Pandamônio animado
Antes de começarmos, preciso alertar: esta animação é um daqueles "filminhos" básicos. Bem “feijão com arroz”. Sem qualquer acompanhamento "grã-fino" ou petisco parecido. Isso significa que a película é ruim? De forma alguma. Dentro desta proposta simplória, a experiência propiciada neste longa-metragem está dentre as mais saudáveis do cinema, atualmente. Realizada pela mesma Dreamworks Animation responsável pelo mega-sucesso “Shrek”, “Kung Fu Panda” brinca com a mitologia das artes marciais tanto quanto os “contos de fadas” eram parodiados no (citado) conto do abestado “ogro verde”. Partindo desta premissa similar, o estúdio conseguiu um produto diferenciado, sobretudo, no tocante a belíssima ambientação, locada numa china mítica - de traços e cores suntuosamente belos. Elementarmente, fazendo referência à rica cultura milenar chinesa - e a clássica cinematografia de Kung Fu. Lembrada a cada take deste lídimo representante do gênero. Cuja única diferença real, acaba sendo a pseudo-substituição do herói “estilo Bruce Lee” por um Panda (!) gorducho, bonachão e sonhador.
Ou seja, um discípulo (imperfeito) perfeito para darmos início ao divertidíssimo nascimento do “lendário guerreiro lendário” - comentado na abertura, animada (excepcionalmente) em 2D.
Po, interpretado por Jack Black (e dublado por Lúcio Mauro Filho do seriado global "A Grande Família", na cópia nacional), quer ser um dos “Cinco Furiosos”, lutadores antropozoomorficos representando, respectivamente, os estilos reais de artes marciais: Macaco, Tigresa, Garça, Louva-deus e Víbora. Ornamentado por gags de rachar o bico (na maioria, alusivas a situações e expressões típicas na filmografia homenageada por estas sacadas), o "balofo ser peludo" (descrição esta, que acaba “assemelhando” personagem-interprete, na própria opinião de Black) enfrentará seu destino, aprisionado entre seguir os desejos do pai (ironicamente, um mero ganso!) - tornando-se cozinheiro de quitanda - ou prosseguir adiante no sonho de ser um mestre do Kung Fu, algo que destoará totalmente da tradição familiar. Recheado de estilo visual, a empreitada joga nas telas um produto chamativo, com técnica virtual apurada, comum ao segmento da computação gráfica. Mesmo sem usar de uma linguagem inovadora. Nem de uma história absolutamente original. Chamativa apenas, na proporção em que acaba auxiliada pelo carisma estupendo das figuras que (como o simpático Panda título) freqüentam este universo - cinematograficamente muito atraente.
Sem se esquecer do humor visual (em determinado instante, com direito a "certas" caretas surpreendentes), a história carrega o texto de trocadilhos e falas cômicas. Ambas as opções, representadas dignamente através da personalidade espontânea do protagonista, pastelônico tanto intelectualmente quanto fisicamente (vide o “duro” treino enfrentado por ele no mosteiro - repleto de desafios). Entretanto, fazer rir é apenas um dos objetivos traçados por esta obra deleitosa. Por se tratar de um longa sobre artes marciais, não poderiam faltar também algumas lutas espetacularmente coreografadas. Neste posto, o desenho engata inúmeras seqüências de tirar o fôlego - já gasto de tantas gargalhadas prévias. Feitos para acompanhar o ritmo alucinante da garotada “muderna”, os confrontos são inventivos e acrobáticos, aliás, uma marca característica destes petelecos quando bem aparecem na Sétima Arte. Fazendo estrago sem qualquer derramamento de sangue - pra deleite de adultos e crianças - numa licença/censura livre feita para agradar jovens de todas as idades - inclusive mentais.
“Kung Fu Panda” faz bonito num esquematismo sob medida. Vide escrito lá em cima, se trata realmente do "prato feito" com “arroz e feijão” (no ponto). Eventualmente, podemos chiar um pouquinho, pedindo um bife que seja de acompanhamento. Afinal, gosto não se discute. Entretanto, o arroz - ou melhor ainda - "macarrão instantâneo" (para não fugirmos da temática oriental) pode até ser (resumidamente) "basicão", mas é um "basicão" gastronomicamente irretocável. “Feijãozinho tropeiro” daqueles que só “a mamãe sabia fazer”. Por isso mesmo, demasiadamente indicado para todos os públicos - sem qualquer contra-indicação. Num evento familiar-pipoca gostoso e proveitoso - capaz de nos fazer lembrar dos ensinamentos ancestrais desta “filosofia bucólica”, nestes dias, esquecidos na pressa cotidiana. Tal como saber aproveitar as - importantíssimas - coisas básicas da vida. Fundamentalmente.
PS: Entre as estrelas hollywoodianas que emprestam seus preciosos dons vocais para os integrantes do "pandamônio" de “Kung Fu Panda” (na versão original em Inglês), destacam-se principalmente: Dustin Hoffman (Shifu, que em chinês significa... Mestre!), Angelina Jolie (Tigresa), Ian McShane (Tai Lung), Jackie Chan (Macaco), Seth Rogen (Louva-a-Deus), Lucy Liu (Víbora), David Cross (Garça) e Michael Clarke Duncan (Comandante Vachir). Dublagem brasileira à parte (sendo, competente ao extremo, contando com Juliana Paes no papel da “Tigresa”), devemos admitir: o elenco reunido para as ditas “vozes originais” é incrivelmente fantástico, opção quase imperdível pros amantes (natos) das sessões legendadas.