Bem-vindo à primeira escola de seu filho!

Fonte: Revista Crescer (Outubro de 2006)

Ela não existe para substituir a babá, para apenas tomar conta dele enquanto você trabalha ou para preparar a Festa Junina. A escola de educação infantil vai muito além.

 

Ei, você aí: passou do tempo de pensar que criança de 0 a 6 anos não aprende, de fato  na escola, pois "só" brinca.

Também não dá mais para achar que é cedo para entender linha pedagógica, diferenciar construtivismo de escola tradicional, saber quem foi Maria Montessori, Jean Piaget ou Rudolf Steiner. Além de descobrir se está perto de casa, quanto custa, como cuida da limpeza, que tipo de alimentação oferece e se trata seu filho com carinho, é hora de identificar como essa escola vai educá-lo. Pois ele aprende desde que nasce e a escola é o ambiente social mais importante depois da família.

Educação infantil pode ser mais importante do que o curso superior? Sim. É quando a criança experimenta o prazer pelo aprender e começa a gostar dela (ou não). A escola aguça a curiosidade da criança e diz a ela “olha que interessante é a vida!’’

Está se achando neurótico por já imaginar vestibular, faculdade e carreira profissional? Não se martirize. O futuro começa agora e por isso é hora de decidir se vai priorizar uma formação humanista em que se preza a criação de um ser crítico e capaz de tomar decisões ou optar por um perfil mais pragmático, em que o foco é o conteúdo, voltado para o vestibular e o êxito profissional. Ou tudo isso junto se for possível. Ou equilibrar. De qualquer forma, o mundo de hoje exige mais do que conteúdo, não? Semana que vem o que foi aprendido já mudou. "A criança deve estar instrumentalizada para saber pesquisar", diz Renata Americano, coordenadora pedagógica da Escola Viva.

 

Escolinha?

 

Por essas e outras, chamar de "escolinha" soa pejorativo. O termo não existe à toa. A sociedade demorou a entender que infância é um período importante e as crianças são diferentes em determinadas idades. Para ter uma idéia, faz somente dez anos que o Ministério da Educação - com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases - reconheceu a educação infantil como parte da educação básica de qualquer brasileiro. Isso reflete no que é oferecido às famílias, pois, entre outras coisas, indica ser fundamental a especialização do educador. Significa que educação infantil tem de ir muito além da "tia", das recreações, do Dia das Mães ou das canções de Natal. O seu filho precisa estar em um local com profissionais especializados que promovam rotinas baseadas em propostas pedagógicas muito bem fundamentadas. "Escola infantil não vive de improviso e não é um parque de diversões", diz o educador Marcelo Bueno, coordenador pedagógico da escola Estilo de Aprender. Renata Americano vai além: “É o pedaço mais precioso da vida, porque é quando está se formando a identidade da criança’’.

 O período se resume em estar com os outros. “Aprendem a ser e a conviver. É a fase do 'como': como eu escovo os dentes, como eu lavo as mãos, como eu seguro o lápis, como eu brinco, como eu corro, como eu pulo. Ou seja: 'como sou', 'como devo ser' e 'como faço para ser", diz Karina Rizek Lopes, coordenadora da Área de Educação Infantil da Secretaria de Educação Básica do MEC. Além do desenvolvimento físico da criança, também acontece o psíquico e o do caráter", afirma Quézia Bombonatto, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

 

Nomenclaturas e confusão

 

Uma das primeiras coisas com que você vai deparar-se é uma porção de nomes e conceitos. Antes de deixar que dêem um nó na sua cabeça, saiba que em educação os conceitos são a base, claro, mas não são tudo. As linhas pedagógicas da história da educação ainda vigoram e você terá muitas opções (veja boxe). Para conhecer, vai ter de entrar na escola, perguntar, observar, conversar muito. Não para se intrometer no projeto, mas para, quem sabe, ser conquistado por ele. "O olhar do pai é fundamental para saber se a escola tem um ambiente acolhedor", afirma a pedagoga Maria da Graça Souza Horn, professora do curso de especialização em educação infantil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Sim, vocês têm muito trabalho pela frente. Não há receita pronta quando o assunto é escolher a escola ideal para uma criança. Nas próximas linhas, preparamos um guia para você descobrir o que realmente é preciso entender de educação para seu filho começar da melhor forma essa relação que dura a vida toda.

 

Para escolher bem, você precisa saber se...

 

...as portas estão mesmo abertas

 

Você tem o direito de falar com a diretora, a coordenadora, o professor, a cantineira, a faxineira. Pode andar pelas salas, pátios, observar tudo. “O espaço fala mesmo que a gente não queira escutar”, diz a pedagoga Maria da Graça, da EFRGS. Mas, claro, duvidar tem limite. Para criar uma relação de confiança, o respeito vale para os dois lados. A escola que limita a passagem dos pais tem alguma coisa errada.

 

...o projeto pedagógico é claro

 

As linhas pedagógicas da educação permeiam, principalmente, quatro direções: a tradicional, a que segue idéias do construtivismo, a montessoriana e a Waldorf. Mas nomes não bastam. Os projetos pedagógicos são os princípios que vão nortear todas as práticas na escola, desde o fato de priorizar alfabetização ou não, ao tipo de brincadeira a ser estimulada, passando pela forma como os espaços interno e externo são distribuídos. Em muitas há influência de mais de uma linha, o que não é necessariamente um problema. A dificuldade fica por conta dos pais, que querem entender logo que tipo de aprendizado o filho terá. Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli ]r., autor de História da Educação Brasileira (Cortez Editora), até os anos 80 a divisão era mais clara. "O que importa é que a escola tenha um projeto pedagógico, uma linha a seguir. É como acontece com o método de alfabetização. Não é preciso ensinar a criança a ler assim ou de outro jeito: é preciso ensinar a criança a gostar do livro."

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... não só gostam de crianças

 

"Claro que é preciso gostar de criança para trabalhar em escola, mas o profissional precisa gostar é de educação", diz o educador Marcelo, da Estilo de Aprender. Na escola não há criança, há aluno. "Lá, ela interage de modo diferente do que na praia, no clube", afirma o educador.

Ele é quem substituirá, por horas, os pais como modelo de adulto e o que ele disser vira "lei". "É uma relação direta. O que a professora disser ser legal, bonito, gostoso a criança vai gostar. Principalmente na educação infantil, valor e conteúdo estão juntos. Se você dá valor ao livro e vê o professor passando em frente de uma livraria sem olhar para ela, é esse o recado que ele vai passar. Da mesma forma, se os pais não são letrados e a criança ama poesia, pode apostar: a professora tem livros ao redor dela", diz o filósofo Ghiraldelli ]r.

O professor funciona como vitrine da escola. É ele quem mostra o que a instituição pensa sobre ensinar, quem instiga a curiosidade, quem faz o dia-a-dia ser interessante. Mais: quem nos inquieta e nos faz ir em busca de conhecimento. E não é assim o jeito gostoso de aprender?

 

 

... O professor continua aprendendo

 

Os especialistas são unânimes: a formação de um educador deve ser contínua. "Na Espanha, o professor de educação infantil é mais bem pago, porque a especialização dele é ainda maior, tem de entender do desenvolvimento da criança, não é só transmissão de conteúdo", diz Angela Martíns, coordenadora de educação infantil do Colégio Dante Aliguieri. O ideal é que se defina um espaço para esse aprendizado na própria escola, para que os professores estudem, reúnam-se, discutam em que escola estão e qual caminho vão seguir.

 

O professor reflete como a escola pensa e é o modelo de adulto que seu filho vai ter por horas e horas, todos os dias.

 

... O discurso não é vazio

 

Pergunte, pergunte, pergunte. Na hora de discursos prontos como “esta escola incentiva a autonomia”, ou dos confusos como “utiliza processo transdisciplinar”, emende imediatamente um “como assim?”. Peça exemplos, casos situações, conquistas. Tente entender no cotidiano como isso se dá de fato. Somente assim você vai conseguir visualizar como a educação acontece.

 

... a brincadeira corre livre

 

É importante ter a brincadeira dirigida, mas a espontânea também tem muito valor. O espaço garante autonomia às crianças na sala? Com um ano de idade, ela tem objetos acessíveis e adequados para pegar, para escolher? Ou está tudo no armário dependendo de o professor pegar? Escolher o brinquedo tem que ver com aprender a se vestir, aprender a amarrar o sapato. Tudo pode ser feito, com autonomia e supervisão, e de forma gradativa. "Se a sala tem só alfabeto e não tem brinquedo, há algo errado. E não é preciso ser só brinquedo industrial, pode ter sucata, pedrinha", afirma a educadora Karina Lopes.

... gosta do método de aprendizado

 

Isso engloba tudo: se usam tinta e argila, se há lição de casa, se fazem passeios de exploração do meio, se organizam jogos, se trabalham por temas, se usam livros, se incentivam a leitura, como tratam a alfabetização. Os pais têm de saber o que buscam para o seu filho. "Muitos vêm com o discurso: 'Não estou preocupado com que ele aprenda agora'. Mas é impossível! Ele aprende o tempo todo", diz o educador Marcelo. E esse aprender entrelaça-se com o brincar. A criança está mais do que nunca na fase das experimentações. Mexer com tintas e artes, por exemplo, aborda o.convívio social e os novos olhares sobre uma mesma "coisa". Mexer com terra dá à criança um envolvimento mais direto com questões ambientais. "E tinta e terra não é 'bagunça de criança'. Esses materiais têm um porquê, um planejamento", afirma Marcelo.

Verifique também como é feita a avaliação do rendimento da criança. Não é uma questão de nota ou de comparar seu filho com os amigos, mas de saber como está o desenvolvimento dele, emocional e intelectual. Também investigue como a escola trata dificuldades de aprendizagem. Todos aprendem de forma sistemática ou seguem o ritmo de cada criança? E o que acontece com os que se atrasam? Há aula de reforço? Perguntas que você pode, e deve, fazer nas entrevistas.

 

... lidam bem com a disciplina

 

Deixe os preconceitos de lado e entenda de fato como é abordada a questão de disciplina na escola que você visita. Como se trabalham direitos e deveres? Que importância se dá à questão dos limites? Não é porque a escola é "moderna" que é liberal. E nem porque é tradicional que é linha dura. Até nas escolas chamadas de democráticas, existem regras, decididas em assembléias gerais para colocar ordem na convivência. Há maneiras de descobrir como a escola age, se há castigo, se há respeito e impõe respeito às crianças e como acha que a família influencia nisso. Converse sobre o assunto, pergunte como eles lidam com o aluno que "coloca fogo na classe". E avalie se eles conduzem a situação como você faria em sua casa.

 

... O espaço também é educativo

 

A escola deve ter uma área iluminada, gostosa. Não pode ser apenas um quintal adaptado. Pense: será que meu filho vai se sentir estimulado nesse espaço? Como são as cores, as paredes, o que vai fazer parte do campo de visão diário do seu filho? Por outro lado, você precisa checar se o local é seguro, se seu filho vai conseguir se virar bem sozinho sem precisar de cuidados o tempo todo. "Numa escola, todos os espaços são educativos. É como um pátio que só existe para que as crianças corram e corram: tem de pensar, por exemplo, que elas podem não querer ficar correndo o tempo inteiro, podem querer uma sombra gostosa, uma casinha de boneca, um lugar para levar um jogo, sentar", diz a pedagoga Maria da Graça, que estudou profundamente o espaço nas escolas e lançou recentemente Sabores, Cores, Sons, Aromas - A Organização dos Espaços na Educação Infantil (Editora Artmed).

 

Bilíngüe?

        Religiosa?

 

Outra dúvida dos pais é com relação às escolas bilíngües. Mais uma vez, a decisão tem de estar relacionada diretamente com a dinâmica da família. Em geral, ela é mais indicada para as crianças que conversam em casa em outro idioma, ou pais que não queiram perder o contato diário com a língua materna, ou até de famílias que prevêem morar fora do Brasil. "Se não há o contato com o idioma, não prejudica a criança, mas não seria necessário": diz Karina Rizek Lopes, da Área de Educação Infantil do MEC. Da mesma forma, optar por uma escola de forte tradição religiosa, como colégios judaicos ou dirigidos por padres e freiras, precisa fazer sentido para a família.

 

... vai além do conteúdo da TV

 

Na escola há música, televisão, aparelho de DVD? E livros? Existem datas comemorativas ou as crianças aprendem cultura popular, erudita, nacional e internacional ao longo do ano? Há passeios culturais? De que forma se trabalha com lixo reciclável ou voluntariado? A escola pode, sim, fazer muito mais pelo seu filho do que reproduzir o repertório da televisão e das datas pré­estabelecidas. E em qualquer idade. Mesmo os pequenos podem tirar proveito do prazer de conhecer uma obra de arte. Muito além do dia do índio, do dia da árvore...

 

... cuidam bem da alimentação

 

O que a criança come na escola também faz parte do que ela aprende lá. Se o lanche é oferecido por eles, veja se é saudável, bem cuidado. Se há uma cantina, cheque o que oferecem, o que a criança vai poder comprar. Também é importante saber dos combinados sobre o assunto: pode levar bala, salgadinhos, refrigerante? Tudo depende do que você acha bom servir para seu filho...

 

 

... seguem uma rotina

 

Ter horário para fazer as coisas demonstra organização  e bom aproveitamento do tempo. Além de trazer segurança para a criança. Cheque se o período que seu  filho passa na escola é bem dividido: tempo para brincar, conversar, tomar lanche, descansar, pintar. A escola não é a casa da avó onde tudo pode a qualquer hora.

 

... os valores combinam com os seus

 

Você pode por algum motivo se encantar com o estilo de uma ou de outra, mas não pode se deixar levar. "Já tivemos de chamar pais e perguntar: será que é essa mesmo a escola para o seu filho? Para a parceria dar certo, os pais precisam confiar", afirma a educadora Renata, da Escola Viva, que adota uma linha educacional na concepção construtivista. Karina Lopes, do MEC, dá um exemplo extremo. “Se eu acho que apanhar educa e a escola acha isso um absurdo, não vai dar certo. Se você quer que seu filho aprenda a ler com 4 anos de idade e a prioridade daquela escola não é a alfabetização nessa fase, também não dá”. As idéias têm de bater, senão quem perde é a criança.

 

... os pais parecem felizes

 

Não há nada demais em buscar referências com colegas ou pais que você conheça na porta da escola. Eles podem ajudá-la a compreender como funciona na prática o projeto pedagógico. A troca de idéias é sempre uma ótima pedida. E ela não precisa parar nunca.

 

... acolhem bem o seu filho

 

Certeza mesmo você só vai ter no dia-a-dia, mas uma visita com a criança na escola pode ajudar bastante antes de você tomar a decisão. Mas saiba que, em educação, nada é definitivo. Mesmo que não saiba falar, ele pode, e muito, mostrar a você se gosta ou não da escola. Sempre depende do jeito como ele entra e sai, de quanto ele fica bem nela, de quanto é acolhido por todos os funcionários. Ninguém melhor do que você para ajudá-lo a interpretar os sentimentos.

 

Com que idade eu vou?

 

Aos dois ou três anos de idade, é ideal que a criança já esteja na escola. "Quanto antes a criança tiver uma estimulação cognitiva e social, melhor. Pois, sim, a escola assume o papel de sociabilizar a criança", diz Quézia Bombonatto, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. E considerando tudo que a educação infantil pode oferecer a seu filho hoje, chega a ser um desperdício deixá-lo em casa - por mais que o seu colo seja sempre bem-vindo.