FAVELA É CIDADE: NÃO À REMOÇÃO!
Os
trabalhadores brasileiros pobres, especialmente os negros, sempre foram
excluídos territorialmente. Durante mais de um século não se permitiu seu
acesso legal à propriedade da terra e, apesar do avanço existente desde a
Constituição de 1988, há dificuldades cristalizadas que resistem aos princípios
constitucionais previstos no Estatuto da Cidade. A cidade é vista como espaço
de investimentos a serem apropriados pelo capital e não como espaço de
convivência dos cidadãos.
O
século XX foi marcado pela rápida urbanização, migrações e crescimento
populacional. No Rio de Janeiro, em 50 anos, a população dobrou de três para
cerca de seis milhões de habitantes. Embora o direito à moradia digna esteja
garantido no artigo 6º da nossa Constituição Federal, a ausência de políticas
públicas urbanas e a falta de acesso à terra legal e com infra-estrutura, ao
financiamento e à assessoria técnica, obrigaram a população a construir, com
seus próprios meios, sua moradia, muitas vezes precária, em áreas não
urbanizadas, consideradas áreas irregulares e informais da cidade.
As
remoções aconteceram, e ainda acontecem, sempre que interesses econômicos
imobiliários são contrariados, ou que se torna indesejável a convivência
territorial entre excluídos e incluídos da sociedade, por pressão destes
últimos.
Hoje,
se algumas barreiras jurídicas foram removidas, através do Estatuto da Cidade,
lei federal que facilita a regularização e o acesso à terra urbana aos mais
pobres, ainda temos um Poder Judiciário extremamente conservador que garante o
conceito jurídico de propriedade privada, impedindo o acesso à terra aos
não-proprietários. Esse entendimento, chamado de “cercamento” jurídico da
terra, enquanto no campo protege o latifúndio, na cidade favorece a especulação
imobiliária.
Nos
centros urbanos, a moradia é vista não como um direito, mas como propriedade
privada e mercadoria. A proteção da propriedade privada tem exigido a
intervenção das autoridades do Estado, isto é, de juízes, desembargadores e
executantes das decisões judiciais, a quem cabe garantir esse cercamento,
justificando a atitude arbitrária e violenta da polícia ao expulsar moradores
de suas próprias casas, com a justificativa de que estão apenas cumprindo a
execução de uma sentença de juiz.
O
tema da remoção de favelas voltou à cena pública recentemente com muita força.
Uma série de matérias, veiculadas pela mídia carioca, tem destacado o
crescimento das favelas como ameaça à cidade formal, colocando, claramente, a
remoção como solução para resolver, de uma vez por todas, o problema da cidade.
Estamos, dessa forma, colocados diante de um verdadeiro embate, em que forças
ligadas ao capital imobiliário preconizam que o ordenamento e desenvolvimento
do território urbano dependem da remoção dos assentamentos informais.
Os
argumentos utilizados, como proteção ambiental ou eliminação de riscos
geológicos, na verdade escondem os interesses financeiro–imobiliários. Não
existe questão social conflitante com a ambiental, desde que seja respeitado o
direito à moradia da população. É preciso também deixar claro que a ocupação
desordenada das encostas da cidade não é privilégio da população de baixa
renda. Muitos empreendimentos imobiliários de altíssimo padrão agridem o meio
ambiente e invadem áreas de preservação ambiental, sem que ninguém se manifeste
contra isso.
A
remoção das favelas também é defendida por aqueles que, por preconceito ou
desinformação, criminalizam a pobreza. Querem com intervenções de grande
impacto urbanístico enfrentar a violência urbana, desviando-se das medidas
cabíveis, como a distribuição de renda, a geração de trabalho e uma consistente
política de segurança pública. Atribuir aos pobres a responsabilidade pela
violência é desconhecer sua principal raiz, a impunidade de seus verdadeiros
gestores, abrigados e ramificados hoje com espantosa liberdade nos setores
empresarial, governamental, legislativo e no próprio judiciário. Nas favelas se
recrutam jovens condenados à morte por e para operarem o varejo dessa rede.
As
cidades são a materialização de nossa sociedade desigual, e por isso marcadas
pela precariedade e irregularidade territorial e pela segregação sócio-espacial
da grande maioria de sua população. Os pobres vivem onde vivem por absoluta
falta de espaços dignos de moradia e de políticas de habitação de interesse
social que contemplem suas demandas e necessidades mínimas.
Há
que se olhar e se mover para frente, e a História é irrefutável. Remover, como
expressa a própria origem latina da palavra, é mover para trás (cf. Dicionário
Aurélio); é voltar atrás numa política injusta e ineficaz. Precisamos é andar
para frente e fazer valer na prática o que já é direito da população. O poder
público em todos os níveis precisa garantir a efetiva vigência do Princípio da
Não Remoção, presente na Constituição Federal, Constituição Estadual e na Lei
Orgânica do Município, sob o risco de se jogar por terra todas as conquistas
que o movimento social conseguiu instalar na legislação.
Neste
sentido, reivindicamos:
· O FIM DAS REMOÇÕES E DOS DESPEJOS;
· O fim da violência institucional e
social contra a população que mora nas favelas, ocupações, cortiços e
assentamentos informais;
· A urbanização das favelas, de forma
participativa, com implantação de redes de água e esgoto, coleta de lixo,
pavimentação e iluminação pública, etc. articuladas à implantação de programas
sociais;
· A regularização fundiária e
urbanística dos assentamentos irregulares e informais, com a participação da
população;
· A transformação imediata de prédios e
outros imóveis públicos federais, estaduais e municipais desocupados,
abandonados ou parcialmente utilizados, em projetos de habitação e de cultura
popular, em discussão com os movimentos de moradia da cidade;
· Promoção de políticas públicas e
programas de habitação de interesse social para a população que ganha de
· A ativação do Sistema e do Fundo
Nacional da Habitação de Interesse Social (Lei federal nº 11.124/05), e a
criação dos Sistemas Estaduais e Municipais e dos Fundos Estadual e Municipais
de Habitação de Interesse Social, forma eficaz de enfrentamento do déficit de
moradias das cidades;
· Criação dos Conselhos Estadual e
Municipais das Cidades, com participação da população, tendo como papel, dentre
outros, o da gestão dos Fundos Estadual e Municipal de Habitação de Interesse
Social.
NÓS,
ABAIXO ASSINADOS, CONSIDERAMOS QUE EXCLUSÃO NÃO SE RESOLVE COM MAIS EXCLUSÃO;
EXCLUSÃO SE RESOLVE COM INCLUSÃO.
PELO
RESPEITO ÀS DIFERENÇAS, PELA JUSTIÇA SOCIAL, PELO RECONHECIMENTO DA CIDADANIA,
PELO RECONHECIMENTO DAS FAVELAS E POR UMA OCUPAÇÃO MENOS DESIGUAL DO
TERRITÓRIO:
NÃO
À REMOÇÃO! FAVELA É CIDADE!
Assinam
este manifesto:
Associação
de Moradores de Júlio Otoni
Associação
de Moradores de Vila Parque da Cidade
Associação
de Moradores do Laboriaux (Rocinha)
Central
dos Movimentos Populares - RJ
Chico
Diaz (Ator)
Comitê
Social do Pan
Comissão
de Moradores de Pinheiro Guimarães
Comissão
de Moradores de Vila Alice
CONAM
CUT
RJ
Deputado
Federal Babá - PSOL
Fase
Federação
das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro – FAMERJ
Federação
das Associações de Moradores do Rio de Janeiro – FAM RIO
Federação
de Favelas Do Estado Do Rio De Janeiro – FAFERJ
Federação
de Favelas Do Município Do Rio De Janeiro – FAF RIO
Fórum
Popular de Acompanhamento do Plano Diretor do Rio de Janeiro
Fundação
de Direitos Humanos Bento Rubião
Ibase
Letícia
Sabatela ( Atriz)
Movimento
Nacional de Política pela Moradia – MNLM
Núcleo Piratininga de
Comunicação - NPC
Osmar
Prado ( Ator)
PACS
Pastoral
de Favelas Da Arquidiocese Do Rio De Janeiro
Rede Nacional de Jornalistas
Populares
Roda
Viva
Sindicato
de Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro - SARJ
Sindicato
dos Engenheiros do Estado do Rio de janeiro – SENGE RJ
União
por Moradia Popular – UMP RJ
Vereador
Edson Santos - PT
Vereador
Eliomar Coelho- PSOL
Vereador
Fernando Gusmão – PcdoB