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FZ: Será Que Ofendi Alguém?
Será que ofendi alguém?
A pergunta, claro, é puramente retórica. As quinze canções
de Frank Zappa que formam esta coletânea "politicamente incorreta"
têm um pouco de tudo para deixar meio mundo ofendido: feministas,
machistas, uranistas, princesinhas judias, moças católicas,
patricinhas, executivos de gravadoras em geral, a Ordem dos Músicos
em particular, os defensores das privadas de Paris, os rapazes inseguros
que gostam de dançar nos clubes, os adoradores de Jimi Hendrix
e diversas outras facções que formam a sociedade de hoje.
É difícil avaliar a extensão do ridículo.
Have I Offended Someone?, produzido pelo próprio Frank antes
de sua morte em 1993 e editado pela Rykodisc, enfoca o período
entre 1973 e 1985 e poderia ser considerado sua idéia para um "best
of". Estas também são as músicas mais atacadas
pela crítica. Nelas, Zappa descreve espécimens sociais com
a exatidão de um antropólogo. Ele foi um grande defensor
da liberdade de expressão, persistentemente escrevendo canções
sobre temas polêmicos. E conforme ele mesmo disse em sua autobiografia,
"as pessoas mais ofendidas com as minhas letras parecem ser os críticos
de rock - o público geralmente gosta delas". Claro. Afinal,
de tão engraçadas, são de fazer qualquer um tropeçar
no kinderovo. Começando pela remixada "Bobby Brown Goes Down",
que abre o disco. É um colorido perfil de um jovem executivo da
indústria fonográfica que sofreu um trauma terrível
ao transar com "uma sapatona chamada Freddie". Hoje, ele cheira
a vaselina. "Bobby Brown" talvez seja o sucesso mais esquisito
do Zappa. A música nunca tocou no rádio americano, mas entrou
nas paradas da Noruega, Áustria e Alemanha e é uma das favoritas
nos territórios onde o inglês não é falado,
como aqui nesta República do Trambiquistão.
Outro retrato que o mestre pinta com detalhes divertidíssimos
é o da indecente princesinha judia, com "tetas titânicas"
e nariz novinho em folha. As patricinhas foram retratadas na "doce
e pura" "Valley Girl", com um excepcional rap de sua filha
Moon Unit e uma letra comentando as dificuldades existenciais das adolescentes
da geração shopping-center: "A última idéia
a passar por sua cabeça / tinha alguma coisa a ver com onde encontrar
um par de jeans / que se ajuste na sua bunda". Foi um dos maiores
sucessos de Zappa. Mas, apesar da aclamação popular, a ironia
do compositor passou desapercebida. "A pior coisa sobre aquele disco",
disse Zappa, "é o fato de que ninguém realmente o ouviu.
Ninguém mencionou nada sobre o que a canção estava
dizendo, que essas meninas são umas cabeças de vento."
Enquanto "Yo Cats" ridiculariza os músicos
esnobes e seu sindicato, um hippie de meia-idade com saudades de Jimi
Hendrix poderá se sentir ofendido quando FZ satiriza alguns aspectos
da contracultura em "We're Turning Again". Em "Titties
'n Beer" temos um motoqueiro interessado em "Tetas e Cerveja"
que engana o demônio. A estrutura narrativa da canção
é baseada na "Marcha do Soldado", do velho Strava: marchando
para a guerra, o guerreiro é tentado pelo demônio. Só
que em vez do soldado, temos o motoqueiro beberrão.
"In France", para usar de diplomacia, é uma
reportagem com as aventuras de uma banda de rock na terra do escargot:
"Lá na França
As meninas são todas picantes,
Os meninos são todos frescos,
A comida não é muito ordinária
E eles mijam na rua.
Eles têm doenças que você nunca viu
Têm um misterioso 'trabalho de sopro'
Que deixa seu pedro verde
E quando você vai fazer cocô
Tem que fazer em pé."
Ora, frankamente... Mesmo descontando-se minha péssima
tradução, eu diria que... bem, há senhoras presentes
e é melhor maneirar.
Have I Offended Someone? contém também
duas versões ao vivo e inéditas: "Tinsel Town Rebellion"
e "Dumb All Over". A Rebelião de Tinsel Town, lá
no centro de Hollywood, é uma crônica "dos bueiros da
excitação, onde Jim Morrison já esteve", uma
análise musical da New Wave. Onde seria preciso um Olavo Bilac
só para descrever o cheiro do bueiro, Zappa precisa de poucos versos:
"Então foram todos [os músicos] para o conservatório
aprender riffs idiotas e praticar aquelas poses entre uma cheirada e outra".
Afinal, nestes tempos de MTV, quem ainda se interessa em ouvir?
"Dumb All Over" é um rap em cima dos tele-evangelistas
que espalham a "burrice por toda parte". É uma das grandes
performances do disco, que desvenda toda a hipocrisia humana: lá
está ela, as calças arreadas até os calcanhares,
a bunda prensada contra a janela da opinião pública, a desculpa
esfarrapada saindo balbuciante da sua boca: "Deus me mandou fazer
isso! Deus me mandou fazer aquilo!" A piece de resistance é
"Dinah-Moe Humm". A canção foi reconstruída
e é zappalogia em seu estado mais profundo. Fala do encontro de
uma (vamos usar uma palavra decente) moça frígida com um
caubói do asfalto, tipo machão. O cara dá um verdadeiro
show e a canção termina com ele indo pegar suas esporas.
Restaurada integralmente em sua versão original, "Dinah-Moe
Humm" traz agora um solo alucinado do tecladista George Duke.
Infelizmente, não existem registros nem se dispõem
de informações sobre as quinze faixas do disco. Pouca coisa
se sabe: estão anotadas apenas as músicas diferentes das
versões originais e a arte da capa é do excelente caricaturista
Ralph Steadman. O som está espetacular, a equalização,
sensacional, e os cortes, perfeitos. Contudo, Have I Offended Someone?
é mais do que grande música e letras satíricas -
esta compilação ilumina a audácia de Zappa em tratar
de temas "delicados" e enfatiza sua coragem de jamais voltar
atrás por medo da mídia, das empresas corporativas ou da
censura de qualquer tipo. O homem foi um genuíno freedom fighter.
Ah, sim, sobre os "críticos de rock". Zappa nunca se
esquivou de dizer o que pensa sobre eles. Eis uma de suas citações
mais conhecidas: "Definição de jornalismo de rock -
gente que não sabe escrever entrevistando gente que não
sabe pensar para fazer artigos para gente que não sabe ler."
Será que ele ofendeu alguém? Não, é isso mesmo:
basta olhar ao redor... E que se dane se eles não conseguem entender
uma piada...
Lu Gomes |
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