BURRO! BURRO! BURRO!
Algo que não saiu de moda e chegou pra ficar nos estádios brasileiros é o coro “consagrador” para o técnico das equipes que vêm apresentando resultados insatisfatórios nos jogos dos campeonatos: burro! burro! burro! A torcida sabe que essa ofensa é mais humilhante do que aquela outra que põe em dúvida a masculinidade do homem-alvo. “Para jogar futebol tem que ser inteligente” filosofava Nílton Santos, a Enciclopédia do Futebol, considerado o maior jogador de defesa de todos os tempos. E Garrincha, não era burro?, perguntaria um torcedor. Não, Garrincha não era burro. Era um homem de pouquíssima cultura. Era até muito esperto. Mas estamos falando de técnico, não de jogador!, você, meu caro leitor, observaria. Mas espere aí: ambos devem ter o dom do futebol. O dom da visão, da estratégia boleira, o faro para descobrir novos talentos, a capacidade de virar o jogo, ou mesmo segurá-lo quando for necessário. Pra ser técnico, completo a filosofia de Nílton Santos, também tem que ser inteligente. A inteligência é o grande desfalque atual nos nossos gramados e da mesma forma nos bancos, na boca do túnel.
Pergunto-lhes se seria burrice o fato de um atacante que passa a semana inteira treinando pontaria de chutes a gol, conseguir um bom desempenho, e na hora da partida o aproveitamento ser de 0%. “Treino é treino e jogo é jogo” filosofava também Mestre Valdir Pereira, o Didi, bicampeão mundial em 58-62, contemporâneo de Nílton Santos e Garrincha, no Botafogo e na Seleção Brasileira. Mas podemos dar razão a esse outro mestre? Ou será que na hora do jogo, diante de quase cem mil testemunhas, o atacante que treinou a pontaria na semana inteira perde um gol à boca da meta, como o vestibulando que esquece num “branco” a resposta para determinada questão sobre um assunto estudado horas a fio anteriores à prova? Posso até dar razão ao inventor da folha-seca, mas o técnico acaba sendo muito mais exigido. Afinal, foi ele quem escalou o atacante, e acaba sendo o burro, perdão, o bode-expiatório. Animais à parte, minha humilde opinião é que um técnico com visão de jogo e inteligência pode contribuir em muito para o sucesso de uma equipe, sem esquecer o fator sorte também. Há controvérsias.
Em 1978, o técnico Cláudio Coutinho chamava para disputar a Copa da Argentina o truculento cabeça-de-área Chicão, do São Paulo e Atlético Mineiro (alguém aí lembra dele?) e deixava de convocar o clássico meio-de-campo Falcão, hoje comentarista da Rede Globo, que quatro anos depois faria parte da Seleção Brasileira na Copa da Espanha e na mesma época seria intitulado reconhecidamente pelos torcedores do Roma como o oitavo Rei de Roma, devido à sua importância para o scudetto (título do campeonato italiano da primeira divisão) de 82-83 conquistado pela equipe grená, cujas cores foram defendidas pelo craque catarinense. Pressão ou burrice? Vou pela pressão, pois Coutinho era um técnico inteligente, que aprendeu com seus erros como montar aquele magnífico Flamengo. Na mesma época em que Falcão era coroado, o técnico Telê Santana mantinha no comando de ataque da Seleção de 1982 um tal de Serginho Chulapa – eu, hein - atacante medíocre, que fez apenas dois gols nessa Copa, ao invés de Roberto Dinamite, o maior artilheiro de todos os tempos do Vasco da Gama, então em grande fase. Perdoem-me, mas discordo de quem disse que foi uma injustiça essa seleção não ter sido campeã, pois um time que conta com um comandante de ataque do nível de Serginho Chulapa, um goleiro de péssima colocação como Waldir Peres e um jogador de meio-campo que sucumbe às responsabilidades de um jogo de Copa do Mundo como Toninho Cerezo (o passe para um dos gols de Paolo Rossi na semifinal contra a Itália foi dele) chegou onde merecia. Burrice, teimosia de Telê ou as duas coisas? Burrice, teimosia ou as duas coisas de quem manteve Telê como técnico, na Copa seguinte, no México? E quem foi que falou, em 1990, ao técnico da Seleção Sebastião Lazaroni, que aquele esquema com um líbero é que era o caminho. Sem dúvida era o caminho, mas para onde? Não para conquistar um torneio de uma importância mundial, certamente. Ok, fomos pentacampeões em 2002 apesar das pressões sofridas pelo técnico Luiz Felipe Scollari por todos os lados, imprensa, torcida – inclusive pelo próprio Presidente da CBF – e manteve pé firme em não convocar o Romário. Mas pra quê chamar o Romário? Felipão tinha suas razões. Preferiu, inteligentemente, os dois Ronaldos e até o Rivaldo, que soltou mais a bola. Não precisava de um jogador que a mídia sarcástica apelidou de “hidrante”: baixinho, só fica parado, e não serve pra mais nada.
Paulo César Carpeggiani, disputou a Copa da Alemanha em 1974 e foi um grande jogador de meio de campo do Internacional de Porto Alegre e do Flamengo. Um craque genial e líder das equipes que defendeu. Assumiu o comando técnico do Flamengo em 1981, recém-aposentado como atleta, quando a equipe rubro-negra estava disputando a Taça Libertadores, no caminho para o Mundial de Clubes em Tóquio, que acabou conquistando, batendo o Liverpool inglês por 3 x 0: “Futebol é resultado imediato. Técnico que pede prazo para acertar time é charlatão, quer ganhar dinheiro no mole” – filosofava na época. Sem querer por em questão a competência de Carpeggiani, para um técnico que tinha em sua equipe jogadores da categoria de Leandro, Júnior, Mozer, Adílio, Tita e Zico à disposição, falar isso era fácil. Situação semelhante viveu Zagallo, ainda com apenas um “l” em seu nome, ao assumir de João Saldanha, que armara bem o time e se classificou nas eliminatórias, o comando técnico da seleção que conquistaria o tricampeonato mundial, no ano de 1970. Pelé, Gérson, Rivelino, Tostão, Jairzinho e Carlos Alberto não precisavam de técnico. A bola era o suficiente. E como era redonda...
No atual campeonato brasileiro, todos as equipes participantes trocam de técnico durante o certame. Dizem que técnico ganha jogo. Insisto: um técnico inteligente, flexível e com visão de jogo contribui em muito para o sucesso de uma equipe. Quem faz a diferença é o craque. Atualmente o técnico depende muito de um craque e de um líder em campo, mas o Brasil anda carente de craques e de líderes dentro do gramado. O último bengala-de-cego que vi foi Dunga, nosso bravo capitão nas seleções de 1994 e de 1998, depois de ter dado a volta por cima num giro de 720º quando lhe foi creditado, numa crítica injusta e infeliz, o nome de uma era medíocre no nosso futebol. O valente e raçudo Dunga podia não ser um fenômeno como o Ronaldo, mas era um bom jogador, importante dentro dos esquemas, esforçado, disciplinado, um verdadeiro técnico dentro de campo, e foi uma peça fundamental na conquista do tetra. Dunga indicava as jogadas, ajudava o Taffarel mostrando pra quem ele devia iniciar a saída de bola, dava bronca no Bebeto para que ele não pipocasse tanto – certa vez Bebeto quase chorou numa dessas broncas – orientava a marcação, aperfeiçoou seu passe e lançamentos ajudando a construir jogadas para o ataque. Dunga era considerado o “dono da seleção”, pelo respeito que impunha, a ponto de até o Romário obedecê-lo. A garra e o inconformismo dele contagiava a equipe. Um gigante com nome de anão.
Levanto uma bola para que possamos ter uma discussão saudável sobre o tema e espero que essa matéria seja publicada logo, para que não fique desatualizada, diante de tanta troca de técnicos, como se troca de meias ou de camisas. Convido você a visitar uma página que fiz sobre a Seleção Holandesa, vice-campeã da Copa da Alemanha, que mereceu essa minha homenagem. Uma seleção com um técnico inteligente, estrutura, grandes jogadores, enfim, reunia todos os predicados para que se tornasse campeã, que só não o foi por falta de um simples fator: sorte.
O site é http://geocities.yahoo.com.br/laranjamecanica74 e muito agradecido por sua visita! Um abraço.
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