Voando num "meio-filme"
Longas de super-heróis são muito comuns hoje em dia. A enxurrada é tamanha que estas obras já deixaram de ser uma tendência temporária para fincar - inalienavelmente - sua bandeira estilosa entre os grandes blockbusters norte-americanos, principalmente, depois de sucessos mercadológicos como "X-Men" e Cia. Tais produtos, vale lembrar, são adaptados (costumeiramente) das diversas mídias, numa coqueluche envolvendo quadrinhos, games e literatura, entretanto, o gênero já se aventura “sem rodinhas” em produções originais, feitas (diretamente) pro mercado cinematográfico. "Hancock" surge exatamente nesta toada. Desprendido de uma "fonte primordial", a empreitada realiza - livremente - uma “visita” ao clássico tema “heróico-mega-poderoso”, numa (quase) paródia que avacalha positivamente com a "grandeza" (meia inerente) destas figuras tão “endeusadas” pelos meros mortais. Explorando, para tanto, muitas das fraquezas humanas do personagem título. Alguém que destoa totalmente da “virtuosidade perfeita” tão presente nos colegas “meta-humanos” - usualmente encontrados nas telonas.
Nesta caracterização, o ator Will Smith (re)aparece, prontamente, para viver Hancock - a imperfeição fictícia em pessoa (abusando muito do carisma honestíssimo do astro-interprete, em ótima fase). Normalmente bêbado e anti-social como poucos nesta “nobre espécie", o personagem enfrenta a antipatia de uma comunidade cansada dos estragos colaterais provocados a cada nova intervenção desastrosa do “pseudo-amigão da vizinhança”. Criatura esta, sempre criando estragos maiores do que os crimes impedidos quando “interfere”. Com sua imagem popularmente jogada na viela, resta ao combalido anti-herói se socorrer nos conselhos de um “relações públicas” - salvo (milagrosamente) entre os estragos póstumos destes tais problemáticos “resgates”. Um sujeito, por ventura, agradecido e suficientemente capaz de mudar a “visão negativa” tão difundida sobre seu querido-fiel “protetor”.
Seguindo por todo esse apanhado, pouco teríamos para reclamar do produto. A proposta é interessante, Will continua (habitualmente, diria) carismático - mesmo travestido na carranca fechada de um “desgraçado” bebum - as cenas estreladas por Smith funcionam maravilhas, com um pé na ação e outro no humor rasgado desta loucura. Ou seja, as coisas transcorrem adequadamente, num ótimo ritmo, com tiradas e referências deleitosas, seguindo a linha de “homenagear deturpando” personas como o Capitão Marvel e Homem-Aranha. Acontece que o filme comete um equívoco tão grande quanto às bobagens descontroladas de Hancock (mesmo, aquelas cometidas na pior das ressacas). A película, simplesmente, se resolve do meio para o fim. Repentinamente, a trama se encerra. “The End”. Mas o longa prossegue (!) graças a uma “reviravolta” (absurda) na história. De repente, duma seqüência aleatória em diante, bum: o enredo muda completamente. Fecham-se as cortinas para a (competente) exposição prévia e inicia-se uma nova etapa, uma jornada para (tentar) explicar certas origens (bizarras) do singelo “herói desajustado” - até pelo "temperamento" errático do roteiro.
Este “pequeno” epílogo (de dezenas de minutos, infelizmente) atenta contra - tudo - o que ocorrera - positivamente - ao longo (eventualmente) da projeção. Primeiro, porque, perde-se o "tom". "Hancock" diverte por ser uma “visão diferente” dos super-heróis ordinários. Só isso. Não quando tentam igualá-lo (no prolongado desenrolar final) ao restante do panteão de “criaturas olimpianas”. Afinal, o cara jamais será um Super-Homem, só uma “versão bizarra” dele - no máximo. O que já estava bom demais, principalmente para os - almejados - efeitos cômicos iniciais. Segundo, o desdobramento anti-climático é ridículo. Forrado de nonsense besta. Só “aceitável” (bem entre aspas mesmo) para injetar alguns “elementos mitológicos” extras (neste conto auto-contido) na tentativa de justificar um possível “Hancock 2”.
Assim sendo, “Hancock” vira um “meio-filme”. Enfraquecido (inadvertidamente) nesta divisão em dois blocos opostos. Forçosamente. Estragando parte da (maculada) experiência - agora incompleta - e fadada a desfalecer (cruelmente ao poucos) neste inconclusivo “excesso". Desnecessáriamente. Enquanto o enxuto (bom) pontapé, ficará largado lá trás, na esquecida “abertura” mal-aproveitada. Um bom momento “pela metade” que acabará voando rapidamente na péssima impressão deixada quando as luzes - enfim - se apagarem. Em definitivo.