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A ARTE DA “CONVERSAÇÃO”

 

“Quanto ao vosso conversar com os outros, fazer oração especial todos os dias para que Deus se digne dar-vos discrição e graça para edificar e não destruir”  (S. Inácio)

 

S. Inácio não era condutor de massas ou multidões, mas de pessoas ou de pequenos grupos seletos. Ele conhecia por intuição a psicologia humana e tinha o dom de “trabalhar”  as pessoas; era admirável na arte da conversação.  Já nas “conversas espirituais”  iniciadas no castelo de Loyola, Inácio convence, comove e atrai pela firmeza e profundidade de suas convicções, pela autenticidade de suas palavras e de sua conduta, pela irradiação de sua vida espiritual.

Ele tinha um trato especial com todos e cada um em particular; ele era  o companheiro-guia que exercia uma liderança, firme e segura.  Chama-nos a atenção como Inácio respeita e protege a liberdade de cada pessoa. Ele não impõe suas idéias e nem sua experiência pessoal.  Com sua presença ele fermenta o ambiente e transforma as pessoas.

Essa maneira de proceder de Inácio brota de um profundo respeito à ação do Espírito no interior das pessoas. De fato, sua conversação, como toda sua vida, se desenvolve na mobilidade e liberdade vital do Espírito. Trata-se de “conversar no Senhor”,  ou seja, encontrar e revelar seu Espírito numa atitude de contínua disponibilidade e abertura. A conversação assim concebida é sempre operante, construtiva e edificante.  A arte de Inácio para “ganhar corações”  era ter verdadeiro e sincero amor àqueles a quem ajudava, mostrando-o com palavras e obras, despertando a confiança das pessoas, adaptando-se às condições delas, estimulando-as e ajudando-as a atingirem o máximo de suas possibilidades... 

“Sempre inclinado para o amor”, apaixonado por Deus e pela atuação d’Ele no coração das pessoas, Inácio sonha em fazer os outros participarem plenamente deste amor pelo  qual se deixou invadir por inteiro. Através da conversação Inácio anima, comunica, corrige, consola, pede... busca o bem mais universal.   Com todos ele começava uma “conversação exterior” e logo, uma vez preparados, também a conversação interior, sabendo entrar e conduzir cada um com ternura e delicadeza, “segundo as pessoas e as situações”.

 Conversar no Senhor requer, como primeira medida, uma adaptação total à outra pessoa, que Inácio  resume na frase do Apóstolo Paulo: “fazer-se tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo” (1Cor. 9,22).  Esta adaptação faz com que a conversação seja dinâmica e progressiva, segundo a pessoa e as circunstâncias em que ela se encontra.  

“Em Paris começou mais intensamente do que costumava, a entregar-se às conversações espirituais” (Aut. 77).

Inácio se encontra no centro de um vasto leque de contatos com muitos jovens; trabalhando como escultor, com fé e perseverança, ele não demorou em descobrir jovens estudantes de viva inteligência, corações generosos, vontade decidida, movidos por um ideal...  

Com grande tato e segurança, a conversação de Inácio vai dispondo e preparando cada pessoa para que pudesse chegar, com toda a liberdade espiritual, a uma decisão ou mudança de vida.

De onde brota esse dom da “conversação espiritual?”

Certamente dos Exercícios Espirituais, onde o colóquio ocupa o centro de tudo na experiência. Os colóquios com as Pessoas Divinas, com a Virgem Maria e com os santos se prolongam em colóquios com as pessoas.  Para S. Inácio, encontrar Deus em todas as coisas é, primeiramente, descobrí-Lo através das conversações. O apóstolo é aquele que ao ir ao encontro dos outros, descobre a presença e a atuação do Espírito neles. Deus nos fala ao coração e vem a nós através dos outros.

A conversação é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura... um encontro entre caminhantes que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de construir e sonhar...

Na conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas que apresenta... ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do Outro (Deus).  A conversação nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência.  A conversação reforça os laços, criando a comunidade dos “amigos no Senhor”.

 Textos bíblicos:   Lc. 24,13-35    Jo. 3,1-21      2Tim. 1,6-14   Jo. 4,1-12

 “Os discípulos conversavam e discutiam...”:  conversa de desânimo, de tristeza, que não constrói...

Pela conversa a pessoa manifesta quem ela é. “Onde está sua conversa, aí está seu coração”.

- Quais são suas conversas? Elas animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?... 

     

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experiencia

 

A EXPERIÊNCIA É A SABEDORIA DA VIDA

 

“Sabendo nós por experiência...” (S. Inácio)

  

S. Inácio não é um teórico. Ele vive, observa, descreve, relata, avalia, sintetiza, devolve à ação e compromete. Os Exercícios Espirituais são destilação de experiências para provocar outras experiências.

“A espiritualidade inaciana não é, em primeiro lugar, uma teoria ou um sistema, mas uma vida vivida.  Daí o caráter central, transformador e gratuito da experiência de Deus tal e como Inácio a observou e acolheu em si mesmo e como quer ajudar a que seja compreendida e recebida por outros” (I. Iglesias).

De fato, todo o processo de elaboração dos Exercícios foi produto de experimentação e não de estudo e elaboração teórica. O método dos Exercícios brota de uma observação, constatação, anotação, comparação e avaliação de sensações, desejos, idéias, moções...                                   Impressiona como S. Inácio acumula estratégias, caminhos, método, para levar o exercitante a  viver expericialmente a realidade, a própria realidade interna e a realidade exterior que o envolve e o transcende.   O nome mesmo de “Exercícios” está nos remetendo à experiência. Eles são uma experiência integral  pois está essencialmente unida à sensação, às emoções, aos sentimentos, à imaginação, à memória, à vontade...  

A experiência foi a estratégia fundamental de S. Inácio para encontrar o sentido da vida, conhecer-se a si mesmo, conhecer profundamente a Cristo, conhecer a Deus, descobrir sua Vontade e viver o serviço aos outros. S. Inácio tinha consciência de que a experiência humana é o caminho que Deus escolheu para se comunicar e chegar às pessoas. Não há Revelação à margem da experiência humana; Ela vem re-vestida de história humana. Efetivamente, “no princípio foi a experiência”. A ela S. Inácio remete-se continua-mente. Ele fez a “experiência” do Deus agindo na sua história; aí O encontra e nela caminha com Ele.   Na história ele O conhece, O contempla e se une a Ele. E a história de sua vida começa a ter sentido.

Experienciar, conhecer pela experiência, fazer a experiência..mergulhar no mistério da fé, nadar no oceano de Deus: eis a questão.   A própria vida é uma grande experiência. E cada experiência pode ser uma experiência de Deus:

A vivência do amor, da comunhão, da festa, do humor, da gratuidade, da beleza, da bondade, do silêncio, da música, da arte, da poesia, da amizade, do entusiasmo, da ternura, da partilha, da admiração diante de uma paisagem, do amanhecer, de um rosto... tudo pode ser uma experiência do  Mistério, à medida que abrimos o coração e contemplamos o sentido íntimo das coisas, da vida e dos encontros.

“... mas pode exercitar-se em buscar a presença de Nosso Senhor em todas as ações, como é conversar com alguém, ir e vir, divertir-se, escutar, entender, enfim, tudo o que fizermos; pois verdadeiramente sua Divina Majestade está em toda parte por presença, poder e essência”. (S. Inácio).  

Essa é a experiência mística da vida: “sentir Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.        O místico faz a experiência da intimidade, da presença, da proximidade, da comunhão, da aliança, da glória de Deus, em sua própria vida. Ele vive embriagado de vida, de Deus, vive como um peixe no oceano de Deus, dizendo um profundo “sim” às ondas, ao vento, ao sol, à existência...

Os místicos sentem e sabem: se Deus não pode ser encontrado no próprio coração e no coração da  vida, não será encontrado em lugar nenhum.   O místico sente-se cativado, envolvido, amado, entusiasmado, sintonizado, habitado por Deus de tal maneira que seus olhos, gestos, suas atitudes, palavras, seu coração, sua existência transbordam  Deus.

Nossa história pessoal é feita, muitas vezes, de fatos e acontecimentos ocos, superficiais, rotineiros, sem sentido, carregados de desencanto, pesados... tornando-se uma “história insensata”.   Vivemos uma quantidade de experiências rápidas, amontoadas, sem possibilidade de avaliação... e vamos perdendo, pouco a pouco, o sentido da história pessoal e comunitária. No entanto, essa história se faz “sensata”, se se faz a experiência do encontro com Deus nela.   Num mundo em que nem todos são capazes de grandes façanhas ou de alcançar sucessos, Deus nos deu a aptidão de encontrar a grandeza no dia-a-dia.       Temos apenas de ser  sábios o bastante para que possamos reconhecer o   milagre no ritmo da vida.

 

Textos bíblicos:   1Jo. 1,1-7    2Cor 3    Sl. 138    Sl. 103

 

Na oração:  Todo cristão é testemunha de uma presença contemplada no silêncio da oração. A experiência do encontro  com Deus desvela nosso rosto e transforma nossa vida.  

 

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apaixao

 

A PAIXÃO PELA MISSÃO

 

“Que devo fazer, Senhor?” (At. 22,10)

 

Jesus Cristo nos salva, nos dá a sua Vida, e, sempre respeitando nossa condição de homens e mulheres livres, nos convida a participar de sua obra: a realização do Reino de Deus neste mundo marcado pela dor, pobreza...  Ele nos convida a trabalhar com Ele e como Ele, a viver como Ele, a ter os critérios e os valores d’Ele.   Jesus convoca pessoas que tem espírito de audácia, de energia, de criatividade, de luta, de participação, porque Deus não nos deu espírito de timidez, de covardia, de fuga...

Segundo S. Inácio, o critério do “bem quanto mais universal é mais divino” (Const. 622) se torna critério de eleição das tarefas apostólicas.  Mas isto já está inscrito no convite do Reino: ”minha vontade é conquistar toda a terra de infiéis” (EE. 93);  minha vontade é conquistar o mundo todo e todos os inimigos”(95).   Cada um de nós experimenta como os fatos, acontecimentos, pessoas, vivências... nos estimulam, nos provocam, nos incitam; numa palavra, nos “chamam”, pedem de nós uma decisão, uma opção.

          “Ver Cristo Nosso Senhor, Rei eterno, com o mundo inteiro diante d’Ele, que chama todos e cada um em particular” (EE.95).  

Neste empreendimento, cada um deve descobrir a sua maneira de melhor corresponder; neste chamamento feito a todos, cada um deve escutar a parte que lhe cabe.   Diante deste convite há várias respostas possíveis. O inaciano, a inaciana estará entre aqueles “que quiserem mostrar maior afeição e assinalar-se em todo serviço”, ou entre aqueles “que farão oblação de maior estima e maior valor” (EE. 97), ou seja, de maior entrega e de maior transcendência.  Conhecer este chamado a uma missão especial que Deus dirige a cada um, deve ser a grande preocupação de toda a vida do(a) inaciano(a), sobretudo naqueles momentos mais decisivos.

Trata-se de um chamado que “afeta” todo o seu ser, com toda sua bagagem de inteligência, afetividade, qualidades e defeitos, influências e inclinações;  com todas as possibilidades que a vida lhe oferece neste momento em que vive, diante das necessidades do mundo, da Igreja, da sua comunidade...  O leigo(a) inaciano(a) se deixou forjar no convite do Reino. Ali, as grandes façanhas propostas pelo Companheiro que é Jesus, seduzem por si mesmas.

A meditação do Reino prepara um dos traços mais distintivos da pessoa inaciana: “encarregar-se dos outros”, encarregar-se das obras que solucionem os problemas das “maiorias excluídas”. Isso é o que significa paixão pelo Reino. Quem vive a inacianidade, capta o bem das “maiorias” como preocupação entranhável, apesar de ter outras inquietações e trabalhos.  Mas tudo nasce da paixão por levar adiante a missão, em ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras e maior proveito e fruto.  A pessoa inaciana se apaixona por levar adiante o Reino, e por isso se dedica a realizar obras, não só porque sejam boas, senão porque tocam o coração da história, realizando ali atividades que a reestruturem e se institucionalizam porque tem força em si mesmas. Obras, portanto, que modifiquem o modo como está constituído o mundo, para que aconteça o Reino. 

A paixão pela missão é também um traço marcado de maneira especial pela experiência de ser pecador(a) perdoado(a). O perdão faz com que se experimente que estava sem vida e que agora, se tem vida.  Isto desperta a paixão pela missão, pois se constata que a grande tarefa que se tem lá fora, no mundo, no Reino, não é impossível porque já se está vivendo por dentro, na própria vida, na realidade pessoal.

A nível pessoal, o leigo inaciano, a leiga inaciana – a exemplo de Inácio leigo – procura conduzir, de uma maneira delicada, as pessoas que se apresentam em sua vida, até à experiência dos Exercícios e a uma profunda conversão. É o que Inácio chamou “a conversação espiritual”, e é o que hoje denominamos “acompanhamento espiritual”.

 

Textos bíblicos:  2Tim. 1,6-14      Mt. 10,1-16       Mt. 10,37-42       Lc. 4,16-30    

                           Lc. 5,1-11          Ef. 3,1-13          Mt. 5,13-16

 

Na oração: diante de Deus responda: como você vive  hoje sua missão na família, no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças, capacidades? 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


caminho

CAMINHO: uma chave de compreensão da espiritualidade inaciana

 

“Conhece-se a Deus pelos pés” (Carlos Mesters)

 

 

Os Exercícios Espirituais são o fruto de um caminho de fé vivido por S. Inácio. Para ele, o caminho não é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus em sua aproximação à pessoa. A realidade está dominada por um Deus que também empreendeu um caminho para o ser humano.  O ser peregrino por parte da pessoa corresponde ao ser peregrino por parte de Deus.  O caminho se converte, então, em caminho para um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos.

Tanto nos Exercícios como nas outras fontes inacianas, descobre-se que S. Inácio recorre com frequência à linguagem metafórica do caminho para descrever a mobilidade, o dinamismo do encontro pessoa-Graça. De fato, a Graça, longe de ser vista como algo estático, é apresentada como “um poder vivo, que desperta no homem um movimento. Não é um dom puramente ocasional, mas um acontecimento contínuo” (Kraus).

“Deus é o que move” (carta de S. Inácio a Alexio Fontana, 8-101555).  Tal afirmação é a síntese não tanto do que é a Graça para S. Inácio, quanto de sua manifestação mais patente no acontecimento de seu encontro com o ser humano.  A aceitação da Graça, equivale, então, à incorporação a uma caminhada.        À ação da Graça associa-se o desejo da pessoa. Na união de ambos está a condição de possibilidade por meio da qual a pessoa acaba constituindo-se em caminhante.   Para o povo que caminha no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça.

Esta é a grandeza do ser humano: ser um caminhante que, de acampamento em acampamento, não cessa de passar da servidão à terra da liberdade.  O encontro pessoa-Graça, em Inácio, é “ex-cêntrico”. Os Exercícios conduzem efetivamente a um descentramento,  deslocando a pessoa e colocando-a num movimento para fora.

Não podemos esquecer aqui o princípio inaciano de que “cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto  mais sair do seu próprio amor, querer e interesse”(EE. 189). Em cada exercitante brilha uma luz que aponta para a fonte e conduz para a meta que o faz peregrinar. Os Exercícios não ensinam chegadas, só partidas. Esse é o desafio: “entrar” no caminho de Deus é viver em terra de andanças. E a pessoa, impelida e atraída pela mão divina, há de evoluir numa peregrinação sem fim.  Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada. “Temos fome e sede de estrada, e ela está ardendo por dentro”.

Guimarães Rosa dizia que a coisa não estava nem na partida e nem na chegada, mas na travessia. A vida é uma travessia. Os convites de Deus são absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece.

        “Não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar” (Thiago de Mello).

S. Inácio vê o exercitante em direção, em tensão para, diante da inevitável pergunta: “que mais nos conduz para o fim que somos criados?”  A resposta a esta pergunta não se limita a um instante, senão que se prolonga sem fim num “somente desejando e elegendo”, num confronto contínuo com “moções” e com “espíritos”. O desafio de resituar-se continuamente diante de seu fim transcendente representa para a pessoa um “pôr-se em marcha”.    Ela tem de aventurar-se, abrir-se “à Vontade divina na disposição de sua vida para a sua salvação” (EE. 1).  Se há algum significado na vida, ele se encontra no caminho, entre o aqui e algum outro lugar. Pioneiras são as pessoas que vão a lugares em que ninguém esteve antes: “gente de fronteira”.

“Peregrino, peregrino, que não sabes o caminho: aonde vais? Sou peregrino de hoje, não me importa onde vou; amanhã? Nunca talvez. Admirável peregrino, todos seguem teu caminho” (Manuel Machado).

Jesus Cristo é o modelo de toda peregrinação; com sua peregrinação Ele abre possibilidades de outros caminhos. O Rei Eterno convoca a um seguimento que não está desligado de seu próprio caminho.  Jesus, o homem dos Caminhos, chama na vida e para a vida e põe as pessoas em movimento.  Faz-se do chamado um caminho, quando se partilha a vida com quem chamou. Responder ao chamado feito por Jesus significa tornar esse chamado um caminho de entrega e de serviço.

 Textos bíblicos:  2Sam. 7,1-17     Ex. 33,7-23    Heb. 11,8-16     Mc. 10,46-52     Gen. 12,1-12

 Na oração:  Rezar a bagagem de sua vida; contemple as experiências positivas e enriquecedoras em sua bagagem. Faça memória das maravilhas que o Senhor realizou em você, na estrada da vida.

 

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comunidade

COMUNIDADE INACIANA: “Amigos no Senhor”

 

“No encontro com minha comunidade descubro o meu rosto”

 

 

Apaixonado por Deus e pela atuação d’Ele no coração das pessoas, S. Inácio sonha em fazer os outros participarem plenamente deste amor, pelo qual se deixou invadir por inteiro, aceitando caminhar longamente com cada um, para que, ao final, abrisse o coração à ação de Deus.  A exemplo de Jesus que forma seus doze apóstolos e os envia a evangelizar, S. Inácio emprega todos os esforços para constituir uma comunidade de ideal e de missão.  O fundamento é que Deus Criador é Amor Trinitário, é comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espírito Santo). Como criaturas, fomos atingidos pela marca trinitária de Deus.  Como homem e como mulher, trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós mesmos”  e criar laços, fortalecer a comunhão...

O ser humano não é feito para viver só; ele necessita con-viver, viver-com-os-outros.  A fraternidade, a vida em comum se mede pelo amor, por atos e gestos de doação, por vivências de comunhão, por experiências reais de partilha...

O ser humano é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência a outras pessoas: estabelece com os outros uma interação, entrelaça-se com eles, e forma um nós: a comunidade.  As duas realidades – pessoa e comunidade – não se opõem, mas se condicionam e se complementam.

           “A pessoa faz a comunidade e a comunidade faz a pessoa”

O sentido da vida em comum é um dom de Deus, que nos foi dado a todos.  O sentido do termo comunidade nasce da experiência profunda e radical da vocação cristã, à qual foram chamados os seus membros pelo batismo. A comunidade é uma experiência concreta de unidade no amor e na ação; ela será o sacramento do amor de Cristo a todos os seus membros.

A comunidade inaciana é uma comunidade que vive o espírito dos Exercícios, para encontrar e aceitar a Vontade de Deus na missão (serviço); ela é o âmbito adequado para chegar a personalizar a fé e a vivê-la em convocação e  co-responsabilidade com os outros; ela é o lugar extrema-mente válido para a formação, na espiritualidade inaciana, de cristãos comprometidos com sua fé e com a evangelização de seu meio. A personalidade inaciana tem que ser também promovedora de “corpo” –  que para S. Inácio é a experiência da comunidade.

Uma pessoa inaciana não é uma “personalidade isolada”  mas aberta à comunhão e partilha com outros.  Uma comunidade inaciana não é um fim em si mesma. Ela deve ser comunidade aberta, apostólica, reunir para o serviço todos os que, nas pegadas de Inácio, querem  unir-se para trabalhar com Jesus, seguindo-o de perto, na condição laical.  Uma comunidade inaciana é uma comunidade “conspiratória”.

Conspiração,  palavra bonita de origens esquecidas. Conspirar, com-inspirar, respirar com alguém, juntos.  Conspiradores: respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino.

É esta a origem e a finalidade de cada comunidade inaciana: ser companheiros de Jesus na sua missão,  associar-se para responder melhor ao chamado do Rei Eterno, viver como comunidade de apóstolos no mundo.  O caráter apostólico, o senso de universalidade e o enfoque eclesial, tão característicos da tradição inaciana, pedem uma expressão comunitária que, mesmo respeitando o princípio da encarnação em realidades concretas e diversas, abre a pessoa para a complexidade dos problemas do mundo e da Igreja, impulsionando-a a ultrapassar os limites geográficos, afetivos, sociais, de idade e de liderança.

 

Textos bíblicos:  Col. 3,12-17       Rom.15,1-9      1Jo. 4,7-16     1Cor. 12,12-30     Gal. 5,13-26

 Na oração:  Olhar cada um das pessoas da sua comunidade; dá-se conta daquilo que sente para com cada uma delas, como as trata, como reage diante delas... Vê-las com os olhos do coração.  Contemplar o rosto de cada um da sua comunidade, sem exigir-lhe nada em seu modo original de ser, de atuar, de pensar, de falar...

Observar e descobrir, em cada membro da sua comunidade, seus valores, suas riquezas, sua profundidade. Lentamente, mas com um olhar sereno e profundo... tentar descobrir “algo mais” presente em cada pessoa..    

 

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contemplativo

CONTEMPLATIVO NA AÇÃO

 

“É por uma graça privilegiada que o P. Inácio concebeu esse estilo de oração. De outra parte, ele sentia e  contemplava a presença de Deus em todas as coisas.

Contemplativo na ação, ele compreendia a dimensão espiritual de todas as suas ações e de todos os seus encontros. O que lhe fazia dizer: “é necessário encontrar Deus em todas as coisas” (P. Nadal).

 

A partir da experiência do Cardoner, quando contemplou que tudo vem de Deus e tudo retorna a Ele, S. Inácio descobre outro tipo de oração que vem responder às exigências e às dificuldades das pessoas mergulhadas na ação apostólica.  A originalidade de sua experiência está em contemplar Deus na ação, a viver a união com Deus na ação, a união com Deus em todas as coisas. Contemplar a ação de Deus é cooperar com Ele.

S. Inácio sente-se chamado ao encontro com Deus na obra de Deus.  O importante para ele é a união com Deus; não se trata de uma simples possibilidade, mas de uma exigência fundamental, ou seja, ser “ser instrumento único com Deus”, “familiaridade com Deus” (Const. 671;813)

Tudo deve estar em função desta união com Deus; tanto a oração como a ação devem conduzir a uma interioridade com Deus cada vez mais profunda e intensa.  Por isso, S. Inácio propõe uma modalidade de oração acomodada ao ritmo de uma pessoa de ação, que responda às exigências da ação e à mobilidade apostólica.

Trata-se de uma oração contínua que vai ao ritmo do dia e da ação; o que importa aqui não é o “orar” a todo momento, mas de fazer em todas as coisas a Vontade de Deus, seja na oração ou na ação.  A oração contínua é a que se faz “tendo sempre Deus diante dos olhos”.   Esta expressão, continuamente repetida nas Constituições (547; 466; 622; 650), não significa uma contemplação imaginativa ou uma visão extraordinária, mas  uma atitude interior, isto é, desejo de servir a Deus, de procurar sua maior  glória e o bem mais universal; é a atitude permanente daquele(a) que tende a  fazer sempre a Vontade de Deus em todas as coisas.   Com isso, a ação torna-se uma verdadeira oração, que une a vontade da pessoa à Vontade de Deus e a faz saborear os frutos desta união. Quando a pessoa se doa inteiramente a Deus e  ordena toda a sua vida a seu serviço, em tudo pode encontrar a Deus. 

Contemplação na ação: não são dois momentos distintos – o contemplar  e o atuar – mas um único: contemplar atuando; pois é a mesma graça divina que alimenta nossa oração e comanda nossa ação.  “Longe de arruinar a oração, a ação deve suscitar uma oração nova, própria às condições  mesmas nas quais ela se desenvolve, que faz ‘encontrar Deus em todas as coisas” (M. Giuliani).

A ação passa a ser um meio privilegiado de união com Deus, porque é o meio pelo qual se dá a resposta do homem ao apelo de Deus. A oração, por sua vez, deve guiar e inspirar a ação; ao mesmo tempo, a oração encontra seu sentido e sua realização na ação, porque é ação de Deus.  O(a) inaciano(a) é um “contemplativo na ação”  porque é uma pessoa que encontra Deus através e na ação. Por isso sua espiritualidade é uma espiritualidade de ação nesse duplo sentido:

                     - que toda oração deve traduzir-se em serviço apostólico;

                     - que a ação e o serviço apostólico são oração em si mesmos.

       “Se dirigimos todas as coisas a Deus, tudo será oração” (Carta de S. Inácio a S. Francisco de Borja).

Esta convicção de S. Inácio enraíza-se certamente em sua teologia da Criação, cujo Princípio e Fundamento e a Contemplação para alcançar amor nos revelam os traços essenciais: as criaturas como lugar da “presença ativa” de Deus e mesmo como “sinal” de seu rosto.

 

Textos bíblicos:  Jo. 4,31-38      Jo. 6,34-40     Jo. 9,1-6

Na oração:  A contemplação inaciana termina na “união com Deus na ação”.

A contemplação inaciana desemboca na prática; ela não é neutra, mas comprometodora.  Quem faz a experiência da contemplação na oração deverá ser um “contemplativo na ação”:  

- olhar as pessoas... e nelas descobrir a Pessoa do Senhor;

 - escutar o que elas dizem... perceber e discernir qual é a Voz do Senhor e o que Ele tem a me dizer;

 - observar o que fazem... participar, fazer-me presente, colaborando e construindo a história dos homens  com os valores do Evangelho.  

 

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criterios

Critérios Inacianos para Discernir a Missão

  

            O leigo adulto não tem a mesma, mobilidade que o religioso. Os critérios Inacianos estão pensados para religiosos, porém, adaptados com criatividade, continuam sendo inspiradores também para os leigos comprometidos. 

            Nas Constituições [622 - 623], lemos: 

²        Tendo ante os olhos como regra orientadora o maior serviço divino e bem universal, parece que se deve escolher na imensa vinha de Cristo nosso Senhor, a região que mais necessitada estiver, quer pela falta de operários, quer pela miséria e fraqueza em que se encontra o próximo, quer pelo perigo que ele corre de sua condenação eterna. 

²    É preciso também considerar onde é que se poderá, com mais probabilidade, esperar maior fruto dos meios de que dispomos, por exemplo, onde se visse a porta mais aberta e a gente parece mais bem disposta e mais capaz de aproveitar. 

²        Onde há maior dívida e compromisso com pessoas ou instituições. 

²        E porque o bem quanto mais universal é mais divino, devem se preferir as pessoas e os lugares cujo aproveitamento possa ser causa de que o bem se estenda a muitos outros sob a sua influência ou autoridade... onde afluem muitos que poderão ser operários a ajudar os outros se nós mesmos os ajudarmos a eles. 

²       Onde se entendesse que o inimigo de Cristo nosso Senhor semeou cizânia, para impedir o fruto que se poderia colher. 

²       As obras mais duráveis e perpetuamente úteis. 

 

            Na carta de Santo Inácio “Aos Padres e Irmãos de Pádua”(Agosto 1547), lemos: 

            . . . São tão grandes os pobres na presença divina, que principalmente para eles foi enviado Cristo à Terra: “Pela opressão do mísero e do pobre agora - diz o Senhor - hei de levantar-me”(Sl. 11, 6); e em outro lugar: “para evangelizar os pobres me enviou”(Lc 4, 18), que recorda Jesus Cristo, fazendo responder a São João: “os pobres são evangelizados”(Mt 11, 5),  e tanto os preferiu aos ricos, que Jesus Cristo quis escolher todo o santíssimo colégio dentre os pobres, e viver e conversar com eles, deixá-los por príncipes de sua Igreja, constituí-los por juízes sobre as doze tribos de Israel, isto  é, sobre todos os fiéis. Os pobres serão seus assessores. Tão excelso é seu estado. 

            A amizade com os pobres nos faz amigos do Rei eterno. O amor dessa pobreza nos faz reis ainda na terra, e reis não já da terra, mas do céu. O qual se vê, porque o reino dos céus está prometido para depois aos pobres, aos que padecem tribulações, e está prometido já agora pela Verdade imutável, que diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus”(Mt 5, 3), porque já agora têm direito ao reino. . .

 

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eleicao

ELEIÇÃO EM PROCESSO

 

“O homem é conduzido pelo caminho que ele elege” (paradoxo talmúdico)

 

“Nesta sentença se encerra uma tensão: eu sou conduzido – eu elejo. Com isto se quer significar: quando me decidi por algo a partir do profundo, em harmonia com meu ser, então são liberadas em mim, e me vem ao encontro forças semelhantes, que me abrem o caminho e me possibilitam caminhar.   Eu faço brotar, com minha própria decisão, com minha eleição, forças de meu campo vital” (Juan Bours).

Uma tal eleição, “a partir do profundo, em harmonia com meu ser”, encontra exatamente a Vontade de Deus. Onde um ser humano está profundamente em consonância consigo mesmo, está, no  fundo, de acordo com Deus, e vice-versa. Deus mesmo é o mais profundo fundo de nosso ser.  É o Deus “que sai ao nosso encontro de dentro para fora”.  É sempre  o Senhor que toma iniciativa e faz opção por nós – mistério de amor – porque a escolha é sinal de apreço... O Senhor se “afeiçoou”   a nós e quer cumprir conosco uma aliança libertadora.

      Escolhidos por Deus... o Amor não tem explicações.

      Escolhidos por Deus... atitude de docilidade e humildade.

      Um Amor que nos envolve, nos seduz e exige a adesão total.

      Entregamo-nos ao Amor e não sabemos para onde ele nos levará.

O Amor é a única força que dinamiza a missão; exige continuamente uma resposta e faz com que o sim seja sempre novo, corajoso e forte diante dos imprevistos da vida.  Cada um de nós experimenta como os fatos, acontecimentos, pessoas, vivências... nos estimulam, nos provocam, nos incitam; numa palavra, nos “chamam”; pedem de nós uma decisão, uma opção.

Ver a Cristo nosso Senhor, Rei Eterno, com o universo inteiro diante d’Ele,  que chama todos e cada um em  particular...” (EE. 95)

A eleição é um ato extremo de morte a si mesmo e de abertura total, radical a Deus. É o ato de fé despojada pelo qual o ser humano se entrega totalmente a seu Deus. Se se fazem verdadeiramente os Exercícios, há no texto algo que queima, que ativa o ser em tudo o que lhe é fundamental.  S. Inácio intuiu que a vida é luta e eleição e que o ser humano joga seu destino nas eleições que faz. E a vida está cheia delas. Por isso é importante eleger bem, “desejando e elegendo somente aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados” (EE. 23).

O ser humano não nasce definido, define-se elegendo. E a eleição acontece no ritmo da vida; ali ele faz, porque elegeu; e porque elegeu, vai definindo sua vida, vai fazendo-se a si mesmo.  A eleição implica uma re-organização vital que orienta toda a atividade e evolução posterior da pessoa;  trata-se da própria vocação, do orientamento pessoal, irrepetível, único, original... Significa uma qualidade de vida, ou seja, uma maneira pessoal e original de viver o seguimento de Jesus.

Na eleição há algo de definitivo, que fundamenta uma paz profunda, da qual não se deixa desalojar da mesma maneira que antes. Certamente a pessoa continuará experimentando alternâncias de “estados interiores”, mas não sacodem os fundamentos.  O temperamento, os determinismos pelos quais cada um é marcado em seu ser, seu modo de pensar, de reagir, permanecem, mas a paz profunda é a que dá consistência e unidade interior. 

Na vivência dos Exercícios, a eleição alcança esta experiência de uma unidade interior nova e definitiva. Entra em ação um “processo” de unificação, a nível de si mesmo e a nível do encontro do Outro, que é Deus. Não terminou tudo pelo fato de ter feito eleição, ao contrário, abriu-se um futuro.  Toda a vida espiritual vai consistir em viver o cotidiano a nível desta adesão a Deus, resultando cada momento ocasião de um ato lúcido de abandono radical nas mãos do Criador. O “sim” de Maria é pronunciado simples e radicalmente na Anunciação. É o mesmo “sim”  que disse junto à Cruz. Sua fidelidade é a mesma em todos os momentos, e no entanto, há um mundo de evolução e de progresso entre estes dois “sins”.  O sim da Eleição à vida de Deus se desenvolve em cada momento, em cada ocasião.

 

Textos bíblicos:  Lc. 1,26-38     2Cor. 1,12-24     Mt. 21,28-32    Ef. 1,3-14    Jo. 19,25-27

Na oração: Ao tomar decisões, a iniciativa é sua ou depende de outras pessoas?

                    Você é uma pessoa indecisa? Em que situações a indecisão se fez mais forte?

                    Faça memória das decisões tomadas e que lhe trouxeram alegria, confiança...  

 

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escola

ESCOLA INACIANA: um jeito próprio de rezar

 

“O verdadeiro amante ama em toda parte e sempre se recorda da amada;
seria coisa difícil se só nos lugares tranquilos se pudesse fazer oração”
(S. Teresa)

 

 

De sua experiência, S. Inácio retirou uma lição: não é o tempo consagrado à oração que é decisivo, mas a “atitude de coração”  daquele(a) que pretende rezar. Ele relativiza o aspecto do “tempo” gasto na oração, para colocar o acento sobre a disponibilidade do coração (atitude interior). Antes de tudo, S. Inácio coloca a liberdade ou o grau de desapego que lhe permitirá “encontrar Deus a todo momento” para cumprir a Sua Vontade. Em resposta ao estudante jesuíta Antonio Brandão, S. Inácio escreve:

... mas pode exercitar-se em buscar a presença de Nosso Senhor em todas as ações, como é conversar com alguém, ir e vir, divertir-se, escutar, entender, enfim, tudo o que fizermos; pois verdadeiramente sua Divina Majestade está em toda parte por presença, poder e essência. Esta maneira de meditar, achando Deus em todas as coisas, é mais fácil do que levantar-nos às realidades divinas mais abstratas, pois nossa presença diante delas exige esforço. Este excelente exercício nos dispõe para grandes visitas do Senhor, mesmo no decurso de curta oração”.  

A originalidade de S. Inácio permite superar de uma vez a dicotomia entre ação e oração. Para ele, a própria ação é oração na medida em que ela é o “lugar” do encontro com Deus.   “Convém, portanto, no próprio coração da atividade, voltar frequentemente à oração e realizar um movimento circular que vai da oração à ação, e desta à oração” (P. Nadal).

Mais que um exercício, a “oração na vida” ou oração apostólica é, para S. Inácio, uma maneira de viver.  Tal maneira de rezar – “encontrar Deus em todas as coisas” – é um dom de Deus. Cada um recebe esse dom na medida que Deus lhe concede, e que ele coopera com toda humildade, simplicidade, pureza de coração... Logo, tal oração não se improvisa. Ela é resultado de um longo aprendizado, que se inscreve no interior de uma vida espiritual bem conduzida.  

A pessoa inaciana reza, às vezes utilizando a meditação, que é o exercício da racionalidade, da vontade, da memória (a parte mais masculina), outras vezes reza utilizando a contemplação que é o exercício da sensibilidade, do intuitivo, do sensível (a parte mais feminina). A contemplação chega ao seu cume na aplicação de sentidos, onde se exercita toda a sensibilidade. É aqui que S. Inácio dá à sensibilidade um papel que nunca tinha sido dado até então. A oração do(a) inaciano(a) envolve a totalidade das dimensões humanas: corpo, mente, afetividade, coração... num processo de integração e harmonização. Tudo é mobilizado para a experiência do encontro  com o Senhor.   A pessoa inaciana está habituada a uma oração contextualizada. O esquema dos Exercícios serve como o trilho por onde se desliza sua experiência. A rota dos Exercícios é a combinação da História da Salvação, apresentada à maneira de Inácio, em articulação com a história da própria vida: a “biografia espiritual”. Isto se converte no caminho básico da condução da oração.

Tudo isto nos indica o talante da oração inaciana: é uma oração que torna a pessoa “contemplativa na ação”, e numa ação que terá repercussão política, porque quer mudar o rosto do mundo.   Conclui-se que, para o(a) inaciano(a), os Exercícios, além de ser uma escola de oração, são sobretudo, escola de vida. Escola que pode ajudar a inverter este fato: “assim como nos comportamos na vida, nos comportamos também na oração”, para passar, depois de seu aprendizado, para esta realidade: “assim como nos comportamos na oração, podemos também nos comportar na vida”.   Ou seja, se na oração durante os Exercícios se aprende a ter um novo padrão de conduta, é possível – com a força da graça – começar a ser uma pessoa nova na vida. Se levarmos em conta que a experiência profunda de encontro com Deus vivida nos Exercícios, modifica também o inconsciente, o exercitante  se torna realmente uma pessoa nova.

 

Textos bíblicos:  Mt. 6,5-15    Mt. 7,1-1    Lc. 18,9-14  Lc.   1,46-56

 Na oração:  S. Inácio não propõe exercícios lógicos para que nos animemos a fazer o que é correto; ele propõe “exercícios” para ajudar-nos a abrir nosso espírito à ação do Espírito de Deus: é este o enorme poder que nos transformará. A oração  inaciana não é para “re-fazer” a pessoa, mas para potencializá-la, para liberar energias e riquezas, torná-la criativa, colocá-la em movimento, tirando-a da acomodação, dinamizando sua capacidade para o bem, para o “mais”.   

 

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cotidiano

ESPIRITUALIDADE DO COTIDIANO CRIATIVO

 “Minha vida cotidiana é meu guru” (monge anônimo)

 

Vivemos mergulhados na cultura de resultados; o ativismo  é o nosso estilo de vida; a existência inteira faz-se maquinal e rotineira; a vida perde seu sentido;  já não encontramos tempo para desfrutar das atividades mais simples e humanas; nosso cotidiano torna-se pesado, cansativo... passa a ser rotineiro, convencional e, não raro, carregado de desencanto. A maioria das pessoas vive restrita ao cotidiano com o anonimato que ele envolve. Tal situação acaba gerando pessoas ansiosas, irritáveis, frustradas ... 

Que fazer então?
Quando a vida cotidiana se torna monótona e se faz “normal”, é necessário sacudí-la com algum “detalhe anormal”, que ajuda a revigorá-la e dar-lhe fecundidade. “Se, às vezes, há um fastio na rotina, não raro ela revela um  mistério insondável” (F. Cláudio).
A mística inaciana desperta nossa  atenção para o mistério das  pessoas, das coisas, da normalidade da vida... S. Inácio, quando nos convida a contemplar a “vida oculta” de Jesus, no fundo ele quer que coloquemos em evidência nossas motivações, nossos valores, nossos critérios...

Jesus nos ensina, em Nazaré, a descobrir o valor eterno do doméstico, do cotidiano; Ele nos ensina a saborear o eterno e o Absoluto nas pausas e nos silêncios da vida cotidiana.  Ele gasta praticamente toda sua vida nesta humilde condição; passou desapercebido como Messias.   Identificando-se com a vida de todo mundo Jesus mostrava que a salvação não consistia em coisas extraordinárias ou em gestos fantásticos, mas na “adoração do Pai em espírito e verdade”.

Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai.  Para Ele o Reino  se revela no pequeno, no anônimo, no cotidiano e não no espetacular, no grandioso.  Para Ele, não são as coisas que nos fazem importantes,  mas somos nós que fazemos qualquer coisa ser importante. É o sentido que damos à nossa vida e à nossa ação que fazem com que estas sejam significativas ou não. É a “importância do não importante”.  

“Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia a própria dificuldade” (Mt. 6,34).  Com estas palavras, Jesus estabelece a diferença entre o modo pagão e o modo cristão de viver o cotidiano. A “cotidianidade” de nossa vida está tecida de coisas “ordinárias”  e não de coisas “extra-ordinárias”.  Falamos de uma cotidianidade humana, isto é, daquelas atividades de nossa vida diária, que embora irrelevantes em sua aparência, tem uma razão de ser, uma motivação e um modo de fazer-se que não se deve à mera casualidade ou a um impulso instintivo de repetição e automatismo.

O cotidiano é o que vivemos e/ou fazemos cada dia: o conjunto de circunstâncias, atividades e relações que formam a trama da vida de uma pessoa por meio das quais Deus atua  nela e a pessoa se relaciona com Deus.
As “ações cotidianas insensatas” podem ser “sensatas” se percebermos Deus presente nelas. Descobrir a presença divina escondida no cotidiano é encontrar-se acolhido pelo abraço do Criador que nos envolve. Quando a pessoa assume seu cotidiano e o vivifica com injeções de novidade, de idealismo, de criatividade... então começa a irradiar uma rara energia interior.  A essa força denominamos de carisma, que significa a energia que tudo vitaliza, que tudo penetra e rejuvenesce. O carisma inaciano nos desperta da letargia do cotidiano. E despertos, descobriremos que o cotidiano guarda segredos, novidades, mensagens ocultas... que podem acordar e conferir sentido  e brilho à vida. O cotidiano passa a ter sabor de eternidade.

O cotidiano é o “meio” pelo qual o amor toma densidade e se expressa preferentemente. Tem-se dito que “a humildade do amor é o dom da vida cotidiana”, ou seja, a humildade do amor sem “brilho”,  no escondimento. O amor é, precisamente, o lubrificante que dá sentido à vida cotidiana e lhe faz superar as dificuldades inerentes à mesma: o desprendimento de si mesmo, a busca da verdade e do bem comum, a atenção ao que facilita a vida dos outros... se tornam “normais” quando se cultiva o amor. “O amor deve consistir mais em obras do que em palavras” (EE. 230).
E é esta fidelidade no cotidiano que possibilita a transformação da realidade.

 Textos bíblicos:   Mt. 6,25-34    Lc. 2,39-52     Lc. 10,38-42

Na oração:  O Espírito nos faz abrir os olhos às realidades novas em nossa vida cotidiana.
Descubra, diante de Deus, o significado da vida cotidiana mais simples (trabalho, família, relações...)
Você “apalpa” a presença de Deus nas rotinas diárias?     

 

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