"Renato Russo"
por Maria Fernanda Lamim

Impossível ser imparcial nessa crítica...mas aprendi na faculdade que não existe imparcialidade possível.

Pois bem, eu confesso que sou suspeita pra falar, já que fui e sou fã de Renato Russo desde a mais tenra adolescência. Mais do que fã do Legião, eu amava (amo) o trabalho do Trovador Solitário. Não é a toa que tenho,na minha modesta cdteca, além de todos os albuns da Legião, os dois trabalhos solo de Renato.

Mas, mesmo deixando a paixão de lado, "Renato Russo" é mais do que um bom espetáculo teatral: é um ritual, como eram os shows da Legião (quem viu, lembra). É um monólogo musical de 125 minutos que visa ( e consegue magistralmente) recosntituir, através de sua obra, os fatos mais importantes da vida de Renato Russo.

A dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho, inspirada no livro de Arthur Dapieve, "O Trovador Solitário", é muito bem embasada em pesquisa sobre a obra do artista, e sem medo de explorar os grandes sucessoso da banda. É isso mesmo, não tem "lado B" nessa peça, a idéia é tocar as referências que quase todo brasileiro, e não só os fãs da banda, têm de Renato Russo, escutadas nas FMs da vida, dos anos 80 até os dias atuais. Então, prepare-se para ouvir (e sair do teatro cantando, é inevitável) Pais e Filhos, Eu sei, Eduardo e Mônica...

As histórias pessoais (entremeadas por sucessos do poeta, relacionados aos fatos) foram muito bem pinçadas da variadissima história de Renato:o problema de saúde que o tornou cadeirante dos 15 aos 17 anos,o flerte com o movimento punk, sua juventude em Brasília, os anos 80, década de abertura política e uma certa desilusão, o Aborto Elétrico, a Legião, o fatídico show de volta a Brasília, a homossexualidade assumida, as drogas, a relaçao com a família e o filho, Giuliano, o relacionamento com Robert Scott, e, por fim, a AIDS, explorada com a sutilieza necessária, já que o próprio Renato nunca quis que todos soubessem de sua doença. Ao contrário de Cazuza, que se tornou uma espécie de símbolo da conscientização sobre a AIDS. Atitudes diferentes em dois enormes poetas dessa geração.

A direçao de Mauro Mendonça Filho não "assina" o espetáculo, dando espaço para o seu "tema" brilhar tudo o que pode. As marcas servem ao ator. A direçao musical de Marcelo Alonso Neves cumpre muito bem seu papel. A cenografia de Bel Lobo é simples e funcional (um telão que representa a cosnciência do artista, e que separa a banda Arte Profana, que acompanha todos os números musicais da peça, da frente do palco, espaço de representação de Bruce). Os vídeos projetados (muito bem editados) são criados pelo grupo Apavoramento (Cila MacDowell,Rodrigo Lima e Gustavo Vaz.) Os figurinos de Jeane Figueiredo mostram ser fruto de profunda pesquisa e a luz de Wagner Pinto não só recria os shows da banda como "respira" junto com Renato, em cena, no mesmo registro do ator.

Mas o melhor do espetáculo é mesmo Bruce Gomlevsky. O trabalho de preparação do ator incluiu emagrecer dez quilos, ter aulas de canto com Deco Fiorio e preparaçao corporal com Daniela Amorim. Desde as primerias pesquisas, todo o processo durou dez anos. E o resultado é que Bruce não está imitando ou, como já lemos na imprensa, "reencarnando" Renato. Ele parece ter captado mesmo a essencia do poeta. Não se via um trabalho de ator compondo uma figura pública assim desde Stephen Fry em "Wilde", encarnando o famosos escritor irlandês ( aliás, outra paixão minha, mas isso não interessa). E mesmo nessa comparação Bruce Gomlevsky sai ganhando, afinal todos os seus espectadores viram Renato Russo vivo e podem compará-lo ao seu intérprete com muito mais embasamento, o que não ocorre com Fry no papel de Wilde.

Enfim, o que vemos é um misto de show, ritual e trabalho teatral de primeiríssima qualidade. A platéia (composta por gente de todas as idades e tipos) canta junto, incitada pelo próprio ator, numa maravilhosa e bem-vinda quebra da "parede imaginária". O espetáculo tem tido suas sessões lotadas. Vale a pena encarar a fila. E pra vocês não dizerem que eu estou sendo parcial, saibam que a Bárbara Heliodora também elogiou o espetáculo...

Força Sempre!

A peça "Renato Russo" está em cartaz no Espaço Cultural dos Correios, que fica na Rua Visconde de Itaboraí, 20, pertinho do CCBB. Tel: 2503 8770. Ingressos a R$20,00 (estudante paga meia).