encantamento

ESPIRITUALIDADE DO ENCANTAMENTO

 

“Ao ver uma planta, uma pequena erva, uma flor, uma fruta, um pequeno verme ou qualquer outro animal, S. Inácio contemplava e levantava os olhos aos céus, penetrando no mais interior e no mais remoto dos sentidos” (P. Ribadeneira)

 

Para a pessoa que passou pela experiência dos Exercícios, cada criatura torna-se uma irradiação de Deus, um lampejo do Absoluto, um recipiente onde se conservam gotas de transcendência.   Cada vida, seja animal ou vegetal, é um cenário de manifestação de Deus.  As criaturas são o “habitat” de Deus. Tudo fala de Deus, tudo manifesta e revela o seu Amor. Tudo pode ser lugar de encontro com Deus; tudo é “sacramento” de Deus (Deus nos fala a linguagem das coisas, dos acontecimentos, das pessoas, das alegrias, da festa...).
Tudo pode causar “admiração e encantamento”.   Como não se extasiar diante da majestade da Criação?
 

Para S. Inácio, tudo está “amorizado”, ou seja, cheio de Amor, tudo está “cristificado” e cheio de sentido. O cosmos abria para ele um espaço de “totalidade”,  onde a graça de Deus, depois de consolá-lo, enchia sua existência de um desejo sempre maior de servir a Deus e ao próximo.

 “A maior consolação que descobrira então era contemplar o céu e as estrelas. Fazia-o muitas vezes e por muito tempo, porque com isto sentia em si um muito grande esforço para servir a Nosso Senhor” (Aut. no. 11).  

S. Inácio vê uma bondade intrínseca em todas as manifestações do mundo visível. Para ele, não existe um dualismo entre homem e natureza, pois tudo é pensado e sentido globalmente a partir de Deus.
A originalidade de S. Inácio está em “olhar” a Criação a partir de Deus, “com os olhos do Amor”.  A partir de Deus, o ser humano encontra seu lugar e sua relação com a natureza. Respeitando a singularidade de ca-da criatura e de seu estado vegetativo, sensitivo e racional, a beleza de Deus se faz presença, se visibiliza...A beleza de Deus se difunde, se manifesta.  E ao contemplar o esplendor da Beleza de Deus revelada na Criação, a pessoa se sente seduzida, fascinada, se faz amorosa... 

A Criação nos fascina como o sol; nos atrai poderosamente e nos enche de entusiasmo. Esta experiência evoca um sentimento profundo de veneração, de encantamento, de reverência e respeito. O olhar contemplativo sobre a realidade, ativa em nós o assombro, a admiração, o espanto. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna. As criaturas existem e são sustentadas pela força onipotente de Deus.

Ele continua “trabalhando”, re-criando, fazendo tudo novo. O mundo inteiro é um enorme sacramento do Amor. O universo se transforma num sacramento, num lugar e num espaço de manifestação da “divina presença”; todas as coisas são por excelência a revelação do sagrado. Ter é encarar de frente o “mistério”,  e se encantar com ele... A fé é um encantamento e um mergulho confiante no infinito Amor de Deus, que aos poucos se manifesta a quem decide acolhê-lo com amor.
E esta manifestação se realiza nas coisas simples da vida. e encantamento andam sempre juntas.

É poeticamente que o ser humano habita a terra” (F. Holderlin)

Sim, habitamos poeticamente a terra em cada momento; sentimos, estremecemos, vibramos, nos enternecemos, ficamos encantados com a Criação e sua insondável vitalidade e beleza.   Aqui o ser humano se descobre reconciliado com o universo que o cerca:   “exclamação de admiração com intenso afeto, discorrendo por todas as criaturas...” (EE. 60).  

A contemplação não pode ser compreendida de maneira passiva ou romântica, mas, ao contrário, ativa e interpelativa.  É uma contemplação em que o belo, o fascinante e o diferente cativam os olhos, enchem a nossa interioridade de louvor e admiração.

Contemplação é descobrir Deus em tudo. É sentir-se sempre em Deus.
Contemplação é amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.
É sentir-se amado por Deus em todas as coisas e amar a Deus em todas elas.  

Textos bíblicos:   Heb. 11,1-40    Lc. 12,22-32     Sab. 7,15-30    Eclo. 18,1-14    Prov. 8,22-36

Na oração: - entoar um hino de louvor e gratidão a Deus pelos benefícios recebidos por meio da Criação; considere que toda a Criação saiu das mãos do Criador como presente especial e gratuito para você;

                    - ter presente na memória que fomos criados para viver em relação de amor com tudo e com     todos.  

 

 

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espiritualidade

ESPIRITUALIDADE DO TRABALHO

 

“Considerar como Deus por mim trabalha e age em todas as coisas criadas...” EE.236

 

Uma pessoa deve identificar-se com aquilo que faz. Não devemos considerar o trabalho que fazemos como se fosse estranho, como algo fora de nós que nos agrada ou desagrada, que nos atrai ou nos causa repulsa. Podemos considerar nosso trabalho como uma extensão de nós mesmos, de nossa mão, de nossa mente, de nosso coração... Não é isso que dizemos do pincel usado pelo pintor e do cinzel  empregado pelo escultor? São instrumentos valiosos que se encaixam nas mãos do artista e obedecem à sua imaginação, quase como se fossem partes de seu próprio corpo. E aí nasce a obra de arte. 

S. Inácio aconselha: “esta é a primeira regra de ação: confia em Deus, como se tudo dependesse exclusivamente d’Ele, e ao mesmo tempo trabalha como se tudo dependesse somente de ti”.  O fundamento do ser humano não é o seu trabalho, sempre limitado e pobre, mas o amor criativo e redentor de Deus que se expressa em seu trabalho. O ser humano “é criado... e é criativo”;  ele se realiza no trabalho e Deus pôs a Criação nas mãos dele para que a aperfeiçoasse e a levasse à plenitude.  É no trabalho que a pessoa encontra o sentido de sua vida e o modo de colaborar com o bem-comum. 

S. Inácio tinha um pequeno costume cheio de sabedoria e de psicologia. Ao ir de um lugar a outro, ou antes de começar qualquer atividade, ele parava e perguntava-se a si mesmo: para onde vou e para  que? o que vou fazer? para quem vou fazer?

Essa é a retidão e a pureza de intenção no nosso trabalho cotidiano:  “buscar a Deus por si mesmo e alegrar-se na ação”. 

Nesse sentido, aquele trabalho pesado, arrastado, sem muito sentido...  de repente fica leve, transparente e carregado de utopia.  Deixa se ser “tri-palus” (instrumento de tortura) para ser “poiesis” (poesia), ou seja, entusiasmo criador, inspiração, intuição...

“É poeticamente que o ser humano habita a terra” (F. Holderlin).

O ser humano contempla aquilo que a Terra estende à sua frente; e,  lá de dentro, a voz do amor e dos valores lhe diz que a realidade pode  ser transformada. Aí entra a imaginação, a criatividade... e começa a explorar possibilidades ausentes, a montar fantasias... Aos duros materiais à sua volta ele mistura o desejo e o amor... re-cria o mundo.  Como se fosse aranha, o ser humano constrói o seu mundo a partir de suas próprias entranhas.

Na “Contemplação para alcançar Amor” (3º ponto), S. Inácio pede para considerar como Deus trabalha por nós, preparando pessoalmente todos os dons. A presença de Deus no mundo é ativa e dinâmica: Deus ama atuando em nossa história. Tudo está sendo construído e reconstruído por Deus. Deus trabalha em todas as coisas. Ele é a força inesgotável de onde brota todo o trabalho do mundo. Deus continua fazendo tudo novo.      Diante do “Deus trabalhador”  o ser humano responde com um trabalho criativo; ele se sente chamado a trabalhar a serviço do Senhor, para sua maior glória.

Esta é a espiritualidade da colaboração, ou seja, o trabalho é a colaboração do ser humano ao Deus trabalhador; pelo trabalho a pessoa está louvando o Pai, está salvando o mundo e está crescendo em graça.   Louvor sem trabalho é alienação; trabalho sem louvor é escravidão.

Para S. Inácio e sua espiritualidade, Amor é serviço, é trabalhar com Deus na mesma direção. Trabalho que se faz com amor; amor é servir, trabalhar: trabalhar com a mesma intenção de Deus, fazendo as mesmas obras que Deus está fazendo, ou seja, aperfeiçoando a Criação. A identificação entre amor e trabalho é encontrada no mesmo Deus, que é Criador porque é Amor.

Encontramos aqui o fundamento para uma teologia do trabalho: o fazer, seja qual for, é redentor, se a motivação é evangélica, se ele está orientado para o Reino. Não é o trabalho  que nos faz importantes, mas somos nós que fazemos qualquer trabalho ser importante, quando ele é realizado na perspectiva do Reino. Todo trabalho é nobre, seja ele o de cinzelar estátuas ou o de esfregar o chão. A alegria do trabalho está no fato de perceber o sentido e a intenção presentes nele. O que importa é a atitude. E a atitude que ajuda e que salva é fazer o que precisa ser feito, com entrega sincera àquilo que  se faz. A identificação com aquilo que fazemos é o caminho para a paz interior.

 

Textos bíblicos:  Mt. 20,1-16       Mt. 21,28-32     2Tes. 3,6-12     Jo. 5,10-18

Na oração: Dar sentido de amor e profundidade ao trabalho diário; através do trabalho, servir a Deus por puro amor.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


estarnomundo

ESPIRITUALIDADE INACIANA: “estar no mundo... sem sair do mundo”

 

“Os Exercícios Espirituais alcançam o homem de hoje em seu desejo de entender-se a si mesmo, e oferecem ao homem de hoje uma chave importante para  entender-se”
(Cardeal Martini)

 

 

Até à época de S. Inácio, todo aquele que se sentisse chamado à santidade deveria naturalmente afastar-se do mundo e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos.   Os monges e as monjas deviam esforçar-se por chegar à santidade dando uma importância grande durante todo o dia à atenção a Deus.   Todo o dia estava orientado a manter a mente em Deus (ofício divino, liturgia em coro...).
O único trabalho permitido era um “trabalho” que não os distraísse de Deus.
Seu principal dever era manter sua atenção em Deus.

Aqui entra S. Inácio; conforme crescia no Espírito, começou a ver as coisas de outra maneira. Ele começou a “ver Deus em todas as coisas”. Tudo lhe falava de Deus, e começou a pensar “porque” e “como” chegar à santidade. - “Para quê vivemos neste mundo?” Para conhecer, amar e servir a Deus.
E assim ele fala em “ordenar” nossas vidas para servir a Deus.
Agora, S. Inácio insiste em servir a Deus naquilo que “fazemos”. Para ele isto é o mais importante; com isso ele vê que o estilo de vida apostólica, por sua natureza mesma, exige que ponhamos nossa atenção em outras coisas que não são Deus (trabalho, escola, família, relações sociais...).

Por isso devemos prestar atenção ao que estamos fazendo: “para quê? para quem? com quê intenção? qual a motivação?... a inspiração?”    S. Inácio nos pergunta: “Onde está teu coração? Qual é a tua intenção no que fazes?”
É característico da espiritualidade inaciana encontrar a Deus na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida familiar, no exercício da profissão, nas relações sociais, nas decisões éticas, na ação cidadã, no amplo tema dos direitos humanos, no campo da economia, na presença ativa em política, no mundo da cultura, no diálogo com os meios de comunicação, na navegação por internet...
Claramente a espiritualidade inaciana, em sua capacidade contemplativa na ação, está concebida para encontrar a Deus “no mundo”, na ação de Deus no dia-a-dia da vida cotidiana.

É óbvio que a espiritualidade inaciana faz referência à necessidade das “experiências fundantes”, ou seja, esses tempos densos de síntese pessoal, tempos de forte iluminação interior (“não sentíamos arder nosso coração?”), tempos que desencadeiam uma tensão dinâmica de inspiração espiritual, tempos que marcam toda uma vida.
A partir do “sentimento agudo do absoluto de Deus” podemos reconhecer que o específico da espiritualidade inaciana é encontrá-Lo nas mediações: o trabalho, o ofício ou a vida acadêmica, a relação familiar, a vinculação com outros na vida cívica ou política...
É necessário fazer a passagem de uma espiritualidade de momentos densos pontuais (eventos) a uma espiritualidade de seguimento em todos os momentos e circunstâncias da vida, uma espiritualidade das chamadas “realidades cotidianas”. S. Inácio assinala agudamente o sentido de nossa oração e de toda nossa espiritual: “para que cresça e suba de bem a melhor” (EE. 331).  

O ritmo da sociedade pós-moderna, e sobretudo o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, pedem de nós recuperar a dimensão de profundidade em nossa vida diária.
Pe. Arrupe assim expressa: “uma experiência não refletida é uma experiência não vivida”.
A expressão “viver a vida” não é exaltar uma vitalidade superficial, muitas vezes frívola, senão viver a vida em profundidade. Para isso, é importante “ler” a jornada vivida, retomando e dando atenção às ressonâncias interiores de tudo aquilo que acontece no dia-a-dia, para considerá-las a partir do mais profundo de nós mesmos, pois o santuário da presença de Deus está nesse “espaço” de intimidade entre o Criador e a criatura.
“Ler a jornada” com os olhos de Deus para perceber por “onde passa meu Senhor”: trata-se de um tempo privilegiado para fazer mais “profunda” nossa vida cotidiana.

 

Textos bíblicos:  Jo. 3,11-21   Rom. 8,18-26

 Começar o dia oferecendo-o ao Senhor: “Que todas as minhas ações, intenções, sentimentos, pensamentos e trabalhos... sejam   puramente ordenados ao serviço e louvor de Deus Nosso Senhor”  

 

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solidariedade

 

 

 

 

 

 

 

 


fonte

ESPIRITUALIDADE INACIANA: fonte de SOLIDARIEDADE

 

A amizade com os pobres nos faz amigos do Rei Eterno”  (S. Inácio)

 

Começamos citando uma experiência da vida de S. Inácio, uma experiência na qual ele escuta o chamado do sofrimento alheio.
Depois de Manresa, considerado como lugar e momento decisivo de sua experiência de Deus, S. Inácio toma o caminho para Jerusalém e embarca em Barcelona, em direção à Itália. Acontece, então, um fato que o próprio Inácio nos conta no número 38 da Autobiografia:

“Dos que vinham no navio, ajuntaram-se em sua companhia uma mãe, sua filha vestida com roupas de rapaz, e um outro moço. Estes o seguiam, porque também mendigavam.
Chegados a um casario, encontraram um grande fogo e muitos soldados junto dele. Estes lhes deram de comer e muito vinho, parecendo terem intenção de embebedá-los. Depois os separaram, colocando a mãe e a filha num quarto em cima, e o peregrino com o moço no estábulo. Mas, quando chegou a meia-noite, ouviu que lá em cima se erguiam grandes gritos. Levantando-se para ver o que era, encontrou a mãe e a filha embaixo no pátio, muito chorosas, lamentando-se de as quererem forçar.
Veio-lhe com isto um ímpeto tão grande, que se pôs a gritar, dizendo: ‘Isto se há de sofrer?’ e semelhantes queixas. Dizia-as com tanta eficácia, que todos os da casa ficaram espantados, sem que ninguém lhe fizesse mal algum. O moço fugira e todos os três começaram a caminhar assim de noite”.

Este fato da vida de Inácio tem um profundo significado. Ele escuta os gritos de sofrimento de duas indefesas mulheres. Ao ouvir esses gritos, levanta-se de imediato, sem considerar outras circunstâncias (nem seu cansaço, nem sua inferioridade...) e atua sem temor, com ímpeto e, como ele mesmo diz, com eficácia.    Inácio acabara de fazer sua grande experiência “mística”  em Manresa; e por sua forma de reagir e atuar descobrimos que esta experiência lhe fez especialmente sensível e ativo diante dos sofrimentos dos outros e o leva a intervir decididamente em favor dos mais fracos, sem pensar muito nas consequências.  

Essa experiência inaciana nos sugere algo que é de uma importância decisiva. Ou seja, que na experiência autêntica de Deus, encontramos o impulso mais forte, mais decisivo, mais libertador para responder, sem ambiguidades, ao chamado dos excluídos.

É precisamente a força da experiência de Deus a que nos dá a capacidade de vencer todas as resistências internas e externas que nos aconselhariam fazer “ouvidos surdos” aos gritos daqueles que sofrem.
Ante o clamor da angústia, como não sentir compaixão e solidariedade para com os “perdedores” da história? A necessidade de olhar o excluído e de sentir sua exclusão como uma interpelação e um chamado, não é para nós moda nem sectarismo, mas o núcleo mesmo de nossa experiência espiritual tal como aparece nos Exercícios Espirituais e tal como S. Inácio a viveu. Nos Exercícios Espirituais se encontra um inerente potencial, fonte de inspiração para o ministério da justiça.

Nos Exercícios Espirituais se encontra uma relação entre o impulso espiritual de seguir o Senhor e a ajuda aos pobres. É claro que o ‘amor preferencial pelos pobres’ está contido nos Exercícios. S. Inácio confessa nos Exercícios que para o homem a busca de Deus não é autêntica se não passa pelo cuidado amoroso pelo mundo dos pobres, e que, reciprocamente, não existe perfeito cuidado do homem e de modo particular do homem pobre, que não seja fruto de um descobrimento do amor de Deus que vem do alto” (P. Kolvenbach).  

A experiência de S. Inácio desperta em nós a compaixão para com o outro que é excluído, marginalizado,  pobre... Somos chamados a viver a solidariedade como  um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus.   A solidariedade significa encontrar-se com o “mundo  do sofrimento, da  injustiça, da fome... e não ficar indiferente”.

A solidariedade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.    Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-se em seu lugar, deixar-se questionar e desinstalar por ele... Importa, pois, redescobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida... não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.

 

Textos bíblicos:   Lc. 16,19-31      Mc. 6,30-44     Mc. 1,40-45      Mc. 10,46-52     Mc. 7,24-40

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


descoberta

EXPERIÊNCIA INACIANA: descoberta do mundo dos DESEJOS

 

“Somente Deus responde aos mais profundos desejos do coração humano”

 

Em S. Inácio, o tema do desejo ocupa um lugar central. Ele havia experimentado em si mesmo a força e a energia dos grandes desejos.
O desejo é como a pulsação de nossa vida; e falar do desejo é falar do ser humano em sua profundidade última, seu impulso energético vital; é uma das expressões mais nobres da pessoa.
Com o termo desejo queremos indicar aquela complexa realidade de sensações e emoções, de sonhos e aspirações, através dos quais exprimimos aquilo que mais nos atrai, aquilo para o qual se dirige o nosso olhar e que está no centro de nossa vida.
O desejo não é um impulso cego e sim uma tendência significativa para algo que é importante em si mesmo; é uma força sentida, portadora de significados, uma aspiração, um impulso para conseguir aquilo para  o qual a pessoa se sente feita, para a realização de seu fim último.
Os Exercícios Espirituais de S. Inácio foram qualificados como “uma autêntica escola ou pedagogia do desejo”; deles se tem dito que são uma escola para suscitar, canalizar e potenciar desejos.

Os Exercícios nos ajudam a descobrir em nós formidáveis desejos e quanto mais profundamente procuramos identificar esses desejos autênticos, tanto mais eles nos revelarão o que na verdade queremos e quem somos na realidade.    Ao sondar um desejo, o íntimo de nós mesmos se revelará.

“Diga-me quais são os seus desejos e lhe direi quem você é”.

Para S. Inácio, devemos ser pessoas de “grandes desejos”: eles são as grandes avenidas pelas quais circula o melhor de cada um de nós (riquezas, intuições, criatividade, sonhos...).
Tudo começa no desejo; o desejo se transforma em poderoso motor que nos impele para a frente, nos impulsiona para não permanecermos inertes, paralisados. O desejo infunde ânimo, estímulo... sustenta o esforço e faz vencer os obstáculos do caminho.
O desejo é a base da decisão!

Se o desejo é movimento para algo com sentido, ele é um “plasmador do futuro”, é impulso para a transcendência. O ser humano é capaz de desejar quando sai de si mesmo e mergulha num mundo maior que ele. Deus trabalha através dos desejos, suscitando atrações, movendo nosso coração, impulsionando nossa liberdade. Nos desejos mais profundos habita Deus.
“De Sua Divina Majestade, da qual procede o que se deseja” (S. Inácio).
“Deus, quanto mais quer dar, tanto mais faz desejar” (S. João da Cruz).

O desejo é indicador de Deus, transparência d’Ele, caminho para Ele. Isso porque o ser humano é fruto do desejo de Deus – Deus cria o ser humano e este sonha Deus e tem desejo d’Ele.    Deus põe em nosso coração seus próprios desejos, e todo processo espiritual consiste em ir identificando os próprios desejos com os desejos de Deus. A graça de Deus intensifica o desejo e nos leva a realizar desejos que inicialmente pareciam difíceis de serem realizados.
Isso pede de nós uma escuta atenta dos desejos profundos, saber levantar a folhagem do “desejo superficial” para descobrir o solo de nosso “desejo mais íntimo, mais divino”.

Um outro dado é importante salientar: o desejo autêntico está sempre vinculado à alteridade. Desejamos e, na medida em que o desejo nos possui, e é autêntico, nos abre ao Outro e aos outros. Os desejos mais autênticos nos conduzem para fora de nós mesmos, para a comunidade, para a comunicação... nos impulsiona ao serviço, ao compromisso, à luta...    Somos, com frequencia, pessoas “carregadas de desejos, mas desprovidas de orientação” (Xavier Quinçá).  

Aqui é imprescindível o trabalho de discernimento da autenticidade dos desejos e de sua seleção, integração ou ordenação com respeito ao desejo básico de identificação e seguimento de Jesus Cristo.   Já não se trata só de fortalecer o desejo, mas de iluminá-lo e orientá-lo corretamente.   Faz-se necessário submeter à crítica evangélica o mundo de nossos desejos.
É necessário fazer com que o mundo de nossos desejos fique configurado com o modo de ser de Jesus.
S. Inácio acreditava que nossos desejos mais autênticos deveriam ser cristocêntricos.

 

Textos bíblicos:   Mc. 10,17-22      Gal. 2,15-21      Mt. 6,7-15     Is. 35   Jó 29
1Rs. 3,4-15

Na oração:  Fazer memória dos grandes desejos que deram sentido e sabor à sua vida.

                      Perguntar-se a si mesmo: “que estou desejando?”; “que desejo desejar?”  

 

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buscamaior

INACIANIDADE: busca da MAIOR GLÓRIA de Deus

 

“Se a glória nos é revelada na existência e na harmonia do universo, é para que nós reconheçamos a presença ativa de Deus no mundo e ao mesmo tempo colaboremos com sua ação (F. Courel).

 

Outro traço da pessoa inaciana, que emana dos Exercícios, é o da “maior glória de Deus”, entendida à maneira de S. Irineu: “Gloria Dei vivens Homo” (a glória de Deus é o homem vivente).  Que todas as pessoas tenham vida!  Quem tem esse carisma inaciano não busca o modo bom, mas o melhor, o que mais toca, o que mais muda, o que faz com que  todas as pessoas tenham vida, e vida abundante.  A espiritualidade inaciana é uma espiritualidade da glória, da alegre certeza de que Deus triunfará.   Mas a nota característica de Inácio é de apresentar esta glória como “sempre maior”.

A fórmula “tudo para a maior glória de Deus” condensa toda a dinâmica interior do itinerário de sua vida, expressa sua atitude fundamental e motivação profunda de sua existência; ela é a meta para a qual Inácio orienta sua vida, o princípio inspirador de suas decisões, a que dá sentido à sua atividade apostólica.
A glória de Deus, buscada “em todas as coisas”, é a força interior que o impulsiona a realizar tanto as grandes empresas como os atos mais simples de cada dia. É a expressão última do dinamismo apostólico inaciano.
A mística inaciana é uma mística de retorno ao mundo e à ação apostólica. A pessoa inaciana é continuamente remetida à ação apostólica, à existência cristã. O serviço da glória é sua vocação, na Igreja e no mundo. Todas as suas energias, talentos, criatividade... deve estar a serviço da glória para a edificação do Reino.Portanto, a “maior glória” é um fim a perseguir, uma meta que ainda não foi realizada plenamente; ela é um apelo constante e princípio de discernimento para eleger o melhor e melhor contribuir na obra da Redenção.

Estar a serviço da glória de Deus significa, ao mesmo tempo, estar a serviço dos homens. Para Inácio, a “maior glória de Deus” é, com efeito, o critério proposto para verificar e julgar a qualidade de nosso serviço. Para isso, quem vive a inacianidade é alguém “excelente” em algum campo.
Não é que se queira classificar as pessoas, mas, deve haver uma excelência na pessoa - com o critério mais adequado para cada um. Excelência que não se mede nem segue parâmetros humanos, senão que se adquire ao sentir-se atraído por um Deus sempre maior .

Obviamente, a excelência fundamental é o “excedente de humanidade”: o que supera a norma, o comum, o que vai mais além do lícito, do razoável... e que se mostra numa atitude para com os outros e que se aproxima da incondicionalidade na acolhida.    Isto quer dizer que os(as) leigos(as) inacianos(as), saídos da contemplação do Reino, manifestarão uma espiritualidade de tipo ético e não tanto cultual.
Interessa-lhes encarregar-se “daquilo que é de Deus”, à maneira de Mt. 25, no juízo das Nações.
As obras de justiça solidária são a avaliação fundamental da ação humana. Isto faz com que o “nome” de Deus seja reivindicado, fique bem inscrito na história.
E essa é a ação que atrai e seduz primordialmente. Isto envolve a destruição das falsas imagens de Deus e a oferta vivencial – a todos e da melhor maneira – do Deus que Jesus nos manifesta.

“O que é de Deus” para o(a) inaciano(a), está perpassado pela contemplação para alcançar Amor, onde tudo fala desse Deus que se entrega em todas as coisas e ao qual não resta outra coisa senão devol ver-lhe tudo, comprometendo-se com Ele, da mesma maneira que faz “o amado com o amante” (EE.231).

Por isso, o(a) leigo(a) inaciano(a) tem que estar – física ou moralmente, com algum vínculo orgânico – numa obra de “ponta”, que de alguma maneira influa para fazer as coisas de outro modo, para servir melhor a mais pessoas, estruturalmente.
A pessoa inaciana não pode ser do comum, ainda que esteja no comum, ou seja, tem que distinguir-se porque realmente vive a busca  da excelência, do magis, da maior glória de Deus, do bem mais universal... Ela é chamada a ser vanguarda  na igreja e no mundo.

 

Textos bíblicos:   Mt. 25,31-46     Mt. l4,13-21       Lc. 10,29-37     Lc. 16,19-31   

 

 

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profundezas

INACIANIDADE: caminho para as profundezas do próprio ser

 

“Santo Inácio me ensinou a teologia do coração” (S. Felipe Neri)

 

S. Inácio nos apresenta uma antropologia da interioridade, do “sentir e saborear as coisas internamente”. Mas não se trata de uma interioridade puramente introspectiva ou sentimental, e sim uma interioridade “alterada”, “habitada” e “constituída” por uma relação com Alguém.
S. Inácio distingue 3 pensamentos que podem alterar-nos: “um propriamente meu, o qual sai de minha mera liberdade e querer, e os outros dois que vem de fora: um que vem do bom espírito e o outro do mau”.(EE. 32)
Isto implica  uma antropologia com alteridade, uma pessoa alterada e afetada por Outro.
A pessoa dos Exercícios se experimenta a si mesma constitutivamente alterada por Outro: “o ser humano é criado” e chamado, busca viver em sintonia com a Criação, deixando-se conduzir somente por um amor que “desce do alto”.
A interioridade, nos Exercícios, não se deleita nela mesma, senão que se constitui numa relação, na qual o Criador e Senhor se comunica à pessoa “abrazando-a” e “dispondo-a”, tirando-a de si, “alçando-a toda a seu divino amor”. Uma relação Criador-criatura na qual é desejável que não haja interferências, para que se “deixe agir imediatamente o Criador com a criatura e a criatura com o Criador” (EE. 15). Mas a relacionalidade, a interioridade e a alteridade encontram seu cumprimento fora de si mesmo, pois “tanto se aproveitará cada um em todas as coisas espirituais, quanto mais sair de seu próprio amor, querer e interesse” (EE. 169).  

Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo “aquilo que se é, o porque do que se faz, se espera, busca e deseja”.
A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida.
É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.
Assim, a descoberta do nosso próprio ser profundo nos aproxima do autor da vida: Deus.
É no coração, “última solidão do ser”, que a pessoa se decide por Deus e a Ele adere. Aqui Deus marca “encontro” com a pessoa. “Deus é mais íntimo a cada um de nós do que nós mesmos” (S. Agostinho). 

Cada pessoa leva dentro de si mesma a “pegada” de Deus, que atua sob a forma de desejo insatisfeito.
A oração inaciana é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.
S. Inácio nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.

Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, riquezas insuspeitas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis... É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria interioridade.
Os que mergulham nas profundidades do oceano interior ficam fascinados pelo esplendor daquilo que contemplam. O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos...; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de auto-transcendência...


Textos bíblicos:  Mt. 13,44-46; Sab. 7,7-30; Sl 138

 Na oração:  Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao  Senhor. É no mais profundo de nossa interioridade que  escutamos o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”. 

 

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exodo

INACIANIDADE: êxodo da estreiteza do próprio ser à largueza do coração

 

“Porque cada um deve persuadir-se que nas coisas espirituais tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e interesse” (EE. 189)

 

Exercícios:  experiência de rompimento de fronteiras profundas, de libertação e  deslocamento voluntário, de saída do amor próprio, de alargamento  (magis) do coração. Experiência que comporta emoção e descoberta, com sabor  do risco, do perigo, da ousasia... Uma vez unificado interiormente, o exercitante  pode arriscar-se no processo fronteiriço da Eleição. Eleger é ampliar horizontes.

Dos Exercícios surge uma pessoa internamente reconstruída, com vontade de sair daquilo que limita, empobrece, degrada... é a experiência de alguém  que é impelido a lançar-se, romper limites, assumir novos riscos,  deslocar-se para as novas encruzilhadas de si mesmo e da história.
Todo ser humano carrega em si mesmo a força do Espírito que rompe as  fronteiras de seus egoísmos, que alarga a pessoa para além de si mesma...

Da vivência dos Exercícios brota uma convicção básica: Deus se comunica e atua “imediatamente”, sem fronteiras, sem necessidade de mediações estranhas e sem filtros. A pessoa abre-se ao “bem universal” como horizonte libertador, pessoal e comunitário. Mediante esta dimensão ela poderá e deverá viver permanentemente mergulhada na História fluente, numa atitude de permanente êxodo e disponibilidade.
Por tratar-se de um símbolo de movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade, a saída dos hebreus do Egito é um acontecimento que ajuda a entender o processo vivido nos Exercícios Espirituais.
É fundamental mencionar que o Egito é, acima de tudo, um símbolo, por representar um lugar que “já foi bom” e deixou de ser. As analogias se tornam mais interessantes ainda se reconhecermos que a etimologia da palavra Egito – mitsraim -  quer dizer “lugar estreito”.

Todos nós nos deparamos com lugares que se tornam “estreitos” em determinado momento da vida.  Esses lugares, que outrora serviram para nosso desenvolvimento e crescimento, se tornam apertados e limitadores. 
No processo de saída de um “lugar estreito”, temos uma descrição interessante do relato bíblico. Segundo o mesmo, o processo de “saída”  esbarra num limite tão real e profundo como o mar. Arrependido por ter permitido a saída dos hebreus, o Faraó os encurrala junto ao mar.
Entre o exército e o mar, os hebreus se voltam ao líder Moisés em desespero. O que fazer?
Moisés consulta o Senhor; sua resposta é decisiva e intrigante: “Diga a Israel que marche” (Ex. 14,15).

Conhecemos o final do relato bíblico em que o mar se abre. O futuro existe se o povo marchar.
Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem do “lugar estreito” para a nova terra. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível.
Não existe condição de marcha para quem realmente não se percebe em estreiteza.
Na outra margem, não podemos nos esquecer de que nenhum lugar poderá ser amplo para sempre.

A estreiteza é uma condição da vida. Passar por um processo de mutação de maneira bem-sucedida é irromper em um outro lugar que não se sabia que poderia conter nosso “eu”.
Construímo-nos a partir dos acampamentos que fazemos e do levantar dos mesmos.
Quem não está desperto perde a capacidade de detectar a estreiteza.  Nossa insensibilidade e nosso fechamento se beneficiam daquilo que não rompe, que não põe em marcha...
A mediocridade é a tentativa de permanecer acampado, não reconhecendo ou legitimando o mar que existe para ser transposto. “A mediocridade não tem lugar na cosmovisão de Inácio” (P. Kolvenbach).

S. Inácio, na sua Autobiografia, nos relata sua experiência de passagem pelo caminho estreito:
“...empreendeu o caminho até Bolonha, e nele sofreu muito, sobretudo uma vez que perdeu o caminho e começou a andar junto a um rio..., e este caminho, quanto mais andava, ía-se fazendo mais estreito; e chegou a estreitar-se tanto que não podia seguir adiante nem voltar para trás; de modo que começou a engatinhar-se, e assim, caminhou um grande trecho com grande medo, porque cada vez que se movia sentia que ia cair no rio. E esta foi a maior fadiga e trabalho corporal que jamais teve; mas, por fim, saiu do apuro”     (Aut.91)                                                                                                                                    

   

Textos bíblicos:   Ex. 14,10-31      Mc. 12,41-44      Mc. 4,35-41      Mt. 7,13-14

Na oração: recordar dimensões da sua vida que estão se ampliando a partir da experiência dos Exercícios;
recordar situações, entraves, obstáculos... que limitam o seu crescimento interior;
-  o que você está vislumbrando no seu horizonte pessoal, profissional, eclesial, familiar, social, político...?  

 

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viver

INACIANIDADE: viver nas “fronteiras” da Igreja e do mundo

 

“A utopia do REINO gera a audácia”

 

 A experiência cristã nos impele continuamente a uma vivência essencialmente "fronteiriça".
Seguir Jesus é arrancar-se, desinstalar-se, abrir-se a situações  novas, correr o riso do provisório...
É situar-se no limite,  diante de “Jesus-em-limite: a Cruz.
A fronteira é espaço tenso e conflitivo; ali o Evangelho se faz mais transparente, o seguimento de Jesus se faz mais radical, a vivência cristã deixa de ser neutra e começa a ser conflitante.
Dizer “fronteira” é como dizer novidade; fronteira significa lugares novos, experiências novas, desafios novos.  Comporta emoção e descoberta, com sabor do risco, do perigo, da ousadia...

Na história da Igreja muitos homens e mulheres viveram em atitude de permanente êxodo e disponibili-dade, numa espécie de itinerância interior e exterior que os converteu em vanguardas da história. S. Inácio, através dos seus escritos, nos revela a experiência de alguém que viveu uma grande “mobilização interna”: foi impelido a lançar-se, romper fronteiras, assumir novos riscos, renovar-se sem cessar, adaptar-se às condições de tempo e lugar, tenacidade com uma boa dose de paixão...

Porque foi homem “com uma visão que ia além de seu tempo”, S. Inácio nos revela, na sua vida, um caminho original, alternativo, criativo, diferente, contrastante  com o da maioria; não é uma “via” como as outras.
Se não é anormal, é certamente não-normal; sua vida é marcada por certa “estraneidade”, não só face ao mundo mas também no seio da Igreja, porque sua existência está situada no umbral, no limite...
O umbral é a matriz das experiências religiosas, dos sonhos, dos projetos originais, das intuições poéticas ou artísticas, da imaginação criadora, dos ideais vitais...
O umbral é um lugar de relação, de questionamentos, de novidade; é provocador, incitador, desperta a curiosidade...; ele atua no nível das raízes mais profundas  do nosso ser.
Nem todas as pessoas vivem nesse “umbral” ou na “fronteira”. A maioria é habitante do mundo, da região habitada, segura, sem riscos... Aquele que é capaz de suportar e sustentar a abertura do limite e travar diálogo com ele, esse é o “habitante da fronteira”. S. Inácio foi capaz de se aproximar desse limite, tanto interior quanto exterior; por isso encarnou ideais vitais da sociedade de seu tempo. Ele rompeu as fronteiras geográficas, culturais, religiosas, sociais...  Tinha o coração maior que o mundo.

Por ser “homem de fronteira”, Inácio evitou uma dupla tentação: seja de romper totalmente com a instituição (como Lutero), seja de deixar-se manipular por ela.
Ele esteve com um pé no sistema para poder dizer-lhe algo (protesto) e um pé fora para poder anunciar o que lhe transcendia e lhe dava, ao mesmo tempo, o sentido supremo (proposta-utopia).
Ele foi capaz de “contemplar o outro lado”, de vislumbrar algo novo, inédito... Deslocou-se do centro para a margem, do “normal” para o “não-normal”, da segurança do mundo para a insegurança evangélica, da retaguarda para as novas encruzilhadas da história...
Houve muito de aventura, de risco, de imaginação criadora... sem modelos prévios, sob o impulso do Espírito.   “Deus o conduzia pela mão como um mestre conduz seu discípulo” (Aut.).

O peregino inaciano é alguém que “entra” numa terra estranha, que se afasta dos apoios comuns da existência; é alguém livre, que não se acomoda num determinado lugar, que está sempre na expectativa da novidade... pronto a arriscar-se nas múltiplas e mutáveis situações humanas de fronteira.

Para ele, a origem de sua experiência está nessa inquietude de “sair” e ir aos “extremos”, aos “aforas”...   Na fronteira de si mesmo encontra o espaço sagrado onde Deus se manifesta; ali encontra-se com o melhor de si mesmo(a), com as energias adormecidas, com os sonhos escondidos e projetos ocultos...    Na fronteira do mundo encontra seu lugar de missão: ali o espera os desesperados, os excluídos...

“Partir para a fronteira”  é, portanto, “entrar” no mistério de si mesmo, no mistério da grande fraternidade, no mistério do sentimento cósmico.
“Partir para a fronteira” é “entrar” no nosso coração, morada dos nossos sonhos, experiências, desejos, lembranças... morada do amor, lugar de encontro e escuta, espaço de silêncio. Enfim, a fronteira converte-se, para quem tem um olhar sacramental, num grande Templo, onde Deus revela a sua identidade e onde descobrimos nossa verdadeira identidade e missão; estabelecemos nossa moradia no mundo, inseridos nos “extremos” do trabalho, da luta, da vida, dos direitos, do humano... ali onde se faz mais necessária a atividade profética, para sacudir a inércia na qual vai se petrificando a Igreja e a sociedade.

 

Textos bíblicos:  Ex. 3,1-6   Lc. 5,1-11    Mc. 5,1-21   Gen. 12,1-12   Mt. 4,17-25   Mc. 7,24-30

Na oração:  Há em nós “extremidades da terra” ainda inexploradas, regiões desconhecidas, onde todas as criações e intuições são possíveis, se consentirmos entregar-nos a esse mundo misterioso. 

 

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