Data:  Seg Dez 2, 2002  4:19 pm 
Assunto:  Por que torcer para time pequeno?
A cada final de ano, de campeonato ou simplesmente a cada derrota do Ramalhão, minha esposa, corintiana, me vem sempre com a mesma pergunta: 
- Por que, afinal, você insiste em torcer para um time pequeno? 
Já tentei explicar a ela, inúmeras vezes, que o futebol brasileiro não é composto somente pelos times "grandes", mas ela, como a grande maioria dos torcedores, é incapaz de ver como pode ser possível alguém torcer para qualquer outro time que não os Corinthians, São Paulos, Flamengos ou Cruzeiros da vida, já que são esses os times que aparecem na TV, nos jornais e que ganham todos os títulos importantes, com raras exceções. 
Há alguns meses, um torcedor postou no Fórum do site FI uma mensagem polêmica, defendendo uma tese tão simples como radical: a de que somente os "grandes" times têm, na verdade, torcedores, e os "pequenos" reúnem apenas simpatizantes, que torcem não pelo time, mas pela cidade, movidos por um bairrismo rastaqüera que nunca poderá ser comparado à paixão que o "verdadeiro torcedor" sente por seu time. 
A tese pode parecer ridícula à primeira vista, mas se analisada com frieza revela-se cruelmente plausível. De fato, é esse tipo de torcedor que interessa aos clubes e à imprensa: aquele que comparece às dezenas de milhares, que dá espetáculo, que berra nas gerais como um alucinado, que ama seu time mais que a própria vida e deixa até de comer e comprar remédios, só para poder ir ao estádio e ver seu time campeão — e que no dia seguinte esgota as edições dos jornais esportivos. E se não for campeão, se rasga e chora, mas paciência, no ano que vem tem mais, pois seu time é eterno como seu amor.  
No Brasil há no máximo uma dúzia de clubes capazes de motivar torcedores a tal ponto. E são esses os times que recebem toda a atenção da mídia e gozam de benefícios como as famosas viradas de mesa. Sem eles — assim pensam os jornalistas e os cartolas — o futebol brasileiro morreria.  
Nem passa pela cabeça das pessoas que só concebem esse tipo de futebol, que possa haver um outro futebol no Brasil: aquele que se joga em estádios pequenos pelo interior, onde a família vai junta após o almoço de domingo (ou antes), e os gritos dos torcedores ecoam por arquibancadas semi-vazias. Esses torcedores não sabem se seu time algum dia será campeão de algo, se chegará a participar de um desses campeonatos que passam na TV — ou se ainda existirá daqui a dois ou três anos; mas não perdem a esperança. É um futebol que passa longe da mídia, sem rios de dinheiro, mas onde, muitas vezes, há mais amor à camisa, mais autenticidade, mais poesia. Bairrismo, vá lá; mas uma paixão tão valiosa como qualquer outra. Afinal, quem se atreveria a medir o amor? 
A convivência desses dois "futebóis" seria benéfica para todos, alimentando os sonhos de um e fornecendo craques para o outro. Mas não parece ser esse o objetivo dos homens que dirigem o nosso futebol "global". Se a ganância atual não se reduzir, em breve aquela dúzia de grandes clubes acabará reduzida a meia dúzia. Aí, sim, o futebol campeão do mundo pode acabar morrendo.
 
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