INACIANOS: homens e mulheres do mundo
“A
espiritualidade transfigura a sociedade desfigurada”
S.
Inácio não se afastou do mundo para encontrar a Deus; ele fez a “experiência”
do Deus agindo no mundo; aí O encontra e caminha com Ele.
O mundo não é só o “habitat”
do seu apostolado: é sobretudo a fonte
da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e o seu chamado. Da
experiência de “amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”,
nasce uma espiritualidade radicalmente “mundana”,
de contemplação do mundo e de
ação no mundo.
Se há um hábito do coração que S. Inácio trabalha de um modo particular nos
Exercícios Espirituais é este: a leitura orante da realidade.
Essa leitura “misteriosa” do
mundo nos faz perceber que tudo surge de um Amor, tudo está habitado por esse
Amor, tudo está “amorizado”, tudo
vem de Deus e tudo volta para Ele.
Dessa experiência nasce a famosa expressão: “ver Deus em todas as coisas e
todas as coisas em Deus”.
Este
hábito do coração funda suas raízes no convite que S. Inácio nos faz na
Contemplação da Encarnação, onde nos propõe olhar o mundo, o devir histórico,
a natureza, a humanidade e a nós mesmos, como a Trindade nos olha. Quem vê o
mundo assim, com um olhar singular e universal, amoroso e esperançoso,
libertador e integrador, torna-se "contemplativo na ação".
Assim como a Encarnação do Verbo foi determinada a partir de um “olhar”
que saiu do coração de Deus, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração,
estremecendo-O de compaixão e movendo-O à ação, assim toda nossa atividade
no mundo tem de ter sua origem num olhar misericordioso e compassivo.
“Façamos a redenção deste mundo em que vivemos e que temos sob o nosso
olhar”, permanecendo inseridos nele com Jesus. Este foi o ideal que apaixonou
Inácio.
Pondo-nos
na escola de Inácio, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu
Reino, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam, curam, se
compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
É olhar o mundo como “sacramento de
Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança
que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo e por
isso gerador de misericórdia; olhar que compromete solidariamente.
Mundo:
nossa missão apostólica faz do mundo em que vivemos um lugar “diáfano”,
um mundo transparente, santo e
luminoso com Deus. S. Inácio nos
ajuda a descobrir na realidade do mundo e da história os “sinais
dos tempos” e a intervenção salvífica de Deus através desses sinais.
Espiritualidade suave e atraente: saber admirar e encantar-se com a divina
prodigalidade que, na alegria de viver, nos ensina a pôr os olhos na beleza, no
valor das coisas, do mundo, dos outros...
Na espiritualidade inaciana, o mundo já não é percebido como ameaça ou como
objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus nos faz participar d’Ele
mesmo. O mundo não é o lugar da devoração e da mútua depredação, mas é o
lugar da receptividade e da oferenda.
O eu descentrado pelos Exercícios não é o eu que se experimenta separado dos
outros e do mundo, mas em profunda e plena comunhão
com tudo, porque tudo é “diafania”
de Deus. Esta diafania, esta transparência
de Deus em todas as coisas criadas é a que deslumbrou e desconcertou Inácio
S.
Inácio funda sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus
em sua obra, na contemplação “dia-fânica”,
ou simplesmente “teo-fânica”, de
um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro e pacífico,
unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.
A experiência que S. Inácio teve de Deus e do mundo às margens do rio
Cardoner é um “conhecimento” que
abre à mais límpida percepção
da realidade, dinamizando e unificando as suas
forças internas para melhor colaborar na transformação do mundo.
Textos
bíblicos: Jo. 3,11-21
1Jo. 4,7-17
Mt. 5,13-16
Na
oração: O olhar é
divino. Nele cabe tudo: mares, galáxias, pessoas...
O
sábio é um adulto com olhos de criança; para ela tudo é fantástico,
espantoso, mágico...
Coração
e olhos espreitam na mesma direção. Olhar livre, límpido, simples.
As coisas, as pessoas mudam por completo quando as olhamos carinhosamente.
ITINERÁRIO
DA INACIANIDADE “INACIANIDADE”:
um “jeito de ser”, um “estilo de vida” CAMINHO
de revitalização da “identidade inaciana” dos(as) leigos(as) que 1.
Fundamentação: Inácio
de Loyola, leigo Inácio
de Loyola era leigo quando iniciou seu processo de conversão em
Loyola e começou a reconhecer a existência de diversos espíritos em
seu interior. Era
leigo quando viveu a intensa experiência de Manresa (povoado
para onde Inácio se desviou quando se dirigia para Barcelona, no início
de sua peregrinação a Jerusalém, depois de ter feito a vigília de
armas diante da Virgem de Monserrate. Neste povoado, junto ao rio
Cardoner, um gruta de pouca profundidade, serviu a Inácio para suas
práticas de oração e penitência). Era
leigo quando experimentou e escreveu os Exercícios Espirituais. Era
leigo quando começou a reunir companheiros junto dele, aos quais lhes
foi dando os Exercícios, e assim foi comunicando-lhes um modo específico
de ser. A
espiritualidade inaciana, a inacianidade, nasce como um carisma
laical, descoberto por um leigo e com uma metodologia – os Exercícios
– que foram concebidos a
partir desta perspectiva.
Carisma é a maneira de
captar e viver o Evangelho de Jesus. A genialidade de Inácio é que
seu carisma, seu modo de captar a Jesus, se fez método (nos exercícios),
e por isso, pode ser difundido. Esta também é a causa pela qual este
carisma só pode ser compreendido em profundidade, depois de ter feito
a experiência dos Exercícios. Somente
mais tarde, e depois de muitas experiências, é que S. Inácio e seus
companheiros decidem constituir a Companhia de Jesus. Mas a origem do
carisma inaciano é laical: em
Manresa (l522), Inácio viveu a experiência espiritual mais forte (a
mesma que logo se constituiu como método nos Exercícios
Espirituais), e só em l534, em Montmartre (Paris) ele faz os votos
religiosos; ou seja, durante mais de dez anos ele viveu sua
espiritualidade como leigo. A
Companhia de Jesus dá um modelo que como um “carisma
se faz corpo”, mas não o esgota. O carisma inaciano pode
ser vivido – e é vivido – em pessoas e em instituições não
jesuítas. Estas
afirmações adquirem força se considerarmos atentamente a história
de Inácio. A fonte da espiritualidade inaciana é a experiência de
Manresa, justamente depois de sua conversão. O peregrino penitente-leigo
que chega a Manresa, sai convertido num peregrino apóstolo-leigo. Esses
onze meses são dos mais decisivos na vida de Inácio e em sua obra:
durante essa estadia é quando tem uma das experiências místicas que
mais o marcaram: a do Cardoner. Ele mesmo, assim se expressa: “Uma
vez ia, por devoção, a uma igreja que estava mais de uma milha de
Manresa. Creio que se chama São Paulo, e o caminho vai junto do rio
Cardoner. Indo assim em suas devoções, assentou-se um pouco com o
rosto para o rio, o qual ficava bem em baixo. Estando ali assentado,
começaram a abrir-se-lhe os olhos do entendimento. Não tinha
visão alguma, mas entendia e penetrava muitas verdades, tanto em
assunto de espírito, como de fé e letras. Isto, com uma ilustração
tão grande que lhe pareciam coisas novas. Não
se podem declarar os pormenores que então compreendeu, senão dizer
que recebeu uma intensa claridade no entendimento. Em todo o decurso
de sua vida, até os 62 anos de sua idade, coligindo todas as ajudas
recebidas de Deus e tudo o que aprendera por si mesmo, não lhe parece
ter alcançado tanto, quanto daquela só vez. Nisto ficou com o
entendimento de tal modo ilustrado, que lhe parecia ser outro homem e
ter outro entendimento, diferente do que fora antes” (Aut. 30). Uma
vez que se persuadiu de que não poderia viver e morrer em Terra
Santa, como era seu profundo desejo desde sua convalescença, Inácio
começa a formação intelectual; ele tem consciência que precisa
disso para poder fundamentar e contagiar sua experiência. Alí
a vocação laical,
tipicamente sua, começa a manifestar
um outro elemento importante: busca de companheiros a quem lhes
vai dando os Exercícios e lhes vai comunicando um modo de ser.
2.
Exercícios Espirituais: o berço da “inacianidade” O
básico da espiritualidade inaciana é experimentar,
sentir, fazer, saborear... É
a experiência – conhecer pelo sentir – que se vive na dinâmica
dos Exercícios Espirituais. Nos
Exercícios, “experimentar”
é fundamental, determinante. Três
verbos eixos são cruciais no caminho do “experimentar”
nos Exercícios: -
“sentir”- deixar
que minha sensibilidade vibre da mesma maneira que vibra a de Jesus; -
“fazer”- fazer
com e como Jesus, no horizonte da vinda do Reino; -
“padecer”- consequência
lógica de pretender o Reino à maneira de Jesus, frente ao poder
deste mundo que o rejeita. Conclui-se
que esta tríplice experiência – sentir,
fazer e padecer – pretendida na metodologia dos Exercícios,
constituirá a matriz para formar o “inaciano”
em alguém. Isso é o que estamos chamando de “inacianidade”.
Os
Exercícios Espirituais são um caminho de maturação
e de crescimento. A
essência dos Exercícios não é a fixação, mas o “pôr
em movimento”; não
é a afirmação dogmática-especulativa, mas a pergunta
contemplativa; não é catálogo de soluções, mas a
familiaridade com métodos de busca;
não é o “concordismo” despersonalizador, mas a máxima
personalização (e por isso, máxima liberdade) do discernimento;
não é uma pastoral de fórmulas acabadas, mas de interrogações
abertas em cadeia,
com as quais vai sendo levado “até
à verdade plena” (Jo. 16,13); não é ponto de chegada, mas “partidas”
para novos horizontes, para novas
fronteiras, deixando-se levar pelo Espírito, que tal como
vento “não se
sabe de onde vem nem para onde vai” (Jo. 3,8). Para
tornar possível este “experimentar”,
Inácio – grande conhecedor da pessoa – aproveita dos
mecanismos psicológicos que possibilitam a experiência. Tudo é
mobilizado para facilitar a imersão total da pessoa na oração, na
contemplação... Esta
experiência inicia-se com o Princípio e Fundamento. O
objetivo desta consideração nos Exercícios é, certamente, ganhar a
liberdade, ganhar a “indiferença”:
“é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas
criadas...” (EE. 23). “Indiferença”
entendida como liberdade frente a tudo, especialmente frente às
grandes sombras da vida: a morte, a enfermidade, o dinheiro, o
poder... Esta liberdade
se converterá em experiência fundante e geradora de uma série de
atitudes. S.
Inácio, numa das regras pouco conhecida, diz o seguinte em torno à liberdade: “Conserva
a liberdade em qualquer lugar, e diante de quem quer que seja, sem
fazer acepção de pessoas; tenha sempre liberdade de espírito ante
aquilo que tens à frente; e não a percas ante obstáculo algum.
Neste ponto não falhes nunca”. (Epp. XII, 678-679). Portanto,
aquele que captou o carisma inaciano será a pessoa livre
que não hipoteca sua liberdade
por nenhum preço. Grande sinal deste novo Princípio e Fundamento é “sentir
a liberdade”.
Obviamente que esta experiência não anda sozinha. Tem outras
realidades que a acompanham. Em
seguida, a experiência da Primeira Semana é a do(a) pecador(a)
perdoado(a). Esta
experiência é a que possibilita o diálogo proposto no colóquio de
misericórdia: “Que fiz por
Cristo? que faço por Cristo? que farei por Cristo?” (EE. 53). Aqui
nos encontramos diante do sentir
que se converte num fazer,
numa tarefa. Ou seja, a
experiência fundamental da primeira semana é a do pecador(a)
perdoado(a) a quem o perdão
se converte em missão, pois não é apesar de ser pecadores,
senão precisamente por isso que a pessoa é convidada a seguir Jesus,
para ser posta com Ele, na tarefa de construção do Reino. A
experiência de ser pecador(a)
perdoado(a), é a que matiza e impulsiona todos os traços da
espiritualidade inaciana. -2- Continuando,
temos a experiência da contemplação do Reino que nos
introduz de cheio na modalidade do fazer.
É fazer tudo à maneira de Jesus. E é fazer o Reino também nós.
Um fazer que é também “deixar-se
fazer”, deixar-se afetar – ser posto, ser eleito – deixar
atuar o Espírito (a graça). Com isto inicia-se a 2ª
Semana. A
seguir, a contemplação da Encarnação nos vai fazer “sentir”
o que sentiu a Trindade, olhando com ela, para logo percebermos sua
extrema solidariedade ao formular a frase: “Façamos
a redenção do gênero humano” (EE. 107). A contemplação nos
convida a isso também. A contemplação de toda a vida oculta,
é um caminho para aprender a sentir
e a proceder à maneira de
Jesus. O método da contemplação nos convida a ter seus mesmos sentimentos
e seu mesmo modo de proceder. Encontramo-nos,
a seguir, com a chamada jornada inaciana (Duas Bandeiras, Binários,
Três maneiras de humildade). Esta nos faz experimentar a compreensão
mais profunda dos desejos e
seu dinamismo. Primeiro, desejar ter desejos: isto seria o nível
do Princípio e Fundamento. Depois, de uma forma mais simples
– talvez no oferecimento do Reino – desejando de todo o coração. Para,
em seguida, aprender que a chave está em desejar “ser
postos com o Filho”. Experimentar
este desejo, nos dispõe
para a vivência da paixão (terceira semana). Experimentar
a paixão é o convite por excelência à solidariedade
como consequência do amor. Somos
convidados a “fazer e
padecer”: “que devo eu fazer e padecer por Ele?” (EE. 197). Finalmente,
a ressurreição – quarta semana – é experimentar a
esperança e a alegria da nova vida de Jesus: “pedir
graça para me alegrar de tanto gozo e alegria de Cristo nosso
Senhor” (EE. 221). É
aprender a “fazer esperança”
em nós e nos outros, sabendo que
é graça a pedir.
Os Exercícios culminam com a contemplação para alcançar amor,
que é a grande síntese de tudo. É
experimentar que é o amor
que deve reger, e também, que o amor
se expressa concretizando-se em ações. Esta contemplação revela a
chave da relação com Deus: de
amante a amado, de amado a amante (EE. 231). Em
síntese: seguindo a experiência dos Exercícios Espirituais, podemos
afirmar que o inaciano, a inaciana, é alguém que se formou numa
escola fundamental que lhe abre ao “sentir
profundo”, ao “fazer
como tarefa recebida, como dom”, e a ser capaz de “padecer”
por esse Jesus encontrado no sofrimento da humanidade, para vivenciar
também sua glória no contexto do Reino. Esta
é a vivência que animou aos primeiros companheiros de Inácio a
buscar outros companheiros e fazer organizações a serviço dos mais
necessitados; isto se fazia crucial a partir do que tinha sido vivido
do encontro nos Exercícios. Em
suma, a experiência dos Exercícios deve estar acompanhada de uma
experiência desafiante no
humano, no histórico. Muitas vezes os Exercícios perdem seu caráter
mordente, provocante, precisamente porque não são acompanhados ou
precedidos por uma experiência de solidariedade,
pelo menos em momentos sérios e significativos, com a dor da
humanidade, com a injustiça e com o querer devolver o rosto humano ao
mundo. Não
obstante, esta experiência de contato
sério com a dor do mundo – sobretudo para os(as) leigos(as) – não
está determinada unicamente por um tempo longo de contato com o
sofrimento das maiorias, senão por um encontro significativo com essa
realidade; um encontro que
pode partir de um acontecimento inesperado ou traumático, uma experiência
casual mas marcante, um diálogo profundo com alguém que compartilhou
de perto essa realidade, os meios de comunicação, ou algo similar.
Em definitiva, uma pessoa que fez a experiência dos Exercícios e tem
experiência de ter compartilhado de perto com as maiorias
necessitadas, poderá ter seguramente, em seu modo de ser e atuar, os traços
da espiritualidade inaciana.
Cf.
Carlos Rafael Cabarrus, La
espiritualidad ignaciana es laical – Apuntes sobre “ignacianidade”) -3- S.
Inácio dá numerosas indicações práticas para aqueles que fazem os
Exercícios Espirituais, mas se cala quando se trata daqueles que
fizeram a experiência dos mesmos Exercícios. No entanto, isto
não nos deve estranhar. S. Inácio confia na pessoa “provada
pelo fogo dos Exercícios”: ela saberá construir seu itinerário
espiritual, sob a ação do Espírito. Afinal, como se pode
falar de espiritualidade inaciana, de um caminho para Deus, sem ter “tempos
fortes” de oração pessoal, sem os exames
de consciência cotidianos, sem os sacramentos
da reconciliação e da Eucaristia, sem viver no dia-a-dia as opções
que Jesus viveu, sem sua preferência pelos pobres,
sem seu amor pela Igreja?... É
certo que S. Inácio não se preocupa com o que vai ocorrer após o
retiro. Não nos diz nada sobre a passagem e o retôrno à vida
cotidiana depois de um período intenso, agitado pelos espíritos; mas
ele confia, sim, na experiência
fundante que cada um conseguiu viver. S.
Inácio é muito consciente de que nada será como antes, senão que o
exercitante continuará num discernimento
orante, numa espiritualidade
encarnada.
Porque “ser posto com
Cristo”, graças à experiência dos Exercícios Espirituais,
significa estar capacitado pelo Espírito para optar como Cristo, na
realidade concreta e cotidiana da vida pessoal, social, eclesial... Para
S. Inácio, a fidelidade espiritual se traduz, em primeiro lugar e
necessariamente, na fidelidade ao tempo presente, ao “agora”,
ao “hoje”,
para não fugir nunca da realidade. “Buscar
e encontrar a Vontade de Deus”, tanto
dentro como fora dos Exercícios, inplica uma contínua e permanente
escuta e entrega à ação providente de Deus, no “aqui
e agora” cotidianos. Este
é o “itinerário inaciano” onde cada um deixa transparecer
aqueles “traços”
característicos da experiência vivida dos Exercícios, agora
encarnados num estilo próprio de viver, na cotidianidade da vida. 3.
Os traços característicos da inacianidade A
pessoa inaciana, aquela que vive a inacianidade,
manifesta alguns traços típicos no seu modo de viver e de ser. Eis
alguns desses traços: Inacianidade:
êxodo da estreiteza do próprio ser à largueza do coração A
experiência é a sabedoria da vida Caminho:
uma chave de compreensão da espiritualidade inaciana Inacianidade:
caminho para as profundezas do próprio ser Espiritualidade
do encantamento Ser
companheiro(a) de Jesus Mística
inaciana: da experiência interior à encarnação na realidade Experiência
inaciana: descoberta do mundo dos desejos O
“Magis” como propulsor da caminhada Inacianidade:
busca da maior Glória de Deus
Ser
inaciano: busca do maior Serviço
A
Paixão pela Missão
Santidade:
a ousadia de “deixar-se conduzir”
Uma
espiritualidade de paradoxos
Contemplativo
na ação
Uma
espiritualidade de discernimento
Eleição
em processo Comunidade
Inaciana: Amigos no Senhor
Escola
inaciana: um jeito próprio de rezar Inacianos:
homens e mulheres do mundo Vida
Inaciana: homens e mulheres de Igreja Espiritualidade
do trabalho Espiritualidade
do cotidiano criativo A
arte da conversação Inacianidade:
viver nas “fronteiras” |
MISSÃO
E APOSTOLADO
Muito
tem se falado em Missão Comum hoje na CVX.
Muitas comunidades estão discernindo ou se preparando para o
discernimento sobre seus campos missionários.
Mas muitos companheiros também têm se perguntado:
será essencial que eu, como membro CVX, tenha um apostolado específico?
Se olharmos para a teologia do batismo, percebemos que
a Missão é condição inerente de todo batizado, pois todo Cristão é
convocado a dar testemunho de Jesus Cristo e da Sua Missão.
Não devemos portanto achar que só estamos em missão quando estamos
agindo em alguma obra ou serviço de Evangelização e/ou promoção humana.
Antes porém, devemos
entender que a Missão é um “estado de ser” de todo cristão, sua
identidade intrínseca, que deve perpassar toda a sua vida de forma perene.
Olhando para nosso Princípio Geral nº 8, ele confirma este estado, senão
vejamos: “Nossa
vida é essencialmente apostólica. O
campo da missão da CVX não conhece limites:
estende-se à Igreja como ao mundo, a fim de levar o Evangelho da salvação a
todos e servir às pessoas e à sociedade, abrindo os corações à conversão e
lutando para transformar as estruturas opressoras.” Portanto
está correto quando escutamos alguns companheiros CVX dizerem que sua Missão
é sua própria vida, seu estilo de vida simples e seu testemunho nos ambientes
de família, trabalho, lazer, etc. Oxalá
tivessem todos os cristãos a consciência de ver em tudo que fazem
oportunidades para anunciar e viver o Evangelho, “até que Cristo
seja todo o meu viver”.
O
que devemos nos perguntar é: será que basta dar testemunho com a própria
vida? Isso já é suficiente para
viver a Missão? Não há uma
resposta certa ou errada neste caso. O
que podemos elencar são critérios. Jesus
Cristo além de testemunhar o Reino de Deus com a própria vida - pois ele mesmo
era o sinal mais autêntico do Reino – também ia ao encontro do outro
curando, libertando, agindo em favor do próximo, pois Ele mesmo dizia que o Espírito
“enviou-me para proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a
recuperação da vista; dar liberdade aos oprimidos, e proclamar o ano de graça
do Senhor” (Lc 4,18-19). O testemunho e o “estado de ser” do cristão só
têm sentido se estão voltados em favor do próximo. É preciso transformar o
potencial em gesto concreto. O amor
precisa de concretude. Aí, é só
olhar para o lado, principalmente num país injusto como o nosso, para perceber
que precisamos estar em missão concretamente, assim como os apóstolos de
Jesus. É preciso que tenhamos um apostolado.
Grosso modo, podemos dizer que o apostolado é a concretização da Missão
em favor do outro. Portanto, se é
importante que o membro CVX se sinta missionário nos ambientes em que vive, é
indispensável caminharmos na direção do “Magis”: transformar este espírito
missionário em gestos concretos através de um apostolado ativo, discernido
pela comunidade de pertença para que seja enviado e apoiado, transformando
assim seu apostolado em Missão comum, ou seja, compartilhada por toda a
comunidade.
CVX
Shalom
MÍSTICA
INACIANA: da experiência interior à encarnação na realidade “Encarnação: pensar pouco do ser humano é pensar pouco de Deus” Uma vez “experimentado”, durante o processo dos Exercícios, o encontro
com o Deus vivo, transcendente, totalmente Outro, que a acolhe no seu
amor, na sua misericórdia, a pessoa começa a ver os ho-mens e as
mulheres no mundo como Deus os vê. Precisamente por ter-se encontrado
com o Deus-Amor, a pessoa torna-se menos alienada, mais “encarnada” na realidade e mais comprometida
com os irmãos e irmãs no mundo, sobretudo com os mais pobres, os mais
sofridos e marginalizados; é aquela que mais se compromete com a justiça
e é a que mais desenvolve uma criatividade eficaz na história, com
obras que nos surpreendem. O ponto de partida é a contemplação
do mistério da Encarnação de Jesus Cristo (EE. 101-109). Desde
o 1º preâmbulo, a contemplação da Encarnação está toda
ela estruturada e dinamizada pelo olhar. Com
espantosa audácia, S. Inácio nos apresenta um Deus contemplativo que
olha e vê; um Deus comprometido com a vida e a salvação do gênero
humano; um Deus compassivo que se deixa atingir e comover pela miséria
e dor humana. Este foi o olhar
de todos os convertidos, de todos os místicos, de todos os apóstolos. Este olhar torna-se um convite a incorporar-nos à “contemplação” que Deus faz do mundo, que é a base, a alma de
toda ação apostólica. Por isso, contemplar o mundo a partir de Deus,
será, paradoxalmente, um convite a encarnar-se no mundo com Deus para
salvá-lo. “A arte de olhar a humanidade à maneira de Inácio, é
reflexo da bondade, benignidade, simpatia de Deus pelo ser humano(Tit.
3,5). É daqui também onde brota o reconhecido humanismo como característica
da espiritualidade inaciana: uma
visão completa e amável do ser humano, de seus problemas e
vicissitudes, uma sensibilidade para todo valor humano e um grande
interesse em promover o ser humano enquanto
tal, consciente de que isso forma parte da Redenção que se
iniciou com a vinda do Verbo” (I. Iglesias). O exercitante, adentrando-se na
Humanidade de Cristo, sente brotar em si entranhas
de misericórdia, levando-o à entrega e ao compromisso em favor dos
perdidos; faz-se colaborador
da salvação que Jesus realiza. Esta referência permanente à humanidade de Cristo se converte em critério básico de todo
processo espiritual. A humanidade pode acolher a Deus em
Cristo e iniciar com Ele um história
nova, um caminho novo. O mundo no qual Deus se encarnou é
o “nosso mundo”: o mundo
em que vivemos, com suas divisões e injustiças, ódios e mortes... o
mundo dos desesperançados e desesperados... Com grande simplicidade, S.
Inácio esboça um quadro da confusa complexidade e problematicidade do
mundo. O exercitante deve dizer a si mesmo: “eu pertenço a este
mundo, é o âmbito de minha existência,
estou imerso em sua confusa variedade e em sua problemática, que parece
sem saída. Ao enfrentar-me com os altos e baixos da realidade mundial,
dos destinos dos povos, dos âmbitos culturais, e ao esforçar-me em
participar verdadeiramente neles, vou tomando maior consciência de mim
mesmo”. Sabemos que os Exercícios não são
uma “privatização interior”,
senão que neles o exercitante passa, por amor pessoal ao Filho de
Deus, a formar parte de seu mesmo processo
encarnatório até à
plena e total solidariedade com a condição humana. Deste modo, “esvaziando-se”,
participa ativamente da
solidariedade de Deus com os homens, que é o centro da salvação.
Ou, se preferimos, penetra na nova
solidariedade humana em Cristo, que é a autêntica plenitude do
ser humano, sua verdadeira vocação original. Textos bíblicos:
Heb. 2,1-18 Rom. 8,1-17 Ef. 1,3-14
Gal.
6,1-7 2Cor. 5,11-21 1Jo. 1,1-4 Na oração:
Verificar, diante de Deus, se a experiência dos Exercícios
desencadeou no seu interior uma sensibilidade social, um espírito solidário
e um compromisso com o mundo da exclusão.
|
O
“MAGIS” como
propulsor da caminhada “Os que quiserem mostrar maior afeição e distinguir-se mais
em todo o serviço Todo
ser humano necessita de uma causa
última pela qual viver, um valor
supremo que unifique a diver-sidade de suas vivências e experiências,
um projeto que mereça
sua entrega radical. Cada um carrega den-tro de si a sede do infinito, a
capacidade para romper barreiras, de auto-transcender-se...Ele traz
dentro de si uma força que o
arrasta para algo maior que ele; traz uma aspiração
profunda de ser pleno, de realiza-ção, de busca do mais...
“Somente desejando e elegendo o que mais nos conduz para o fim que somos criados”
(EE. 23). Para
S. Inácio, o “magis”
é a resposta do ser humano ao Deus “trabalhador
e providente”. Diante
da Divina Majestade e da bondade infinita de Deus, a resposta do ser humano não pode ter limites; ele é chamado a “servir”
a Deus ao máximo. Este
é o ideal ao qual todos
devem aspirar; a meta de
todos é o próprio Deus ( “Sede santos como Eu sou Santo”),
e o caminho para Deus não conhece
barreiras, porque é um caminho aberto para o infinito. S.
Inácio assinala esta meta
com o têrmo “magis”, buscado em cada circunstância e em toda atividade. O “magis”
passa a significar entrega total e sem reservas para “inteiramente cumprir
é
preciso fazer o máximo para o louvor e o serviço do Senhor. Esse
desejar sempre mais impede a
pessoa de deter-se no caminho, de instalar-se naquilo O fundamento disso está na novidade
inesgotável do próprio Deus, um Deus que se faz É próprio de Deus “afectar” o íntimo do
ser humano, atraindo-o para si, estimulando-o, O “magis”
está sempre presente e ativo na vida da pessoa inaciana como um princípio e critério
que a orienta até nas mínimas decisões; mas, mais que um critério,
trata-se de um “clima
espiritual” que envolve toda sua ação e espiritualidade
apostólica. No esforço por viver o “magis”
realizar-se-á aquela contínua progressão espiritual, aquela contínua
superação de si mesma e maior impulso no seguimento de Jesus
Cristo.Trata-se de um “crescimento
vital”. A sede de autenticidade, de generosidade, de renovação
contínua... vai incitando-a a ser uma outra pessoa, uma pessoa nova. Todo
ser humano é alguém capaz de crescer, de fazer mais, de ser mais;
não crescer é sinal de morte. Magis:
- expressa uma dimensão evangélica própria do seguimento de Cristo; exige-se o maior
amor; - o “magis” impede a acomodação, põe a pessoa em movimento,
levando-a à busca da excelência - o “magis” exige da
pessoa uma disponibilidade
permanente; há sempre algo a discernir e realizar por Deus; faz a pessoa estar sempre aberta às situações
novas e sempre disposta a mudar; - “magis” não é
comparativo, mas superlativo; “é
o desenvolvimento mais pleno possível das capacidades
individuais de cada pessoa em cada etapa de sua vida, unido ao desejo
de continuar este desenvolvimento, ao longo Textos bíblicos: Gen. 18,1-18 Sab.
11,21-26 Fil.
4,10-20 Mt. 25, 14-30
Mc. 10,17-22 Na oração:
- verificar as motivações
profundas que movem e regem sua vida;
- a busca do maior bem
é critério e fundamento da sua ação cotidiana? O impulso a fazer “mais”,
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OPÇÃO
PELOS POBRES E CONTRA A POBREZA O Amor que “desce do alto”
pelos pobres. O Amor que “desce do alto” para
todos os pobres. O Amor que “desce do alto”
contra toda pobreza. Para S. Inácio, ninguém que
pretenda ordenar seriamente a sua vida, Nas “Regras para distribuir esmolas” (EE. 337-344), S. Inácio enraíza
o amor concreto aos pobres no “alto”, em Deus: “... aquele amor que me move e me faz dar a esmola desça do alto, do amor de
Deus Nosso Senhor...” (EE. 338). O amor
preferencial pelos pobres
é divino, antes de ser humano. E o ser humano só pode assumí-lo como
seu, seja porque antes o contemplou na prática salvadora e amorosa do
próprio Jesus, seja porque este amor
foi por Deus colocado no mais profundo do seu coração. A grande
intuição de Inácio é que o amor
preferencial pelos pobres, não é meramente um amor de amizade
(filia), ou uma solidariedade humana, mas é o amor
de doação, gratuito, isto é, o amor
ágape. É o ágape de
Deus que se encarna em nossa capacidade de doação e de perdão. O esforço dos Exercícios
de “tirar de si todas as afeições desordenadas” tem como
meta permitir que o ágape
de Deus se apodere de nossa capacidade de amar. “O ser humano não ama
verdadeiramente a seu irmão a não ser que ame com o amor d’Aquele que nos amou primeiro (1Jo. 4,19-21).A opção
pelos pobres e pela pobreza,
é, portanto, uma opção de Amor”.
Há aqui outra característica do ágape
de Deus: no dom ao outro, ressoa o dom de Sua vida”.
É aí onde Inácio multiplica, nos Exercícios, as expressões “humilde”,
“humildade”, “humilhação”... A humildade inaciana é a maneira divina de amar:
o Amor de Deus, revelado em Cristo, consiste em oferecer-se
humildemente aos pobre para que eles vivam. O amor preferencial pelos pobres passará, através de inevitáveis humilhações,
a um amor que rechaça todo e
qualquer dominação, toda violência, toda ganância... de uma
sociedade consumista. O amor preferencial pelos pobres, tal como aparece nos Exercícios não
é, portanto, algo ideológico, filantrópico ou político-partidário.
É sim, algo que se configura na pobreza
e humilhação concretas para
encontrar-se com o Cristo pobre
e humilde. Nos Exercícios,
Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição
divina, se encarna, se esvazia. É esse Cristo
pobre a única via de acesso ao mistério glorioso do Amor de Deus. A pobreza, nos Exercícios, toma agradavelmente o aspecto da gratuidade,
que se opõe à avareza. A gratuidade significa a mudança radical da sociedade humana,
que somente o “amor que desce do alto pode criar”. A nossa ação,
que é uma resposta à interpelação do rosto do pobre, nasce da
absoluta gratui-dade de Deus e é chamada a manifestar esta gratuidade.
Somos chamados a testemunhar que se pode ser feliz vivendo uma
cultura da gratuidade, uma
cultura da moderação, que
possibilite uma divisão dos bens mais igualitária e justa para todos e
que favoreça melhores condições de realização humana. Os
Exercícios, escola de liberdade cristã, dão ao amor preferencial pelos pobres, por todos os pobres, a verdadeira
dimensão cristã: a resposta livre ao amor
pelos pobres que Deus, desde o alto, revela em Cristo pobre, rico em Espírito. O encontro com o “outro”,
pobre e marginalizado, dá um toque especial à nossa
espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação
ser mais radical – mais enraizada em si mesmo e mais fundo nas raízes
da injustiça. Aproximar-se do “pobre”
e deixar-se “afetar” pelo
seu sofrimento, torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas fraquezas
suscitam em nós o melhor de nós mesmos e ao nos envolver Na experiência de “convivência”
com os pobres adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar,
da simplicidade, da hospitalidade...
Eles tem um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade.
Eles se tornam nosso amigos. “Nosso
compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres”
Textos bíblicos:
2Cor. 8,7-15 Mc. 12,41-44
Mt. 19,16-30
Mt. 10,1-16
Mc. 6,30-44
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