Revista Época. Edição 300. 16/02/04

"MÚSICA

Missionários da pesada
A mistura de som forte, mensagens persuasivas e muita atitude faz de Charlie Brown Jr. a banda de todas as tribos

O maior sucesso do momento no rock nacional não aconseguiu a proeza à toa. Charlie Brown Jr. é uma abanda que lança atitude e pensamentos e sacia uma agarotada que estava órfã desde que perdeu seu aiatolá, Renato Russo, em 1996. A banda surgida em Santos, aSão Paulo, há 12 anos vende mais que música e amantém a imagem de rebeldia, tão apreciada pelos roqueiros. Assim arrebanhou um fã-clube que, além de a continental, pode ser definido como ecumênico.

PRESENÇA Charlie Brown Jr. canta, chora, discursa, faz sermão e desabafa no palco

Charlie Brown Jr. vendeu 2 milhões de discos em 12 anos de carreira. Seu último CD, Acústico MTV, é o 5º mais vendido no Brasil

A bomba do sucesso consiste num som poderoso que conjuga rock, rap e hip-hop. A banda seduz os mais avelhos - adultos amantes do rock de outras gerações que ouvem, ali, atualidade com traços já conhecidos. Com a aforma escrachada de transpirar sinceridade, o vocalista Chorão e seus amigos atraem uma horda de garotos que enchem seus shows e lhe copiam as frases nos blogs.

Se não há idade para curtir o grupo, também não há estereótipo. As letras, quase todas assinadas por Chorão, falam de temas universais como amor, tristeza e sonhos. Até mesmo quando faz crítica social o grupo aborda o assunto de forma branda. Isso permite que os mais favorecidos não se choquem, mas se emocionem e lamentem a pobreza - sem se sentir responsáveis por ela.

A jovem Patrícia Montrase é um exemplo da maleabilidade do Charlie Brown Jr. Quando começou a gostar da banda, andava de skate e se vestia com roupas despojadas. Hoje, universitária de 21 anos, Patrícia mudou de tribo - mas se mantém fiel aos antigos ídolos. Com roupas pretas, cabelo laranja e acessórios punk, ela só ouve heavy e agothic metal. Exceção? Claro, os berros de Chorão. Para ela, música boa conquista todo o mundo. 'Meus amigos metaleiros admitem que o Charlie Brown faz som denso, e sabem até tocá-lo', entrega. Da mesma forma aque ela, o advogado Pedro Sotero, de 28 anos, não usa calça larga nem boné. Ele passa os dias engravatado num escritório em plena Avenida Paulista. Embrulhado em pilhas de processos, transmite seriedade que não trai o gosto por uma banda tão irada. O defensor público se curva diante da tonelagem sonora dos garotos santistas. 'Não me identifico com as letras, mas adoro o som', vibra. A identificação é total para Gregui Vinha, de 16 anos. Ele dá aval completo, para estilo e repertório. Questionado sobre a propaganda de refrigerante que o grupo gravou debaixo de polêmica, em outubro de 2003, Gregui retruca no melhor estilo crying baby de Chorão: 'Não me meto na vida a alheia!'

IDENTIDADE Gregui Vinha manobra o skate ouvindo o som da banda, sem dúvida sua maior inspiração

DIFERENÇAS O engravatado Pedro Sotero leva a vida longe da praia e do skate, mas a seriedade não o impede de curtir o som raivoso

FIDELIDADE Patrícia Montrase mudou de tribo e virou gótica, mas continua cultuando o grupo

A banda enxerga méritos na diversidade de público. É o que pensa o guitarrista Marcão. 'A nossa música preenche um espaço em pessoas diferentes', diz. Ele fica surpreso até hoje com a abundância de tietes adolescentes. Mais um motivo de orgulho, pois é nessa idade que eles estão se formando musicalmente. 'É um aponto para o rock', comemora. Os quatro músicos acreditam que a glória aconteceu naturalmente, sem que ativessem de se 'podar' ou amenizar posturas para ampliar o baralho de adoradores.

Há motivos para explicar o fenômeno de público e vendas. Talvez o principal seja mesmo Chorão, um personagem no palco, figura marcante que desabafa nos shows como se conversasse com um amigo ou, no papel de aconselheiro, passasse lições de vida. Batizado com nome de imperador - Alexandre Magno Abrão -, esse tardo-adolescente de 33 anos tem astúcia para deixar boquiaberto o mais esperto marqueteiro. O que ele fala vira slogan. A molecada absorve não só a música, mas repete suas frases com paixão. Como esta, dita recentemente: 'Às avezes faço o que quero, às vezes faço o que tenho que fazer'. Sem perceber, os fãs fazem o que o Charlie Brown adita. Pudera. Não é qualquer um que consegue fazer um mauricinho e uma dona-de-casa gritar juntos 'skate na veia!'."

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