O retorno dos morto-vivos
A contemporânea trilogia “Múmia” surgiu despretensiosa. Como quem não queria muita coisa, apenas brincar com um dos monstros consagrados da Universal, figura esta, lembrada desde que Boris Karloff re-imortalizou o faraó enfaixado no clássico longa de 1932. A atual encarnação da criatura faraônica ressurgiu em 1999, quando passou a habitar as películas de ação hollywoodiana, deixando os sustos da “época de ouro” para se aventurar no âmbito dos eloqüentes blockbusters modernosos. Renascendo cinematograficamente (literalmente) numa nova era, onde os (de)efeitos especiais deixaram sua outrora função (complementar) para assumir - de vez - a diversão nas descompromissadas sessões pipoca. Inesperadamente, se já era custoso ter rendido uma continuação em 2001, a saga esticou-se mais um pouquinho, o suficiente para garantir esta tacanha terceira parte, dotada de novidades paliativas e de uma fraqueza acentuada, resumindo: sua arrastada trama já havia rendido tudo o que poderia.
O esgotamento do limitado produto fica visível neste esteiro. Não só pela repetição de certas situações - o personagem de Brendan Fraser parece atrair ancestrais mumificados, algo que funciona como piada ao longo da projeção - mas também por falhar na hora de trabalhar seus (interessantes) temas agregados, incapazes de revigorar o pragmatismo das circunstâncias (e lugares comuns) atribuídas aos reaproveitados argumentos. Saindo dos Egito direto para a China - expertamente num ano de Olimpíadas lá no Oriente - “Tumba do Imperador Dragão” deixa de tratar das temáticas egípcias para explorar o passado remoto do primeiro Imperador chinês - vivido pelo astro das artes marciais, Jet Li, aparecendo (infelizmente) pouco e sendo substituído rapidamente por uma cópia-criatura em CG. Ou seja, o próprio vilão foi muito mal aproveitado, potencialmente inutilizado, assim como seu subestimado Exército de Terracota, peça arqueológica de suma importância e desperdiçada pelo desfavorecido contexto entregue pela película - só agravando os problemas crônicos deste (quase fatídico) longa-metragem.
O pior é que as circunstâncias já pareciam rumar (sintomaticamente) para uma empreitada mal-acabada. Stephen Sommers, o ótimo diretor das duas partes anteriores, foi substituído pelo péssimo Rob Cohan (do absurdo “Triplo X”) e Rachel Weisz (agora Oscarizada) desistiu de interpretar a “mocinha”, sendo trocada pela (até competente) Maria Bello. Engraçado que a esposa de O'Connell enfrenta (metalinguisticamente?) algumas dificuldades criativas logo no início da história, travando diante das pressões que a forçam escrever diversos romances ficcionais sobre "Múmias", adaptando suas experiências pessoais (na série). Demonstrando que “ter boas idéias” despertava claramente preocupações (aka dores de cabeça) não só nos realizadores, ela mesma parecia incapaz de fazer render outra produção do gênero... “Eu sou muito diferente dela”, relembra a moça (sobre si) em determinado momento, se diferenciando da auto-referente contraparte no papel. Provavelmente, revelando (igualmente) o quanto sua composição contrastante afetava o vistoso passado descrito nestes contos “autobiográficos” - se considerarmos a (citada) prejudicial mudança (drástica) no elenco feminino central.
Sobre seu “marido” protagonista, fica estranho notar (enfim) que as semelhanças dele com Indiana Jones tenham aumentado inadvertidamente, pois Fraser regressa num tipo de "arco dramático" parecidíssimo (comparativamente) ao entregue-elaborado para Harrison Ford em “Indy IV”. Ambos são obrigados a deixar uma aposentadoria - irritantemente tranqüila - para encarar um filho adulto (logicamente rebelde) e dar uns pontapés nos bandidos - aqui e acolá. Brendan surgiu para os públicos comerciais na pele deste Ricochete, herdando vícios sem nunca empunhar o chicote do recitado herói arqueólogo - saída inteligente para evitar danosas comparações, evidenciadas no recente trabalho - além do que seria apropriado. Sem contar John Hannah, o atrapalhado comparsa das aventuras prévias, limitado a mero alívio cômico, exageradamente desconexo do drama. Aparentando estar totalmente “fora de sintonia” em companhia dos focados pela narrativa - tão relegado que fica durante os eventos principais.
Os comentados “efeitos visuais” parecem - certamente - datados e a ausência completa de assuntos originais gera (por osmose) bizarrices como os (bondosos) Yetis da mística Xangri-lá (ou as animalescas metamorfoses de Han - que justificam o título “Imperador Dragão”). Contudo, nem tudo são pedras. A batalha entre dois - cinematográficos - exércitos de morto-vivos termina salvando o expectador do absoluto tédio filmístico. Acima de qualquer “Karloff de olhos puxados” ou amigáveis “Abomináveis Homens das Neves”, foram estes “aguerridos restos mortais” (talvez o maior lembrete de que a presente obra derivou-se do Terror) que se encarregaram de ventilar uma - breve, porém salvadora - brisa (de qualidade) nos estertores desta (empobrecida) cinesaga. Que chegou enfraquecida (naturalmente, diria) após ter sido - gananciosamente - esticada demais. Pode nem ser seu gran finale definitivo (existe gancho para um quarto capítulo), entretanto, será preciso melhorar o aprouch - definitivamente - caso os produtores queiram extrair (futuramente) ademais “projetos” do sarcófago - novamente.