Setembro 2.002

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História do Movimento Homossexual - O Movimento no Brasil

 

         Em 1977, os estudantes tomavam as ruas para exigir a anistia dos presos e exilados políticos. Era o começo do fim da ditadura. Diversos setores da sociedade buscavam a reorganização. A imprensa “alternativa” se multiplicou rapidamente, e os “setores oprimidos e explorados” da sociedade exigiam o seu espaço. Em meio a esse processo surgiu o jornal Lampião de Esquina, com o objetivo de enfocar a luta de todos os chamados “setores oprimidos” (mulheres, negros, homossexuais e índios) mas que na prática era quase que totalmente voltado para a comunidade homossexual.

         A idéia inicial de lançamento do jornal nasceu com a visita de um jornalista gay norte-americano, Winston Leyland, que veio à América Latina - no final de 1977 - para recolher material para escreveer uma antologia sobre a produção literária de autores homossexuais. Sua visita acabou desencadeando a reunião de um grupo de jornalistas, escritores e intelectuais responsáveis pelo lançamento do número zero do jornal em abril de 1978.

         Além do surgimento do Lampião, outros fatores iriam contribuir para a formação do primeiro movimento homossexual brasileiro. Também em abril de 78, entre os dias 24 e 30, a revista Versus promoveu um ciclo de debates denominado “Semana do Movimento da Convergência Socialista”, cujo o objetivo era elaborar a plataforma política de um futuro partido socialista brasileiro. Durante estes debates um “incidente” provocado pela não convocação do Lampião, acabou resultando em uma intensa discussão sobre o relacionamento entre a esquerda e os homossexuais. A grande importância desse debate foi que ali se deu a primeira discussão pública sobre a homossexualidade e seus aspectos políticos.

         Após este debate, um grupo integrado por dois editores do Lampião e outros homossexuais fundou o Núcleo de Ação pelos Direitos Homossexuais, que apareceu em público pela primeira vez para denunciar a forma preconceituosa como o jornal Notícias Popular tratava os homossexuais. Em dezembro de 78, o grupo passa a adotar o nome de SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual. Em fevereiro de 1979, após a participação em um ciclo de debates na Universidade de São Paulo, o SOMOS cresceu significativamente, reunindo cerca de 100 homossexuais (aproximadamente 80 homens e 20 mulheres).

         Desde sua fundação, um setor do SOMOS havia privilegiado uma atuação estreitamente ligada aos setores oprimidos da sociedade, as mulheres e os negros (apesar de que nem sempre tenha havido reciprocidade nesta tentativa). A primeira aparição pública do SOMOs, em uma mobilização, se deu no dia 20 de novembro de 1979 (Dia de Zumbi dos Palmares, ou Dia Nacional da Consciência Negra), em uma passeata convocada pelo Movimento Negro Unificado. Nesta passeata os ativistas do SOMOS portavam uma faixa onde se lia “Pelo fim da discriminação racial – SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual”.

         No início da década de 80, já existiam diversos grupos formados em diversos estados do país. E a necessidade de discutir, a nível nacional, as diferentes experiências de cada um dos grupos e a possibilidade de coordenar atividades conjuntas fez com que fosse convocado o I Encontro Brasileiro de Homossexuais e o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, realizado em Semana Santa de 1980, no Rio de Janeiro. Os dois primeiros dias do Encontro foram fechados aos representantes dos grupos, e a plenária final, da qual participaram 800 pessoas, foi aberta. Entre os grupos que estiveram presentes poderíamos citar: Facção Homossexual da Convergência Socialista, Eros (SP), SOMOS/Sorocaba, SOMOS/RJ, Beijo Livre (Brasília), Libertos (Guarulhos) e Grupo de Ação Lésbico-Feminista. Além disso, houve a participação de representantes de diversos estados.

         Assim como durante a discussão entre os grupos, a plenária foi polarizada pela discussão em relação a como o movimento homossexual deveria se relacionar com os demais setores oprimidos e explorados da sociedade. Essa discussão voltava-se em como o movimento homossexual participaria da comemoração do 1º de maio no ABC paulista, onde acontecia, naquele momento, uma poderosa greve. A plenária se dividiu ao meio, e a posição de participar organizadamente do ato perdeu por apenas um voto.

         Essa discussão significou praticamente um divisor de águas dentro do movimento homossexual. De um lado estavam aqueles que viam a possibilidade de conquistar a emancipação homossexual dentro dos limites da discussão da sexualidade em si, do outro ficaram os que acreditavam que a emancipação só seria possível caso fosse batalhada conjuntamente com os demais setores oprimidos e explorados da sociedade.

         Os adeptos da segunda posição decidiram que participariam do ato de qualquer forma (mesmo temendo uma possível reação negativa por parte dos operários) e para tal, organizaram a “Comissão de Homossexuais pró-1º de Maio” que reuniu um grupo de 50 homossexuais para participarem do ato. O grupo entrou no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo com duas faixas – Contra a Intervenção nos Sindicatos e Contra a Discriminação do Trabalhador(a) Homossexual – e, para sua própria surpresa, foi entusiasticamente aplaudido e de forma alguma molestado.

         O grau de diferenciação entre as duas posições em relação à participação no 1º de maio pode ser brevemente ilustrado pela atividade realizada pelo setor contrário à participação. Enquanto o ato acontecia em Vila Euclides, os editores de Lampião e aqueles que concordavam com sua postura, realizavam um piquenique no zoológico.

         No período imediatamente posterior ao 1º de maio se deu um inevitável distanciamento entre os dois setores e as páginas do Lampião se transformaram em porta-voz de inúmeros ataques ao chamado setor de “esquerda”, principalmente à Facção Homossexual da CS.

         Essa polarização só conseguiu ser superada, temporariamente, devido uma violenta onde de repressão, desencadeada pelo delegado Wilson Richetti, contra o gueto gay de São Paulo no final do ano.

         Desde o seu surgimento o movimento já enfrentava a repressão policial. Por exemplo, entre abril e julho de 79, a polícia federal fez uma série de investidas contra o jornal Lampião e, esporadicamente, grupos de todo o país recebiam cartas ameaçadoras de “comandos de caça aos gays”. Richetti organizou a operação “Rondão” a qual, durante dias, espancou e prendeu dezenas de homossexuais, travestis e prostitutas do centro de São Paulo.

         A tremenda violência da operação fez com que amplos setores da sociedade se levantassem contra ela e uma passeata convocada pelo movimento homossexual, grupos feministas e o Movimento Negro Unificado, no dia 13 de junho, reuniu aproximadamente 1.00 pessoas, entrando para a história como uma das maiores mobilizações  de homossexuais que este país já conheceu.



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