Poesias - Coletânea 3
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Canção da Alta Noite - Cecília Meireles Narrativa Retrato |
Canção da Alta Noite
Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.
Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.
Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
Andar... - enquanto consente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.
Narrativa
Andei buscando esse dia
pelos humildes caminhos
onde se escondem as coisas
que trazem felicidade:
os amuletos dos grilos
e os trevos de quatro folhas...
Só achei flor de saudade.
O arroio levava o tempo.
Ia meu sonho atrás da água.
No chão dormiam abertas
minhas duas mãos sem nada.
Se me chamavam de longe,
se me chamavam de perto,
era perdida a chamada...
Viajei pelas estrelas,
dentro da rosa dos ventos.
Trouxe prata em meus cabelos,
pólen da noite sombria...
Mirei no meu coração,
vi os outros, vi meu sonho,
encontrei o que queria.
Já não mais desejo andanças;
tenho meu campo sereno,
com aquela felicidade
que em toda parte buscava.
O tempo fez-me paciente.
A lua, triste mas doce.
O mar, profunda, êrma e brava.
Retrato
Eu não tinha esse rosto de hoje
Assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.
Eu não dei por essa mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil.
- Em que espelho ficou perdida a minha face?