Olê mulher rendeira / Olê mulher rendá / Tu me ensina a fazer renda / Que eu te ensino a namorar." Esses versos, quando soavam no sertão nordestino dos anos 20 e 30, podiam ser prenúncio de muito sangue - ou de muita festa. Lampião e seu bando entravam nas vilas cantando. Se a população negasse o que queriam - dinheiro, comida, apoio -, eles revidavam. Seqüestravam crianças, incendiavam fazendas, matavam rebanhos, estupravam, assassinavam e torturavam. Se fossem atendidos, organizavam bailes e davam esmolas. Por isso, quando ouvia Mulher Rendeira, que aliás é de autoria de Lampião, a gente sertaneja oscilava entre o pavor e a curiosidade. Ou fugia ou ia espiar pelas frestas, para ver aquele cuja fama já fascinava o país.
Mais mito que verdade
No interior do Pernambuco, o culto já exige monumentos. No dia 7 de julho, quando, segundo o Registro Civil, se comemoram 100 anos do nascimento de Lampião, o município de Triunfo lançará a pedra fundamental de uma estátua de 32 metros de altura para homenageá-lo. Com o apoio do povo. Triunfo segue o exemplo da vizinha Serra Talhada, ex-Vila Bela, terra natal do cangaceiro, que, em 1991, organizou um plebiscito para saber se ele merecia uma honraria dessas. O resultado foi sim e a estátua só não existe ainda por falta de verbas.
Bem antes de morrer, Lampião já inspirava poemas, músicas e livros. Uma propaganda de remédio chegou a comparar os males que ele causava à sociedade com os distúrbios provocados pela prisão de ventre. Mas a referência ao cangaceiro como figura nociva era exceção. Em geral, ele era tratado como herói, um nobre salteador, que tomava dos ricos para dar aos pobres. Em 1931, o mais importante jornal americano, The New York Times, divulgou essa versão caridosa do criminoso.
Com o tempo, o mito só cresceu. Este ano serão lançados mais três filmes (Corisco e Dadá, O Cangaceiro e O Baile Perfumado) e uma novela (Mandacaru, na Rede Manchete) sobre Lampião. Isso sem falar nos livros. E muitas dessas obras continuam mistificando o bandido, como se houvesse algum glamour em sua biografia.
1922 e 1923 Logo que assume pela primeira vez a chefia de um bando, Lampião já atua em vários Estados. 1923 e 1924 A conquista de apoio em Princesa (PE) e em Sousa (PB) leva o bando mais para o norte. |
1924 Um ataque a Sousa resulta na perda da preciosa proteção do coronel José Pereira e de parte da área dominada. |
1925 a 1928 O vandalismo se espalha de novo. |
1927 Em Mossoró (RN), a quadrilha, com 120 homens, é rechaçada por moradores e não volta mais ao Estado. |
A partir de 1928 O bando é pulverizado em vários grupos menores, que passam a atacar também na Bahia e em Sergipe. |
A invencibilidade nômade
Este mapa é aproximado e foi feito para a SUPER pelos
antropólogos Jorge Luiz Villela e Ana Claudia Marques, da
Universidade Federal de Santa Catarina, que estudam a
característica nômade do cangaço.
"Lampião estabeleceu um território político, militar,
econômico e jurídico, que era constituído sobretudo por meio
do movimento e não da apropriação", diz Villela. Ana
Cláudia completa: "Sabia-se onde ele esteve; mas era
difícil saber onde estava e virtualmente impossível saber para
onde ele iria". Isso explica em parte a famosa
invencibilidade do bandido.
O
começo de uma carreira
de horrores
Lampião inspirou muita literatura, mas não foi a origem da palavra cangaço. No século XIX, ela já designava bandoleiros nordestinos que carregavam o rifle deitado sobre os ombros, lembrando a canga, arreio de madeira que vai sobre o pescoço dos bois, e o nome pegou. Canga, cangaço, cangaceiro.
O pernambucano Cabeleira, nascido em 1751, foi o primeiro a virar mito. Acabou enforcado. Lucas da Feira, de 1807, também foi executado, mas antes viajou ao Rio para estar com D. Pedro II, que desejava conhecê-lo. Depois vieram Jesuíno Brilhante, Meia Noite, Antonio Silvino e Sinhô Pereira. Foi no bando deste último que Virgulino Ferreira da Silva ingressou, aos 24 anos.
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Sinhô Pereira passou a liderança do bando a Lampião em 1922 |
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José Saturnino foi o primeiro e maior inimigo do cangaceiro |
Filho de um pequeno proprietário rural, o rapaz sabia ler e era hábil artesão em couro. Mas entortou sua biografia em 1915, quando acusou um empregado do vizinho José Saturnino de roubar uns bodes.A rixa entre as famílias durou anos. Em 1919, Virgulino e dois irmãos, Livino e Antônio, caíram no crime. Matavam gado do inimigo e assaltavam. No encalço dos três irmãos, a polícia prendeu um quarto, o inocente João. O pai, José Ferreira, fugiu.No caminho, hospedou-se na casa de um amigo, onde foi morto pela polícia. Virgulino, diz a lenda, jurou: "De hoje em diante vou matar até morrer."
Crueldades varrem o sertão
Não dá para enumerar as atrocidades cometidas por Lampião. Sob o escudo da vingança, ele tornou-se um "expert" em "sangrar" pessoas, enfiando-lhes longos punhais corpo adentro entre a clavícula e o pescoço. E consentiu que marcassem rostos de mulheres com ferro quente. Arrancou olhos, cortou orelhas e línguas. Castrou um homem dizendo que ele precisava engordar.
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Os bandoleiros se divertiam posando para fotografias e se deixaram filmar em 1936 |
Não há nada que justifique práticas assim. Mas muitos pesquisadores tentam explicá-las. "Lampião é um produto do seu meio", arrisca Paulo Medeiros Gastão, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, com sede em Mossoró (RN). "Ele foi levado por fatores ligados à vida no sertão, como ignorância, secas, ausência de governo e de Justiça", diz Gastão. Mas argumentos assim, alegados por muitos estudiosos, não são suficientes para entender Lampião. É o que garante o historiador americano Billy Jaynes Chandler, especialista do assunto: "Sua história, com todas as suas excentricidades, é toda dele".
O ambiente em que o bandido cresceu, porém, tem seu peso. De acordo com Vera Lúcia F. C. Rocha, da Universidade Estadual do Ceará, "o código de honra do sertão não culpabiliza os homens que matam por vingança, mas enaltece sua coragem". Vera, que acaba de lançar o livro Cangaço: Um Certo Modo de Ver, lembra que aquela sociedade repete para os meninos: "Seja homem". Será que era a essa expectativa que Virgulino Ferreira tentava atender?
Uma das vítimas do ferro com as iniciais do cangaceiro José Baiano | ![]() |
Nada a ver com Robin Hood Não são poucos os que vêem em Lampião um Robin Hood nordestino. "Ele foi bandido, mas também teve atitudes de distribuir o que tomava", diz o pesquisador Antônio Amaury C. de Araújo, de São Paulo, que escreveu seis livros sobre o cangaço. É, houve passagens assim. Em 1927, o bando entrou em Limoeiro do Norte (CE) jogando moedas para as crianças. Cena semelhante acontecera em Juazeiro, quando, num dos mais absurdos episódios da história brasileira, o bandido foi convocado para combater a Coluna Prestes . "Mas Lampião nunca escolheu aliados em função da classe social", diz o antropólogo Villela. "Pobres e ricos, oprimidos e opressores, todos eram bons desde que satisfizessem suas exigências. Todos eram inimigos desde que se opusessem a seus propósitos." O historiador inglês Eric Hobsbawn chegou a classificá-lo como um "bandido social" - não exatamente um Robin Hood, mas um tipo vingador. "Sua justiça social consiste na destruição", disse Hobsbawn, que foi criticado pela avaliação. Billy Chandler, por exemplo, acha que Lampião só poderia ser considerado um bandido social por ter raízes em um ambiente injusto, nunca por se preocupar com a justiça social. Villela concorda. Para ele, Lampião resistiu a um tipo de migração vergonhosa, a migração do medo, que empurrava para longe gente ameaçada por inimigos ou pela polícia. Para não passar por covarde, assumiu o nomadismo e a violência. As boas ações seriam um "escudo ético", na opinião de Frederico Pernambucano de Mello, superintendente de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Lampião, apesar de perverso, queria ser visto como um homem bom. Como o país armou Lampião |
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Apoio logístico de primeira
A formação que Lampião teve em casa valeu muito para sua brilhante atuação no cangaço. Com uma tropa de burros, sua família fazia frete de mercadorias. Virgulino aprendeu bastante sobre caminhos e viagens longas no trabalho com o pai. Além disso, conheceu muita gente do sertão. E tantos contatos acabariam sendo preciosos mais tarde.
A rede de apoio que ele tinha era fantástica, embora não fosse formada só de amigos. O historiador cearense Abelardo Montenegro definiu três tipos de coiteiros, como eram chamados aqueles que davam proteção ao bandido: o involuntário, que tinha medo, o vingador, que queria usar seus serviços, e o comerciante, que visava lucro. De acordo com a também cearense Vera Rocha, para a polícia havia só dois tipos: os ricos, que queriam proteger suas propriedades, o que era considerado compreensível, e os pobres, que o admiravam, o que era inadmissível.
Um dos trunfos dos bandoleiros era saber andar e sobreviver na caatinga |
Na verdade, ninguém tinha coragem de negar ajuda ao
cangaceiro. E todo mundo também morria de medo da polícia. Em
1932, quando a repressão acirrou, as volantes, tropas
andarilhas, transformaram-se num terror. "Quem tivesse 16,
17 ou 18 anos tinha que se alistar no cangaço ou na volante,
senão ficava à mercê dos dois", costuma dizer Criança,
ex-cangaceiro que mora hoje no litoral paulista.
Os coronéis não tinham esse problema. Lampião chegou a ser
amigo do capitão Eronides Carvalho, médico do Exército que se
tornaria governador de Sergipe em 1934. O próprio confessou,
anos depois, ter arranjado, mais de uma vez, munição para o
bando.
Em paz, somente com Deus
Em meio ao sangue, Lampião achava lugar para a religião. Nos acampamentos, rezava o ofício, espécie de missa. Carregava livros de orações e pregava fotos do Padre Cícero na roupa. Em várias das cidades que invadiu chegou a ir à igreja, onde deixava donativos fartos, exceto para São Benedito. "Onde já se viu negro ser santo?", dizia, demonstrando seu racismo. Supersticioso, andava com amuletos espalhados pela roupa. Levou sete tiros e perdeu o olho direito, mas acreditava-se que tinha o corpo fechado.
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Lampião e seu bando rezam num acampamento |
Em tempos de calmaria, os cangaceiros dividiam o tempo entre a fé e o prazer. Jogavam cartas, bebiam, promoviam lutas de homens e de cachorros, faziam versos, cantavam, tocavam e organizavam bailes. Para essas ocasiões se perfumavam muito. Mello informa que Lampião tinha preferência pelo perfume francês Fleur d'Amour. Balão, que viveu os últimos anos do cangaço, contou antes de morrer que eles usavam mesmo era Madeira do Oriente, bem mais popular. Há relatos de que os bandoleiros perfumavam até os cavalos quando andavam montados.
Jeito
estranho de
constituir família
Muito se fala que Lampião respeitava as mulheres. Mas parece que não era bem assim. Consta que em 1923, num lugar chamado Bonito de Santa Fé (PB), ele deu início ao estupro coletivo da mulher de um delegado. Eram 25 homens. "Tirei muita mocinha das mãos de companheiros", conta Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, 73 anos, a viúva do cangaceiro José Sereno, que vive em São Paulo.
O líder também mandava marcar a ferro moças que usassem cabelos ou vestidos curtos. É possível que Maria Déa, a Maria Bonita, não soubesse dessas histórias quando se apaixonou por ele. Ela o conheceu em 1929 e, em 1930, deixou o marido, o sapateiro José Neném, para segui-lo. Assim, abriu as portas para a entrada de mulheres no bando. Segundo Frederico de Mello, era uma época de "mais idade, menos guerra e mais limpeza". Alguns estudiosos acreditam que as mulheres rivalizaram com as armas, desviando os homens da concentração militar. Teriam sido responsáveis pelo fim do cangaço.
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Se a polícia a chamava Maria Bonita, no grupo ela era dona Maria. |
De fato, alguns problemas surgiram, como o nascimento de crianças. A solução foi dá-las para padres ou fazendeiros. Quando morria um companheiro, a viúva tinha de arranjar novo par. Por duas vezes isso não deu certo e a saída foi executar as mulheres. Rosinha e Cristina foram assassinadas para não ameaçar o grupo. Outro drama era o adultério. Lídia e Lili morreram por trair seus companheiros.
É curioso notar como, apesar de atitudes extremamente conservadoras com as mulheres, Lampião chegava a ser moderno em outros aspectos. Mandava cartas com papéis que tinham seu nome datilografado, tremenda novidade na região. De acordo com Mello, preocupado com falsificação de correspondência - houve quem tentasse se passar por ele para levantar um dinheirinho - mandou fazer cartões de visita com sua foto. E tinha até garrafa térmica. De um certo ponto de vista, pode-se dizer que levava uma vida sofisticada.
Muita
bala e cabeça
de guerrilheiro
O bando de Lampião chegou a passar sede e fome, mas munição nunca faltou. Nem os "cabras" de maior confiança sabiam de onde vinha tanta bala. Direta ou indiretamente, a principal fonte foi a própria polícia. Pesam fortes suspeitas até sobre o capitão João Bezerra, o mesmo que acabou matando Lampião em Sergipe, em 1938.
Com suprimento suficiente e a cabeça de guerrilheiro de Lampião, o bando ganhava todas. Não se sabe quantos combates foram travados. O ex-comandante de volantes pernambucano Optato Gueiros contou 75. O cangaceiro, já em 1926, falava em 200. Também não há números sobre as baixas. "Alguns afirmam que morreram, em ambos os lados, cerca de 1 000 homens", diz o historiador Jovenildo Pinheiro, da Universidade Federal de Pernambuco. Para conseguir bons resultados, Lampião evitava ao máximo os confrontos e abusava de uma tática conhecida como dueto. Ao ataque da polícia, simulava uma fuga, esperando o inimigo em outro local, de surpresa. Havia quem dissesse que isso era covardia. Ele preferia chamar de esperteza.
Virgulino gostava das armas. Foi delas, aliás, que ganhou seu apelido. Diz-se que certa vez ele iluminou o ambiente com tiros, como um lampião, para que um colega encontrasse um cigarro caído no escuro. Outra versão conta que ele fez uma modificação num fuzil, tornando-o mais rápido, de modo que o cano estava sempre aceso. Como um lampião.
Armas prediletas
Oficialmente, as últimas armas de Lampião estão no Instituto Histórico e Geográfico de Maceió, mas há quem conteste sua autenticidade.
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Mosquetão Mauser modelo 1908 Pistola Parabellum de 9 mm Punhal de aço e níquel |
Truques que davam certo
O conhecimento do ambiente e o uso de algumas táticas davam vantagem ao cangaceiro.
Rastros
Uma forma de escondê-los era andar em fila indiana, todos pisando na mesma pegada. O último ia de costas, apagando-a com plantas. Mandavam também fazer alpercatas com o salto na frente e não atrás, como é normal. A pegada parecia apontar para o outro lado.
Comunicações
Quando entrava numa cidade, o bando cortava o fio do telégrafo e tomava o posto telefônico, impedindo pedidos de socorro.
Estradas
Eram evitadas. Os bandoleiros iam por dentro da caatinga. Quando não tinham outra opção, seqüestravam todas as pessoas que encontravam e levavam os reféns ao menos por um tempo.
Psicologia
Não deixavam a polícia avaliar o resultado dos combates. Levavam os mortos e, quando não dava, cortavam-lhes as cabeças, dificultando a identificação.
Apelidos
Quando um integrante do grupo morria, seu apelido era adotado por um novato. Essa é uma das razões que faziam os cangaceiros parecer invencíveis, pois os nomes eram imortais.
Alarmes
Sempre havia cães acompanhando o bando. Eles funcionavam como sentinelas. Havia também um sistema banal de alarme. Consistia em cercar o acampamento com fios ligados a sinos.
Encurralado no esconderijo
No ano passado, o fotógrafo mineiro José Geraldo Aguiar causou considerável estardalhaço quando anunciou que Lampião não morreu em 1938, aos 41 anos, como está escrito nos livros de História. Ele teria morrido apenas em 1993, em Minas, com o nome de Antônio Maria da Conceição. Aguiar pediu a exumação do corpo de Conceição mas a Justiça negou. Agora aguarda julgamento de um novo processo que apresentou. "Eu vou provar que estou falando a verdade", garantiu ele à SUPER.
Enquanto isso, fica valendo a história antiga. Lampião foi traído por um coiteiro e surpreendido pelos "macacos", como ele chamava os policiais, comandados por João Bezerra. O chefe do cangaço estava em um de seus coitos (esconderijos), na Fazenda Angico, em Porto da Folha, Sergipe. Isso aconteceu na madrugada de 28 de julho de 1938. Os trinta homens e cinco mulheres começavam a se levantar e os 48 policiais traziam uma metralhadora Hotchkiss, um dos sonhos de Lampião. Além dele e de Maria Bonita, foram mortos mais nove cangaceiros. A selvageria policial foi equivalente à dos bandidos. As cabeças dos mortos saíram em uma turnê macabra, e foram expostas em várias cidades. As de Lampião e de Maria, que foi degolada viva, seguiram para o Instituto Nina Rodrigues, em Salvador. Só foram enterradas em 1969.
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Sila (no círculo e abaixo) escapou ao massacre de Angico e tem... |
...certeza de que Lampião e maria morreram lá: "Zé Sereno viu" |
Mas a história também pode não ter sido bem assim. Naquela época, Lampião negociava sua saída do cangaço com a polícia de três Estados. Por isso, há a suspeita de que o episódio de Angico foi uma farsa e de que a cabeça atribuída ao rei do cangaço era de um outro qualquer. Diz-se que ele carregava 1 000 contos de réis (um carro custava 8 contos) e uns 5 quilos de ouro. Isso sem falar no dinheiro que agiotava e que, claro, deixou de receber. Enfim, poderia ter subornado seus perseguidores e se mandado, como garante José Geraldo Aguiar.
Cinco dias depois do combate, Corisco, o diabo loiro, que não estava presente, matou um coiteiro, que imaginou ser responsável pela denúncia do amigo, e mais cinco pessoas de sua família. Cortou as cabeças e mandou para Bezerra. Em 1940, Corisco foi morto. Com ele, morreu o cangaço.
"Ele não roubava, não, ele pedia.
Agora, se não desse, ele ia buscar." Maria Ferreira Queiroz (Mocinha), 87 anos, irmã de Lampião |
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"Ninguém pode dizer se meu pai era
bandido ou herói. Ele era um pouco de cada. "Expedita Ferreira, 64 anos, filha de Lampião |
"Ele tinha uma causa política, sim,
queria governar o sertão." Vera Ferreira, 37 anos, neta de Lampião |
Eles também são idolatrados
Na década de 60, o historiador inglês Eric Hobsbawn incluiu Lampião entre um grupo de criminosos "sociais". Para chegar a tal conclusão, Hobsbawn se baseou mais nas lendas do que nos fatos, como ele mesmo admitiu. A maioria dos estudiosos vê em Lampião apenas um bandido sanguinário, sem qualquer objetivo nobre. Estimulado, talvez, pelo ambiente, ele caiu num tipo de vida da qual não tinha muito jeito de sair. O fato de ter sido transformado em herói não é novidade. Outros criminosos sofreram o mesmo processo. É o caso do americano Jesse James, dos filmes de faroeste. No Brasil, nunca houve um que se comparasse ao cangaceiro, mas muitos foram bastante exaltados.
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Amleto Meneghetti
(1878-1976) "A propriedade é um roubo; portanto, não sou ladrão", costumava dizer o assaltante italiano que chegou em 1913 a São Paulo e logo tornou-se conhecido. Em geral, andava desarmado. Sua agilidade, tanto para entrar em mansões como para escapar da cadeia, impressionava. É o mais famoso bandido urbano brasileiro. |
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Bandido da Luz Vermelha
(1942- ) João Acácio Pereira da Costa foi roubar uma lanterna para usar nos assaltos em São Paulo e só encontrou uma de luz vermelha. Daí o apelido. Foi condenado a 351 anos de prisão por quatro assassinatos e outros crimes, mas deve ser solto este ano. Em O Bandido da Luz Vermelha, de 1968, um dos melhores filmes brasileiros, aparece como um sedutor carismático. |
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Lúcio Flávio Vilar
Lírio (1944-1975) Filho da classe média alta carioca, Lúcio Flavio dizia que era assaltante porque gostava. Ficou com fama de herói por dezoito fugas incríveis e pelas denúncias que ajudaram a desmascarar o Esquadrão da Morte, grupo de policiais que assassinava sumariamente aqueles considerados suspeitos. Em 1977, virou filme: Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia. |
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Leonardo Pareja
(1974-1996) A carreira de Pareja foi curta. Aos 15 anos, ele começou a roubar carros. Com 16, usava revólver. Ganhou fama em 1995, quando seqüestrou uma menina de 13 anos e depois passou quarenta dias brincando de esconde-esconde com a polícia. Na prisão, liderou um motim e foi aplaudido por cuidar bem dos reféns. Acabou assassinado numa penitenciária de Goiás aos 22 anos. |
Índios gigantes
Eles se esconderam durante 200 anos no fundo da floresta do norte do Mato Grosso. Tão desconhecidos que nem nome tinham. Eram chamados de krenacore, kreen-akarore ou krenhakore. Eram uma lenda: os índios gigantes.
Em 1970, o governo mandou construir a estrada Cuiabá-Santarém em cima da terra deles, na bacia do Rio Peixoto de Azevedo. Uma expedição chefiada pelos irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas partiu para encontrá-los. Mas os vírus do homem branco chegaram primeiro. Rendidos pela febre e pela morte, afinal se deixaram vacinar. Descobriu-se, então, que poucos eram altos. Não eram gigantes como o mito fazia supor. E tinham nome: chamavam-se panarás.
A abertura da estrada ao tráfego, em 1974, completou o estrago. De 400 sobraram apenas 79. Por isso, em 1975, a Fundação Nacional do Indio (Funai) levou todos os sobreviventes, de avião, para o Parque do Xingu. Foi uma viagem incrível. Em um instante, eles foram para outro mundo. Lá, perambularam feito fantasmas, durante anos, trocando de aldeia sem parar.
Esta seria mais uma história triste, igual à de muitos outros índios brasileiros, mas os panarás se reergueram e se recuperaram. Retornaram ao território original. E acabaram convencendo a Funai a apoiá-los. Hoje, vinte anos depois, estão voltando pra casa, felizes. Quem disse que não eram gigantes?
Nos anos 70, a presença de índios gigantes e misteriosos no caminho do progresso da estrada Cuiabá-Santarém hipnotizou o Brasil. Parecia que a história ia colidir com a pré-história. A expedição para contatá-los foi a mais fotografada da antropologia brasileira. A imprensa acompanhou tudo. O poeta Carlos Drummond de Andrade fez um poema para eles e até o beatle Paul McCartney compôs uma música chamada Kreen-Akrore.
Os panarás são os últimos descendentes dos kayapós do sul, grupo nômade que falava uma língua da família jê e habitava o Brasil Central, no século XVIII, do norte de São Paulo até o Mato Grosso. Lutaram muito contra os portugueses. A descoberta de ouro em Goiás, em 1722, em seu território, empurrou os que restaram para as matas ao norte.
Segundo o antropólogo americano Stephan Schwartzman, há evidência etno-histórica de que os panarás ocupavam a bacia do Peixoto de Azevedo desde 1920. Schwartzman, que acompanhou a SUPER nesta reportagem, fez tese de doutorado sobre o grupo na Universidade de Chicago e é um dos três não-índios que falam a língua panará. Os outros dois são antropólogos ingleses. Nenhum brasileiro.
A ferocidade dos gigantes era lendária. Quem mais espalhou notícias sobre eles foram os inimigos txucarramães em parte para aumentar a própria valentia. Orlando Villas Bôas, hoje com 82 anos, conta que em 1950, os kayabis também falavam deles. Diziam que eram muito grandes. E morriam de medo. De avião, os indigenistas viam as aldeias no Peixoto de Azevedo, mas acharam melhor não tentar o contato. Em 1961, o geógrafo inglês Richard Mason foi morto ao entrar nos domínios dos panarás.
Tempo de morte
Nos anos 60, duas expedições tentaram encontrá-los, em 1967 e 1968. Fracassaram. Mas em 1970, o governo anunciou o Plano de Integração Nacional e a construção das estradas Transamazônica, Manaus-Boa Vista e Cuiabá-Santarém. A Funai recebeu a missão de pacificar trinta tribos e os Villas Bôas que haviam criado o Parque Indígena do Xingu, em 1961, reunindo quinze tribos foram chamados para atrair os gigantes.
A estrada estava chegando às aldeias, em 1972, quando a terceira expedição partiu da Base Aérea do Cachimbo, no sul do Pará. Eram 28 pessoas. Caminharam, quatro meses, até atingir o Peixoto de Azevedo, onde fizeram uma pista de pouso. Queriam convencer os panarás a não atacar os operários que viriam em seguida.
Mas, em julho de 1972, 2 070 trabalhadores e 347 veículos já estavam na região. Os índios espionavam e fugiam. Em maio, flecharam um trabalhador. Foi aí que os vírus atingiram as aldeias, como um raio seco. Os panarás começaram a morrer, com tosse, dor pulmonar e febre. Iam caindo e morrendo, disse o chefe Akè Panará à SUPER. Morreu todo mundo pelo caminho.
Depondo armas
Em fevereiro de 1973, os índios, doentes, aceitaram o contato. Um grupo se aproximou do acampamento dos Villas Bôas pela margem oposta do Peixoto de Azevedo. Cláudio entrou numa canoa, atravessou o rio, discursou em vários dialetos e ofereceu um facão. Um guerreiro adiantou-se e aceitou o que a mão branca estendia. Foi o fim da guerra. Logo mais, a Funai seria recebida nas aldeias. Antes de retornar ao Xingu, em abril de 1973, Cláudio e Orlando contaram 140 panarás, mas não sabiam quantos haviam morrido. Constataram que a maioria tinha baixa estatura. Mas havia, sim, um grupo bem alto. Tinha uns oito de mais de 2 metros, assegura Orlando. Mas morreram logo depois da atração.
A Funai mandou funcionários para a área, mas o contato havia fugido do controle se é que em algum momento esteve controlado. Com a tribo dizimada pela doença, os índios começaram a se acusar de feitiçaria e a se matarem uns aos outros. Em dezembro de 1974, a estrada foi aberta e tudo piorou. Caminhoneiros, garimpeiros, turistas chegavam. Em pouco tempo, os lendários gigantes se transformaram em mendigos.
A remoção para o Xingu, então, se impôs como saída. Vimos nos jornais a foto de uma índia mendigando, lembra Orlando. Ficamos desesperados. Metade já havia morrido. Nós fomos lá e organizamos a transferência. Foi um ato de salvação.
Assim, em janeiro de 1975, um C-47 da FAB levou 79 sobreviventes trôpegos, em duas viagens, para o Parque do Xingu. Foi assustador. Eles mal entendiam o que estava acontecendo. A gente ficou se abraçando, chorando de medo, conta Yokrè Panará. Eu tremia, apavorado, diz Teseya Panará. A viagem no céu iniciou vinte anos de exílio.
Em dois anos, os panarás se recuperaram. Quando chegaram ao Xingu, em 1975, uma equipe da Escola Paulista de Medicina, chefiada por Roberto Baruzzi, examinou-os um a um. Eles estavam desnutridos, anêmicos, gripados e apáticos, disse Baruzzi à SUPER. A altura média dos homens era 1,68 metro, padrão do grupo Jê. Havia alguns de 1,80 metro, mas nenhum beirando 2 metros. É intrigante. Todos os adultos panarás com quem a SUPER conversou são enfáticos sobre a existência de parentes muuuito altos no passado. Eles não usam metro, mas sabem sinalizar, perfeitamente, 2 metros de altura. Teseya Panará chegou a fazer uma lista de quatorze gigantes que conheceu.
Para o geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, não se trata de um fenômeno. Numa população, podem surgir indivíduos excepcionalmente altos devido a combinações genéticas específicas e influências ambientais favoráveis, como boa alimentação, explica. A expressão individual, o fenótipo, varia muito do conjunto gênico, o genótipo. É pena que a Genética não possa estudar esses casos. Mas não há documentação, lamenta Salzano. As fotos dos gigantes (publicadas nesta reportagem), o testemunho de Orlando Villas Bôas e dos panarás é o que resta.
Mas intrigante, mesmo, era o Xingu para os panarás: outro mundo. O rio era muito mais largo do que os riachos da bacia do Peixoto de Azevedo. Pescar, só de canoa, mas eles nunca tinham visto uma. Quase não havia caça e o solo era pobre. Por isso, mudaram muito de aldeia. Chegaram a aceitar o convite dos ex-inimigos txucarramães, cujo chefe, Raoni, estava só de olho nas mulheres. Seis meses depois, quando desistiram de ser inquilinos da aldeia de Raoni, deixaram sete moças. Com a auto-estima a zero, abandonaram costumes e rituais. Mais gente morreu. Em julho de 1976, eram só 64. Passavam horas parados, prostrados.
Readaptação
As coisas só mudaram quando ganharam uma aldeia separada, com assistência médica regular. Aí a saúde melhorou, conta Schwartzman. Eles fizeram roças e ressurgiram lideranças, ritos, danças e canções. Os homens aprenderam a pescar com linha e a fazer canoas.
No final de 1976, os bebês recomeçaram a nascer. Em 1980, já eram 84. Em 1989, a tribo fixou-se, afinal, na aldeia do Rio Arraias. Em 1992, eram 135. Schwartzman continua: Quando fui pesquisá-los, em 1980, diziam que a aldeia tradicional tinha uma Casa dos Homens, no centro da praça. E que quando tivessem mais meninos a reconstruiriam. Em 1991, voltei ao Xingu e lá estava ela, de pé
Retomar o Rio Peixoto de Azevedo passou a ser uma idéia fixa desde que os panarás voltaram a sonhar. No Peixoto eles tinham castanha-do-pará, açaí, cacau, cupuaçu, buriti, batata, cará, banana, milho, mandioca, abóbora e algodão. Havia muito peixe e caça, queixada, macaco, jabuti, jacu e mutum. E mel.
É claro que evoluíram no Parque. Trocaram o machado de pedra pelo de aço, aprenderam a fazer canoa, a atirar de espingarda, a pescar com anzol e linha. Habituaram-se à faca, à pilha e à gasolina. Vestiram roupas de branco e começaram a falar português. Açúcar, antibióticos e outras novidades deixaram muitos banguelas.
Mas jamais perderam a identidade. E mantiveram o bom humor. Banguelas ou não, riem muito. Os homens adoram piadas, sobretudo as sexuais. Coçam as partes abertamente, adoram palavrões e divertem-se soltando puns. Não existe privacidade. Todos sabem tudo de todos.
A higiene pode chocar não-índios. Os panarás eram nômades. Eles cospem e jogam tudo no chão. As crianças rolam, nuas, à milanesa, na terra. E os bebês brincam com ratinhos. Em compensação, assim como não têm horário pra comer, banham-se a toda hora, no rio. Para eles, os brancos é que têm pouco asseio: a prova é que têm banheiro dentro de casa e usam a mesma privada. Para um panará, há poucas idéias piores do que um banheiro público. Além disso, os brancos vão a churrascarias e comem carne sangrando como bichos.
Tolerância
A economia da tribo não gera excedente. Eles não produzem a mais, para trocar ou vender. E ninguém faz o que não quer, diz Schwartzman. O poder é consensual. O chefe atende a demandas. Não há coerção. Mas há limites: quando alguém é considerado anti-social e feitiçeiro, é morto.
As casas pertencem às mulheres, que vivem com o marido, a mãe, os filhos pequenos, as filhas e os maridos das filhas. Os filhos, quando se casam, vão morar na maloca da esposa. Se o casamento monogâmico acaba (e acaba com freqüência), o homem é que sai. É comum casarem-se cinco vezes. E há adultérios, sim, apesar de temidos pelo escândalo e pela violência que podem produzir.
Se você buscar o que para nós parece religião, não acha, diz Schwartzman. Eles acreditam que a aldeia dos mortos fica sob a terra e que eles, de vez em quando, puxam os vivos. Mas também há mortos no céu. As estrelas são panarás que se foram: as pequenas, os homens; as grandes, as mulheres. Para eles, um dia, uma panará pariu uma sucuri, que foi esquartejada pelo marido. Dos pedacinhos nasceram os brancos. É por isso que há tantos brancos no mundo
É kranqüilo!, diz Kreton, confundindo os k da língua panará: Aqui em Nacypotire vai ser kranqüilo. Kreton, Kokè e Akè foram os primeiros a constatar, de avião, em 1991, que havia um pedaço intacto nas antigas terras, nas cabeceiras do Rio Iriri. Eram uns 500 000 hectares, a quinta parte dos 2,5 milhões que tinham antigamente. O restante fora ocupado por 23 cidades. O Peixoto de Azevedo, coitado, virou um lamaçal.
Primeiro, os panarás pediram ajuda à Funai e foram a Matupá de ônibus. Lá, alugaram um avião e sobrevoaram o rio. Foi um choque. Estava quase tudo arrasado. Foram a Brasília, conversar com o governo. Com a ajuda de organizações de apoio aos índios, como o Instituto Socioambiental, a Fundação Mata Virgem e o Fundo de Defesa do Ambiente, contrataram advogados.
Em 1994, deram um passo gigantesco: doze guerreiros voltaram ao Iriri e construíram a primeira maloca da aldeia de Nacypotire. Em dezembro, a Funai reconheceu a Área Indígena Panará. E, no último dia 1º de novembro, o Ministério da Justiça decretou a posse permanente dos panarás sobre 495 000 hectares de terra.
Hoje, as famílias estão voltando. Nacypotire já tem dez casas. A SUPER contou 75 panarás no Rio Iriri e 99 no Rio Arraias, no Xingu, esperando para se mudar. Mas a aldeia nova precisa de uma boa roça, para sustentar todos, o que só poderá ser testado na próxima estação seca, em maio de 1997. Ninguém quer ficar no Xingu. Orlando Villas Bôas, que os levou para lá, sabe por quê: A cabeceira do Iriri é a terra deles. É um pedaço longínqüo que pode ser preservado. Vale a pena voltar
Em 1975, quando chegaram ao Xingu, os panarás foram fotografados para o arquivo da Escola Paulista de Medicina. Vinte anos depois, conversaram com a SUPER.
Krampè exibe a filha Kôte, nascida em 14 de agosto de 1996, a mais nova panará e a primeira a nascer na aldeia de Nacypotire. Krampè tem esperança de que, no Iriri, seu povo volte a ser forte e poderoso, como antigamente. A gente aprendeu muito sobre os brancos. Tem branco bom e branco ruim, como os suyás e os kaypós. O problema é que são muuuuitos.
Akè Panará, 55 anos, é um estadista. Um Winston Churchill panará. Quando seu povo perambulava pelo Xingu, dizimado e humilhado, Akè ajudou-o a reencontrar o orgulho. Foi uma bela volta por cima: afinal, nenhuma das dezesseis tribos do Parque teve peito para lutar pelo território original e voltar. Só os panarás. Akè só tem 1,68 metro de altura, mas enxerga alto. Virou chefe em 1982 porque era inteligente, capaz de fazer bons discursos rituais e hábil para lidar com os brancos. Além disso - e de mais seis filhos, sete netos e três casamentos , é um grande gozador. Em Brasília, assistiu, na casa de Schwartzman, ao filme Dança com Lobos, de Kevin Costner. Gostei, mesmo, foi daqueles índios de cabelo punk (os pawnees), diz. Nossa, que índio brabo! Os índios americanos são muito brabos. Akè ficou muito brabo em 1991, quando reviu o Peixoto de Azevedo destruído pelo garimpo: Os brancos comeram minha terra. Queimaram a mata e estragaram a água. Me deu uma raiva muito grande. Bando de ladrões.
Sôkriti Panará tem 53 anos. Uma vez foi a Brasília levar a mulher e a filhinha, com pneumonia grave, para o Hospital de Base. Ficou semanas no hospital lotado, sob luz artificial, sem falar português, sem arredar do lado da menina. Um dia, recebeu a visita de um antropólogo. Foi uma grande alegria ver uma cara conhecida. Conversaram um pouco e o antropólogo saiu, a seu pedido, para comprar bananas. Mas Sôkriti também queria sair. Tinha vontade de perambular, como os guerreiros fazem, pelo mato. Saiu, viu muita gente na rua, andou, andou. Viu um avião passando e resolveu ver de perto. Andou muito. De noite, dormiu num ponto de ônibus.
No outro dia, andou mais, saiu da cidade, achou uma mangabeira, um pé de pequi, água e alimentou-se. O antropólogo já estava em pânico mas, enquanto isso, Sôkriti andava até chegar ao aeroporto. Ficou olhando os aviões, imensos. Pulou uma cerca, chegou mais perto e foi preso pelos soldados que faziam a segurança da visita a Brasília do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, naquele dia, 30 de novembro de 1982. Levaram-no para o quartel. Devem ter gostado muito dele, porque lhe deram um tênis Kichute, um calção e uma carona de volta.
Krikati teve seis filhos. Quatro morreram. O mais velho tombou nas mãos dos kayapós em 1967, na última batalha entre as duas tribos. Seus três maridos também morreram. Eu gostava mais do primeiro, Periyi, que os txucarramãe também mataram. Ele era bonito e muuuuito alto. Em 1975, quando chegou ao Xingu, veio com o filho Possuã. Em 1996, a SUPER encontrou-a com uma das seis netas.
Krikati viu cidade só uma vez, São Felix do Araguaia, e não gostou nada. Tem muito carro e muita gente. Gente demais. Antes, só havia feito uma viagem, para o Xingu, quando seu povo foi transferido. Eu vim no segundo avião. Nós entramos e ficamos nos segurando, firmes. Tapei a cara com a mão e fiquei com medo de olhar para baixo. A gente chorava de medo. Quando chegamos, não entendi nada. Os txucarramães e o chefe deles, o Raoni, nossos inimigos, estavam lá, nos esperando. Muito estranho.
O mundo é confuso. Não há dúvida. Mas, para Krikati, as mulheres são sábias. Branco, panará, é tudo igual: os homens dão medo. As mulheres é que são normais. Elas pensam mais.
Kreton Panará, de 43 anos, é um caso à parte. É o adulto que melhor fala português. Sempre foi curioso e arrojado. Em 1978, resolveu virar pajé para curar doenças. Decidido, bebeu um coquetel de gasolina e mertiolate para descobrir o segredo do poder dos brancos. Acabou no posto Diauarum com uma intoxicação violenta.
No Xingu, os pajés fumam fumo de corda, engolem fumaça e entram em transe. Viajam para baixo da terra, onde está a aldeia dos mortos, e descobrem o feitiço responsável pela doença que pode ser uma escama de peixe, um dente de macaco ou uma pedra. Aí, extraem o feitiço do doente e, pronto, a doença está curada. Kreton virou pajé famoso e chegou a ganhar bem fazendo curas em outras tribos.
Mas, para boa parte do seu povo, ele é um sujeito ardiloso, ambicioso e trambiqueiro, com apetite demais pelos bens dos brancos. E que sempre criou confusão. A maior foi em 1983, quando passou um período bígamo, casado com Sekiukiú e Kôterti. O costume, abandonado pelos panarás no passado, só é tolerável quando as mulheres forem irmãs pois aí, acredita-se, elas não brigam. Só que elas não eram. Foi um escândalo, mas durou pouco: as moças o dispensaram.
Yokré, de 45 anos, teve quatro maridos, sete filhos e três netos. Três filhos morreram. O primeiro marido foi Soakien, mas eu não gostava. Ele morreu no Peixoto, de doença no peito, antes do Cláudio (Villas Bôas) chegar. Depois, casou-se com Sikiapayu, mas separei logo, porque não dava certo. Aí, veio Pêinsi, que era mau marido, caçava pouco. O quarto, Seakèri, cometeu um erro grave: bateu nela. Yokré atacou-o com bordunadas na cabeça, conta-se, numa cena dantesca. Por isso ganhou o apelido de porisa, polícia. Não deu sorte com os homens.
Hoje, espera, pacificamente, na aldeia do Xingu, a mudança para Nacypotire. Meu filho e meu irmão já estão lá. Aqui tem formiga brava e a terra é cheia de raízes. Na roça, arranham a mão da gente. Lá é melhor. Sobre os brancos, Yokré é taxativa sobre o que aprendeu: Todo cuidado é pouco.
Para saber mais:
The Panará of the Xingu National Park,
Stephan Schwartzman, Tese de Doutorado de Antropologia,
Universidade de Chicago, 1987.
A Marcha para o Oeste,
Orlando e Claudio Villas Bôas, Globo, São Paulo, 1994.
Línguas Brasileiras,
Aryon DallIgna Rodrigues, Loyola, São Paulo, 1994.
O Brasil Grande e os Índios Gigantes,
Aurélio Michiles, vídeo, em cores, 47 minutos, Instituto
Socioambiental, 1995, São Paulo.
The Tribe that Hides from Man,
Adrian Cowell, video, em cores, 78 minutos, BBC TV, Londres, 1973
A Civilização Perdida da Amazônia
Os vestígios do brasileiro pré-histórico
Na opinião dos cientistas, selva, sombra e água fresca
nunca foram condições ideais para o homem se desenvolver,
especialmente se a floresta fosse fechada e o volume de líquido
pudesse cobrir quilômetros de vegetação, dificultando a caça,
como acontece na Amazônia. De fato, a arqueologia sempre
desenterrou vestígios humanos em regiões secas e de temperatura
amena. A partir de agora, a teoria pode mudar. Isso porque a
americana Anna Roosevelt, professora da Universidade de Illinois
e curadora do Museu Field de Chicago, achou indícios de uma
cultura que teria evoluído em plena bacia amazônica no período
paleolítico. De 1990 a 1992, Anna fez oito viagens a um sítio
arqueológico em Monte Alegre, município a 1 169 quilômetros de
Belém, no Pará. Ela já havia estudado as cerâmicas do Museu
Paraense Emílio Goeldi, na capital paraense, e estava convencida
da passagem do homem pré-histórico por aquelas bandas. Com uma
equipe de estrangeiros e brasileiros, chegou à Caverna da Pedra
Pintada. Lá dentro, encontrou muito mais do que esperava. Os
vestígios provam que o homem viveu ali há pelo menos 11 200
anos, ocupando a caverna em quatro períodos ao longo de 1 200
anos. Essa datação, feita por cinco laboratórios diferentes,
ameaça a tese de que a ocupação do continente americano
ocorreu há somente 12 000 anos, através do Estreito de Bering.
Mas a maior reviravolta diz respeito à própria evolução.
Esta descoberta mostra que o desenvolvimento humano em
florestas tropicais não apenas era possível como natural,
disse Anna à SUPER. Para a arqueóloga, esses paleoíndios
fizeram mais do que sobreviver. Eles manifestaram seu
conhecimento em pinturas rupestres grandiosas, como
ela diz.
Meu reino por um pouco de terra firme...
Descendo o Amazonas de barco, dá para ir de Santarém a
Monte Alegre (veja o mapa na página 47) em cinco horas. A
velocidade média é de 25 quilômetros por hora. É um passeio
fascinante e assustador. Especialmente na época da cheia (de
dezembro a março), quando a água cobre parte da floresta.
Parece que nunca mais vai se pisar em terra firme. Difícil
imaginar que uma civilização pudesse ter aparecido num lugar
assim. Mas o fato é que apareceu. A descoberta de Anna Roosevelt
vai mudar a lenta rotina da cidade de Monte Alegre. O prefeito
Mário Ishiguro quer colocar guardas florestais nos acessos às
serras, numa extensão de 100 quilômetros quadrados, para
proteger as pinturas contra predadores. Vamos criar um
parque nacional de um jeito ou de outro. Aquilo ali é um
patrimônio da humanidade, diz Nelsí Sadeck, engenheiro da
secretaria dos transportes e assessor do prefeito para
assuntos complicados.
Pistas do século XIX
Foi Sadeck quem encontrou a arqueóloga no meio da rua,
procurando por alguém que a levasse até as serras. Desde
então, virou pau para toda obra da cientista. Anna soube das
pinturas lendo o livro Viagens pelos Rios Amazonas e Negro, de
1853, escrito pelo naturalista inglês Alfred Russel Wallace,
co-autor da teoria da evolução ao lado de Charles Darwin.
Wallace havia chegado a Monte Alegre em agosto de 1849. No livro
ele conta que visitou primeiro o lugar que hoje se chama Pedra do
Pilão, passando por cima dos rochedos, com risco constante
de cair no abismo. Ali perto Wallace achou pinturas
preservadas num grande paredão rochoso, o Painel da Pedra do
Pilão. Fez, então, a primeira descrição científica daquela
arte pré-histórica. Os riscos eram vermelhos. As
inscrições pareciam recentes, pois não estavam descoradas.
Nenhum dos homens tinha idéia de sua antigüidade. Nem
ele, pois ainda não existia a tecnologia necessária para fazer
a datação. Agora, Anna Roosevelt afirma que algumas delas têm
11 200 anos. Ainda hoje é uma aventura ir ao Mirante, um
amontoado de rochas bem no cume da Serra do Ereré, onde fica a
pintura conhecida como A Lua e o Sol Raiado (veja foto acima).
Comunicando-se diretamente com os satélites GPS (que em minutos
mapeiam qualquer ponto do planeta), Sadeck mediu a altura exata
do pico, 305 metros acima do nível o mar, e a distância da
cidade, 12 quilômetros. Isso em linha reta, porque entre os dois
pontos, a floresta encharcada pelo rio é intransponível. A
saída é pegar um desvio de 45 quilômetros por estrada
precária. Chegando às serras, é preciso escalar as encostas
até as cavernas e paredões onde estão os desenhos. As
escaladas não são grandes, coisa de uns 50 metros. Mas leva
cinco horas para fazer o roteiro completo. Dá vontade de sugerir
que as escolas incluam a disciplina de alpinismo no curso de
jornalismo. Além, disso, os monte-alegrenses avisam que a área
é infestada de cascavéis. Mesmo assim, vale mais do que a pena.
Nenhuma fotografia transmite a força que as pinturas têm ao
vivo. Uma das mais impressionantes é a dupla de espirais na
Caverna da Pedra Pintada, tida como uma representação das
trompas femininas. Especialmente porque ao lado se vê o contorno
do órgão reprodutor masculino. Tão interessante quanto a
imagem de uma mulher dando à luz (veja as fotos acima). Outros
desenhos mostram detalhes sobre plantas e animais. Ou seja, os
pintores tinham um bom conhecimento de botânica e biologia,
ainda que em termos simples.
7 000 anos com a mão no barro
Desenhos e pontas de flecha são apenas um dos indícios da
incrível cultura construída pelos povos de Monte Alegre. Acima
deles, no buraco escavado, há restos também importantes. São
fragmentos de cerâmica, restos de cuias e vasos, com até 7 500
anos de idade. Podem representar os primeiros sinais de um
desenvolvimento tecnológico como poucos já vistos na história
da humanidade. O motivo dessa suspeita é que a Amazônia tem
sido uma mina de ouro para os estudiosos da cerâmica. Por todos
os lados se vêem as peças de uma arte que, tudo indica, foi
cultivada e aprimorada milênio após milênio, às margens dos
grandes rios da região. Às vezes nem é preciso escavar: este
ano, em frente a Manaus, o Amazonas desbarrancou um pedaço
grande das margens e pôs à mostra magníficas urnas funerárias
de barro. Ainda não foi possível estudá-las e datá-las. Como
muitas outras relíquias do passado, as urnas foram incorporadas
à preciosa coleção da região. Já são mais de mil
locais com restos de cerâmicas, avalia a arqueóloga Vera
Guapindaia, do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. Uma das
maiores conhecedoras do assunto, Vera explica que o mapa cultural
da Amazônia pré-histórica ainda está por ser desenhado.
Os sítios mais conhecidos são os da Ilha de Marajó e os
da cidade de Santarém, diz ela. São objetos de todos os
tipos, esculpidos na argila e depois decorados com habilidade
excepcional. Mas Vera adverte que não dá para dizer que os
sítios de Marajó e Santarém sejam os mais importantes. Amanhã
alguém pode encontrar coisas mais sensacionais num lugar que nem
se esperava. Pelo que se sabe, a cerâmica amazônica mais
sofisticada começou a ser produzida por volta de 3 000 anos
atrás. São dessa época os exemplares mais antigos de Santarém
e Marajó (veja as fotos nesta página). Suspeita-se que foram
feitos por profissionais que moravam em sociedades avançadas.
Isso porque, numa comunidade primitiva, todo mundo faz um pouco
de tudo no dia-a-dia. Só numa estrutura so-cial bem organizada
as tarefas podem ser divididas. Aí, cada um se dedica em tempo
integral a um trabalho específico, no plantio, na pesca, na
guerra e até nas oficinas de cerâmica.
Metrópole do mundo antigo
Ninguém sabe como eram ou o que aconteceu com essas
sociedades. O fato é que a cerâmica continuou sendo importante
na Amazônia, pois os índios da região são grandes mestres da
arte ainda hoje. Outro fato indubitável é que a tecnologia do
barro foi dominada muito antes de 3 000 anos. Em Monte Alegre,
Anna Roosevelt mostrou que ela existia há 7 500 anos. Num outro
lugar, chamado Taperinha, perto de Santarém, Anna datou peças
ainda mais antigas, com 8 000 anos de idade. Vera conta que os
pesquisadores do Goeldi conseguiram fazer pelo menos mais duas
datações importantes. Em Salgado, ainda nas vizinhanças de
Santarém, algumas peças têm 4 900 e outras têm 3 400 anos.
Anna acredita que as relíquias amazônicas estão ligadas entre
si, em maior ou menor ou menor grau. Está convencida que as
pontas de flechas de Monte Alegre representam um marco, o início
de um gigantesco processo de desenvolvimento cultural na região
que, mais tarde, passou para a tecnologia da cerâmica e não
parou mais. Até que a chegada dos portugueses interrompeu o
processo. Anna especula que Monte Alegre, há 11 000 anos,
poderia ter nada menos que 300 000 habitantes, quase cinco vezes
mais do que a população atual. Se foi assim, a região teria
sido uma das grandes metrópoles do mundo em sua época.
Fartura trouxe progresso
Mas a pesquisadora ainda não tem dados suficientes para
comprovar suas idéias. Por enquanto, ela se baseia naquilo que
viu nas cavernas: um alto grau de conhecimento, sugerido pelas
pinturas, e uma grande diversidade de frutas e animais utilizados
na alimentação, conforme se comprova pelas escavações. O povo
de 11 200 anos, segundo o palpite da arqueóloga, tinha melhores
condições materiais que os atuais indígenas brasileiros.
Explorando com eficiência a floresta, os paleoíndios obtinham
mais recursos do que precisavam para a simples sobrevivência.
Tinham condições de progredir. Anna chega a suspeitar até que
eles provocaram alterações na própria floresta. Não é
impossível. O homem realmente pode favorecer certas espécies em
detrimento de outras, aumentar a produtividade do solo ou
modificar parcialmente o curso dos rios. Se Anna estiver certa, a
Amazônia não foi apenas um fértil berço de civilização. Foi
também, pelo menos em parte, criada pelo homem.
A polêmica povoação da América
As descobertas feitas em Monte Alegre podem derrubar de vez
um dos mais capengas dogmas científicos, o de que povos
asiáticos começaram a povoar o continente americano numa viagem
da Sibéria para o Alasca há somente 12 000 anos ou pouco antes
disso. Alguns antropólogos e arqueólogos acham que a travessia
ocorreu há mais tempo, durante uma das várias glaciações
ocorridas nos últimos 100 000 anos (veja o infográfico ao
lado). Mas a maioria fecha com a teoria de que a passagem
aconteceu mesmo na última glaciação, por volta de 12 000
atrás. Foi a última oportunidade de os andarilhos alcançarem o
Canadá a pé. Depois, o derretimento do gelo fez a água do mar
subir cerca de 100 metros, dificultado o acesso. As evidências
mais bem comprovadas da primeira civilização desenvolvida na
América remontam a 11 400 anos. Foram encontradas em Clovis,
Novo México, sudoeste dos Estados Unidos. Aí, descendentes de
migran-tes asiáticos teriam desenvolvido uma teconologia de
pontas de flecha, feitas de pedra, denominadas pontas de Clovis.
Cadê o elefante?
Anna argumenta que os paleoíndios amazônicos nada têm a
ver com a turma de Clovis. Eles assavam seus peixes praticamente
na mesma época em que apareceram as flechas norte-americanas. E
fisgavam o almoço com pontas originais, diferentes de qualquer
outra. Assim, Clovis não foi o único foco de cultura, nem o
mais antigo. Anna acredita que houve vá-rias levas de
asiáticos, e que cada uma tomou seu rumo (veja o infográfico).
Os povos amazônicos podem ter descido a costa do Pacífico,
chegando a Monte Alegre depois de cruzar a Colômbia. Enquanto
isso, ainda na opinião de Anna, outro bando seguiu atrás de
caça na direção leste dos Estados Unidos e foram dar em
Clovis. Para mim, Clovis é a tromba do elefante e Monte
Alegre, o rabo. Falta descobrir o que está no meio, diz
ela, ainda sem saber se há outros povos, intermediá-rios entre
os norte-americanos e os amazonenses. A comunidade acadêmica se
impressionou com as revelações da arqueóloga, mas ainda está
cautelosa quanto à interpretação de toda essa história. Para
o respeitado arqueólogo C. Vance Haynes, da Universidade de
Arizona, os vestígios de Monte Alegre provam que havia
gente perambulando pela Amazônia antes do que se imaginava, mas
não há como garantir que eles não descendiam de Clovis.
A arqui-rival de Anna, a arqueóloga Betty Meggers, do Instituto
Smithsonian de Washington, nos Estados Unidos, é mais taxativa:
Tudo o que ela está encontrando é resultado de múltiplas
reocupações de terra por povos que viviam de caça e coleta,
como se vêem até hoje na Amazônia, e não o produto de
sociedades indígenas complexas, disse à SUPER.
A procura continua
Com ou sem polêmica, Anna não vai parar por aí. Seu
próximo passo será voltar à Amazônia o quanto antes,
provavelmente ainda este ano, para tentar achar material
orgânico perto do sitio arqueológico de Monte Alegre. Sabendo
que restos humanos podem ser encontrados em lugares muito secos
ou totalmente submersos na água (embora esta última
possibilidade seja muito rara), ela quer vasculhar os pântanos
da região em busca de ossos dos paleoíndios. Isso seria
maravilhoso, diz a arqueóloga brasileira Christiane
Machado, a principal assistente brasileira na equipe de Anna
Roosevelt. De qualquer forma, o que se descobriu até agora
é extremamente importante. Não só para a história do Brasil,
como para a história da humanidade: estamos entendendo que o
homem não é tão limitado como se pensa.