos de respeito às etnias e minorias, de contestação ao conservadorismo, ao consumismo e ao imperialismo, junto com o avanço de novas tecnologias, vieram trazendo mudanças significativas e uma série de questionamentos do modelo de sociedade vigente.

(...)Passamos por uma transformação de vida que é de algum modo decisiva, ainda que incomparável com as mudanças mais antigas da modernidade e da industrialização, menos perceptíveis e menos dramáticas, porém mais permanentes, precisamente por serem mais abrangentes e difusas. ( Jameson, op. cit., p. 24).

 

Contrariando as normas do Iluminismo, o Pós-Modernismo vê o mundo como contigente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas e interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas , em relação às idiossincrasias e a coerência de identidades.

Embora essa lutas não tenham conseguido derrubar por terra todo o sistema social do estabelishment , desencadearam vários processos de descentralização e ruptura.

Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias concretas: ela emerge na mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma de capitalismo - para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia , do consumismo e da Indústria Cultural, na qual as indústrias de serviço, finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes, cede terreno a uma série difusa de "políticas de identidade" .(Eagleton , 1998, p. 07).

 

 

Baseando-se no economista Ernest Mandel, Fredric Jameson, aponta três momentos de transformação do capitalismo. Esses momentos sucessivos seriam : O Capitalismo de Mercado (limitado a espaço nacionais); o Monopolista ou Imperialista- que procura anexar outros mercados- e, o Multinacional, que se estende pela maior parte do planeta.

Ao primeiro momento corresponderia culturalmente e cronologicamente, o Realismo. Ao segundo, o Modernismo e , ao terceiro, o Pós-Modernismo - que ele chama de capitalismo tardio. Este, não estaria relacionado ao fim do sistema como tal mas, a uma mudança na vida das pessoas.

 

 

 

 

VI. O MAL-ESTAR DO PÓS-MODERNISMO

É raro uma expressão causar tanto desconforto quanto o termo pós-moderno. Partindo do senso comum, é quase impossível escapar da marca antagonizante e pessimista que define este momento como o "fim da ideologia", "cultura do consumo", "amnésia histórica" ou apenas mais uma moda a esta altura já ultrapassada. Entre essas indagações, impõe-se, como inevitável, a pergunta sobre o seu caráter de mistificação ou mesmo sobre a existência ou não de um Pós-Modernismo. Na Europa, o debate, ironizado como a polêmica entre Frankfurters e French Fries, polariza-se entre as correntes alemã e francesa em suas versões mais extremadas, tendo como representantes Jürgen Habermas e François Lyotard. A primeira, empenhada no resgate do poder emancipatório da razão iluminista, identifica os pressupostos pós-modernos com a emergência de tendências políticas e culturais neoconservadoras. A segunda, determinada na valorização da "condição pós-moderna", avalia com otimismo o declínio do prestígio das narrativas mestras, como o marxismo e o liberalismo, e a liquidação dos traços iluministas do projeto moderno. Nos Estados Unidos, essa discussão se expande de forma contundente e pragmática evidenciando uma consonância sintomática com os questionamentos, cada vez mais recorrentes, acerca da estabilidade do poderio americano e com a estratégia de disseminação de um novo aparato cultural, o "sistema pós-moderno", veículo de novas formas de hegemonia cultural e política.

No Brasil, como em geral em toda a América Latina, a idéia de uma cultura pós-moderna, expressão do capitalismo tardio, vem acrescida de um forte sentimento de inadequação, no sentido de ser uma "importação indevida", e é experimentada, na maior parte das vezes, como uma tendência política e moralmente problemática.

As próprias variedades e amplitude que podem ser observadas nas discussões sobre o pós-moderno sugerem que não há apenas uma via de abordagem do problema ou mesmo um eixo central de questões mas, ao contrário, uma expressiva heterogeneidade de colocações, tensões e campos de interesse aí envolvidos. De forma geral, a nova sensibilidade pós-moderna dirige suas forças para a desconstrução sistemática dos mitos modernistas questionando não só o papel do iluminismo para a identidade cultural do Ocidente mas também o problema da totalidade e do totalitarismo na epistemologia e na teoria política modernas. A agenda teórica pós-moderna abriga ainda um elenco de questões em torno dos efeitos gerados pela perda da credibilidade nas metanarrativas fundadoras e do processo de erosão e desintegração de categorias até então inquestionadas, como as noções de identidade e autoria, ou mesmo das idéias de ruptura, novo ou vanguarda que se constituíram como critério-chave da estética moderna, privilegiando os caminhos críticos apontados pela revalorização da história no exame das ideologias que estruturam as formações discursivas e os processos de construção das subjetividades.

Não parece que as diversas polêmicas ou mesmo as próprias formas de descrição das características pós-modernas sejam isentas de uma forte coloração política. As possibilidades lógicas envolvidas nos julgamentos ideológicos sobre o Pós-Modernismo, ligadas quase invariavelmente ao tipo de avaliação que realiza sobre o projeto moderno, já definem, com nitidez, pelo menos duas atitudes opostas: uma que procura desconstruir o modernismo e resistir ao status quo, ou seja, um Pós-Modernismo de resistência e um Pós-Modernismo de reação. Este último é o que geralmente informa o senso comum sobre a noção de pós-moderno. É aquele que, liderado pelos neoconservadores, rejeita o modernismo em nome dos males da modernização e impõe uma cultura "afirmativa". O Pós-Modernismo de resistência, por sua vez, surge como uma contraprática não só da cultura oficial do modernismo mas também da "falsa normatividade" de um Pós-Modernismo reacionário. Preocupa-se com a desconstrução crítica da tradição em lugar de instrumentalizar apenas pastiches de formas pseudo-históricas, com a crítica das origens, não com uma volta a elas. Em resumo, procura problematizar mais do que manipular os códigos culturais, interpelar mais do que dissimular as articulações políticas e sociais.

Na área o que põe em xeque a eficácia de uma arte de vanguarda ou de uma literatura de oposição, e, conseqüentemente, sugere a reformulação das idéias correntes acerca de sua função social. Por outro lado, registra-se também, na recepção da obra de arte, o declínio do que Jameson define como a "emoção hermenêutica" marcada pela idéia de uma fascinação "inerente" ao objeto artístico diretamente vinculada à "natureza" de seus conteúdos e subtextos cuja densidade requer uma interpretação especializada. Esta emoção, que diz respeito à noção de profundidade da obra de arte, estaria sendo substituída por um novo tipo de percepção estética centrada não mais em "sentimentos" cognitivos mas em níveis variados de intensidade receptiva.

Outro tema nevrálgico é o que se refere à quebra da divisão categórica entre as chamadas cultura culta e cultura de massa, discurso dominante da estética modernista entre o final do século XIX e os primeiros anos da década de 20 e que retorna, com novo vigor, nas duas décadas que se seguem à Segunda Guerra Mundial. Esse "grande divisor", como define Huyssen, com todas suas implicações morais, estéticas e políticas, poderia ser visto, na realidade, como a característica mais aguda da concepção de uma arte moderna e, como tal, um caminho mais eficaz para a definição do modernismo do que as várias tentativas de diagnóstico a partir de cortes históricos, periodizações e distinções paradigmáticas como vem sendo realizado pela crítica em torno da distinção moderno/pós-moderno. Faz-se necessária, portanto, uma especial atenção às diferenças estruturais que orientam as relações do modernismo e do Pós-Modernismo com a cultura de massa com as vanguardas para que se possa compreender, de maneira mais acurada, o novo esquema de relações e configurações discursivas que informam a produção cultural mais recente.

De forma flagrante, o que se pode perceber como uma constante nesta polêmica é a necessidade inadiável de uma reavaliação extensa e radical dos pressupostos da arte moderna. Assim, menos do que uma ruptura entre dois projetos culturais e políticos - e nisso se vê a justeza do termo pós-moderno -, as novas políticas de produção cultural evidenciam uma constante negociação com os termos das várias modernidades possíveis.

Um dos conflitos mais calorosos e controversos que permeiam a polêmica pós-moderna é a defesa acirrada dos valores modernistas, pelas elites intelectuais, em nome de uma suposta bastardização da arte em conseqüência da possível perda da profundidade da obra de arte e da fragilização dos limites entre a cultura de elite e a cultura de massa. O choque em torno da culturalização dos produtos artísticos é um exemplo eloqüente e revelador de uma questão de fundo nem sempre explicitada com clareza: em que extensão esse debate pode ser percebido como um debate sobre a possibilidade, ainda que limitada, de se estabelecer valores democráticos no quadro de uma sociedade de consumo ou mesmo, ampliando a questão, como uma discussão sobre os valores e crises da democracia ocidental contemporânea. E é precisamente neste ponto que a questão pós-moderna na América Latina adquire maior interesse.

Na América Latina, há um complicador: o caráter altamente problemático da participação democrática e da multiplicação dos espaços públicos em sociedades até muito recentemente marcadas pelos estados militares. Assim, além da associação usual com as posições conservadoras e "politicamente incorretas", que identificam o pós-moderno de forma direta com as ideologias do consumo e com as políticas neoliberais, em se tratando de países periféricos esse debate adquire intensidade e gravidade particulares.

Em toda a América Latina, são cada vez mais visíveis as alterações de base por que vêm passando o pensamento teórico e político-ideológico em relação à questão democrática. A lógica do conflito entre Estado e sociedade civil parece substituir a lógica da contradição e das vias revolucionárias assim como os conceitos de classe e dominação política são reatualizados no debate sobre movimentos sociais e hegemonia. Põem-se de lado as explicações estruturais como aquelas que envolvem as idéias de subdesenvolvimento e dependência para insistir-se no tema do pacto político-social e na complexa problemática da democratização nos "países capitalistas de desenvolvimento médio". Por outro lado, a questão democrática nestas sociedades vem intimamente comprometida com os efeitos gerados por usa estreita inclusão no circuito internacional do capital financeiro, pela permanência quase inalterada dos mesmos blocos dominantes no poder e pela concentração intensiva da propriedade e da riqueza, o que torna a discussão sobre a crise da modernidade aparentemente supérflua, mas extremamente pertinente quando vista através da perspectiva da reavaliação da importância das instituições democráticas.

A temperatura política das esquerdas brasileiras frente à crise do socialismo utópico e às dificuldades concretas que se apresentam para a instauração de um socialismo real no país pode ser medida pelo comentário de Maria da Conceição Tavares sobre a reorientação do debate político de oposição hoje no Brasil:

As energias utópicas andam escassas, mas a ética e a democracia substituem com vantagem as certezas ideológicas. Hoje, no Brasil, a esquerda é unânime em relação aos direitos permanentes dos cidadãos e à necessidade de democratização política e partidária como forma de organização da sociedade. Dadas as dificuldades reais de modificação substantiva no que diz respeito aos direitos de cidadania, será preciso agüentar fortes conflitos (Tavares,1990)

 

Por outro lado, a natureza colonial e neocolonial da cultura latino-americana coloca em cena a preocupação com o estatuto e mesmo com a sobrevivência de nossas históricas e culturas. Questões atualíssimas como o papel do letrado na colônia, a função do barroco no estabelecimento do Estado latino-americano e a própria relação da cultura com o humanismo renascentista enquanto prática ideológica do Estado absolutista podem certamente contribuir para uma melhor avaliação do desconcerto ideológico gerado pelas políticas da colonização. Na mesma direção, a possibilidade hoje aberta de estabelecer-se, com clareza, a diferença entre a noção de história como feito e de história como discurso sobre a história, ou seja, a compreensão do conceito de história enquanto instituição, pode contribuir de forma decisiva para o refazer das várias histórias "silenciadas" e para a proliferação de intervenções setoriais.

Não parece, entretanto, que o impulso no sentido de constituir o pensamento pós-moderno como oposição ou mesmo como uma alternativa política e cultural em relação ao pensamento "moderno" ou "metafísico" - o que em si pode ser um impulso intencionalmente contra-hegemônico - tenha sido ainda completamente explorado.

A "situação de pós-modernidade", como a define Laclau, abre, de forma irreversível, um espaço discursivo onde o que é desafiado não é tanto a diferenciação de identidades sociais, como ocorria na década de 60, quanto a lógica e o status de sua construção. A realidade pós-moderna apresenta-se assim como realidade tática cuja eficácia é diretamente proporcional à sua luta contra a linguagem e ao seu compromisso com a desarticulação dos vários e sutis sistemas de dominação ainda hegemônicos.

O que parece, sobretudo, estar hoje em questão (e que demanda, sem dúvida, uma imaginação política única na história) não seria apenas a simples rejeição do projeto moderno, mas, ainda segundo Laclau, a eficácia de uma modulação diferente de seus temas e categorias, de ma maior proliferação de seus jogos de linguagem e da ampliação radical do conteúdo e dos valores da modernidade, procurando responder assim à situação concreta e desafiadora do quadro político gerado pelo surgimento de um falacioso pluralismo neoliberal e do exíguo espaço disponível para a viabilização de uma cultura democrática no contexto de uma cultura e de uma economia multinais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VII. A ESTÉTICA DO PÓS-MODERNO

 

Como o Pós-Modernismo vai de encontro às grandes narrativas, e as noções clássicas estabelecidas de verdade, ele critica, parodia, satiriza, descentraliza, fragmenta, não há como se estabelecer uma verdade absoluta sobre o movimento, uma regra (isto também seria uma tarefa modernista: procurar verdades rotuladoras e absolutas). Entretanto, pode-se identificar características no Pós-Modernismo (apesar das divergências entre teorias e teóricos). Entre elas estaria, segundo Rouanet, a estetização da mercadoria, a predominância da informação, a substituição do livro pelo vídeo, o hedonismo e o consumismo generalizado ao mesmo tempo por um violento narcisismo e por um esvaziamento da subjetividade, além da extinção dos espaços de intimidade. No entanto, essas características procedem algumas vezes e outras não.

Andreas Huyssens caracteriza o Pós-Modernismo como um movimento dividido em duas fases, a dos anos 60 e a dos anos 70. A primeira, coincidiria com o apogeu da contra cultura, do movimento pacifista. Seria um Pós-Modernismo anárquico, vanguardista , que não teria rompido com o Modernismo em si , mas com o Alto Modernismo, institucionalizado e aceito nas universidades. Essa geração seria populista e se interessaria pelo rock e a folk-music. A segunda geração teria apenas um certo interesse na recuperação de tradições esquecidas e reprimidas e nas culturas do terceiro mundo.

Para Jameson, assim como para Eagleton , o Pós-Modernismo tem entre suas características o apagamento das fronteiras entre a arte popular e a arte erudita, e o desaparecimento do sujeito, como o artista genial; da ideologia do novo e do vanguardismo em geral. Jameson acrescenta ainda que, "esgotada a sua capacidade de criação, o artista Pós-Moderno é forçado a voltar-se para o passado e recorrer ao pastiche de obras anteriores.

Segundo o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna a mania de originalidade que domina a arte e a literatura moderna é uma atitude doentia, estéril, além de prejudicial a criação. Tomando como exemplo o dramaturgo português Gil Vicente, o escritor explica várias nuanças do processo criativo, afirmando que Vicente não só desdenha procurar a originalidade, como até procura ocultar a sua, sabendo que ela aparecerá de qualquer forma, mesmo quando procura "se enfileirar entre os criadores anônimos de seu povo".

Ariano desta forma, afirma que Vicente ao invés de tentar "criar do nada" e romper com sua cultura , através dela , vai mais além fazendo da tradição do seu povo, uma "árvore da vida plantada no seu sangue".

Ao comparar a literatura de várias épocas, Ihab Hassan, constatou na literatura modernista a ênfase no desígnio, no objeto, na ordem, ao passo que na literatura Pós-Modernista, observou o trabalho com formas lúdicas disjuntivas, abertas e processuais.

O que se observa é o caráter historicista do Pós-Modernismo, de buscar no passado elementos que ajudem a compor a obra contemporânea. Aliado a isso, encontrar as citações e as alusões, seja à Idade Média, ao período Barroco, ao Modernismo ou a própria obra Pós-Moderna, como faz Umberto Eco em A Ilha do dia anterior. Eco cria um personagem escritor, que, tradicionalmente, se enquadraria como narrador, mas este, é narrado por outro personagem que conta a história que o primeiro (o personagem escritor) descreve, através de recortes de tempo e espaço.

Dentro destas características, iremos encontrando outras mais, que permeiam a maioria das produções Pós-Modernas: o caráter lúdico; o jogo e a brincadeira. Por este e outros motivos, como, por exemplo, o ideológico (seria um movimento alienado, guiado pela lógica do capital) denuncia-se o Pós-Modernismo como uma "mera pasteurização dos cacoetes das vanguardas, sem vitalidade e sem compromissos" (Sevcenko, 1995).

Entretanto, Sevcenko, afirma que essa concepção têm fundo reacionário e esvazia o sentido crítico profundo do movimento que tem como propostas "a busca de práticas culturais alternativas, hoje em dia na Europa, altamente identificadas com o pacifismo, a ecologia, o feminismo, os movimentos de liberação sexual e manifestações afins".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VIII. BIBLIOGRAFIA

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