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Lembram-se de Jorge Veiga? Faleceu há pouco
mais de 20 anos, em 29 de junho de 1979. Fazia o tipo quieto, representante
de um tipo de samba, de cidade e de malandro que não existem mais:
era o samba apenas bossa (não a “nova”), malandragem e ritmo puros
– expressão de um modo de ver e de sentir do homem do povo e do trabalhador
da fase pré-industrial de 40 ou 50 anos atrás. O malandro carioca
autêntico era um camarada que sabia brigar, dar pernada e jogar capoeira
para se defender, nem sempre ou quase nunca para usá-los como arma
ou forma de ganhar a vida. Orgulhava-se de usar a inteligência para
trapacear com o sistema opressor. Era um artista da vida, não um salteador.
A televisão muito contribuiu para nova e menos atraente concepção
do malandro. Seus valores são diferentes dos valores da vida do rádio.
A imagem dificilmente poderia produzir o clima humano do malandro,
possível no rádio pela capacidade de imaginação por ele permitida.
Tudo isso foi retirando de cena figuras importantes de nossa música
popular, como Jorge Veiga. Felizmente, aí estão Dicró e Bezerra
da Silva a vencer as barreiras. Dicró é a malandragem alegre.
Bezerra, a malandragem sarcástica, revoltada e implacável. E no samba
manemolente, não propriamente com malandragem, mas com ginga notável,
há Martinho da Vila e João Nogueira. Fico a imaginar
gente como o Jorge Veiga – figura típica do rádio, saudando “os aviadores
do Brasil”, torcendo para o PTB de então – que sofreu ao ser posta
de lado por um tipo de vida musical hostil, cruel e pouco representativa
da variedade brasileira. Com essa gente, morreu o tempo da malandragem
romântica de Moreira da Silva, Luís Barbosa e Dilermando
Pinheiro. De Veiga, ficou a imagem do cantor popular brasileiro,
que possuía a rara capacidade de representar o povo em sua eterna
tarefa de dar a volta por cima, de prosseguir, de buscar o melhor
caminho, tendo a esperteza natural, a simpatia e uma certa graça tão
brasileira. Ficou, ainda, a fidelidade. Honra o artista a fidelidade
ao gênero escolhido, mesmo quando escorraçado da órbita do sucesso.
(27 de julho de 1999) |
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