Revista Guitar Player nº83 março de 2003
Guitarras Nada Ordinárias


Marcão mergulha fundo no rock and roll no novo álbum do Charlie Brown Jr.


Uma das qualidades da banda santista Charlie Brown Jr. é o ecletismo de seu rock, que assimila estilos como ska, hip-hop, reggae e heavy. Com essa visão musical aberta, instrumentos bem tocados e boas letras, o grupo emplacou sucessos como Confisco, Rubão e Não é Sério. Em seu quinto CD, Bocas Ordinárias, o Charlie Brown Jr. volta às suas raízes pesadas e abusa de guitarras distorcidas e músicas fortes. O elemento pop está presente, mas, como nos álbuns anteriores, sempre com honestidade. A faixa Papo Reto (Prazer é Sexo, o Resto é Negócio) já invadiu as programações das rádios de todo o Brasil.

O responsável pelas seis cordas no grupo é Marcão. O guitarrista possui técnica eficiente e grande capacidade de criar bases, linhas e texturas marcantes, que servem, antes de tudo, à composição. Até o terceiro álbum da banda, Nadando com os Tubarões, ele contava com a companhia de Thiago Castanho nas guitarras. Com a saída de Castanho da banda, em 2001, Marcão teve de se adaptar como único guitarrista. Seu trabalho em Bocas Ordinárias mostra que a banda acertou ao não chamar outro músico para o lugar de Castanho. Marcão forma com Champignon (baixo) e Pelado (bateria) o power trio ideal para os vocais rap-rock de Chorão. Suas bases distorcidas ou limpas são incrementadas com detalhes que enriquecem as canções. Além dos estilos variados das músicas, em Tarja Preta Marcão relembra a fase em que gostava de tirar músicas de virtuosos como Nuno Bettencourt, Yngwie Malmsteen e Van Halen, mostrando grande habilidade no instrumento. Com boas composições e ótimos músicos, hoje o Charlie Brown Jr. é uma das melhores bandas de rock do Brasil.

ENTREVISTA

Como foi o processo de composição para Bocas Ordinárias?

Minha preocupação quando componho é nunca fazer coisas iguais às que já fiz. Não quero que uma música fique igual à outra, essa é minha luta. No novo disco, ficamos três meses ensaiando juntos e todos assinam as músicas. Criamos muito pela intuição. Não há um método, apenas vemos se está soando bem ou não. Chegamos à conclusão de que todo instrumento é importante para a música. Se eu tiver uma base de guitarra legal mas a linha de baixo for ruim, ou vice-versa, a música fica estragada. Por isso, um tenta colaborar com o outro. Tem bases de guitarra que foram idéia do Pelado. A guitarra, quando está em trio com baixo e bateria, deve ir para uma freqüência que destoe do baixo.

Como você acha que o Charlie Brown Jr. evoluiu com o passar dos anos?

Em 1996, a gente era mais pesado e o som era mais trabalhado do que o de hoje. No novo álbum, regravamos Tarja Preta, uma música do início de nossa carreira. Ela é bem elaborada em termos instrumentais, era uma onda que a gente tocava muito no começo. Éramos bem pesados, uma mistura de Biohazard com Pantera ou Suicidal Tendencies. Não tínhamos preocupação com conceitos e padrões de mercado, as músicas eram bem mais longas. Mas sempre tivemos o sonho de viver de música. Na época, a gente chegou à conclusão de que não adiantava nada nós tocarmos sons que gostávamos e ficarmos restritos a isso. Passamos a curtir outras coisas e abrimos a nossa mente. Incluímos groove e timbres mais limpos nas músicas. Procuramos evoluir até chegar ao resultado do primeiro disco, que tinha um som mais leve. Hoje, de certa forma, estamos voltando às nossas raízes. O som não chega a ser heavy metal, mas é mais pesado, pra cima e com arranjos melhores.

Você acha que a guitarra poderia ter mais espaço no Charlie Brown Jr.?

Todos da banda me dão o espaço que eu quiser. Não é uma limitação que o grupo me impõe, é questão do estilo das músicas que nós compomos. Minhas vontades guitarrísticas são realizadas ao vivo, quando temos maior liberdade e fazemos solos mais longos. Fiquei satisfeito com a sonoridade do disco, a banda voltou a ter um som mais direto e rock’n’roll. O clima está muito legal no grupo.

Tocar no Charlie Brown Jr. parece divertido e sério ao mesmo tempo.

Concordo. Somos muito amigos e há muita descontração. O Charlie Brown Jr. começou como um projeto de tocar por diversão, mas cada um sempre deu o melhor de si, com mais atitude do que frescura.