UMA GREVE QUE PARALISOU O PAÍS   

Que nós, trabalhadores brasileiros, temos todo direito – ou será obrigação? – de reivindicar o que achamos justo para que continuemos a desempenhar nossas funções em nossos empregos, é indiscutível. Mas uma das mais recentes greves dos bancários praticamente parou as principais cidades do país. Parou também algumas ações bancárias que prefiro realizar mediante o indispensável atendimento humano. Depositar um cheque em minha conta, por exemplo. Apesar do desenvolvimento tecnológico, até os dias atuais comparo fazer um depósito no caixa eletrônico como bater um pênalti – será que a bola vai entrar?

Foi numa fria noite de sexta-feira que eu, após dez relutantes dias, me rendi pela primeira vez, imaginando que o acordo entre os bancários e os banqueiros precisaria de uma prorrogação: “que não chegue a mortes súbitas” desejei. De outra forma meu cheque faria aniversário e não era descontado. Poderia pensar em fazer até um bolo comemorativo, mas antes teria que descontar o tal cheque.

A princípio parecia fácil: “aperte o botão verde para depositar”, estava escrito numa plaquinha. Cumpri a formalidade eletrônica e, ao posicionar num determinado local da máquina o envelope preenchido corretamente com o cheque dentro, em milésimos de segundo, surge uma ágil mão humana que tomou-me o depósito, desaparecendo seguidamente. Fiquei estático, estupefato, refazendo-me do susto, pensando estar participando de uma pegadinha previamente gravada, para aumentar o ibope de algum programa dominical. Em seguida, procurando pelos lados da máquina, por trás, alguma prova do inacreditável que acabara de acontecer. Enfiei a cara no painel da máquina, olhei as câmeras de segurança que me olhavam, então resolvo bater um toc-toc de quem bate à residência de alguém:

- Olá! – disse, diante da situação surreal na qual me encontrava.

- Olá – não é que me responderam??

- Quem está aí? – continuei, já que obtive “sinal de vida” do caixa eletrônico.

- Sou um funcionário terceirizado pelo banco.

- E o que você está fazendo aí dentro?

- Trabalhando, ué! – respondeu a voz, com uma tranquilidade que ela achava óbvia.

- Você não aderiu à greve também?

- Não – informou a voz de alguém que não mostrara nada além da mão – Não sou bancário. Sou funcionário da empresa que fabrica os caixas eletrônicos bancários.

- Não vá me dizer que os caixas eletrônicos também estão em greve?

- Isso mesmo. – confirmou o que eu achava impossível.

- Mas isso é um absurdo! – protestei.

- Reclame com o sindicato dos caixas eletrônicos bancários!

- O quê? Caixa eletrônico agora faz greve e até tem sindicato??

- É o desenvolvimento da tecnologia, né?

- Ahn, sim... só falta você me dizer que o presidente desse sindicato é um caixa eletrônico bancário também.

- Era. Agora é um computador top de linha, com sistema operacional Windows 2008.

- Um computador top de linha?

- Claro! O processamento dele é mais rápido e eficiente!

Diante daquelas observações futurísticas e absurdas, antes de ir embora ainda perguntei-lhe, preocupado, se ele “não precisava de água”. A voz agradeceu. Tinha uma outra maquininha dentro da caixa eletrônica que o abastecia.

Fui embora, torcendo para que meu cheque fosse compensado, lamentando que as máquinas que o homem construíra agora estavam tomando nosso próprio espaço. É o tiro saindo pela culatra. Resolvi passar na locadora e alugar um dvd para relaxar a tensão do diálogo surrealista. Pena que na única locadora aberta daquela hora de uma sexta-feira, só havia um filme em promoção ao alcance de meu bolso: estrelando Will Smith em "Eu Robô"!

 

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