“Quanto
ao vosso conversar com os outros, fazer oração especial todos os dias
para que Deus se digne dar-vos discrição e graça para edificar e não
destruir”
(S. Inácio) S.
Inácio não era condutor de massas ou multidões, mas de pessoas ou de
pequenos grupos seletos. Ele conhecia por intuição a psicologia humana
e tinha o dom de “trabalhar”
as pessoas; era admirável na arte da conversação. Já
nas “conversas espirituais”
iniciadas no castelo de Loyola, Inácio convence, comove e atrai
pela firmeza e profundidade de suas convicções, pela autenticidade de
suas palavras e de sua conduta, pela irradiação de sua vida
espiritual. Ele
tinha um trato especial com todos e cada um em particular; ele era
o companheiro-guia que
exercia uma liderança, firme e segura. Chama-nos a atenção como
Inácio respeita e protege a liberdade
de cada pessoa. Ele não impõe suas idéias e nem sua experiência
pessoal. Com sua presença ele fermenta o ambiente e transforma as
pessoas. Essa
maneira de proceder de Inácio brota de um profundo respeito à ação
do Espírito no interior das pessoas. De fato, sua conversação, como
toda sua vida, se desenvolve na mobilidade e liberdade vital do Espírito. Trata-se de “conversar
no Senhor”, ou seja,
encontrar e revelar seu Espírito numa atitude de contínua
disponibilidade e abertura. A conversação assim concebida é sempre
operante, construtiva e edificante.
A arte de Inácio para “ganhar corações” era
ter verdadeiro e sincero amor àqueles a quem ajudava, mostrando-o com
palavras e obras, despertando a confiança das pessoas, adaptando-se às
condições delas, estimulando-as e ajudando-as a atingirem o máximo de
suas possibilidades... “Sempre
inclinado para o amor”, apaixonado por Deus e pela atuação d’Ele no coração das
pessoas, Inácio sonha em fazer os outros participarem plenamente deste
amor pelo qual se deixou
invadir por inteiro.
Através da conversação Inácio anima, comunica, corrige, consola,
pede... busca o bem mais universal. Com todos ele começava
uma “conversação exterior” e logo, uma vez preparados, também a conversação
interior, sabendo entrar e conduzir cada um com ternura e
delicadeza, “segundo as pessoas e as
situações”. Conversar no Senhor requer, como primeira medida, uma adaptação total à outra pessoa, que Inácio resume na frase do Apóstolo Paulo: “fazer-se tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo” (1Cor. 9,22). Esta adaptação faz com que a conversação seja dinâmica e progressiva, segundo a pessoa e as circunstâncias em que ela se encontra. “Em
Paris começou mais intensamente do que costumava, a entregar-se às
conversações espirituais” (Aut. 77). Inácio
se encontra no centro de um vasto leque de contatos com muitos jovens;
trabalhando como escultor, com fé e perseverança, ele não demorou em
descobrir jovens estudantes de viva inteligência, corações generosos,
vontade decidida, movidos por um ideal... Com
grande tato e segurança, a conversação de Inácio vai dispondo e
preparando cada pessoa para que pudesse chegar, com toda a liberdade
espiritual, a uma decisão ou mudança de vida. De
onde brota esse dom da “conversação espiritual?” Certamente
dos Exercícios Espirituais, onde o colóquio ocupa o centro de tudo na
experiência. Os colóquios com as Pessoas Divinas, com a Virgem Maria e
com os santos se prolongam em colóquios com as pessoas. Para S.
Inácio, encontrar Deus em todas
as coisas é, primeiramente, descobrí-Lo através das conversações.
O apóstolo é aquele que ao ir ao encontro dos outros, descobre a
presença e a atuação do Espírito neles. Deus nos fala ao coração e
vem a nós através dos outros. A
conversação é uma experiência profundamente humana de proximidade,
de conhecimento, de intercâmbio, de ternura... um
encontro entre caminhantes que vão compartilhando histórias de vida,
esperanças e frustrações, vontade de construir e sonhar... Na
conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas
que apresenta... ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta
misteriosa do Outro (Deus). A conversação nos liberta da solidão
e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência.
A conversação reforça os laços, criando a comunidade dos “amigos
no Senhor”. Textos
bíblicos: Lc.
24,13-35 Jo.
3,1-21 2Tim.
1,6-14 Jo. 4,1-12 “Os
discípulos conversavam e discutiam...”:
conversa de desânimo, de tristeza, que não constrói... Pela
conversa a pessoa manifesta quem ela é. “Onde
está sua conversa, aí está seu coração”. - Quais são suas conversas? Elas animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?...
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A EXPERIÊNCIA É A SABEDORIA DA VIDA
“Sabendo nós por experiência...”
(S. Inácio) S. Inácio não é um teórico. Ele
vive, observa, descreve, relata,
avalia, sintetiza, devolve à ação e compromete. Os Exercícios
Espirituais são destilação de experiências
para provocar outras experiências. “A
espiritualidade inaciana não é, em primeiro lugar, uma teoria ou um
sistema, mas uma vida
vivida. Daí o caráter central, transformador e gratuito da experiência de Deus tal e como Inácio a observou e acolheu
em si mesmo e como quer ajudar a que seja compreendida e recebida por
outros” (I.
Iglesias). De fato, todo o processo de elaboração
dos Exercícios foi produto de experimentação
e não de estudo e elaboração teórica. O método
dos Exercícios brota de uma observação,
constatação, anotação, comparação e avaliação de
sensações, desejos, idéias, moções... A experiência foi a estratégia fundamental de S. Inácio para
encontrar o sentido da vida, conhecer-se
a si mesmo, conhecer
profundamente a Cristo, conhecer a Deus, descobrir
sua Vontade e viver
o serviço aos outros. S. Inácio tinha consciência de que a experiência humana é o caminho que Deus escolheu para se
comunicar e chegar às pessoas. Não há Revelação
à margem da experiência humana;
Ela vem re-vestida de história humana. Efetivamente, “no princípio foi a experiência”.
A ela S. Inácio remete-se continua-mente. Ele fez a “experiência”
do Deus agindo na sua história; aí O encontra e nela caminha com Ele. Experienciar, conhecer pela experiência,
fazer a experiência..mergulhar no mistério da fé, nadar no oceano de Deus: eis a questão. A
vivência do amor, da comunhão, da festa, do humor, da gratuidade, da
beleza, da bondade, do silêncio, da música, da arte, da poesia, da
amizade, do entusiasmo, da ternura, da partilha, da admiração diante
de uma paisagem, do amanhecer, de um rosto... tudo
pode ser uma experiência
do Mistério, à
medida que abrimos o coração e contemplamos o sentido
íntimo das coisas, da vida e dos encontros. “...
mas pode exercitar-se em buscar a
presença de Nosso Senhor em todas as ações,
como é conversar com alguém, ir e vir, divertir-se, escutar, entender,
enfim, tudo o que
fizermos; pois verdadeiramente sua Divina Majestade está em toda parte
por presença, poder e essência”.
(S. Inácio). Essa é a experiência mística da vida: “sentir Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”. Os místicos sentem e sabem: se
Deus não pode ser encontrado no próprio coração
e no coração da vida,
não será encontrado em lugar nenhum. Nossa história pessoal é feita, muitas vezes, de fatos e acontecimentos
ocos, superficiais, rotineiros, sem sentido, carregados de desencanto,
pesados... tornando-se uma “história
insensata”. Textos bíblicos:
1Jo. 1,1-7 2Cor 3
Sl. 138 Sl.
103 Na oração:
Todo cristão é testemunha de uma presença
contemplada no silêncio da oração. A experiência
do encontro com Deus
desvela nosso rosto e transforma nossa vida.
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A PAIXÃO PELA MISSÃO “Que
devo fazer, Senhor?” (At. 22,10) Jesus
Cristo nos salva, nos dá a sua Vida,
e, sempre respeitando nossa condição de homens e mulheres livres, nos convida a
participar de sua obra: a
realização do Reino de Deus
neste mundo marcado pela dor, pobreza... Ele nos convida a
trabalhar com Ele e como
Ele, a viver como Ele, a ter os critérios e os valores d’Ele.
Jesus convoca pessoas que tem espírito de audácia,
de energia, de criatividade,
de luta,
de participação,
porque Deus não nos deu espírito de timidez, de covardia,
de fuga... Segundo
S. Inácio, o critério do “bem quanto mais universal é mais
divino” (Const. 622) se torna critério de eleição
das tarefas apostólicas. Mas isto já está inscrito no convite
do Reino: ”minha vontade é conquistar toda a terra de infiéis”
(EE. 93); “minha
vontade é conquistar o mundo todo e todos os inimigos”(95).
Cada um de nós experimenta como os fatos, acontecimentos, pessoas, vivências...
nos estimulam, nos provocam, nos incitam; numa palavra, nos “chamam”, pedem de nós
uma decisão, uma opção. “Ver Cristo Nosso Senhor, Rei eterno, com o mundo inteiro diante d’Ele, que chama todos e cada um em particular” (EE.95). Neste
empreendimento, cada um deve descobrir a sua maneira de melhor
corresponder; neste chamamento
feito a todos, cada um deve escutar a parte que lhe cabe. Trata-se
de um chamado que “afeta”
todo o seu ser, com toda sua bagagem de inteligência, afetividade,
qualidades e defeitos, influências e inclinações;
com todas as possibilidades que a vida lhe oferece neste momento
em que vive, diante das necessidades
do mundo, da Igreja, da sua comunidade... O leigo(a) inaciano(a) se deixou forjar no convite
do Reino. Ali, as grandes façanhas
propostas pelo Companheiro que é Jesus, seduzem por si mesmas. A
meditação do Reino prepara um dos traços mais distintivos da pessoa
inaciana: “encarregar-se
dos outros”, encarregar-se das obras
que solucionem os problemas das “maiorias
excluídas”. Isso é o que significa paixão pelo Reino. Quem vive a inacianidade, capta o bem das “maiorias”
como preocupação entranhável, apesar de ter outras inquietações e
trabalhos. Mas tudo nasce da paixão
por levar adiante a missão,
em ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar
obras duradouras e maior proveito e fruto. A pessoa inaciana se
apaixona por levar adiante o Reino, e por isso se dedica a realizar obras, não só porque
sejam boas, senão porque tocam o coração da história, realizando ali
atividades
que a reestruturem e se institucionalizam porque tem força em si
mesmas.
Obras, portanto, que modifiquem o modo como está constituído o mundo, para que
aconteça o Reino. A paixão
pela missão é também um traço marcado de maneira especial
pela experiência de ser pecador(a) perdoado(a). O perdão
faz com que se experimente que estava sem vida e que agora, se tem vida.
Isto desperta a paixão pela
missão, pois se constata que a grande tarefa que se tem lá fora,
no mundo, no Reino, não é impossível porque já se está vivendo por
dentro, na própria vida, na realidade pessoal. A nível
pessoal, o leigo inaciano, a leiga inaciana – a exemplo de Inácio
leigo – procura conduzir, de uma maneira delicada, as pessoas que se
apresentam em sua vida, até à experiência dos Exercícios e a uma
profunda conversão. É o que Inácio chamou “a conversação espiritual”, e é o que hoje denominamos “acompanhamento
espiritual”. Textos bíblicos:
2Tim. 1,6-14 Mt. 10,1-16
Mt. 10,37-42
Lc. 4,16-30
Lc. 5,1-11 Ef. 3,1-13
Mt. 5,13-16 Na oração: diante de Deus responda: como você vive
hoje sua missão na
família, no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que sentido
você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças,
capacidades?
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CAMINHO: uma chave de compreensão da espiritualidade inaciana “Conhece-se a Deus pelos pés” (Carlos Mesters) Os Exercícios Espirituais são o
fruto de um caminho de fé vivido por S. Inácio. Para ele, o caminho não
é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus
em sua aproximação à pessoa. A realidade está dominada por um Deus que também empreendeu um caminho
para o ser humano. O ser peregrino por parte da
pessoa corresponde ao ser peregrino
por parte de Deus. O caminho se converte, então, em caminho para
um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos. Tanto nos Exercícios como nas outras fontes inacianas, descobre-se que S. Inácio recorre com frequência à linguagem metafórica do caminho para descrever a mobilidade, o dinamismo do encontro pessoa-Graça. De fato, a Graça, longe de ser vista como algo estático, é apresentada como “um poder vivo, que desperta no homem um movimento. Não é um dom puramente ocasional, mas um acontecimento contínuo” (Kraus). “Deus é o que move” (carta de S. Inácio a Alexio Fontana, 8-101555).
Tal afirmação é a síntese não tanto do que é a Graça para S. Inácio,
quanto de sua manifestação mais patente no acontecimento de seu
encontro com o ser humano. A
aceitação da Graça, equivale, então, à incorporação a uma
caminhada.
À ação da Graça associa-se o desejo da pessoa. Na união de ambos
está a condição de possibilidade por meio da qual a pessoa acaba
constituindo-se em caminhante. Para o povo que caminha no
deserto, é essencial conhecer direções
e entender ventos. E para o
coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos
da Graça. Esta é a grandeza do ser humano:
ser um caminhante que, de acampamento em acampamento, não cessa de
passar da servidão à terra da liberdade. O encontro pessoa-Graça, em Inácio, é “ex-cêntrico”.
Não podemos esquecer aqui o princípio
inaciano de que “cada um
deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto
mais sair do seu próprio amor, querer e interesse”(EE. 189).
Em cada exercitante brilha uma luz que aponta para a fonte e conduz para
a meta que o faz peregrinar. Os Exercícios não ensinam chegadas, só
partidas. Esse é o desafio: “entrar”
no caminho de Deus é viver em terra
de andanças. E a pessoa, impelida e atraída pela mão divina, há
de evoluir numa peregrinação sem fim. Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos
com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada. “Temos fome e
sede de estrada, e ela está ardendo por dentro”. Guimarães Rosa dizia que a coisa não
estava nem na partida e nem na chegada, mas na travessia. A vida é uma
travessia. Os convites de Deus são absolutos e constantes. Se estamos
apegados ao que temos, jamais seremos capazes de “fazer
estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos
oferece. “Não
tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar”
(Thiago de Mello). S. Inácio vê o exercitante em
direção, em tensão para, diante da inevitável pergunta: “que mais nos conduz para o fim que somos criados?”
A resposta a esta pergunta não se limita a um instante, senão que
se prolonga sem fim num “somente desejando e elegendo”, num confronto contínuo com “moções”
e com “espíritos”. O desafio de resituar-se continuamente diante de
seu fim transcendente representa para a pessoa um “pôr-se
em marcha”.
Ela tem de aventurar-se, abrir-se “à Vontade divina na
disposição de sua vida para a sua salvação” (EE. 1). Se há algum significado na vida, ele se encontra no caminho, entre o
aqui e algum outro lugar. Pioneiras são as pessoas que vão a lugares
em que ninguém esteve antes: “gente
de fronteira”. “Peregrino, peregrino, que não sabes o caminho: aonde vais? Sou peregrino de hoje, não me importa onde vou; amanhã? Nunca talvez. Admirável peregrino, todos seguem teu caminho” (Manuel Machado). Jesus Cristo é o modelo de toda peregrinação;
com sua peregrinação Ele abre possibilidades de outros caminhos. O
Rei Eterno convoca a um seguimento
que não está desligado de seu próprio caminho. Jesus, o homem
dos Caminhos, chama na vida e para a vida e põe as pessoas em
movimento. Faz-se do chamado um caminho, quando se partilha a vida
com quem chamou. Responder ao chamado feito por Jesus significa tornar
esse chamado um caminho de entrega
e de serviço. Textos bíblicos:
2Sam. 7,1-17 Ex.
33,7-23 Heb.
11,8-16 Mc. 10,46-52
Gen. 12,1-12 Na oração:
Rezar a bagagem de sua
vida; contemple as experiências positivas e enriquecedoras em sua
bagagem. Faça memória das maravilhas que o Senhor realizou em você,
na estrada da vida.
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COMUNIDADE INACIANA: “Amigos no Senhor” “No encontro com minha comunidade descubro o meu rosto” Apaixonado
por Deus e pela atuação d’Ele no coração das pessoas, S. Inácio
sonha em fazer os outros participarem plenamente deste amor, pelo qual
se deixou invadir por inteiro, aceitando caminhar longamente com cada
um, para que, ao final, abrisse o coração à ação de Deus. A
exemplo de Jesus que forma seus doze apóstolos e os envia a
evangelizar, S. Inácio emprega todos os esforços para constituir uma
comunidade de ideal e de missão. O fundamento é que Deus Criador
é Amor Trinitário, é comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espírito
Santo). Como criaturas, fomos atingidos pela marca trinitária de Deus.
Como homem e como mulher, trazemos esta força interior que nos faz “sair
de nós mesmos” e
criar laços, fortalecer a comunhão... O
ser humano não é feito para viver só; ele necessita con-viver,
viver-com-os-outros. A fraternidade, a vida em comum se mede pelo
amor, por atos e gestos de doação, por vivências de comunhão, por
experiências reais de partilha... O
ser humano é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência
a outras pessoas: estabelece com os outros uma interação, entrelaça-se
com eles, e forma um nós: a comunidade. As duas realidades –
pessoa e comunidade – não se opõem, mas se condicionam e se
complementam.
“A pessoa faz a comunidade e a comunidade faz a
pessoa” O
sentido da vida em comum é um dom de Deus, que nos foi dado a todos.
O sentido do termo comunidade nasce da experiência profunda e radical
da vocação cristã, à qual foram chamados os seus membros pelo
batismo. A comunidade é uma experiência concreta de unidade no amor
e na ação; ela será o
sacramento do amor de Cristo a todos os seus membros. A
comunidade inaciana é uma comunidade que vive o espírito dos Exercícios,
para encontrar e aceitar a Vontade de Deus na missão (serviço); ela é
o âmbito adequado para chegar a personalizar a fé e a vivê-la em
convocação e co-responsabilidade
com os outros; ela é o lugar extrema-mente válido para a formação,
na espiritualidade inaciana, de cristãos comprometidos com sua fé e
com a evangelização de seu meio.
A personalidade inaciana tem que ser também promovedora de “corpo” – que
para S. Inácio é a experiência da comunidade. Uma
pessoa inaciana não é uma “personalidade
isolada” mas aberta
à comunhão e partilha com outros. Uma comunidade inaciana não
é um fim em si mesma. Ela deve ser comunidade aberta, apostólica,
reunir para o serviço todos os que, nas pegadas de Inácio, querem
unir-se para trabalhar com Jesus, seguindo-o de perto, na condição
laical.
Uma comunidade inaciana é uma comunidade “conspiratória”. Conspiração,
palavra bonita de origens esquecidas. Conspirar, com-inspirar,
respirar com alguém, juntos. Conspiradores: respiram o mesmo ar,
o mesmo sonho, a mesma utopia É
esta a origem e a finalidade de cada comunidade inaciana: ser
companheiros de Jesus na sua missão,
associar-se para responder melhor ao chamado do Rei Eterno, viver
como comunidade de apóstolos no mundo. O caráter apostólico, o
senso de universalidade e o enfoque eclesial, tão característicos da
tradição inaciana, pedem uma expressão comunitária que, mesmo
respeitando o princípio da encarnação em realidades concretas e
diversas, abre a pessoa para a complexidade dos problemas do mundo e da
Igreja, impulsionando-a a ultrapassar os limites geográficos, afetivos,
sociais, de idade e de liderança. Textos
bíblicos: Col. 3,12-17
Rom.15,1-9 1Jo. 4,7-16
1Cor. 12,12-30
Gal. 5,13-26 Na
oração: Olhar cada um das pessoas da sua comunidade; dá-se conta
daquilo que sente para com
cada uma delas, como as trata, como reage diante delas... Vê-las com os
olhos do coração. Contemplar o rosto de cada um da sua
comunidade, sem exigir-lhe nada em seu Observar
e descobrir, em cada membro da sua comunidade, seus valores, suas
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CONTEMPLATIVO NA AÇÃO “É
por uma graça privilegiada que o P. Inácio concebeu esse estilo de oração.
De outra parte, ele sentia e contemplava
a presença de Deus em todas as coisas. Contemplativo na ação, ele
compreendia a dimensão espiritual de todas as suas ações e de todos
os seus encontros. O que lhe fazia dizer: “é
necessário encontrar Deus em todas as coisas” (P. Nadal). A
partir da experiência do Cardoner,
quando contemplou que tudo vem de Deus e tudo retorna a Ele, S. Inácio
descobre outro tipo de oração
que vem responder às exigências e às dificuldades das pessoas
mergulhadas na ação apostólica.
A originalidade de sua experiência está em contemplar Deus na
ação, a viver a união com Deus na
ação, a união com Deus em todas as coisas. Contemplar a ação de Deus é cooperar com Ele. S. Inácio
sente-se chamado ao encontro com Deus na obra de Deus. O importante para ele é a união
com Deus; não se trata de uma simples possibilidade, mas de uma exigência
fundamental, ou seja, ser “ser instrumento único com Deus”,
“familiaridade com Deus” (Const. 671;813) Tudo
deve estar em função desta união
com Deus; tanto a oração como a ação
devem conduzir a uma interioridade com Deus cada vez mais profunda e
intensa. Por isso, S. Inácio propõe uma modalidade de oração
acomodada ao ritmo de uma pessoa de ação,
que responda às exigências da ação
e à mobilidade apostólica. Trata-se
de uma oração contínua
que vai ao ritmo do dia e da ação;
o que importa aqui não é o “orar”
a todo momento, mas de fazer em todas as coisas a Vontade de Deus, seja
na oração ou na ação.
A oração contínua
é a que se faz “tendo sempre
Deus diante dos olhos”. Contemplação na ação: não são dois momentos distintos – o contemplar e o atuar
– mas um único: contemplar
atuando; pois é a mesma graça divina que alimenta nossa oração
e comanda nossa ação.
“Longe de arruinar a oração, a ação
deve suscitar uma oração
nova, própria às condições mesmas
nas quais ela se desenvolve, que faz ‘encontrar
Deus em todas as coisas” (M. Giuliani). A ação
passa a ser um meio privilegiado de união com Deus, porque é o meio
pelo qual se dá a resposta do homem ao apelo de Deus. A oração,
por sua vez, deve guiar e inspirar a ação;
ao mesmo tempo, a oração
encontra seu sentido e sua realização na ação,
porque é ação de Deus. O(a) inaciano(a) é um “contemplativo na ação”
porque é uma pessoa que encontra Deus através e na ação. Por isso sua espiritualidade é uma espiritualidade de ação
nesse duplo sentido:
- que toda oração
deve traduzir-se em serviço apostólico;
- que a ação
e o serviço apostólico são oração em si mesmos.
“Se dirigimos todas as coisas a Deus, tudo será oração”
(Carta de S. Inácio a S. Francisco de Borja). Esta
convicção de S. Inácio enraíza-se certamente em sua teologia da Criação,
cujo Princípio e Fundamento e a Contemplação para alcançar amor
nos revelam os traços essenciais: as criaturas
como lugar da “presença ativa” de Deus e mesmo como “sinal” de seu rosto. Textos bíblicos:
Jo. 4,31-38 Jo. 6,34-40
Jo. 9,1-6 Na oração:
A contemplação
inaciana termina na “união
com Deus na ação”. A contemplação inaciana desemboca na prática; ela não é neutra, mas comprometodora. Quem faz a experiência da contemplação na oração deverá ser um “contemplativo na ação”: - olhar as pessoas... e nelas descobrir a Pessoa do Senhor; - escutar o que elas dizem... perceber e discernir qual é a Voz do Senhor e o que Ele tem a me dizer; - observar o que fazem... participar, fazer-me presente, colaborando e construindo a história dos homens com os valores do Evangelho.
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Critérios
Inacianos para Discernir a Missão
O
leigo adulto não tem a mesma, mobilidade que o religioso. Os critérios
Inacianos estão pensados para religiosos, porém, adaptados com
criatividade, continuam sendo inspiradores também para os leigos
comprometidos.
Nas Constituições [622 - 623], lemos: ²
Tendo ante os olhos como regra orientadora o maior serviço
divino e bem universal, parece que se deve escolher na imensa vinha de
Cristo nosso Senhor, a região que mais necessitada estiver, quer pela
falta de operários, quer pela miséria e fraqueza em que se encontra o
próximo, quer pelo perigo que ele corre de sua condenação eterna. ²
É preciso também considerar onde é que se poderá, com
mais probabilidade, esperar maior fruto dos meios de que dispomos, por
exemplo, onde se visse a porta mais aberta e a gente parece mais bem
disposta e mais capaz de aproveitar. ²
Onde há maior dívida e compromisso com pessoas ou
instituições. ²
E porque o bem quanto mais universal é mais divino,
devem se preferir as pessoas e os lugares cujo aproveitamento possa ser
causa de que o bem se estenda a muitos outros sob a sua influência ou
autoridade... onde afluem muitos que poderão ser operários a ajudar os
outros se nós mesmos os ajudarmos a eles. ²
Onde se entendesse que o inimigo de Cristo nosso Senhor semeou
cizânia, para impedir o fruto que se poderia colher. ²
As obras mais duráveis e perpetuamente úteis.
Na carta de Santo Inácio “Aos Padres e Irmãos de Pádua”(Agosto
1547), lemos:
. . . São tão grandes os pobres na presença divina, que
principalmente para eles foi enviado Cristo à Terra: “Pela opressão
do mísero e do pobre agora - diz o Senhor - hei de levantar-me”(Sl.
11, 6); e em outro lugar: “para evangelizar os pobres me enviou”(Lc
4, 18), que recorda Jesus Cristo, fazendo responder a São João: “os
pobres são evangelizados”(Mt 11, 5),
e tanto os preferiu aos ricos, que Jesus Cristo quis escolher
todo o santíssimo colégio dentre os pobres, e viver e conversar com
eles, deixá-los por príncipes de sua Igreja, constituí-los por juízes
sobre as doze tribos de Israel, isto
é, sobre todos os fiéis. Os pobres serão seus assessores. Tão
excelso é seu estado.
A amizade com os pobres nos faz amigos do Rei eterno. O amor
dessa pobreza nos faz reis ainda na terra, e reis não já da terra, mas
do céu. O qual se vê, porque o reino dos céus está prometido para
depois aos pobres, aos que padecem tribulações, e está prometido já
agora pela Verdade imutável, que diz: “Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o Reino dos céus”(Mt 5, 3), porque já
agora têm direito ao reino. . .
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ELEIÇÃO EM PROCESSO “O homem é
conduzido pelo caminho que ele elege” (paradoxo talmúdico) “Nesta sentença se encerra uma
tensão: eu sou conduzido – eu elejo. Uma tal eleição,
“a partir do profundo, em harmonia com meu ser”, encontra
exatamente a Vontade de Deus. Onde um ser humano está profundamente em
consonância consigo mesmo, está, no fundo, de acordo com Deus, e vice-versa. Deus mesmo é o mais
profundo fundo de nosso ser. É
o Deus “que sai ao nosso
encontro de dentro para fora”.
É sempre o Senhor que
toma iniciativa e faz opção por nós – mistério de amor – porque
a escolha é sinal de apreço... O Senhor se “afeiçoou” a nós e quer cumprir conosco uma aliança libertadora. Escolhidos
por Deus... o Amor não tem explicações. Escolhidos por Deus... atitude de
docilidade e humildade. Um Amor que nos envolve, nos seduz e
exige a adesão total. Entregamo-nos ao Amor e não sabemos
para onde ele nos levará. O Amor é a única força que
dinamiza a missão; exige continuamente uma resposta
e faz com que o sim seja sempre novo, corajoso e forte diante dos
imprevistos da vida. Cada um de nós experimenta
como os fatos, acontecimentos, pessoas, vivências... nos estimulam, nos
provocam, nos incitam; numa palavra, nos “chamam”;
pedem de nós uma decisão, uma opção. “Ver a Cristo nosso
Senhor, Rei Eterno, com o universo inteiro diante d’Ele,
que chama todos e cada um em
particular...” (EE. 95) A eleição é um ato extremo de
morte a si mesmo e de abertura total, radical a Deus. É o ato de fé
despojada pelo qual o ser humano se entrega totalmente a seu Deus. Se se
fazem verdadeiramente os Exercícios, há no texto algo que queima, que
ativa o ser em tudo o que lhe é fundamental. S. Inácio intuiu
que a vida é luta e eleição e que o ser humano joga seu destino nas eleições que
faz. E a vida está cheia delas. Por isso é importante eleger bem, “desejando e elegendo somente aquilo que mais nos conduz ao fim para o
qual somos criados” (EE. 23). O ser humano não nasce definido,
define-se elegendo. E a eleição acontece no ritmo da vida; ali ele faz,
porque elegeu; e porque elegeu,
vai definindo sua vida, vai fazendo-se a si mesmo. A eleição
implica uma re-organização vital
que orienta toda a atividade e evolução posterior da pessoa; trata-se da própria vocação, do orientamento pessoal,
irrepetível, único, original... Significa uma qualidade
de vida, ou seja, uma maneira pessoal e original de viver o
seguimento de Jesus. Na eleição há algo de
definitivo, que fundamenta uma paz profunda, da qual não se deixa
desalojar da mesma maneira que antes. Certamente a pessoa continuará
experimentando alternâncias de “estados
interiores”, mas não sacodem os fundamentos. O
temperamento, os determinismos pelos quais cada um é marcado em seu
ser, seu modo de pensar, de reagir, permanecem, mas a paz profunda é a
que dá consistência e unidade interior. Na vivência dos Exercícios, a
eleição alcança esta experiência de uma unidade
interior nova e definitiva. Entra em ação um “processo” de unificação, a nível de si mesmo e a nível do
encontro do Outro, que é Deus. Não terminou tudo pelo fato de ter
feito eleição, ao contrário, abriu-se um futuro.
Toda a vida espiritual vai consistir em viver o cotidiano
a nível desta adesão a Deus, resultando cada momento ocasião de um
ato lúcido de abandono radical nas mãos do Criador. O “sim”
de Maria é pronunciado simples e radicalmente na Anunciação. É o
mesmo “sim”
que disse junto à Cruz. Sua fidelidade é a mesma em todos os
momentos, e no entanto, há um mundo de evolução e de progresso entre
estes dois “sins”.
O sim da Eleição à vida de Deus se desenvolve em cada momento,
em cada ocasião.
Textos
bíblicos: Lc. 1,26-38
2Cor. 1,12-24
Mt. 21,28-32 Ef. 1,3-14
Jo. 19,25-27 Na oração: Ao tomar decisões, a iniciativa é sua ou depende de
outras pessoas?
Você é uma pessoa indecisa? Em que situações a indecisão se
fez mais forte? Faça memória das decisões tomadas e que lhe trouxeram alegria, confiança...
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ESCOLA
INACIANA: um jeito próprio de rezar “O
verdadeiro amante ama em toda parte e sempre se recorda da amada; De
sua experiência, S. Inácio retirou uma lição: não é o tempo
consagrado à oração que é decisivo, mas a “atitude
de coração” daquele(a)
que pretende rezar. Ele relativiza o aspecto do “tempo”
gasto na oração, para colocar o acento sobre a disponibilidade do coração
(atitude interior). Antes de tudo, S. Inácio coloca a liberdade ou o
grau de desapego que lhe permitirá “encontrar Deus a
todo momento” para cumprir a Sua Vontade. Em resposta ao estudante
jesuíta Antonio Brandão, S. Inácio escreve: “...
mas pode exercitar-se em buscar a presença de Nosso Senhor em todas as
ações, como é conversar com alguém, ir e vir, divertir-se, escutar,
entender, enfim, tudo o que fizermos; pois verdadeiramente sua Divina
Majestade está em toda parte por presença, poder e essência. Esta
maneira de meditar, achando Deus em todas as coisas, é mais fácil do
que levantar-nos às realidades divinas mais abstratas, pois nossa
presença diante delas exige esforço. Este excelente exercício nos
dispõe para grandes visitas do Senhor, mesmo no decurso de curta oração”. A
originalidade de S. Inácio permite superar de uma vez a dicotomia entre
ação e oração. Para ele, a própria ação é oração na medida em
que ela é o “lugar” do encontro com Deus. Mais
que um exercício, a “oração
na vida” ou oração apostólica
é, para S. Inácio, uma maneira de viver. A
pessoa inaciana reza, às vezes utilizando a meditação,
que é o exercício da racionalidade, da vontade, da memória (a parte
mais masculina), outras vezes reza utilizando a contemplação
que é o exercício da sensibilidade, do intuitivo, do sensível (a
parte mais feminina). A contemplação chega ao seu cume na aplicação de sentidos, onde se exercita toda a sensibilidade. É
aqui que S. Inácio dá à sensibilidade um papel que nunca tinha sido
dado até então. A oração do(a) inaciano(a) envolve a totalidade das
dimensões humanas: corpo, mente, afetividade, coração... num processo
de integração e harmonização. Tudo é mobilizado para a experiência
do encontro com o Senhor. Tudo
isto nos indica o talante da oração inaciana: é uma oração que
torna a pessoa “contemplativa na
ação”, e numa ação que terá repercussão política, porque
quer mudar o rosto do mundo. Textos
bíblicos: Mt. 6,5-15
Mt. 7,1-1 Lc.
18,9-14 Lc. 1,46-56
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ESPIRITUALIDADE DO COTIDIANO CRIATIVO “Minha vida cotidiana é meu guru” (monge anônimo) Vivemos mergulhados na cultura de resultados; o ativismo é
o nosso estilo de vida; a existência inteira faz-se maquinal
e rotineira; a vida perde seu sentido;
já não encontramos tempo para desfrutar das atividades mais
simples e humanas; nosso cotidiano
torna-se pesado, cansativo... passa a ser rotineiro,
convencional e, não raro, carregado de desencanto. A maioria das
pessoas vive restrita ao cotidiano com o anonimato que ele envolve. Tal
situação acaba gerando pessoas ansiosas,
irritáveis, frustradas ... Que fazer então? Jesus nos ensina, em Nazaré, a descobrir o valor eterno do
doméstico, do cotidiano; Ele nos ensina a saborear o eterno e o
Absoluto nas pausas e nos silêncios da vida cotidiana. Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica
uma profunda união com o Pai. “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de
amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia a própria
dificuldade” (Mt. 6,34). Com estas palavras, Jesus estabelece a
diferença entre o modo pagão e o modo cristão de viver o cotidiano. A
“cotidianidade” de nossa
vida está tecida de coisas “ordinárias”
e não de coisas “extra-ordinárias”.
Falamos de uma cotidianidade
humana, isto é, daquelas atividades de nossa vida diária, que embora
irrelevantes em sua aparência, tem uma razão de ser, uma motivação e
um modo de fazer-se que não se deve à mera casualidade ou a um impulso
instintivo de repetição e automatismo. O cotidiano é o que vivemos e/ou fazemos cada dia: o
conjunto de circunstâncias,
atividades e relações que formam a trama da vida de uma pessoa por
meio das quais Deus atua nela e a pessoa se relaciona com Deus. O cotidiano é o “meio”
pelo qual o amor toma densidade e se expressa preferentemente. Tem-se
dito que “a humildade do amor é o dom da vida cotidiana”, ou seja,
a humildade do amor sem “brilho”, no escondimento. O amor é, precisamente, o lubrificante que
dá sentido à vida cotidiana e lhe faz superar as dificuldades
inerentes à mesma: o desprendimento de si mesmo, a busca da verdade e
do bem comum, a atenção ao que facilita a vida dos outros... se tornam
“normais” quando se
cultiva o amor.
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