Um concerto escrito com letras vermelhas
Bastam alguns minutos de projeção para atestarmos: estamos diante de um autêntico Tim Burton. Todos os elementos que consagraram tal nome estão presentes neste legítimo conto cinematográfico, como o fantástico universo gótico, uma predileção por filmagens em estúdio e a presença de Johnny Depp, parceiro de longa data. Se pelos aspectos visuais a marca autoral de Tim permanece intacta, desta vez, a surpresa passa pela inusitada empreitada musical. O autor de “Edward Mãos-de-Tesoura” já havia incorporado - em doses variadas - peças musicais em suas obras (vide “A Fantástica Fábrica de Chocolate”), extrapolando-as nesta película, onde a imersão no gênero cantante é ainda maior. Sem, contudo, desfigurar as já reconhecidas e notáveis características “burtonescas” - admiráveis, sobretudo, para os inúmeros fãs (me inclua nessa) de carteirinha.
Desde o início, a partir do momento em que Depp solta seu vozeirão, contando para o público sobre a tragédia pessoal que atingiu seu vingativo personagem, fica evidente o acerto em colocá-lo como protagonista. Assim como a (sempre) garantida presença de Helena Bonham Carter. Tudo bem, ela aparece até porque é mulher do diretor, mas verdade seja dita, a atriz justifica cada take com enorme competência. Numa atuação destacável em sua filmografia - principalmente levando-se em conta as constantes participações nos filmes do maridão. Uma tarefa nada fácil, principalmente, dividindo o espaço com talentos tão notáveis - e na ponta dos cascos.
O próprio alter-ego de Sweeney Todd dispensa (os normais/repetitivos) comentários elogiosos. Sabemos (de antemão) sobre a capacidade subríme do prolífero ator em validar-respaldar as criaturas bizarras inventadas pelos divertidos (escusos) devaneios de Burton. Sempre atormentado, o barbeiro demoníaco (situado na Rua Fleet) do título permanece impassível mesmo nos sonhos mais oníricos da parceira de arapucas. Obstinadamente planejando a morte do juiz responsável pela derrocada do anteriormente feliz/apaixonado Sr. Todd - separado injustamente da mulher e filha. Sua desforra se dá com o condicionamento das prezadas “amiguinhas”, navalhas pontiagudas capazes de dilacerar qualquer pescoço pecaminoso (num julgamento completamente peculiar, feito pelo austero casal conspirador) postado ao acaso na barbearia-matadouro de um (agora) frio assassino transloucado.
As vitimas se sucedem ao som de acordes (brutalmente) mortais, enquanto litros de sangue voam das veias cortadas, respingando pela imagem. Seguidamente. Com as carnes pútridas - meras sobras das sessões sanguinolentas - sendo usadas como miúdo (estilo tempero secreto) na especiaria mais consumida/popular de Londres. Num exagero teatral bem condizente com os termos usufruídos exaustivamente nesta adaptação da montagem cênica realizada pelo compositor Stephen Sondheim em 1979. Evidentemente, tudo baseado num antigo relato vitoriano - transformado iconicamente numa lenda urbana (pouco conhecida por aqui) contada há gerações (de historietas de Terror/Suspense) no hemisfério norte.
Este espetáculo escabroso, bem construído e conduzido, falha apenas por não emplacar nenhuma música realmente marcante. Daquelas inesquecíveis. Eternamente lembradas e/ou tocadas pelos leais admiradores. Pois, no longa-metragem (pelo menos) elas até soam completamente apropriadas para contar a história (corretamente), entretanto, parecem incapazes de prosseguir além do (necessário) nobre propósito de levar - simplesmente - a trama adiante. Pouco, para o muito extraído das diversas (afinadas) atuações exemplares. E muito menos (infelizmente) comparado à excelente carga narrativa imposta pelo “absurdo” cinema (contagiante na medida em que é deliberadamente sombrio) de Burton.