Magos |
Primeira Parte: Os primeiros assassinatos 1 Os dois irmãos Spheera estavam descendo as escadas circulares do corredor da Ala Leste, quando Zurvan Mondragon passou por eles, com a capa de seu manto verde e dourado esvoaçando por entre os dois e desaparecendo apressadamente de seus campos de visão. Axel Spheera virou sua cabeça para trás com uma expressão de nojo estampada em seu rosto de olhos esbugalhados. ¾ Eu não vou com a cara deste tal de Mondragon. ¾ murmurou Axel, mais para si mesmo do que pro seu irmão ouvir, porém num volume que Mantis ainda conseguia escutar. ¾ Você não vai com a cara de nenhum mago, Axel. ¾ respondeu seu irmão gêmeo sem nem olhar para o outro. Mantis Spheera sabia da antipatia que seu irmão possuía para com os magos. Não havia nenhum motivo aparente ou que ele conhecesse, mas Axel detestava todos os magos que conhecia, sem exceção. Os dois haviam entrado e se formado junto na Escola de Cavaleiros, onde faziam juramentos de proteger o Império, governado por magos, os seres mais poderosos e sábios de Natumerf. Apesar disso, Mantis não se lembrava quando seu irmão começou a nutrir este tipo de sentimento. O Massacre da Vingança? Não, não acreditava que tanto ódio se originasse daquilo, por mais grave que parecesse ter sido para seu irmão. Suas ações sempre foram extremistas e, se não fosse por ele, Axel já haveria perdido o título de cavaleiro há tempos. Ele parecia nem ligar para o esforço que Mantis havia feito e ainda fazia para encobrir todos os crimes que tinha cometido, e não se preocupava nem um pouco em conter seu comportamento maníaco. Sua arrogância e desrespeito pela hierarquia existente entre os magos e os cavaleiros apenas eram contidas pelo seu irmão e já haviam feito com que recebesse várias punições e ameaças de perder seu título da Ordem Imperial. Por isso, Mantis sempre fazia questão de ir junto a ele em qualquer missão e, como era muito amigo de Demodeus Necromanus, importante membro da Alta Mesa do Conselho dos Magos de Midgard (CMM), ele nunca havia largado seu irmão sozinho. Herdeiros do rico Marquês Bali Spheera VII, os dois possuíram uma grande fortuna em terras. Axel herdou o próspero Feudo da Conquista, e o perdeu em uma má e tirana administração para uma rebelião de camponeses que trabalhavam e viviam em suas terras. O caso fora a julgamento e os Magos das Altas Mesas decidiram entregar as terras a um novo donatário: Mantis Spheera. Após alguns meses após a sentença, todos os camponeses que trabalhavam ou viviam neste feudo foram encontrados mortos, com seus corpos decapitados. Homens, idosos, mulheres e crianças de várias raças, todos cruelmente assassinados. As plantações foram incendiadas, assim como todas as construções que existiam neste feudo. O novo donatário e seu irmão foram inocentados por falta de provas e testemunhas. O ocorrido ficou conhecido em toda Natumerf como ‘O Massacre da Vingança’. Apesar de seu irmão ter sido inocentado, Mantis Spheera sabia muito bem quem havia estado por trás do massacre. Sabia também que seu irmão o amava e que não havia feito aquilo para lhe atingir. Seu irmão queria apenas vingança contra aqueles que o fizeram perder as terras. Apenas vingança. Não que isso justificasse tais atos insanos, mas o que ele poderia fazer? Denunciar seu irmão, sua única família e a criatura que mais amava nas Sete Terras? Ele era doente, apenas isso, e Mantis ainda mantinha esperanças de que ele se curasse. Como Conde do Feudo da Vitória, a outra parte da herança de seu pai, Mantis enriquecera muito. Possuindo o maior feudo da Planície das Estrelas e ainda três outros feudos na Planície Central, adquiridos depois, ele se tornara duque, e, anos mais tarde, ele já havia se tornado mais influente e poderoso do que o seu próprio pai já havia sido. Popularmente, era conhecido como ‘Duque Vitoriano’ e possuía seu próprio exército, a Guarda Vitoriana, o segundo maior de Natumerf, inferior apenas a Guarda Imperial. Como um Cavaleiro da Ordem Imperial a serviço do Império de Magos de Natumerf, o Duque Vitoriano realizava inúmeras expedições a Dracon, com o propósito de explorar aquela terra ainda desconhecida. Muitas destas expedições tiveram sucesso e, atualmente, os mapas existentes daquela região se baseiam em suas expedições exploradoras. Mas ninguém nunca descobriu qual seria o seu interesse naquelas terras inexploradas. Alguns acreditam que ele apenas servia ao Império, outros, que ele procurava algo de valor inestimável. Mas, nunca, nunca ninguém soube realmente quais seriam suas verdadeiras intenções. Além de poderoso e rico, Mantis era também um gênio estratégico e militar. General das Tropas Sul, que garantiam os limites entre o Império dos Magos de Natumerf e o Império Sarconiano de Rah, ele nunca perdera sequer uma batalha. Servia bem ao Império e não nutria o mesmo sentimento obsessivo de seu irmão para com os magos, mas sua ganância em reinar em uma terra na qual todos os soberanos são magos poderia facilmente colocá-lo contra eles. Esta ganância o havia levado a ingressar na Ordem Secreta dos Cavaleiros Negros há vinte e dois anos e, sendo agora o Líder Obscuro da Nova Ordem, uma pequena faísca de esperança havia se acendido em sua alma sombria com o que estava prestes a acontecer. No entanto, não podia pensar nisso agora, pois ainda precisava aperfeiçoar seu plano, o que ele tinha certeza que terminaria em pouco tempo. Afinal, sua ganância podia ser grande, mas não estúpida. Axel Spheera não respondeu ao comentário do seu irmão e eles continuaram o caminho em silêncio, descendo as escadas até o sexto andar e pegando o corredor da Ala Sul, onde vivia o mago Demodeus Necromanus. 2 Mantis bateu suavemente na grande porta de pedra em arco com uma inscrição talhada com o nome de Necromanus. O pedregulho se moveu, fazendo Axel dar um pequeno pulo para trás, e uma voz grave e rouca veio de dentro. ¾ Entre somente o Duque Vitoriano. Mantis rapidamente olhou para Axel e levou o dedo à boca num sinal de silêncio e reprovação que chegou até a assustá-lo. Seu rancoroso irmão segurou as palavras e saiu pelo corredor, cuspindo ofensas a todos os magos que existiam e até àqueles que algum dia viriam a nascer. O Duque então entrou e se aproximou duma grande poltrona de veludo vermelho. Parou quando a poltrona começou a virar para ele e a figura de Necromanus surgiu no escuro. Era difícil enxergar no breu que pairava sobre a sala. Mantis franzia a testa num esforço para acostumar seus olhos ao escuro quando o mago se levantou e os dois ficaram frente a frente. Demodeus Necromanus possuía uma aparência bela e jovem, mas ao mesmo tempo assustadora. Sua silhueta era ainda mais alta que a de Mantis, que já era bem alta para os padrões humanos. Ele então estendeu sua mão esquerda longa e pálida para o lado e seis velas vermelhas se acenderam ao redor da sala. Com sua mão direita apontou para a pedra que funcionava como porta e ela se moveu pesadamente até que os dois estivessem trancados lá dentro. Seu rosto fino e de olhos sombrios então lhe mostrou um leve sorriso e ele começou: ¾ Kamsa Secmet está morta. Logo, Mondragon trará notícias sobre nosso último aliado ou futuro inimigo. ¾ É, é realmente difícil pensar em se aliar a um motim sem ter conhecimento de quem realmente participa dele. ¾ Motim? Ah, ingênuo Vitoriano, pense nisso tudo como sendo no mínimo uma revolução. ¾ retrucou Necromanus num tom de supremacia. ¾ Mas isso não importa agora. Chamei-o aqui para outros propósitos. Mantis percebia o ódio disfarçado nas palavras de Necromanus. Ele definitivamente não era movido por uma sede cega de poder, como insinuavam suas palavras. A linhagem Necromanus era inimiga da linhagem Calisto desde a Era do Caos, há aproximadamente 3600 anos atrás. Com o fim da Guerra dos Conselhos, a maior e mais antiga guerra que toda a Natumerf conheceu, Almo Calisto subjugou Damien Necromanus, fundou o Império dos Magos de Natumerf, onde sua linhagem reina até o tempo atual, e estabeleceu uma trégua entre suas famílias que durava até os dias de hoje. Este foi o marco histórico mais importante de toda a região conhecida como Natumerf, e os anos da Era da Ordem são contados a partir deste dia. Desta guerra, foram deixadas feridas na linhagem Calisto que foram cicatrizadas com o seu triunfo e conforme o tempo passava. Porém, nos seus inimigos, as feridas se transformaram em um vazio profundo, o qual fizeram questão de preencher com ódio. Assim, Vitoriano se deu conta de que o vazio estava transbordando e Demodeus Necromanus planejava despejar todo o ódio acumulado durante todo este tempo no Imperador Astrad Calisto. Ele não procurava o poder, mas sim vingança. Em seus olhos, habitava um sentimento vingativo tão obstinado que o Duque teve a plena certeza: do mago negro, não somente o Imperador seria vítima, mas também todo o Reino de Natumerf. Esta certeza fez-lhe sentir um calafrio percorrendo sua espinha de baixo para cima. Então, Necromanus caminhou até uma estante negra à sua esquerda e encheu um cálice, prata como suas vestes, de um vinho com um aroma bem suave. Agora, mais perto de uma das velas que tremeluzia à sua proximidade como se estivesse aterrorizada, podia-se ver seus olhos todo negros e suas orelhas pontiagudas, características de um elfo negro. Com uma mão, ajeitou seus longos e lisos cabelos pretos para detrás das orelhas, que ficaram mais evidentes, e, com a outra, deu uma golada em seu cálice de prata. Olhou para Mantis e, por entre bigode e cavanhaque molhados, seus lábios finos e mórbidos se moveram novamente. ¾ Os magos membros de nossa Aliança não são revelados a ninguém e isto justamente para evitar que se estrague a surpresa. Com este mesmo propósito, não quero ainda que seu irmão saiba de nada que esteja ocorrendo aqui. Não duvido que ele se juntaria a nós, o que você assegurará, mas isso apenas na hora certa. Por enquanto, o mantenha longe do nosso caminho. ¾ Como você quiser. Eu o manterei sob controle e o colocarei no lugar a que pertence. ¾ Mantis concordou com esta decisão mais por sensatez do que por obediência ou medo. Ele sabia que o comportamento psicótico e insano de seu irmão poderia colocar qualquer plano a perder, mas também sabia que ele era um guerreiro forte e temido e seria muito útil em combate. ¾ No seu exército, você deve ter pessoas de confiança. Deixe-as avisadas e prontas para a luta daqui a uma semana. Em breve, lhe darei instruções mais detalhadas. Isso é tudo. ¾ e num gesto Necromanus moveu novamente a pedra que bloqueava a saída dali. Mantis fez que sim
com a cabeça e saiu. Sentiu-se um bocado aliviado ali fora, deixando para
trás aquele antro de atmosfera pesada que quase lhe causava asfixia.
Ouviu a pedra se movendo de novo atrás dele e parando com um baque alto. Em quem eu
poderia confiar mais do que em meu próprio irmão? Achou estranha a
pergunta que fizera a si mesmo e achou mais estranha ainda a possibilidade
dela ter resposta. É, a hora de agir está chegando: ou nós ou eles,
querido irmão... ¾
pensou Mantis. Preocupado com os
arranjos finais, o Duque Vitoriano pegou o corredor da Ala Sul e foi
procurar o seu irmão. 3 A cidade imperial de Darmanoff, localizada no coração da Planície Central, era cercada em toda sua extensão por uma sólida muralha de pedra de oitenta metros de altura e dezenas de torres de observação com aproximadamente cento e quarenta metros de altura cada uma. Um fosso de dez metros de profundidade e cem metros de distância de uma margem à outra assegurava à muralha proteção contra aríetes e outros armamentos de demolição. Com vigilância constante de cinquenta arqueiros (na sua maioria elfos brancos) em cada torre e trinta cavaleiros da Ordem do Escudo de Marfim em cada portão, a sede do Império dos Magos de Natumerf, era o lugar mais seguro de todo o reino. Com aproximadamente setenta mil habitantes, dos quais dois terços faziam parte do Exército Real, Darmanoff vivia sob paz tanto interna quanto externamente. Darmanoff possuía quatro portões: o Portão da Sabedoria, a oeste, em direção ao Colosso da Fênix e à principal rota comercial com os centauros; o Portão do Conhecimento, a sudoeste, em direção à Torre de Midgard e à Lagoa das Serpentes; o Portão do Ocultismo, a sudeste, em direção aos feudos da Planície das Estrelas; e, por fim, a nordeste, o Portão da Imortalidade, em direção ao Rio das Fadas e à principal rota de comércio com os gigantes do Planalto dos Gigantes. À noite os portões se fechavam e só se abriam novamente com o nascer do Sol Maior. Pelo chão de pedra da cidade seguiam-se sulcos paralelos, precisamente espaçados, que serviam de trilhos para o intenso movimento de carroças que, em geral, entravam na cidade carregadas de produtos perecíveis como frutas, legumes e verduras, e a deixavam carregando materiais não-perecíveis, como roupas, armas e produtos artesanais. Ao leste e ao norte da cidade, oficinas de forja, campos de treinamento e grandes galpões que serviam de dormitórios coletivos para integrantes do Exército Real formavam o maior centro militar das Sete Terras. Caminhando para o sudoeste, a paisagem mudava, encontrando-se grandes e pequenos estabelecimentos comerciais e artísticos, como a Galeria dos Artesãos e o Museu Imperial. Do sudeste até quase todo o nordeste da cidade, predominavam residências bem como opções culturais mais amplas, tais como a Antiga Biblioteca Mística, o Teatro dos Altos Magos, os Pilares dos Deuses e o Jardim das Majestades, onde vez em quando artistas circenses que passavam pela cidade se apresentavam. Em Darmanoff viviam humanos, elfos brancos, centauros e alguns poucos anões. Essa mistura de raças não encontrada em qualquer cidade fazia da capital do Império um centro cultural rico e excêntrico, de onde saíam os melhores artesãos de Natumerf. Todos que viviam lá de alguma forma cooperavam com o Império e possuíam vidas bem confortáveis financeira e socialmente. No centro encontrava-se uma construção monumental toda feita de mármore-brilhante, um mineral apenas encontrado nas Minas Brancas, à nordeste da Floresta do Labirinto. O Palácio da Virtude, morada do Imperador e da Imperatriz Calisto, possuía 512 quartos para empregados, 2048 quartos de luxo e uma suíte imperial de aproximadamente quinhentos metros quadrados. Na frente, um imponente e maravilhoso jardim colorido, arquitetado e construído por baloes (cruzamento entre humanos e elfos brancos, os baloes ou semi-elfos são, em geral, seres nômades e alegres, com grande habilidade para as artes), possuía esculturas quase vivas de criaturas belas e muitas vezes perigosas, como fadas, grifos, sereias e dragões. À noite, o brilho do Palácio iluminava bem seus arredores e algumas vielas adjacentes a ele nem precisavam de tochas ou fogo-etéreos (pequenas bolas de fogo criados a partir de magia), que garantiam luz nas outras partes da cidade. 4
O Imperador Astrad Calisto era um mago humano, alto, magro, cabelos
castanhos até os ombros e olhos e cavanhaque também castanhos. Em seus
cinquenta e três anos de idade, seus primeiros fios brancos de cabelo
começavam a aparecer. Estava reinando há quase vinte e cinco anos, desde
a abdicação estranha e o desaparecimento (mais estranho ainda; afinal,
parecia ter sido voluntário) de seu pai, na época Imperador de Natumerf.
Havia se formado na Escola de Magia de Iblis e na Escola de Magia de
Mefisto, onde conseguiu méritos suficientes (bem como adquirido
sabedoria; havia se tornado um dos homens mais sábios de Natumerf) para
se tornar membro da Alta Mesa do Conselho Colossal dos Magos (CCM) e
assumir o seu lugar de direito no Palácio da Virtude. Pertencia a Ordem Mística
da Penumbra e a Ordem Secreta dos Guardiões da Paz; a primeira bem ativa
em Natumerf; a segunda, bem ativa somente em Lince e parte de Dracon, e
ainda tentando se impor em Natumerf. Astrad Calisto era justo e bondoso,
trazendo tranquilidade e estabilidade ao seu reino no alcance de seus
poderes.
Recluso em seu quarto, Astrad esperava a volta de Fiona da viagem
que fizera há uma semana até o Colosso da Fênix, sede do CCM, para
participar das discussões sobre a preservação dos Unicórnios (hoje só
encontrados na Planície Sagrada) e das fadas das florestas (quase em
extinção devido à expansão dos gigantes, criaturas semelhantes a
homens de quatro metros de altura com cabeças desproporcionalmente
pequenas) que viviam ao norte do Bosque das Fadas. Estava lendo um
pergaminho que recebera de Ceresso Laquessante esta manhã, um pouco antes
do almoço. Ceresso era um dos treze Cavaleiros da Ordem Imperial, a mais
alta ordem alcançada por um cavaleiro, e estava atualmente na Costa dos
Finórios a mando do Imperador que atendera aos apelos dos cidadãos
daquela região relativos a uma onda de assaltos e roubos que ameaçava a
segurança e a ordem das cidades estabelecidas ali. Este apelo havia sido
reforçado por Lahar Mahadevi, Presidente da Alta Mesa do Conselho do CMM,
nativo de Capela e talvez mais idolatrado do que o próprio Imperador na
Costa dos Finórios. Fazia três semanas que Ceresso estava lá e agora
ele havia reportado que “...finalmente o número de assaltos e roubos
tem diminuído, porém não logrei encontrar ainda o esconderijo deste
bando de ladrões que assola esta região. [...] Ainda que eu tenha detido
alguns e estes se recusassem a cooperar, acredito que este grupo ainda é
grande e, organizados da maneira que suponho que estão, temo que a
diminuição destes crimes tenha se dado em vista do planejamento de um
crime maior e mais perverso do que os que vinham ocorrendo.”. Astrad
enrolava o pergaminho que chegara até ele através de um pombo-correio
quando escutou duas batidas na grande porta dupla de mogno do seu quarto.
O Imperador respondeu mandando que entrassem e se levantou da confortável
cadeira alcochoada com a cara lã de ovelhas do Planalto das Quedas. 5 Vallhak Wastuq abriu uma das portas, prostrou-se rapidamente mostrando o respeito hierárquico de sempre, e se pôs de lado. Encostado na porta aberta, com o peito estufado e a cabeça erguida como se estivesse olhando para os olhos de um gigante, anunciou em voz alta: ¾ Vossa Alteza, a Imperatriz de Natumerf, Fiona Calisto. Astrad era casado com Fiona Damascena Calisto, maga humana formada em três das oito maiores Escolas de Magia de Natumerf: Escola de Gaia, Escola de Lorelei e Escola de Thamuz. Fiona também era a atual Presidente da Alta Mesa do CCM, cujo símbolo era uma fênix de asas imponentes e cristas de fogo, representando o ressurgimento da vida. A Imperatriz entrou depressa, seus cabelos longos e loiros esvoaçando pelo ar. Apesar de já ter perdido sua juventude, Fiona Calisto, em seus quarenta e nove anos, ainda era uma figura a se contemplar. Seu vestido largo e azul-cintilante escondia sua idade, não que precisasse (ainda possuía um corpo belo), mas porque não era uma pessoa que gostasse de se expor. Era muito sábia e tranquila na maior parte do tempo e, pela velocidade com que andava, percebi que ela não trazia boas notícias. ¾ Astrad, precisamos conversar. ¾ fez uma pausa e olhou para o cavaleiro à porta ¾ Wastuq, entre e feche a porta. O cavaleiro havia tirado o elmo dourado, parte da armadura dos Cavaleiros da Ordem Imperial, e o segurava com o braço direito na altura da cintura. Parecia não ter se movido desde que anunciara a entrada da Imperatriz, e um desapercebido provavelmente levaria um susto quando ele se movesse, pois não o observaria o suficiente para descobrir que ele não era uma estátua. Wastuq se moveu e, com o braço esquerdo, empurrou a pesada porta com uma facilidade óbvia de seu físico, virando-se para nós e voltando à mesma posição imóvel anterior. O homem em quem mais confiava no mundo era também o encarregado de minha guarda pessoal. Não falava muito e era bem solitário, porém demonstrava muito respeito e até mesmo uma devoção em me servir. Sempre que Fiona viajava, eu o mandava como escolta, pois tinha absoluta certeza de que ele daria sua vida por mim ou por ela se eu ordenasse. Eu acreditava em sua confiança porque percebi que, ao longo dos anos, sua devoção a mim se tornara maior do que ao próprio Império. ¾ Descansar. ¾ disse a Imperatriz e Wastuq soltou o cabo da espada embainhada que segurava com a mão esquerda, encolheu o peito e, soltando os ombros e segurando o elmo com as duas mãos numa posição bem mais confortável, olhou para nós. ¾ Kamsa Secmet foi assassinada. ¾ disse Fiona, virando-se para mim e abaixando a cabeça por um momento numa expressão de pesar. Depois de alguns poucos segundos, continuou: ¾ Foi encontrada deitada em sua cama hoje pela manhã com sua garganta aberta de orelha a orelha. ¾ Oh, Iblis. ¾ virei a cabeça para o lado, fechando os olhos e tentando não imaginar a cena do assassínio. ¾ Como isso aconteceu? ¾ Ainda não sabemos e não temos a mínima idéia de quem poderia ser o assassino. As janelas estavam trancadas e a porta teve de ser arrombada. Provavelmente fora alguém que a conhecia e tinha a chave de seu quarto. ¾ Ou não. ¾ Wastuq se manifestou, para a nossa surpresa. ¾ Perdoe-me a intromissão, Vossa Alteza, mas não poderia comentar nada lá. ¾ disse, olhando em direção à minha esposa. Eu e Fiona nos entreolhamos, estupefatos com a insolência do vassalo. Não, insolência que nada!, não ligávamos para isso. Mas já estávamos há tanto tempo acostumados com o fato de ninguém nos dirigir a palavra sem ter de ser requisitado que, logo recuperado o susto inicial, dei um leve sorriso em direção a Fiona e ela o retribuiu. Olhamos para o cavaleiro, que vinha se aproximando. ¾ Eu acredito conhecer a natureza do assassino. ¾ o cavaleiro parou como que esperando minha permissão para continuar. Depois que me toquei disso, o mandei ir em frente. ¾ Creio que este assassinato seja obra de uma lâmia.
¾
O quê? Ah, Wastuq, por Gaia, nunca pensei que você fosse capaz de fazer
piadas e justo neste momento você quer provar o contrário! ¾
exclamou Fiona e, olhando para mim, retomou o assunto como que ignorando
uma criança que tentava aparecer: ¾
Astrad, nós deveríamos... Eu continuei a olhar para ele. Seu olhar era sempre firme e destemido e ele se mostrava um homem daqueles que sua coragem era tamanha que às vezes se tornava burra. Eu o conhecia o bastante para saber que ele não era uma pessoa que fizesse brincadeiras ou piadas frequentemente, muito menos num momento como esse. Fiona então finalmente percebeu que eu queria ouvir mais dele, parou e voltou a olhá-lo. ¾ O que você quer dizer com isso? ¾ indaguei-o ainda tentando entender como ele poderia parecer tão certo do que havia falado. ¾ Vossa Majestade deve achar que sou uma criança por acreditar em tais seres lendários ¾ disse Wastuq e Fiona segurou um sorriso, proveniente da indireta sutil do Chefe da Guarda Imperial ¾, mas as lâmias realmente existem. Ou pelo menos existiram. Bom, o fato é que as lâmias habitavam uma região ao norte da Lemania, chamada Taksgur. Elas têm silhuetas humanas, mas não se pode ver quase nenhum de seus traços. Parecem sombras negras perambulando pela terra. Têm a capacidade de transformar seu “corpo”, ou o que seja, em uma espécie de fumaça negra e assim não há fortaleza alguma impenetrável para elas. Nunca entram em confrontos diretos; não, não por covardia, mas simplesmente porque não acham necessários. Fabricam armas de um minério chamado melanita, o qual, com o contato, conseguiam transformar em fumaça. Acredito que uma lâmia tenha entrado no quarto de Kamsa Secmet (pelas frestas de uma das janelas, por baixo da porta ou até mesmo pelo buraco da fechadura, quem sabe?) enquanto ela estava dormindo e lhe dilacerado a garganta, segurando-a para que não se movesse de sua posição onírica e intrigando a todos. Estávamos surpresos mas ao mesmo tempo desconfiados do que Wastuq havia nos contado. Teria ele inventado tudo isso? Não creio; no entanto, as “lâmias” que todos conheciam vinham de uma estória que contávamos às crianças para que elas não ficassem andando pelas ruas à noite. Eram sombras que saíam à noite para chupar o sangue de crianças desobedientes e mais nada. Besteira! Definitivamente as lâmias não existiam. Não as lâmias da lenda. ¾ Como você sabe disso tudo, Wastuq? E por quê nunca houve alguém que tivesse visto uma lâmia em Natumerf? ¾ perguntei agora bem desconfiado, não de seu senso de humor, mas de sua imaginação. ¾ Eu mesmo nunca vi uma lâmia e acho também que ninguém em Natumerf teve o desprazer de vê-las. Elas viveram numa época muito remota, numa época em que a própria magia era muito pouco desenvolvida. Nesta época, elas chegaram a invadir Natumerf e dominaram quase todas as Sete Terras. Porém, com uma certa ajuda divina, conseguimos expulsá-las daqui e acreditávamos que estivessem extintas. Tive a certeza do contrário hoje, diante das evidências do assassinato. ¾ Que evidências? ¾ perguntou Fiona, com seus olhos castanhos arregalados e fixos no impassível cavaleiro. ¾ As circunstâncias às quais o corpo se encontrava e principalmente o ferimento preciso e profundo na sua garganta. Típico de uma arma chamada Disco de Sarak, a arma mais comum das lâmias, um aro de lâmina afiadíssima com um cabo no meio, feito de pura melanita. ¾ Astrad, precisamos levar estas informações imediatamente ao conhecimento dos dois Conselhos. ¾ virou-se Fiona para mim. Mas antes que eu pudesse concordar com esta que seria a medida mais sensata no momento, Wastuq interrompeu. ¾ Não!...quero dizer...preciso suplicar a Vossa Majestade que não conte nada do que Lhe disse aqui a ninguém, pelo menos por enquanto. Confidenciei-Lhe esta informação e preciso que Vossa Majestade faça o mesmo, pois do contrário minha vida estará correndo grande perigo. ¾ Wastuq... você sabe o quanto seria perigoso para o Império se eu ocultasse esta informação durante o tempo que seja? Este ataque pode ter sido uma ocorrência isolada, mas também pode ser o sinal de uma invasão da qual não estamos conscientes. ¾ tentei-lhe convencer de revelar tudo o que sabia em uma Audiência dos Conselhos. ¾ Vossa Majestade me daria a honra de uma conversa a sós? ¾ virou-se para Fiona e lançou-lhe um olhar humilde e envergonhado de ter pronunciado suas últimas palavras ¾ Que Vossa Alteza me perdoe o atrevimento. Fiona olhou-me rápido com um ar assustado e, antes que eu pudesse expressar qualquer movimento ou qualquer palavra, consentiu com a cabeça e um sorriso era-melhor-que-você-cuidasse-das-coisas-mesmo e saiu do grande quarto. Assim que ela deixou o aposento, o cavaleiro aproximou-se de mim. ¾ Olhe isso, Vossa Majestade. Arregalei os olhos
e fiquei durante alguns segundos completamente mudo. 6 ¾ Não estava pretendendo fugir, não é, meu caro Feluchi? ¾ disse Mondragon encostado na parede oposta à porta dos aposentos do mago Godo Feluchi. O mago deu um salto baixo com seu corpo gordo e deixou a chave da porta cair no chão. Trêmulo, ele apoiou a mochila marrom de couro no chão. ¾ C-claro que não...eu, eu só ia...hã...jogar umas coisas velhas fora. ¾ sua voz mal saía e ia se encostando na parede à medida que Mondragon se aproximava. Mondragon parou, cruzou os dois braços para trás e abaixou a cabeça, balançando-a num gesto negativo. ¾ Sabe, fico imaginando como um gordo velho e covarde como você conseguiu um lugar na Alta Mesa. Tsc-tsc... ¾ suspirou e olhou atento para os dois lados do corredor onde estavam. Fixou os olhos no mago e um vento forte passou pelo corredor, esvoaçando suas vestes. Num gesto rígido, Mondragon estendeu os dois braços como se fosse empurrá-lo e, sem tocá-lo, Feluchi foi arremessado de maneira violenta para dentro dos seus aposentos, bem como sua mochila. O vento então parou de soprar e o violento mago entrou para a sala, com a porta se fechando atrás de si. Feluchi estava sentado no canto oposto da sala, com um braço apoiado numa cadeira virada. Tentava erguer o corpo gordo e velho e, quando se apoiou com o outro braço numa mesa rachada e virada embaixo dele, Mondragon, numa série de gestos e palavras rápidas, fez com que a cadeira se endireitasse e o pesado mago se sentasse sobre ela. Seus braços foram jogados para trás e as mangas do seu manto se fizeram em pedaço, amarrando suas mãos e colocando-lhe uma mordaça, imobilizando as armas mais mortais de um mago: sua boca e suas mãos. O mago da natureza era cauteloso e, mesmo se tratando de um ‘mago medíocre’ (assim Mondragon denominava quase todos os magos que não fosse ele), fez questão de tornar Feluchi inofensivo antes de mais nada. Sabia que ele certamente não revidaria, devido à sua covardia e inferioridade de poder, mas preferia não arriscar. Voltando a cruzar os braços para trás, ele começou a andar calmamente em volta da cadeira à qual o outro estava preso, com um tom autoritário quase divino. No chão, cacos de vidro estavam espalhados, misturados com terra e água e, no canto, havia o que há alguns segundos pode ter sido uma planta e agora estava irreconhecível. Olhou para ele como se fosse um inseto repugnante e viu que um filete de sangue corria de sua têmpora direita. ¾ Acho que você deveria ter algo para me dizer, não? ¾ o sarcasmo de Mondragon fazia com que as vísceras do outro se remexessem de medo. ¾ Oh, você não consegue falar? Que pena... ¾ e apertou as bochechas caídas do mago. Feluchi resmungava desesperadamente e fechou os olhos quando Mondragon apertou seu rosto. Podia sentir as pontas de seus dedos queimando sua pele e gritou de dor. Ou melhor, tentou gritar. ¾ Escute bem, miserável... Vou lhe dar outra chance. ¾ e afastou-se do prisioneiro dando-lhe as costas. Quando chegou até a porta dos aposentos, levantou a mão direita e a rodou no ar. A mordaça do homem amarrado se afrouxou. ¾ E-eu ia jus-justamente p-passar agora na sua t-torre... ¾ Chega! ¾ os olhos de Zurvan Mondragon se transformaram em duas bolas de fogo e ele trincou os dentes. Começou a ventar mais violentamente que antes. ¾ Chega de mentiras! ¾ ele flutuou alguns centímetros do chão e se aproximou de Feluchi. ¾ Me desculpe, por favor, eu lhe imploro, me desculpe! Eu me uno a vocês, eu faço o que vocês quiserem, mas, por favor, não me mate! ¾ o velho mago de cabeça baixa e com os olhos fechados gritou com toda a voz que o medo ainda não havia extinto. Imediatamente, Mondragon parou e tudo ficou mais calmo à sua volta. Feluchi soluçava e lágrimas corriam pelas suas bochechas grandes e rosadas, agora com um adereço a mais: cinco pequenas queimaduras, quatro de um lado, uma do outro. Ele nem percebeu quando suas mãos foram soltas pelos farrapos de suas próprias vestes. Então, o poderoso mago aproximou-se dele, inclinou-se, e bateu a mão algumas vezes em seu ombro, tirando um pouco da terra que havia lá. ¾ Era só isso que o meu Mestre queria ouvir. ¾ o mago sussurrou em seu ouvido numa voz tão doce e amiga que fez com que Feluchi o olhasse com seus olhos vermelhos e molhados. ¾ Desculpe-me pela sua roupa, velho amigo. ¾ e partiu, jogando sua capa para o lado e fechando a porta dos aposentos do mago coagido. Do lado de fora de fora, Mondragon parou e sorriu. “Missão cumprida.” ¾ pensou consigo mesmo e olhou para o chão. Abaixou-se e pegou a chave de ferro do quarto de Feluchi.
¾ Verme patético. ¾ murmurou para si, jogou a chave por cima dos ombros e saiu
apressadamente em direção aos aposentos de Demodeus Necromanus. 7 Astrad Calisto não conseguia imaginar uma traição de seu melhor e (até agora) mais confiável guarda imperial. Por isso cedera ao pedido humilde de Wastuq. Fiona, porém, desconfiava da sanidade do cavaleiro, mesmo não querendo. Achava absurda toda aquela estória. O que ela não tinha visto era o Selo de Asmodeus que ele mostrara a Astrad, e, por isso, o Imperador contestava sua Imperatriz em todos os seus argumentos, mas ele parecia não possuir nenhum contra-argumento ao menos ponderável. O fato é que ele tinha acreditado cegamente, pois o Selo não passava de uma relíquia lendária e que aparentemente nada tinha a ver com o crime. Astrad confiara em Wastuq porque o cavaleiro parecia confiar nele. Mas o medo que o Imperador sentia, medo de sua confiança o ter envolvido de tal ponto que se tornasse cego e que sua bondade e ingenuidade colocassem em dúvida sua capacidade de governar um reino, apenas aumentava com os argumentos sensatos de Fiona. Depois de uma séria e cansativa discussão com sua esposa, Astrad chamou Wastuq à sala de convocações para outra conversa, esta mais sincera e séria que a anterior. Esta sala era grande, com uma mesa gigante em arco ao redor de um trono com dois lugares num pedestal que permitia a quem estivesse sentado lá enxergar a mesa toda de uma posição quase divina. Em volta da mesa, estavam dispostas vinte cadeiras confortáveis. Ali eram realizadas todas as Audiências dos Conselhos e Militares, as mais freqüentes ali. Às Audiências dos Conselhos eram convocados todos os membros das Altas Mesas do CCM e do CMM, enquanto que às Audiências Militares eram convocados todos os Cavaleiros da Ordem Imperial. Era também um lugar de meditação para Astrad, que sempre ia lá para colocar suas idéias em ordem, quando num momento de caos mental. Depois de um tempo, Er Niatt, um dos cinco Cavaleiros da Ordem Imperial chefiados por Wastuq, entrou na sala e ajoelhou-se quando viu o Imperador em seu trono real. ¾ Eu chamei Wastuq aqui. ¾ disse o Imperador, levantando-se. ¾ Vossa Majestade, o Primeiro General Vallhak Wastuq não se encontra em Darmanoff. Ele foi visto há mais ou menos uma hora e meia, deixando a cidade pelo Portão Oeste.
A palidez tomou conta do rosto do Imperador. Esta era a confirmação
das hipóteses de Fiona e a demolição de tudo o que construíra em torno
da personalidade e caráter de Wastuq. Sentou-se novamente e Er Niatt
levantou seus olhos para olhar para o Imperador. Ele não entendia o que
estava havendo e não tinha a ousadia de perguntar. Ficou ali, esperando
por uma resposta de Vossa Majestade, até que ele se manifestou,
levantando outra vez.
¾
Er Niatt, ouça bem com atenção. ¾
disse ele mudando suas feições de espanto para severidade. ¾
Quero que você pegue uma divisão do Exército Real e parta atrás de
Wastuq. Não diga para onde vai nem com que finalidade; nem mesmo para
seus homens. Traga-o vivo e sem um arranhão até mim e o mais rápido
possível. Quero sigilo absoluto sobre esta missão e se algo vazar, você
será o responsável e, consequentemente, severamente punido. Agora vá. ¾ Como Vossa Majestade desejar. ¾ o cavaleiro arregalou seus olhos jovens e vivos e respondeu com obediência e firmeza. O cavaleiro deixou a sala rapidamente e o Imperador levou as mãos ao rosto num gesto de desespero.
¾ Iblis, me ilumine. Há algo que não se encaixa nesta estória...mas o
quê? 8
¾
“...Então as lápides se estremeceram e as terras se abriram. Gemidos
agonizantes romperam o silêncio da noite e um odor putrefato penetrou em
minhas narinas. Em poucos instantes, eu estava cercado por dezenas de cadáveres...”
¾ parou de ler e olhou por cima dos óculos para a classe. ¾
Citação do Pergaminho V, anônimo, sobre o Livro dos Mortos de Damien
Necromanus. ¾ enrolou a velha pele de carneiro e colocou-a na mesa, tirando seus óculos. ¾ Para a próxima aula, quero que vocês pesquisem pelo menos cinco versões diferentes de autores conhecidos sobre o desenrolar da primeira experiência necromântica de Necromanus. Dispensados por hoje. ¾ a turma de jovens e futuros magos pegou suas coisas e se retirou da sala. Beremir Maximiliano era a maior autoridade das Sete Terras em História da Magia. Agora, dava aulas na Escola de Magia de Mefisto, localizada perto da Torre de Midgard, sede do CMM. Havia dispensado os alunos mais cedo, pois tinha de se encontrar urgentemente com Krono Ilmarinen, poderoso mago e seu melhor amigo, e entregar-lhe um documento com a finalização de sua pesquisa sobre a Guerra dos Conselhos. Este documento continha revelações surpreendentes e comprometedoras sobre as duas linhagens mais poderosas de magos do Império: a linhagem Calisto e a linhagem Necromanus. Maximiliano até acreditava que este documento poderia pôr sua vida em risco numa futura guerra política que estas revelações poderiam implicar. Não havia nada que pudesse comprometer pessoalmente os dois descendentes desta linhagem nos dias de hoje, Astrad Calisto e Demodeus Necromanus, mas toda a Natumerf dava demasiada importância aos antepassados de qualquer um, de modo que suas vidas seriam manchadas pelo resto de suas existências. A pior maldição que poderia acontecer a alguém era ter seu nome vítima da descrença e da maledicência, o que já havia levado várias linhagens importantes à extinção. Maximiliano estava certo de que, mesmo o Imperador, justo e bondoso, faria qualquer coisa para esconder as revelações que ele havia trazido à tona. Queria conversar com Ilmarinen e lhe pedir conselhos sobre o que fazer. Contudo, ele achava irônico e realmente não queria ter desperdiçado anos e anos de sua vida em pesquisas apenas para encurtá-la mais ainda. Agora era a hora de agir. Estava deixando a escola, quando, ao montar seu cavalo no estábulo, um vulto se aproximou. ¾ Maximiliano, perdoe-me a curiosidade, mas aonde está indo com tanta pressa? ¾ falou a voz de Lahar Mahadevi, o Presidente da Alta Mesa do CMM. ¾ Vim aqui para conversar especialmente com você. Tenho assuntos de extrema importância tanto para você quanto para mim. Minha carruagem está aqui perto, claro, se você não se importar... Lahar Mahadevi era um elfo negro de média estatura e palavras sempre simpáticas e cordiais, apesar de seu rosto sempre muito fechado. Às vezes percebia-se um esforço descomunal para formar um sorriso, porém nunca havia conseguido sequer esboçar um. Entretanto, era um dos magos mais sábios de todas as Sete Terras e um dos fortes defensores da paz entre os magos dos dois Conselhos de Natumerf. Maximiliano olhou para ele tentando controlar seu cavalo, inquieto devido à presença do elfo negro, e, apesar de não ter motivos, desconfiou do mago. ¾ Mahadevi, no momento eu tenho assuntos pessoais muito urgentes para tratar e, sem saber a real importância dos seus, temo que minha consciência me obrigue a continuar o que tenho de fazer. ¾ Trata-se de... ¾ Mahadevi observava o mago com extremo detalhismo e, quando pousou seus olhos negros sobre a capa do livro à mostra na bolsa entreaberta de Maximiliano, ele pareceu se dar por satisfeito e suas feições mudaram de preocupação para contentamento. ¾ desculpe meu egoísmo, caro Maximiliano... tenho certeza que sua tarefa agora seja realmente mais urgente, porém duvido que seja mais importante que o tenho para conversar com você. No entanto, posso lhe assegurar que o meu assunto pode esperar sem conseqüências maiores... ¾ e gentilmente deu passagem para Maximiliano. Maximiliano saiu do estábulo com seu cavalo, mas antes de ir ainda virou-se para trás. Mahadevi ainda estava parado diante do portão do estábulo com os braços para trás e suas vestes e cabelos esvoaçados pelo vento que assoprava naquele início de tarde. ¾ Hoje às nove horas da noite! ¾ gritou Maximiliano para vencer o furioso vento. ¾ Nove horas na Torre de Midgard! ¾ veio a confirmação, numa voz animada mas baixa, em comparação ao zunido da ventania. Maximiliano acenou com o braço e partiu em galope rápido. Mahadevi levou sua mão ao queixo num gesto de preocupação e seu rosto se contraiu.
¾
Krono Ilmarinen... ¾
murmurou para si mesmo. 9 No
ano de 4695 da Era do Caos (EC), Damien Necromanus, poderoso mago e líder
de sua raça, os elfos negros, começou suas pesquisas mágicas em seus
domínios nos Pântanos dos Espectros, ao sudeste de Natumerf. Estas
pesquisas, que consistiam na união de seus conhecimentos da magia negra
(ainda muito pouco desenvolvida na época) com seus dons naturais de cura
élfica, duraram seis anos de uma fervorosa dedicação e abstinência de
sua vida social. Em 4702 da mesma era, ele publicou um Grimoire, de sua própria
autoria, que continha os fatos e resultados de suas experiências e provou
ao mundo da magia a descoberta de um novo e controverso ramo da magia: a
necromancia. Este grimoire ficou conhecido como ‘O Livro dos Mortos’. Este havia sido o estopim para a sangrenta Guerra dos Conselhos. Porém, o conteúdo do Livro dos Mortos, as razões que levaram Almo Calisto a destruir o mesmo e o paradeiro da versão original (‘O Necromicon’, este que muitos historiadores concordam em ser a versão mais completa do Livro dos Mortos), eram objetos de pesquisa até hoje. Krono Ilmarinen se surpreendeu com a visita de Maximiliano e principalmente com tudo que ele lhe contara. Se contentou apenas em ouvi-lo, enquanto meditava sobre todas as informações que chegavam ao seu ouvido. Em princípio, se sentiu mal com isso, sabendo que Maximiliano não se encontrara com ele apenas para falar, mas também para ouvir. Porém, percebia no jovem (se comparado com Krono) mago uma grande preocupação, máscara do quase desespero que tentava esconder, e acreditava que este sentimento estava isolando toda a sabedoria que seu amigo possuía. Assim, preferiu desapontá-lo inicialmente a pronunciar qualquer julgamento sobre os fatos, que, no momento, certamente se afundaria na erroneidade. Apenas prometeu ao amigo que iria analisar com atenção e cautela todo o documento, enquanto ao mesmo tempo tentava passar tranqüilidade e paciência ao amigo não aparentemente, mas com certeza transtornado. Estava lendo o livro, denominado pelo amigo e autor ‘As Escrituras da Grande Guerra’, há mais ou menos duas horas. Realmente era uma obra-prima, até onde ele pôde inspecionar. Mas ainda era muito cedo para conclusões e, sendo o Grande Soberano dos Segredos Temporais, mais alto grau da Ordem Mística dos Magos do Tempo, sem dúvida precisaria checar a veracidade de alguns detalhes, por menor que estes parecessem.
A ventania continuava forte na Terra dos Magos, mas não chegava a
causar destruições significativas. Perto de algumas casas e torres, o
vento nem chegava, o que provava a presença de seus moradores em suas
residências. Mas na Estrada Mágica Leste, que ia da Torre de Midgard até
o coração da Terra dos Magos, via-se de vez em quando pesados troncos de
árvores caídos no meio da estrada de terra. A poeira levantada não
deixava nenhum viajante enxergar muito mais que uns cem metros à sua
frente. Ainda assim, existia um viajante que insistia em tomar a estrada
nestas condições meteorológicas.
As árvores balançavam inquietas, causando uma atmosfera que não
tranqüilizava muito Maximiliano. De qualquer maneira, a visita a
Ilmarinen fora bastante proveitosa, apesar de não ter sido como esperava.
Havia se livrado de um grande fardo apenas em desabafar tudo que
descobrira em seus anos de pesquisa e que durante muito tempo havia
guardado somente consigo mesmo. “Por quê você está tão
preocupado?” ¾
ele forçava a indagação à sua consciência para afastar a sua preocupação
contra a qual Ilmarinen havia lutado tanto na sua súbita visita. ¾ “Ninguém sabe do conteúdo desta pesquisa, já que ela fora baseada
apenas em escritos!” ¾ insistia Maximiliano.
Finalmente avistou através do ar empoeirado a obscura Torre de
Midgard. Sua construção havia sido uma mancha negra na história de
Natumerf, mas o resultado era admirável. Construída em cinco anos com
trabalho escravo resultante da destruição do Conselho Único dos Magos (CUM),
em meio à Guerra dos Conselhos, era uma torre fenomenal com uma grande
serpente cinza e de grandes olhos de diamante enrolada em todos os seus
duzentos metros de altura. Um edifício obscuro, porém belo.
Sendo membro da Alta Mesa do CMM, Beremir Maximiliano passou direto
pelos cavaleiros que guardavam os portões da torre, apenas
cumprimentando-os com o braço levantado. Deixou seu cavalo na estrebaria
e dirigiu-se ao encontro marcado com Lahar Mahadevi. 11
Ilmarinen havia voltado à Terra dos Magos às pressas no dia
seguinte à morte de Kamsa Secmet. Estava na Bosque das Fadas visitando
Habondia, a Rainha das Fadas, quando o falcão mensageiro do seu melhor e
mais confiável amigo Teeran Antragon, chegara até ele e avisara-o do
ocorrido. Interrompera assuntos importantes para prestar a Secmet suas últimas
homenagens e agora se encontrava hospedado nos aposentos de Antragon, no
Primeiro Anel do Colosso da Fênix. Devido às circunstâncias da morte de
Secmet, havia decidido ficar mais um tempo por lá e, se providências não
fossem tomadas pelo Imperador, o que ele particularmente não acreditava,
ele iria investigar o ocorrido por sua própria conta.
Havia requisitado uma audiência urgente com o Imperador. A morte não-natural
de um mago era uma coisa bem incomum em Natumerf e, sendo um mago, sentia
necessidade de estar ciente das medidas que viessem ser tomadas. Ilmarinen
havia sido tutor e mestre de Astrad Calisto na Escola de Iblis, após o
desaparecimento de seu pai. Sua mãe havia morrido ao dar-lhe a luz e,
através do consenso dos dois Conselhos Mágicos de Natumerf, Astrad, então
com doze anos de idade, fora confiado aos cuidados e ensinamentos do mago
Krono Ilmarinen. Por tudo isso e ainda por conhecer bem o caráter do
Imperador, Ilmarinen sabia que sua audiência não seria negada. Mas
agora, com As Escrituras em suas mãos, percebia algo mais urgente a ser
investigado; afinal, Secmet já estava morta e não havia indícios de que
seu assassinato não fosse algo isolado. Fechou o pesado
livro e se preparava para partir. Não queria avisar ninguém, nem mesmo
Antragon, antes que tivesse certeza do que realmente carregava. Pegou sua
mochila e colocou o livro dentro dela. Quando ia em direção ao seu
cajado, uma sensação de que não estava sozinho o levou a olhar em direção
a porta de saída do aposento. A cena que viu não somente o assombrou,
mas também lhe dera certeza de que o conteúdo das Escrituras era
suficientemente verdadeiro para preocupar alguém. E percebeu
imediatamente que o necessário era protegê-las ou, numa situação mais
crítica, escondê-las. 12
Olhou para a inscrição em metal na porta dizendo ‘Lahar
Mahadevi’ e bateu com o punho nela fazendo um tinido agudo. A porta então
fez um ‘clic’ e uma voz sem pressa veio de dentro.
¾
Entre.
Maximiliano entrou na grande sala. Era bem aconchegante e bem
iluminada, com velas brancas espalhadas em castiçais de ouro por toda a
parte. Mahadevi estava do outro lado da sala parado em frente a uma grande
janela e de costas para a porta de entrada. Virou-se quando Maximiliano
parou ao lado de uma grande mesa de metal que, pelo seu desenho e
estrutura parecia uma obra dos anões do norte de Natumerf. Contorceu o
rosto como se estivesse diante de um enigma e o mago negro quebrou sua
concentração.
¾
Beremir Maximiliano, sabemos que você é um grande e poderoso mago,
respeitado em toda Natumerf. Porém algo sobre você andou me deixando um
pouco preocupado. ¾ e franziu a testa de um modo que Maximiliano julgou como sincero.
¾
Desculpe se estou sendo rude, Mahadevi, mas estou muito cansado a esta
hora e eu realmente preciso de longas horas de sono. Se lhe for possível,
vá direto ao ponto. ¾
Maximiliano retrucou numa expressão verdadeira de cansaço. Aquela viagem
até o Colosso da Fênix o havia deixado exausto.
¾
Você não precisa se preocupar, caro amigo. Logo após nossa conversa,
lhe garanto que terá muito tempo para descansar. Mas agora, eu preciso
lhe pedir que me mostre os resultados de sua pesquisa. ¾
a preocupação em sua face ainda não sumira.
¾
Infelizmente não me será permitido atender seu pedido, Mahadevi, por
dois motivos: o primeiro, ainda não a finalizei; e o segundo, ela está
bem protegida. ¾
Maximiliano respondeu num tom firme e sem titubear.
Mahadevi baixou a cabeça, a balançou levemente para os lados e
deu um suspiro. Maximiliano deu um passou para trás e apertou seu cajado,
sem que o outro visse sua reação de desconfiança misturada com cautela.
¾
Não gosto de medidas extremas, Maximiliano, mas você me forçou a isto.
Temo que esta sua decisão coloque não só sua vida mas também a de seu
amigo Ilmarinen em perigo. ¾
sua voz mudou para um tom de profundo pesar e tristeza.
O medo inundou o corpo de Maximiliano como uma lâmina gelada que
cortava sua espinha de baixo para cima. Ele não entendia como o mago
negro sabia de tanta coisa. Não se surpreendia de que Mahadevi soubesse
de sua pesquisa, afinal era mais fácil encontrá-lo em uma biblioteca do
que em qualquer outro lugar, e todos sabiam disso. Porém, podia sentir
que Mahadevi conhecia o conteúdo de seus escritos. Sentia também que,
com aquela coerção, o elfo negro não estava apenas tentando satisfazer
uma mera e tola curiosidade. Seus escritos não pareciam ter uma influência
direta sobre ele e nem sequer mencionava sua linhagem. Havia algo estranho
acontecendo.
¾
O que você quer dizer com isso, Mahadevi? Você está me ameaçando? ¾ Maximiliano cuspiu num tom agressivo, escondendo o medo que sentia.
¾
Não, amigo, infelizmente não. Ilmarinen deve estar morto a esta hora.
Estou apenas lhe avisando da sua morte iminente. ¾
assim que terminou, todas as velas se apagaram e a escuridão invadiu a
sala. Antes que Maximiliano pudesse ter alguma reação, um ruído de
metal cortando não apenas o ar se fez audível. As velas então se
acenderam e Maximiliano estava de joelhos no chão. Com uma das mãos, ele
tentava se manter erguido; com a outra, tentava conter a correnteza quente
e rubra que vazava do profundo corte de sua garganta. Olhou para a frente
e contemplou a criatura que o havia atacado, sem ter a mínima idéia do
que era. Por um momento, achou que contemplava um demônio, mas depois
desistiu de fazer julgamentos infundados sobre a natureza daquele ser.
Olhou então para o lado da lâmia que o atacara e fitou
precariamente Mahadevi, que desviou seus olhos e abaixou a cabeça,
parecendo envergonhado pelo ato covarde que acabara de tomar. Maximiliano
então achou graça ao pensar que ele não estava realmente envergonhado,
mas sim com pena da cena miserável que presenciava. Olhou para o outro
lado e percebeu uma outra figura parada ao lado de Mahadevi. Ao reconhecê-la,
entendeu tudo. Era Demodeus Necromanus. Numa atitude
irasciva, largou seu pescoço e, rangendo os dentes, estendeu seu braço
em direção a Necromanus. Não conseguiu pensar em nenhum feitiço, e,
mesmo que conseguisse, suas cordas vocais já dilaceradas não
conseguiriam pronunciá-lo. Queria apenas esganá-lo, com suas próprias mãos,
e, enquanto pensava nisso, uma cachoeira jorrava furiosamente de seu
ferimento. Ao estender o braço, perdeu o pouco de equilíbrio que suas últimas
forças ainda tentavam manter, e mergulhou na rasa piscina vermelha que se
formara no chão à sua frente. O sorriso de satisfação e crueldade de
Necromanus ainda ecoava em sua visão que se tornava embaçada e escura,
quando finalmente deixou sua cabeça tombar, imergindo parcialmente no chão. 13
A lâmia estava parada bloqueando a porta. Seus olhos miúdos e
amarelos fitavam Ilmarinen com uma perversidade transbordante. Sua boca,
larga e sem lábios, deixou escapar sua língua comprida e bifurcada, num
movimento frenético ameaçador. Seu corpo possuía uma silhueta humana e
feminina com seios e genitálias à mostra. Não possuía pêlos, e bolhas
abundantes e espalhadas pela sua pele fina e negra estouravam-se
sucessivamente, expelindo um líquido grosso amarelado e exalando um odor
de carne putrefata. Em lugar do nariz e de suas orelhas, pequenos orifícios
se expandiam e encolhiam continuamente, num ritmo perturbador. Ilmarinen
admirou a criatura durante os poucos segundos que se entreolharam, até
que a lâmia avançou sobre ele.
O mago saltou em direção ao cajado e agarrou-o, apontando-o para
a lâmia e atingindo sua cabeça. A criatura caiu no chão meio assustada
com o golpe mas logo assumiu uma posição de ataque, rente ao chão, como
um ser rastejante. Imediatamente, ela avançou sobre Ilmarinen,
desferindo-lhe um golpe certeiro na lateral esquerda do seu abdômen. O
mago cambaleou para trás e atirou o cajado na direção da criatura. No
ar, o cajado se transformou em uma lança de metal e atravessou o tórax
da lâmia, levando-a a gritos estridentes. Ilmarinen mancou até o lugar
que a criatura estava caída e segurou a lança, transformando-a novamente
no seu cajado e fazendo a lâmia gritar ainda mais.
¾
Quem mandou me matar? ¾
arfando, Ilmarinen pronunciou com os dentes cerrados e um forte tom de
intimidação.
A criatura se contorcia no chão, tentando se livrar do domínio do
mago. Enfim, parou, olhando para a janela do aposento. Uma névoa negra
entrava lentamente pelas frestas da janela.
Ilmarinen virou-se para a lâmia caída e apertou o cajado com força.
Uma luz brilhante emanou dele e a criatura explodiu por dentro logo em
seguida. O mago correu para a porta e saiu. Desceu as escadas
apressadamente, ainda com a mão na altura do abdômen, que sangrava
bastante. Apesar do ferimento ter sido profundo, no momento ele não
sentia nada; movido pelo instinto de sobrevivência, ele precisava sair
dali. Foi então que se lembrou das Escrituras. Tateou a mochila que
carregava nas costas e ficou satisfeito em constatar que o livro estava
ali. Chegando ao pátio principal, assobiou alto. Este assobio ecoou,
rasgando o silêncio que repousava tranquilamente numa noite sem luar.
Olhou então para o céu.
¾
Por Toglas... ¾
murmurou, perplexo.
O brilho da Lua rasgava grossas nuvens negras no céu carente de
estrelas, mas chegava já em seu último suspiro no solo. As frondosas
folhas das árvores pareciam se encolher, conscientes de sua inutilidade
perante às trevas que as sondavam por todos os cantos. O vento, que
durante quase um terço do dia soprara violentamente como uma última
tentativa dos Deuses em dispersar as sombras ameaçadoras que engoliam
tudo e todos, parecia ter percebido seu resultado pífio em relação às
enormes e imóveis nuvens que pairavam no indefeso céu, e agora se
reduzia lentamente a uma frustrada e agradável brisa. A noite se tornava
cada vez mais intensa, e logo a escuridão impiedosa e faminta não
pouparia nada nem ninguém em qualquer lugar das Sete Terras. A noite se encontrava perversamente escura e Ilmarinen percebeu logo que isso não era natural. Porém, não deixou se abalar. Matik, seu cavalo e fiel companheiro há mais de quarenta anos, vinha correndo em sua direção e ele tratou logo de montá-lo. Olhou para a entrada dos Sábios Portões e, sussurrando algumas palavras, fez com que a ponta de seu cajado se iluminasse. Partiu então em direção à Estrada Principal Norte.
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