Data: Qua Set 14, 2005
Assunto: “Cinderelo” Ramalhão
|
O livro “Complexo de Gata Borralheira”, do jornalista Daniel Lima, é uma leitura bastante interessante para quem deseja conhecer a fundo o dilema sócio-político que, há muito, vivem as cidades que compõem o Grande ABC. É uma obra alegórica: as 7 cidades da região, personificadas, participam de uma reunião com a Capital, representada por uma orgulhosa princesa que demonstra, por suas vizinhas presentes, sentimentos que variam da indiferença ao total desprezo. À medida que os debates avançam, vai ficando evidente o sentimento de inferioridade das cidades do ABC em relação à poderosa vizinha (que é o tal “complexo”), bem como a quase impossibilidade de mudança do cenário. Também é colocada com clareza a falta que faz à região o estadista Celso Daniel, com sua visão de integração regional e busca de soluções conjuntas — que, com cada cidade mergulhada em seus próprios e cada vez mais graves problemas sociais, é um sonho cada dia mais distante.
Na seqüência junta-se à reunião o Estado de São Paulo, que demonstra às cidades da região metropolitana, incluindo a Capital, que nada conseguirão enquanto não assumirem uma postura integrada e, digamos, menos rebelde eleitoralmente em relação ao Estado (o livro foi escrito antes da eleição de José Serra à Prefeitura de São Paulo); e, por fim, surge a mentora da reunião, a “madrasta malvada” Brasília, que juntamente com suas filhas (a Exclusão Social e a Violência) continuarão a humilhar e explorar as Cinderelas municipais, pois essa é a sua natureza.
Mas, o que tem tudo isso a ver com o futebol? Muita coisa, embora o Ramalhão seja citado na obra somente uma vez, quando Santo André protesta contra a “campanha” que buscou fazer do Ramalhão o “segundo time”dos andreenses, como o Juventus em relação à Capital. Esse é apenas mais um aspecto do “complexo de Gata Borralheira”, desta vez no futebol, pois o ABC (e toda a região metropolitana) é feudo das torcidas dos três clubes “grandes” paulistanos (o Santos foi excluído da conversa, por ser sediado na Baixada Santista, mas sua torcida aqui também é muito grande), e quase nada sobra para os times locais. O protesto de Santo André, rejeitando a idéia obscena de o time local aceitar ser o “segundo” em sua própria casa, perde-se nesse vazio: não temos nem como começar a concorrer em torcida com os times “grandes”, da mesma forma que não temos como impedir a fuga das indústrias; a migração para nossas periferias dos rejeitados da Capital; a violência da zona Sul de SP exportada para Diadema; a inexistência de janelas locais na programação das emissoras de TV aberta; o bombardeio do pequeno e micro comércio da região pela concorrência desleal das grandes redes de hipermercados; a quase inexistência de um setor terciário de alto valor agregado; e todas as demais circunstâncias, abordadas na obra, que só fazem alimentar nosso “complexo de Gata Borralheira”.
Não foi por acaso que o Jairo Livólis, na entrevista concedida ao sítio Ramalhonautas, lamentou a falta de retorno de todas as iniciativas para atrair mais público aos jogos no Bruno Daniel. O máximo que se pode fazer é conseguir a adesão momentânea dessa massa que, submissa ao poderio da mídia paulistana, só pensa no Ramalhão, quando muito, como seu segundo time. E não é outra a idéia do coquetel realizado na última segunda-feira no Poliesportivo, com o lançamento de pacotes de divulgação e de ingressos para a segunda fase da Série B, destinados ao empresariado da cidade.
Segundo o Alexandre, que nos representou no coquetel, o Daniel Lima estava presente e fez um discurso inflamado, buscando estimular a adesão dos empresários ao projeto. Desconheço o teor do discurso, mas posso apostar que o Complexo de Gata Borralheira foi bastante mencionado. Isso me deu uma idéia: por que não convidamos o jornalista, que por anos militou na imprensa esportiva e conhece a fundo nossos problemas, a conceder uma entrevista exclusiva ao sítio Ramalhonautas?
|