Poeta, escritor, letrista. De onde vem a sua inspiração?
Sei lá. Esse disco, por exemplo, é passional pra caralho, é muito dessa momento que eu tô vivendo agora, mas não é tão autobiográfico. É um disco que fala de globalização, das atitudes da molecada, da banalização, Guerra Civil, violência desenfreada, da vontade de crescer e ampliar os horizontes. É também um momento de reflexão, de parar e ver que a gente conquistou coisa pra caramba até agora, e assim, mandamos gratidão para os fãs, dizendo que as pessoas que estão com a gente são importantes pra caralho. Eu não me considero um poeta. Sou reflexo do que vivo e vejo.
Como conviver com pelo menos dois mundos: de um lado, os carrões e o glamour, do outro, o marginal, o da favela por exemplo?
Acho que eu sou um marginal não porque eu seja um assaltante, que eu tenha "feito umas fitas aí na área". Não é nada disso. Sou um marginal porque estou à margem dos padrões impostos pela sociedade e eu não gosto de clichês. O fato de eu ter tatuado que sou um marginal alado, é porque criei as minhas próprias armar a partir da minha necessidade, da minha perspectiva, do meu ponto de vista. O papo dos carrões é o seguinte: a partir do momento que você trabalhou pra caralho, você pode fazer o que quiser com o seu dinheiro, desde que não pise em ninguém. Sou uma pessoa simples, gosto de coisas simples, continuo cultivando os amigos dos anos 80 e a maioria deles não têm grana. (risos) Carro, mato, avião, helicóptero, acho que eu e minha guitarra estamos acima disso tudo e as pessoas têm que estar acima disso. Não sou melhor que ninguém porque tenho uma BMW e não seria pior que ninguém se eu andasse de ônibus, se eu tivesse continuado a andar de ônibus.
Apesar da fama, como tdo cara que sabe reconhecer a importância de suas origens, você continua mantendo os amigos da antiga. Fale sobre eles. Acho que as pessoa legais é que têm que falar de mim na verdade, e não eu delas. Então tem o Thronn, PoisÉ, Lance, Ari Bason, Magrão, o Shin (um cara que eu conheci há muito tempo que até tá aí fotografando skate há maior cara); o Bolota Gyrão, pô, toda galera dos anos 80, saca? Cupim, Rui Muleque, Beto Or Die... Mas os são mais amigos mesmo são o Thronn, o Bolota, PoisÉ, O Lance. E essas pessoas de repente também servem pra falar de mim. Gosto de andar com os caras porque eles são divertidos, me fazem dar risada. (risos) Ali eu tô em casa, é totalmente diferente do mundo que eu tô vivendo, do mundo da música, da responsabilidade. É o paradoxo de tudo isso, então é muito legal.
Drogas, sexo e rock'n'roll. Quanto de mentira e verdade já falaram a seu respeito?
Já disseram que eu sou racista mas não sou; já disseram que sou encrenqueiro e é verdade. (risos) Muita gente não me conhece as pessoas tendem a fazer pré-julgamento, isso é comum. Até eu já cometi esses erros e talvez até cometa de novo. Acho que a pior coisa que falam a meu respeito não é se eu sou metido ou não, se virei pop star ou não, é que às vezes falam que eu utilizo a imagem do skate, o que me chateia porque eu tava lá nos anos 80, quando não tinha material gringo nas lojas, quando muitas vezes o shape usado de alguém seria o meu shape novo, tá entendendo? Eu não tinha apoio de ninguém. Então andei de skate, corri campeonatos, participei de duas edições dos últimos brasileiros de Guará (85/87), corri no Corinthians, no Levi... O skate era uma coisa muito mais alternativa do que é hoje, porque hoje ele está no ESPN, no SporTV, na Globo, tá aqui, tá ali, tá em todos os lugares. Acho isso legal, a evolução da parada, mas também ajudei essa evolução acontecer. Não foi só o Bob, o Ferrugem. Todos os skatistas têm mérito. Aqueles que apareceram menos, principalmente a gente do Ibira que era uma galera que criava as coisas, que estava à frente em termos da cultura geral do skate, tanto na música quando no lifestyle. Se eu não posso falar: "Aí galera, eu ando de skate e skate é classe A", ninguém pode.
Por que você parou de competir? Fale sobre os patrocinadores fajutos.
Muita gente liga para o escritório do meu empresário e fala: "Quando o Chorão não era nada eu dava shape pra ele, dei camisa, roupa, ajudei e tal". Isso é uma coisa que me chateia: ser cobrado de quem eu nem conheço. Tive um patrocinador em toda minha história com o skate que durou dois anos, a H-Prol, que mesmo assim não me dava porra nenhuma, apenas o suficiente pra eu poder andar. Hoje se tem acesso às peças, mas são caras. Então quem não te, grana se fode e tem que andar com o qe tem. Mas naquela época era assim em geral, eram poucos os skatistas que tinham realmente patrocínio e material de qualidade. Se eu tô aí hoje e continuo andando, é muito pela força de vontade que eu tive, pela coragem, atitude, personalidade. Não devo nada a ninguém. Não tenho nada contra ninguém, respeito todo mundo, mas neguinho não pode falar que me apoiou, que me deu carona... Um que ajudou muito foi o Folha: pode falar que me apoiou, que me deu carona... Um que levava pra andar; o Ed Véio passou várias manobras; eu dormia de vez em quando na casa do PoisÉ; o Thronn andava comigo; o Ari quinhentos anos...
Como você vê o skate hoje? Compare-o com o do seu tempo.
Comecei a andar em 85. Muito evoluído, técnico pra caralho e ao mesmo tempo ainda agressivo. Muita gente voando, muita gente que gosta de adrenalina, do vento na cara. Vários jeitos de andar. Você vê que o papo do skate punk voltando com tudo já faz uma cara. Tanto no lifestyle quanto no estilo de andar mesmo, aquele andar fazendo careta assim, igual ao Mario Banguela e o Mureta Overdose... (risos) Vejo o skate bombando, no melhor estilo Tarobinha. Acho que é o esporte que mais cresce no mundo, um puta mercado milionário e tal, mas ainda é a grande diversão e a vida de muita gente, não só um grande negócio.
Você faz parte de uma geração que sonhava e não deu continuidade porque o mercado faliu. Como foi na época que você estava começando a pegar o feeling do porfissionalismo e ver que a sua pesrpectiva de pro estava terminando? (Ari Bason)
O primeiro campeonato que eu corri de profissional foi no CERET, o qual o cara fugiu com o dinheiro. (risos) Peguei o sexto lugar. Porra, passei pra final, ia ganhar uma grana e falei: "Nossa, vou entrar numa bolada". (risos) Aí o cara fugiu com a premiação, aquilo foi frustrante pra caralho. Eu falei: "Amador era mais legal, me divertia mais". (risos) Comecei a levar o esporte mais a sério quando o skate já tava acabando. Foi frustrante ter que parar de competir porque eu não tinha um tênis pra andar, um patrocínio que me apoiasse, porque eu fui atleta de ponta na época. Fui um cara que andava bem, tenho noção e sei muito bem disso. Aí o skate voltou, teve um novo boom mais ou menos quando eu tava com o Charlie Brown, estourando com a minha banda, meados dos anos 90, 93, 94, 95, 96... foi quando bombou de vez.
Foi aí que você sentiu que seu projeto de banda daria certo?
Ao mesmo tempo que a minha banda tem tudo a ver com o skate, ela não tem nada a ver. Toco com uns caras que tocam pra caralho. A minha banda é de rock e o elemento principal não é o skate, é a guitarra, o microfone, a bateria e o baixo. A gente é uma banda que veio do meio do skate pra fora, não de fora pra dentro. Tem uma pá de neguinho que fala: "Aí, eu queria mandar uma abraço pra galera do skate". Não tenho que mandar abraço pra ninguém do skate, eu sou skatista. Gordo ou não, é o que eu vou ser sempre. Ser punk é ter atitude e quem é punk sabe disso.
Qual foi o divisor de águas quando a banda saiu dessa fase de tocar por quase nada, por prazer, e realmente virar um negócio profissional?
Acho que quando a gente conheceu um produtor fodido e a gente sabia que ele tinha gravado várias bandas. Como ele disse que nós éramos bons e iríamos acontecer, as coisas começaram a mudar, porque até antes da gente gravar o disco, nós éramos relativamente conhecidos, muita gente nos conhecia porque tínhamos três demos e nossos shows lotavam, iam 50 pessoas.(risos) Essas 50 pessoas amavam o Charlie Brown, só que não pagavam nem o aluguel da caixa do baixo, cê tá me entendendo? A gente tocava num boteco que era três reais pra entrar, carregou muito instrumento nas costas, tocou com instrumento emprestado. Aconteceram momentos muito legais, mas foram poucos, porque o mínimo que você tem que ter é uma estrutura legal pra tocar se você é músico e quer viver daquilo. Então o sucesso aconteceu sem a gente prever, a coisa foi acontecendo, foi rolando, pápápá, tocou na rádio e a galera abraçou. Pum! Já era, gol.
Você me falou que se um gringo se "dá bem" todo mundo diz que ele merece, mas se você aparece com um carrão, dizem que você é playboy. Comente.
"Se vendeu na mídia, hein mano?" (risos) É mais ou menos isso: Eu fui à uma loja da galeria e um cara me falou: "Caralho, aquele Bam Marguera comprou uma Ferrari, mano. Olha só o naipe do bagulho como tá". Eu falei: "Legal, né?" Então quer dizer, o cara compra uma Ferrari, o cara é o fodão; eu trabalho pra caralho, emprego 30 pessoas, vivo na estrada, pois saio na quinta e chego só na segunda praticamente morto, exausto; faço rádio e televisão, corro atrás, vou pra lá, componho, faço não sei o quê, faço um clipe... Então neguinho me vê saindo de um bom restaurante, com um carro legal, a minha mina e tal, e fala: "Ó o cara, tá jogando na cara, bicho" (risos) Então essa visão distorcida, esse ponto de vista é estreito. E não é só comigo não, qualquer um que seja bem-sucedido aqui passa por isso. Pelo que eu trabalhei, pela minha guinada do 0 a 1.000 com nada, sem ser apadrinhado, veja bem, eu não sou filho de dono de gravadora e no começo não conhecia ninguém em rádio. A gente conseguiu praticamente tudo sozinho e as postas foram se abrindo de acordo com o que a gente ia tocando, gravando demos e correndo atrás. Então acho que eu deveria servir de exemplo de motivação, mas falam que a gente se vendeu. Acho isso errado e é mais ou menos o que acontece com as marcas que não têm a ver com o skate e que entram no meio, fazem um campeonato, jogam camisetas, distribuem não sei quantos energéticos e neguinho faz a maior festa e acha maravilhoso. Botam televisão, uma puta mídia, só atletas de ponta, mas não vejo nenhuma dessas marcas fodidas apoiarem amadores, quem tá começando. Esses campeonatos podem ser o bicho em termos de de show de skate para quem está vendo, agora quem está envolvido, sabe que isso tudo é pose, tudo mídia e um grande interesse comercial. Não tem identificação com o esporte.
O Bob e o Jun Matsui usam o Brasil como marketing. E você, usa o skate?
Não sei, o Chorão do Barril... (risos) Skatista eu sempre fui, desde que me conheço por gente realmente, quando tomei a primeira opção da minha vida, que foi andar de skate. Foi a primeira grande escolha, definitiva, antes de me tornar músico. Então eu poderia ser o Chorão roqueiro. Sempre fui skatista, é isso que sou e isso que vou ser enquanto eu conseguir andar e dar um ollie. Se você for ver no meu disco, tem 12 letras, não sei quantas mil palavras, tem duas vezes que eu falo de skate sobre os ibiraboys, que é uma alusão à uma galera da qual eu faço parte. Então não tem essa coisa de: "Eu ando de skate e você tem que andar também". Não é por aí, cara. As minhas músicas que mais vendem disco, que mais tocaram falam de praia, de mulher, sexo, amor, balada, política, crítica social, esses tipos de coisas. Acho que sou muito mais sincero falando de skate sendo que eu venho do meio, do que eu fosse querer ter uma puta postura politizada. Não fiz faculdade de História da Política para saber quais são realmente as saídas e causas, mas acho que tem muita banda aí que também fala pra caralho que temos que mudar o mundo e melhorá-lo, e muitas vezes esse negócio de ONG acaba em bong (blublublublu), tá ligado?
A mudança de estilos ao longo de sua trajetória proporciona uma discografia bastante variada. Isso é um "plano de vôo", um projeto premeditado ou aocntece naturalmente?
Acho que a música é que nem sexo, você não mete só papai e mamãe, tá ligado? É dog style, de ladinho, 69, frango assado, é mão na pia e peitinho na saboneteira... vários jeitos. (risos) Acho que música é a mesma coisa, é evolução. Às vezes é evoluir e às vezes retroceder. Tanto é legal você revistar coisas que são vertente principal, que são o punk rock, o rock'n'roll, o heavy metal; quando é legal você fazer o bagulho de drum'n bass e um som com guitarra distorcida com batida eletrônica e o caralho. Tudo é legal desde que seja feito com gosto e com atitude e identidade. A banda tem um trajetória de mudanças, mas não tão bruscas. A gente se reinventa sem deixar de ser o mesmo. Mantivemos a atitude, o pé no chão. Essa é a principal vertente, é uma banda de guitarra, todas as músicas mais na boa, ou um reggae, ou um hardcore, mas sempre tem guitarra, tem solo de guitarra, riffs de guitarra. Charlie Brown é uma banda de guitarra e isso nunca vai deixar de ser.
O que a molecada pode esperar do próximo disco do Charlie Brown? Vai ter bastante rap, participações ou vai ser um disco com mais guitarras?
Um disco com mais guitarra, por causa do momento. Se neguinho perguntar: "Pô, mas você deixou de gostar de rap?" Não mesmo, se você olhar os CDs vai ver que a maioria são se rap, cê tá entendendo? Eu escuto rap, várias coisas. Tá aqui o DVD do Trick, que é um rapper. As minha influências são rap, rock'n'roll, reggae, ska, tudo que eu acho legal.
Não é muita loucura o skate hoje poder contabilizar vários ícones tipo Chorão, Bob e outros?
Acho o Diogo do caralho, ele é um cara que fica ali na Vila Madalena tomando breja, quietinho com a mina dele. O cara anda pra caralho e podia estar na gringa ganhando 15 mil dólares por mês duma marca fodidona e tal, mas é a opção de vida do cara. Você tem que estar feliz com aquilo que você quer fazer, tá ligado? E é aquele negócio: grana não é tudo, ser bem-sucedido mas não deixo de ter problema, não deixo de muitas vezes falar: "Caralho, queria parar tudo só para andar de skate". Mas se eu fosse andar de skate, podia estar andando três anos, quebrar o pé, me foder, não conseguir mais andar e aí não iria conseguir fazer mais uma banda. Acho que é você viver o momento e viver legal com o que tem. Se for pra se espalhar, que você se espelhe em pessoas que realmente conseguiram alguma coisa com o trabalho, com atitude
Você continua "brigão" com nas ocasiões de injustas premiações de campeonatos? (Ari Bason)
(risos) Ó o cara! Muitas vezes rolava um treta e quando eu ia ver já estava envolvido, tá ligado? Ah, eu não tenho culpa. (risos) É isso!
O que é o Chorão por ele mesmo?
Que isso? Chorão na treceira pessoa não existe. (risos)
Como é o Papai Noel?
(risos)
Descreva em cinco palavras o que o skate e o Charlie Brown representa pra você. (Helinho Suzuki)
Charlie Brown é a minha banda, minha vida, minha opção, minha queria privada entupida. (risos) E o skate é foda, é a minha nóia, meu lazer, minha casa, minha origem, minha ambição ainda, porque tenho a ambição de um dia ainda poder não competir, mas andar legal, ter mais tempo pra andar, tá ligado? (risos)
Agradecimentos:
Primeiramente aos caras da minha banda; todos nossos fãs, meu empresário, todo mundo que ajuda a divulgar nosso trabalho; galera da Tribo (Gyrão, Bolota, Magrão, Ari Basin, Da Selva, Helinho); Chiclé (Duda, toda máfia); Grito da Rua, galera da Vans, Bruno, skatista de fé; Marcos ET, Lokinho, Pingo, Tomzé, Mansur, Kid, Jonas, Berola, Zik Zira, Davi, PoisÉ, Porquê?, Simão, Edsinho, Folha, Folhinha, Ed Véio, Lúcio Flávio, Miltinho, Tai Tai Gato Traveco, Kisuco, Anshows, Pastel, Bê (Tijolo não), Jeff Baiano e Orelha, Cristiano Mateus, Digo, Mineirinho, Fábio Sleiman, Biano, Chupeta, Mancha, Tarobinha, Taroba, Thronn, não (risos), Osmar Fossa; um abraço pra galera da Rocinha (Sinistro), São Paulo, Rio e Santos. Do Rio: Alessandro, Allan, Júlio Feio, Kuque, Miltinho, Cesinha Chaves, Guto Jimenez, Macaé, Pedrinho, Felipinho; Curitiba: Catarina, Piolho, Franco e todos os raças; galera da Drop Dead; a todos meus amigos da old e da new generation (já é!); um agredecimento especial à essas pessoas que acreditam no meu trabalho e me ajudaram muito no começo: Cecília Mãe, Shin Shikuma e Paulinho (Rude Boy) e sua famíla. Um abraço a todos meus amigos, um beijo na minha amada Graziela e mais um beijo pro meu filho Xande.