REGRAS PARA SENTIR NA IGREJA

 

352 - Para sentir verdadeiramente como se deeve na Igreja militante 

353. 1ª regra. Renunciando a todo juízo próprio, devemos estar dispostos e prontos a obedecer em tudo à verdadeira esposa de Cristo Nosso Senhor, isto é, à santa Igreja hierárquica, nossa mãe.

354. 2ª regra. Louvar a confissão sacramental e a recepção do Santíssimo Sacramento pelo menos uma vez por ano, muito mais todos os meses, melhor ainda cada semana, com as disposições devidas que se requerem.

355. 3ª regra. Louvar a assistência freqüente à missa, como também os cantos, salmos e longas orações dentro e fora da Igreja. Da mesma forma, as horas ordenadas no tempo designado para todo o ofício divino e para todas as orações e todas as horas canônicas.

356. 4ª regra. Louvar muito as ordens religiosas, a virgindade e a continência. E também o matrimônio, mas não tanto como qualquer destas.

357. 5ª regra. Louvar os votos religiosos de obediência, pobreza e castidade e os outros votos de perfeição voluntária.

É de notar que o voto, tendo essencialmente por matéria coisas que conduzem à perfeição evangélica, não se pode fazer de coisas que afastam dela, como de ser comerciante ou de abraçar o estado matrimonial etc..

358. 6ª regra. Louvar o costume de rezar aos santos e venerar as suas relíquias ; louvar as estações, as peregrinações, as indulgências, os jubileus, as bulas da cruzada, o costume de acender velas nos templos.

359. 7ª regra. Louvar as leis a respeito dos jejuns e abstinências da quaresma, das quatro têmporas, das vigílias, da sexta feira e do sábado, assim como as penitências, não só interiores, mas mesmo exteriores.

360. 8ª regra. Louvar o zelo pela construção e ornamentação das Igrejas. Louvar o uso das imagens, e venerá-las conforme o que representam.

361. 9ª regra. Louvar finalmente todos os preceitos da santa Igreja, e estar disposto para procurar razões em sua defesa, e nunca para os criticar.

362. 10ª regra. Devemos ser mais prontos para aprovar e louvar as diretrizes, recomendações e comportamento dos nossos superiores (do que para os criticar). Porque, supondo que algumas das suas disposições não sejam, ou não tenham sido tais (que mereçam elogio), falar contra elas, quer em sermões ao público, quer em conversas com os simples fiéis, originaria mais críticas e escândalo do que proveito : o povo viria a irritar-se contra os seus superiores, quer temporais quer espirituais. Todavia, assim como é prejudicial falar mal dos superiores na sua ausência diante do povo humilde, assim pode ser útil falar dos maus costumes às pessoas que podem remediá-los.

363. 11ª regra. Louvar a teologia positiva e a teologia escolástica. Porque, como é mais próprio dos doutores positivos, tais como S. Jerônimo, Sto. Agostinho, S. Gregório e outros mover os afetos e levar os homens a amar e a servir em tudo a Deus nosso Senhor, assim é mais próprio dos escolásticos como Sto. Tomás, S. Boaventura, o Mestre das Sentenças e outros definir e explicar, conforme as necessidades dos tempos modernos as coisas necessárias à salvação eterna, e atacar e explicar melhor todos os erros e falsos raciocínios. Com efeito, os doutores escolásticos, mais recentes que os primeiros, não somente se servem do conhecimento da Sagrada Escritura e dos escritos dos santos doutores positivos, mas, esclarecidos e ensinados pela virtude divina, ajudam-se também dos concílios, dos cânones e constituições da nossa santa madre Igreja.

364. 12ª regra. Evitemos fazer comparações entre pessoas ainda vivas e os santos que estão no céu. Porque há muito perigo de nos enganarmos neste ponto ; quando dizemos, por exemplo, que este homem mais sábio do que Sto. Agostinho, que é um outro S. Francisco ou maior ainda, que é um outro S. Paulo na virtude, na santidade etc..

365. 13ª regra. Para em tudo acertar, devemos estar sempre dispostos a crer que o que nos parece branco é negro, se assim o determina a Igreja hierárquica ; persuadidos de que entre Cristo Nosso Senhor - o Esposo - e a Igreja - sua Esposa - não há senão um mesmo Espírito, que nos governa e dirige para a salvação das nossas almas. Porque é pelo mesmo Espírito e mesmo Senhor, autor dos dez mandamentos, que se dirige e governa a santa Igreja, nossa mãe.

366. 14ª regra. Embora seja muito verdade que ninguém se pode salvar sem estar predestinado e sem ter fé e a graça, contudo precisamos ter muito cuidado na maneira de falar e discorrer sobre este assunto.

367. 15ª regra. Habitualmente não devemos falar muito de predestinação. Mas se em alguma ocasião se falar disso, faça-se de maneira que os simples fiéis não caiam em algum erro. Algumas vezes isso acontece, quando concluem : "Se já está determinado que me vou condenar ou salvar, não são as minhas simples ações boas ou más que hão de mudar esta determinação". E com este raciocínio tornam-se negligentes e descuidam as obras que conduzem à salvação e ao proveito espiritual das suas almas.

368. 16ª regra. Da mesma forma é de advertir que, por falar muito de fé e com muita insistência, sem nenhuma distinção ou explicação, não se dê ocasião ao povo de vir a ser negligente e preguiçoso, quer antes de a fé estar informada pela caridade, quer depois.

369. 17ª regra. Igualmente não devemos insistir tanto na graça a ponto de se produzir o veneno que nega a liberdade. Pode-se com certeza falar da fé e da graça, mediante o auxílio divino, para maior louvor de sua divina Majestade, mas não de tal forma nem por tais modos, mormente em nossos tempos tão perigosos, quer as obras e o livre-arbítrio sejam prejudicados ou mesmo negados.

370. 18ª regra. Embora devamos estimar acima de tudo o serviço de Deus nosso Senhor por puro amor, devemos contudo louvar muito o temor da divina Majestade. Porque não somente é piedoso e santíssimo o temor filial, mas até o mesmo temor servil, o qual ajuda muito a sair do pecado mortal, quando o homem não alcança coisa melhor ou mais útil. E quando sai dele, facilmente o ajuda a alcançar o temor filial, que é totalmente querido e agradável a Deus, por ser inseparável do divino amor.

 Santo Inácio de Loyola

 

Liberdade interior e Amor, chaves para se bem sentir com a Igreja

 

Refletir sobre as Regras para sentir na Igreja (EE 352–370), como está registrado no texto autógrafo dos Exercícios, é voltar àquele mundo do final da Idade Média e começo do Renascimento no qual viveu Inácio de Loyola, mundo este que é muito diferente desse no qual estamos aqui hoje no início de Século XXI.  

Inácio possuía uma percepção muito fina da alma humana e do comportamento dos homens e foi a partir do exame dos  problemas que incomodavam e eram até causa de pecados para os cristãos daqueles tempos que ele escreveu as Regras para sentir com a Igreja. Não existe então dúvida de que as Regras são datadas, mas cabe aqui uma pergunta. Considerando as Regras terem sido redigidas num mundo de realidades bem distantes das nossas, elas não devem mais ser por nós, gente inaciana da CVX do Rio de Janeiro, serem consideradas?  

A resposta é rápida e bem simples. Elas têm que ser levadas em consideração,  pois que os sintomas dos problemas mudaram, mas nós, os homens, somos os mesmos e sem dúvida que os fatos geradores dos problemas, a raiz profunda deles, que fizeram com que o Santo escrevesse as Regras, continuam aí presentes no meio de nós.  Nada mais são essas causas fundamentais do que as afeições desordenadas que nos afastam do serviço e do amor de Deus e que para ordená-las, conforme a Primeira Anotação, foram feitos os Exercícios.  

Considerando-as então hoje na vida diária, caberá a cada um de nós, membro da CVX neste que é o primeiro ano do pontificado de Bento XVI, a reflexão para que possam ser trazidas à luz dos nossos  exames de consciência, quais são para a minha situação específica e também para a de toda a Igreja atual, o que foram para Inácio de Loyola e seus companheiros aqueles fatores que o fizeram deixar registradas as Regras, ou seja: os alumbrados, as confusões causadas pelas idéias de Erasmo, as condutas reprováveis de gente do clero e também do povo e as questões da Reforma de Martinho Lutero.  

As Regras são, portanto, necessárias à nossa espiritualidade e devem ser relidas e revistas à luz da problemática atual. Ao fazer a releitura veremos que algumas delas nem têm a precisão de atualização, pois que transcendem ao tempo em que foram feitas e continuam atualíssimas e devem estar sendo por nós observadas como “membros da Igreja que trabalhamos juntos com a Hierarquia e outros líderes eclesiais”, conforme nos diz o Princípio Geral número 6.  

O tamanho hoje incomparavelmente maior da humanidade cada dia mais global  e as comunicações que de todos, mesmo daqueles mais distantes, nos faz unidos e nos põe a viver os fatos no mesmo momento em que estejam acontecendo em qualquer lugar que seja do planeta, fazem com que os problemas se ampliem muito mais hoje do que nos tempos de Inácio no Século XVI. Temos hoje em dia, por causa disto, problemas maiores pelo menos em dimensão e diversidade. Apreciando com os olhos de 2006 esse distante mundo do Santo, temos a sensação de que aqueles vividos por lá eram problemas menores, sendo, portanto de muito mais simples solução do que são os nossos de hoje em dia que tanto nos afligem. Não é válido este tipo de comparação, pois que temos atualmente, em contrapartida, muito melhores e maiores ferramentas e mais vastos conhecimentos do que aquele povo ainda bem medieval possuía. Ao contrário daqueles dias, vivemos hoje situações impensadas para aquele povo como:  o pluralismo cultural, a crise de credibilidade das instituições, a velocidade vertiginosa das mudanças a cada dia mais profundas e impactantes, as questões de alta complexidade ligadas ao avanço da biogenética, na Igreja a convivência das mais diversas eclesiologias gerando tensão da periferia para o centro, as questões angustiantes ligadas à família e por aí vai... 

O fato é que vivemos em um planeta que nos é causador de constante perplexidade, dúvida e stress, com certeza em dose muito maior do que aquela existente no mundo no qual os nossos irmãos, contemporâneos de Inácio, estavam inseridos. Por isto, podemos considerar que é ainda mais necessário hoje do que o foi naqueles tempos dos primórdios da Companhia de Jesus e da Congregação Mariana, a nossa atenção com o Sentir com a Igreja. Nada mais atual e necessário então este momento que estamos tendo aqui e agora nessa tarde de formação de membros CVX do Regional Rio.  

Ao nosso jeito de ser a primeira aproximação às Regras para o sentir com a Igreja não costuma, como bem diz a propaganda de cerveja, nos “descer redondo”. A assimilação tende a ser lenta e gradual. Principalmente, e este é o nosso caso, quando as estamos vendo fora do Retiro (mesmo que ele esteja se dando na vida diária) dos Exercícios Espirituais.  

As Regras para sentir com a Igreja estão colocadas dentro do livrinho de Exercícios e é dentro deles que elas fazem para nós todo sentido. Para isto temos que reparar em que local dentro do livro dos Exercícios elas foram inscritas pelo Santo. Lá as Regras estão guardadas exatamente no final dele e isto não pode ser visto como algo fortuito e sem um sentido maior. Estar dentro do livrinho e, ainda mais, estar no final dele tem um sentido claro e que deverá ser levado em consideração. Estar ao final dos Exercícios pressupõe que as Regras para sentir com a Igreja não são para qualquer cristão que passe pela porta dum templo e aí as apanhe ou receba sem maiores explicações, da mesma maneira com que se benze na pia de água benta ali disponível. O sujeito apto a entendê-las e vivê-las é determinado pela vivência fundante dos EE.  

As Regras são um final de etapa, colocadas sabiamente por Inácio para serem dadas somente depois que o retirante tenha passado pelo longo caminho dos Exercícios. Elas somente não causarão choque como a gota de água que bate na pedra e farão todo sentido e serão por nós recepcionadas como a mesma gota que agora cai na esponja, para aqueles que tenham experimentado a estrada dos Exercícios Espirituais. 

Para se bem entender as Regras, e mais que entender, pois que como tudo em Inácio, elas foram feitas não apenas para a inteligência mas para todos os nossos sentidos, há que se ter vivido o Princípio e Fundamento; ter-se optado pelo Rei Eterno e, sob sua bandeira ter combatido o inimigo; tem também que haver passado pelas três peneiras dentro das quais vão ficando os tipos de homens; ter considerado a vida a partir dos três graus de humildade; até que enfim, tenha vivido a Contemplação para alcançar amor.  

Eis aí os destinatários para os quais Inácio escreveu as Regras para sentir com a Igreja. Elas foram feitas e devem ser seguidas por todo aquele que tenha completado o itinerário dos Exercícios Espirituais. Somente depois de termos passado pela experiência de profunda liberdade interior dos Exercícios, estaremos prontos a entender, sentir e obedecer à nossa querida mãe, a Santa Igreja hierárquica. E quando Inácio fala em Igreja hierárquica, ao contrario do que muitos podem pensar, ele não nos quer falar apenas da hierarquia da Igreja. Para Inácio, Igreja hierárquica somos nós todos, o povo de Deus em marcha para o Pai.   

Toda a vida de Inácio é um testemunho fiel e eloqüente do seu amor à Igreja. Mesmo em momentos extremamente difíceis o Santo não falta a este amor e respeito, mas há que se tomar cuidados quanto a este ponto porque para Inácio o sentir com a Igreja nunca teve o sinônimo de ser subserviente. Sentir com a Igreja para ele pressupõe espírito crítico, fé madura. Tem que fazer-nos estarmos atentos a tudo que acontece na mãe Igreja e que não é coisa do bom espírito. Da mesma maneira que as Regras precisam ser revistas para sua adequação aos problemas atuais, também o devem ser na questão do cuidado com a evolução semântica dos termos nela existentes, “pois que a expressão ‘sentir com a Igreja’ passou a ser para muitos uma submissão mecânica e total diante da autoridade eclesiástica, especialmente do Sumo Pontífice. Esta releitura superficial e redutora (...) acabou forjando uma caricatura simplista da sensibilidade eclesial de Inácio e de sua concepção de obediência, atribuída por fim a toda a Companhia de Jesus”. Como bem nos lembra o Padre França Miranda sj,  em artigo sobre o tema na Revista Itaici número 13.  

Lembremo-nos sempre que Inácio questionava, buscava convencer, procurava aliados, todas as vezes que na vida ele teve a convicção clara de que havia a necessidade de defender aquilo em que acreditava, principalmente se aí estivessem envolvidas as coisas dos Exercícios Espirituais e da Companhia de Jesus.   

À tremenda liberdade interior que possuía – e que nos legou a todos que seguimos a espiritualidade dos Exercícios – Inácio trazia aliada uma quantidade imensa de amor à Igreja. Igreja que não era nenhuma entidade etérea e idealizada, mas povo de Deus em peregrinação, inserido num mundo real de muitos problemas e desmandos, como também de muita santidade. A mãe Igreja de Inácio é santa e também é pecadora, como a nossa mãe Igreja de hoje.  

Não é porque a nossa mãe não é uma miss, é idosa, tem rugas, não age como gostaríamos que agisse, tem atitudes que podem até nos trazer constrangimentos, que nós a iremos amar menos. Ao contrário, Inácio nos quer mostrar que a mãe Igreja é merecedora do nosso amor exatamente não primeiramente pelos seus méritos e santidade, mas por ser nossa mãe com todas as suas limitações e seus pecados.

O amor à Igreja em nenhum momento poderá estar distante da liberdade interior, porque caso isto ocorra, poderemos tratar a nossa mãe de forma menos afetuosa, pois que haverá o risco de darmos ênfase à crítica aos seus defeitos, deixando em segundo plano, ou mesmo esquecido de lado, o louvor à sua santidade.   

Quem sabe não teria sido outra a história tão dolorosa, caso aquele famoso frade Agostiniano tivesse vivido em tempos depois de Inácio, ou se o Santo tivesse nascido alguns anos antes que Lutero e dos outros protagonistas da cena e tivesse acontecido que, pela graça de Deus, eles, tivessem tido acesso aos Exercícios Espirituais e conseqüentemente às Regras para o sentir com a Igreja ao final deles. Acho que podemos imaginar se não teria havido, nesse caso, na receita da Reforma Luterana uma melhor distribuição dos dois ingredientes tão presentes e necessários da receita de Inácio: liberdade interior e amor à Igreja. Conhecedores que somos de toda a força dos Exercícios, imagino que talvez essa experiência conjeturada nos meus sonhos, tivesse feito com que os problemas não tivessem tomado a dimensão que tomaram e o afastamento tão triste e traumático que causaram.  

Passar pelos Exercícios, ou dizendo de outra forma, deixar que os Exercícios passem por nós, é viver uma experiência de profundidade impar de liberdade interior e de amor à Igreja. A partir dessa experiência fundante fica muito mais simples entender e sentir que o que é branco é preto e o que é preto é branco da mesma maneira que sentimos e entendemos que naquele pedacinho redondo de pão está o corpo do Nosso Senhor. 

                 Fernando Dias Cyrino – Pré CVX São Francisco Xavier

 

352.  ORIENTAÇÕES PARA SENTIR COM JESUS NA COMUNIDADE CRISTÃ, EM QUE ELE VISIVELMENTE SEGUE PRESENTE E ATIVO

353.  1. A primeira é crer, mesmo se for necessário superando algumas aparências em contrário, na comunidade cristã tal como é, em que Jesus vive presente e ativo na história.

354-5.  2 e 3. Apoiar sinais e práticas oficiais ou não oficiais que expressem, celebrem e alimentem a vida da comunidade, e que correspondam tanto à tradição e costume da comunidade como às necessidades atuais de cada povo e cada grupo cristão.

356-7.  4 e 5. Elogiar e ter em muita estima às formas de vida cristã que mais visivelmente reproduzem o modo de vida e o estilo de Jesus; e não elogiar tanto as contrárias, ainda que em si sejam também convenientes e boas.

358-61.   6-9. Elogiar e respeitar as formas e costumes em que o povo simples vive sua fé cristã…

362.  10. Procurar interpretar bem as atitudes e ensinos das autoridades, sem as julgar levianamente; e se forem menos cristãs, não falar com leviandade, mas sim tratar de ajudar para que melhorem ou se corrijam.

363.  11. Elogiar e apoiar a variedade e liberdade de pensamento dentro da comunidade, entendendo que diversas expressões da mesma fé respondem a necessidades diversas, segundo as culturas, os povos, as épocas, os sexos, as idades e os temperamentos; e valorizando assim também as expressões dos tempos passados, pelas quais se transmitiu o ensino e a vida de Jesus até nós.

364.  12. Evitar todo juízo a respeito das intenções ou da fé de outros irmãos.

365.  13. Ser solidário com a comunidade e desejar sempre aprender dela, disposto a trocar meu modo de pensar se fizer falta, acreditando com firmeza que o mesmo Espírito que guiou a Jesus é o que guia a comunidade, e é ele quem nos conduz com liberdade na entrega verdadeira e eficaz à causa de Jesus.

366-9.  14-17. Algumas maneiras de ser, de pensar, de falar ou de fazer as coisas, à primeira vista podem parecer opostas entre si. Nesses casos deve-se tomar cuidado, sobretudo diante de pessoas pouco formadas; porque há perigo de que se insistirmos muito em uma coisa, isso se interprete como que estamos contra a outra, e isso pode resultar danoso para alguns.

370.  18. Não devemos pretender exigir a máxima perfeição em tudo, nem menos se isto significar desprezo de coisas menos perfeitas; pois muitas vezes estas coisas menos perfeitas são o caminho que vai dar nas mais perfeitas 

Félix Palencia sj

 

 

O que fica e o que não fica nas Regras para Sentir com a Igreja

 É importante aprender a distinguir entre a intuição profética de Inácio e o contexto histórico no qual ele viveu. Há coisas que já não servem e outras que têm uma tremenda atualidade.

O que não fica destas regras:

• Os costumes e formas de piedade daquela época.

• Seu contexto de Cristandade e seus elogios à Escolástica.

• Uma Igreja na defensiva, atacante e ressentida.

• O respeito religioso às autoridades civis.

• O paternalismo de ocultar ao povo a realidade.

 

O que fica hoje:

• A Eclesiologia de fundo, que tem que se desenvolver à luz do Vaticano II como Teologia de Comunhão como imagem da Trindade.

• Não viver a Igreja como algo exterior, mas sim como uma vivencia comunitária do Espírito do Ressuscitado.

• Obediência, na dimensão vertical e horizontal, sem anular a co-responsabilidade comunitária.

• A atitude de elogio: capacidade para elogiar o bom e positivo.

• A acolhida respeitosa do pluralismo eclesial.

• O amor e respeito à Igreja e à sua gente, desde dentro, como membros de uma mesma família.

• Tratamento discreto dos defeitos: crítica cheia de compreensão, procurando solucionar os problemas.

• Não identificar a Igreja com a hierarquia, mas sim com a comunidade cristã.

• Pedagogia catequética na transmissão da fé.

• Elogio à renovação da Liturgia

 

Victor Codina sj

 

Amor à Igreja

 Em alguns países se vacila ou não se atrevem a dar a conhecer as regras para o sentido verdadeiro que devemos ter na Igreja militante. Aparentemente há uma espécie de abismo entre a contemplação para alcançar amor e o que parece uma obediência cega à Igreja e às coisas da Igreja. Corremos o risco de esquecer que durante a prolongação da quarta semana, Inácio devia propor uma disponibilidade de coração para servir à Igreja, posto que todas as aparições do Ressuscitado tinham como fim edificar a Igreja dos apóstolos…

Com sua habitual sobriedade Inácio faz sentir que faz falta a linguagem do amor para viver o mistério de uma instituição que com suas debilidades e seus limites, segue sendo a esposa de Cristo, quem não cessa de consolá-la… Na prolongação do amor do Ressuscitado por sua Igreja nascente, Inácio jamais vê alguma contradição entre as regras do “sentir com a Igreja” e a contemplação para alcançar amor. Certamente que não é casualidade que toda a quarta semana esteja inspirada pelo encontro do Ressuscitado com sua Mãe. Como sublinham os Princípios Gerais, Nossa Senhora é como o modelo de nossa própria colaboração com a missão de Cristo, precisamente porque o amor que demonstra seu “sim” não é conservado ciumentamente em seu coração, mas sim conduz a um “sentir com” a jovem Igreja dos apóstolos, em meio da qual ela comunica do alto seu amor pela Igreja…

Mais tarde, quando Inácio recorda que a Igreja o impediu de trabalhar na Terra Santa, não pode senão elogiar o amor de Deus que por essa dolorosa medida disciplinadora tornou possível um serviço maior. Sem esse rechaço, nem a CVX nem a Companhia de Jesus estariam trabalhando no coração da Igreja. Por conseguinte, se nosso discernimento, nossos sonhos e desejos apostólicos, colidem com a realidade da Igreja, ou com as orientações pastorais das Igrejas locais, ou nos levam a combater com movimentos eclesiásticos novos, ou à desunião que pode romper a comunidade eclesial, ou a um ou outro escândalo entre homens de Igreja, então Inácio nos incita a manter uma linguagem de amor —se trata de nossa mãe—, o que certamente não exclui a verdade, toda a verdade. Em qualquer caso, por amor à Igreja —uma Igreja tão diferente da que conheceu Inácio— a CVX e a Companhia de Jesus deverão discernir o que será concretamente o serviço que o Senhor lhes confia do alto. Estou contente de que a CVX e os jesuítas tenham retomado o desafio da missão, discernindo como ser aqui e agora servidores e servos da missão de Cristo  

Peter Hans Kolvenbach sj., Assistente Mundial da CVX, Itaici 98

 

 

União íntima da Igreja com toda a família humana

 

O gozo e a esperança, a tristeza e a angústia, dos homens de nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos, são também gozo e esperança, tristeza e angústia dos discípulos de Cristo e não há nada verdadeiramente humano que não tenha ressonância em seu coração. Pois a comunidade que formam está  composta por homens que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo em seu peregrinar para o Reino do Pai e que receberam a mensagem da salvação para oferecer a todos. Por isso, sente-se verdadeira e intimamente solidária com o gênero humano e com sua história

 Vaticano II, Gaudium et Spes, 1

 

 

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santidade

SANTIDADE: a ousadia de “deixar-se conduzir”

 

“Era conduzido por caminhos antes inimagináveis...”

 

Na vida de um(a) santo(a), mais que contemplá-lo(a) na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o(a) conduz.

                        “O santo é aquele que é humano por excelência”.

Um(a) santo(a) é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um(a) santo(a)  ultrapassa nossa estatura.
Algo de “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos.
Uma imagem, modelo e diretriz se apresenta à consciência das pessoas e comunidades.
Os santos cristãos são personagens de limiar, de fronteira...; são pessoas de atitude ex-cêntrica: é sempre o Outro quem os conduz.
O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força  divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza humana.

“Neste tempo Deus o conduzia da mesma maneira que um mestre de escola conduz um discípulo: ensinando-o”   (S. Inácio – Aut. 27).

“Sereis santos, porque eu sou SANTO” (Lev. 11,45).

Ser santo é ser dócil para “deixar-se conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.   Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.   Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.

“Inácio seguia o Espírito, não se adiantava a Ele. Deste modo era conduzido com suavidade  para onde não sabia. Aos poucos o caminho se lhe abria e o percorria sabiamente ignorante, colocando, simplesmente, seu coração em Cristo” (P. Nadal).

“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e que impulsionará sem limites. É colocar-se na disposição espiritual por excelência de “dejarme llevar hasta ponerme com el Hijo en la Cruz” (S. Inácio). É também uma ousadia porque a pessoa confia cega e descansadamente na força do Senhor que não falha.  

Nesse processo, o(a) santo(a) se converte em teóforo, alguém que tem sua natureza transformada na do Deus que o habita. Seu comportamento no mundo é imagem fiel do comportamento do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...   Ser inaciano(a)/santo(a) é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo. Por isso, a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista... ela não sucumbe às idolatrias do progresso, da eficiência, da produtividade...

O mundo moderno exige uma nova forma de santidade: a santidade da “vida cotidiana”, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos cotidianos.
Surge a imagem de um(a) santo(a) que é filho(a) do momento e da situação presente... cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua correspondência à Vontade de Deus expressa na situação concreta.
O(a) inaciano(a) que passou pela experiência dos Exercícios, é aquele(a) que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para o mundo, é um biófilo (amigo da vida); é um(a) co-operador(a), agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação.

Diante de uma realidade que ameaça o ser humano pelo anonimato, pelo artificialismo, pela massificação, o santo  da atualidade restaura a inviolabilidade do “sacrário” mais íntimo da existência individual seu núcleo original enquanto pessoa: o diálogo com Deus. Um diálogo que se dá dentro do mundo, não para negá-lo, mas sim para injetar no interior das veias deste mundo a Graça transfiguradora da Caridade.

 

Textos bíblicos:  1Tes. 4,1-12   Ef. 1,3-14    1Cor. 1,1-9    Col. 1,3-13   2Tim. 1,6-12
                           Col. 1,21-23

 

Na oração: S. Inácio nos recomenda verificar qual é a intenção,  qual é a motivação que está por detrás de  cada ato, de cada atividade: para quê? para quem? por quê?  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


sercompanheiro

SER COMPANHEIRO(A) DE JESUS

 

“Não somos meramente companheiros de trabalho; somos “amigos no Senhor”

 

Desde os primórdios de sua conversão, um desejo habita o coração de Inácio: compartilhar com os outros o que ele experienciou. Ele convence, comove e converte pela firmeza e profundidade de suas convicções, pela autenticidade de suas palavras e de sua conduta, pela irradiação de sua vida espiritual.

Ele “seduz”,  ganha a simpatia, a amizade, a admiração das pessoas pela comunicação apaixonada e serena de sua experiência de Deus.  Há um segredo em sua capacidade de contagiar as pessoas: a identificação com Jesus Cristo.  Em sua viagem à Terra Santa, Inácio ficou muito marcado com a imagem do Cristo companheiro, que o chama a trabalhar com Ele. Em cada canto daquela terra ela “via”  Jesus ocupado em estabelecer o Reino do Pai. E não estava só, mas com o grupo dos apóstolos, companheiros de Jesus e companheiros entre si.

Ordinariamente, a palavra “companhia” foi identificada com algo guerreiro ou de armas (é uma interpretação tardia em castelhano e não pretendida por Inácio); no entanto, etimologicamente, “companheiro”- “companhia”  tem a ver com o fato de “compartilhar o mesmo pão”.

Companheiro é quem come o pão com outro.

Por isso, Inácio-leigo busca amigos e compartilha com eles o dinheiro e a comida nas universidades que estudou, dando-lhes os Exercícios e convidando-os à solidariedade com os mais necessitados...  Daí também se entende porque Inácio sai sempre em busca de companheiros(as)  com os(as) quais podia compartilhar todas as suas experiências. Neste sentido, é interessante considerar como a amizade – como expressão e extensão da relação com Jesus – não levou o leigo Inácio a tratar somente com os homens. Sua amizade com várias mulheres foi  sempre muito forte, muito rica e duradoura.  A personalidade de Inácio, sua sensibilidade e capacidade para o acompanhamento espiritual, foram influenciadas, seguramente, por sua amizade ampla e próxima com as mulheres. 

Este contexto de “compartilhar o pão” aparece também no exercício do Reino:

“portanto, quem quiser vir comigo há de contentar-se de comer como eu, bem como de beber e vestir, etc... do mesmo modo há de trabalhar comigo” (EE. 93).

A partir disso, começa a se modelar o(a) inaciano(a) como “companheiro(a)” de Jesus.

O chamado de Jesus feito aos apóstolos e o posterior envio deles para a missão, são duas páginas do Evangelho que marcaram profundamente Inácio e que se encontram refletidas nas meditações mais tipicamente inacianas: o chamado do Reino, as Duas bandeiras, os Três binários.

S. Inácio tem consciência de que não é ele que chama os outros a se unirem à sua missão.  É o Rei Eterno que chama todos pessoalmente e os torna “companheiros”  d’Ele para o trabalho de construção do Reino do Pai. É o Senhor que conversa com seus colaboradores e amigos e os envia em missão.

Para quem é inaciano(a), Jesus é central porque assim o experimentou nos Exercícios. Não só o conhece senão que chegou – por graça -  a sentir como Jesus, para atuar como Ele, sendo impulsionado a encarnar-se com a sensibilidade d’Ele. Por isto, o centro da vida é o Senhor a quem se experimenta como amigo e companheiro, porque no colóquio da oração aprendeu a falar com o Senhor “como um amigo fala a outro amigo” (EE. 54).

Toda a experiência da  Segunda semana está perpassada por este seguir a Jesus até às últimas consequências e de colocar-se em sua companhia; é o “comigo” que brota do exercício do Reino.

A experiência de ser pecador(a) perdoado(a) lhe dá um matiz específico a este traço: é pecador(a), e no entanto, é chamado(a) a ser companheiro(a)... O mais profundo disto é  que, precisamente por ser pecador(a) perdoado(a), é chamado a “compartilhar o pão”. Esta é a nova compreensão do que é ser pessoa inaciana: pecador(a) perdoado(a), chamado(a) a ser companheiro(a) de Jesus.

 

Textos bíblicos:   Lc. 24,13-34    At. 2, 42-47   Jo. 21,1-18     Col. 3,12-17    1Cor. 11,23-34

 

Nos Exercícios, a pessoa inaciana aprende a descobrir a Jesus em sua Palavra, na Eucaristia e também nos necessitados: “como padece Cristo na humanidade” (EE. 195).

Esta experiência faz com que o(a) inaciano(a) fomente a companhia da pessoa de Jesus, mas também gerando companhia com os outros. A espiritualidade laical inaciana possui, como algo essencial, o traço do companheirismo: do compartir o pão ao  tornar-se alimento para os outros.    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


serbusca

SER INACIANO(A): busca do maior SERVIÇO

 

Se se pode afirmar que Inácio é o homem da “maior glória de Deus, esta afirmação é inseparável de outra: a de que ele é, ao mesmo tempo, o homem do “maior serviço divino”.  A glória de Deus, que é o fim último, contém em si o serviço e lhe imprime seu sentido e sua transcendência.
A glória de Deus e o serviço ao próximo são na realidade um só e único fim.
Por isso, nos escritos de Inácio a idéia de glória é quase sempre associada àquela de serviço aos homens.
Este serviço, para ele, tem algumas características que o distinguem e o  especificam: é um serviço maior, total, totalizante, sem fronteiras,  nunca diz “basta!”  

“Estar com Jesus para servir”: este será o ardente desejo que inspirará toda a vida de Inácio e mobilizará todas as suas forças. Ele será o homem do “maior serviço”, que se manifesta por sua urgência, transcendência, universalidade, fecundidade. O afã de servir a Deus com perfeição produz uma força interna que o estimula a ir sempre caminhando e crescendo. É o serviço próprio de um “peregrino” que nunca se cansa nem se satisfaz com o que já realizou, mas sempre se reavalia e se interroga, buscando o que mais corresponde à divina Vontade de seu Senhor. É um serviço maior por ser um serviço a um Deus sempre maior. E por ser um serviço a um Deus que é Amor, será um “serviço amoroso”, realizado por amor. 

O serviço divino inaciano é um muito servir, um servir sempre mais, mas na gratuidade de um puro amor. No entanto, esse “serviço maior” terá de ser descoberto no menor, no pequeno e insignificante. É o serviço do cotidiano, como colaboração na construção do Reino.   A pessoa que passa pela experiência dos Exercícios, sente brotar em seu coração o afã apostólico, o desejo de corresponder à graça de Deus através do melhor serviço.   A busca do “maior serviço”,  da “maior glória de Deus”,  impede a pessoa inaciana de instalar-se num lugar determinado, numa atividade fixa. Há sempre o perigo de, ao encontrar um serviço, julgar já ter encontrado a vontade de Deus.

Mas ela deve ter uma atenção contínua voltada para o que está acontecendo em cada instante e estar vigilante para verificar se tal atividade continua sendo o melhor serviço ou não.   A vocação inaciana ao serviço é essencialmente dinâmica, aberta, móvel, renovadora em si mesma, justamente porque é “buscadora” da Vontade de Deus que se manifesta no dinamismo da vida, no  meio das múltiplas relações...

O(a) leigo(a) inaciano(a), na sua atitude de vanguarda espiritual, deve lançar-se a uma dinâmica ativa, buscando em cada momento e em cada situação o serviço mais eficiente e querido por Deus.
Trabalhar
onde há mais necessidade, onde se espera maiores frutos, onde as pessoas possam estender a outros o bem realizado... é participar da atividade dinâmica do Deus trabalhador.
Por isso, a espiritualidade inaciana é uma espiritualidade de mudança, que se adapta às circunstâncias e às exigências de cada momento; é uma espiritualidade do risco, da pessoa de fronteira, de linha de frente.
Tal existencialismo dinâmico só é possível através da disponibilidade, abertura, docilidade ao Espírito...

Faz-se necessário “deixar-se levar” pelo Espírito, que é fonte perene de novidade e criatividade, princípio vital que nos guia segundo a nova existência em Cristo.    A inacianidade  é uma experiência do Espírito, que cria no mais íntimo da pessoa uma exigência de novidade, numa atitude de buscar sempre a situação nova, própria de cada momento.  

Mas o(a) inaciano(a) não é tanto a pessoa da novidade, quanto da exigência da novidade; injeta um espírito de novidade mesmo no velho; não se contenta com o novo encontrado... Isto impede a pessoa de cair no serviço rotineiro, de percorrer um caminho fixo ou de aferrar-se a práticas determinadas.
Sua norma não é realizar o serviço mais seguro, o menos perigoso, o tradicional, nem tampouco  o mais novo ou o menos novo,  senão o que Deus em cada momento vai lhe revelando.

 

Textos bíblicos:   Mt. 20,24-28     Lc. 4,38-39   Jo. 12,20-26    Lc. 22, 24-27    Rom. 12, 3-12

 

Na oração: Poder gastar sua vida no serviço divino de Deus nosso Senhor é, para S. Inácio, não só a maior das graças, como também uma graça da qual é preciso ser digno.

Trata-se de um serviço todo ele perpassado de gratuidade e que só pode ser desempenhado na mais absoluta gratuidade.

“Servir a Deus por puro amor”: este é o grande fruto dos Exercícios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


servir

Servir, Ideal Constante de Inácio

 

Pedro Arrupe, SJ
Roma, 13 de setembro de 1979

 

a)                 O FIDALGO

Para Inácio, desde sua infância, “servir” era tão necessário, por uma parte, e tão natural, por outra, como o ar que respira. Tudo quanto via na Casa-Torre, de seus pais, tudo quanto faziam seus irmãos, tudo quanto sabia de seus avós e parentes, era serviço ou o serviço de “servo” dos criados mais humildes para a lavoura e o cuidado dos animais; ou o serviço de “servidores” de sua própria família para com o longínquo senhor a quem ajudavam nas guerras e de quem recebiam favores na paz.

Apenas ultrapassados os 15 anos, o próprio Inácio entra a serviço de um relevante personagem da corte, o Contador dos Reis. Aí permanece  10 anos. Quando o Contador morre, passa a servir o Duque de Nájera, Vice-Rei de Navarra. E continuará a servi-lo, e nele serve os Reis, até que quatro anos mais tarde caia ferido nas muralhas de Pamplona.  

Inácio tem um conceito cavalheiresco deste serviço, feito de fidalguia, fidelidade,  bravura e ambição de glória. Os livros de cavalaria em que encontra tanto deleite, são o protótipo destes ideais.

           Inclusive quando em sua convalescença pensa em sua dama, coisa que “se apossara tanto de seu coração” (Autobiografia 6), seu amor se expressa em termos de serviço: “imaginando o que faria em serviço de uma senhora” (...)  as palavras que lhe diria, os feitos de armas que empreenderia em seu serviço”. Para Inácio, amar era servir.

 

B)                 NA CONVERSÃO

 

Sua conversão consiste em mudar de Senhor, não na cessação do serviço. Na primeira etapa, o modo como se propõe servir o Senhor, será ainda de tipo cavalheiresco, belicoso e competitivo:  “São Francisco fez isto, pois eu também hei de fazê-lo” (Autobiografia 7). Só mais tarde, ajudado pela graça, em uma obra-prima de introspecção e discernimento, desmontando e analisando os elementos de seu ideal, Inácio purificará seu conceito de serviço e sobre este conceito, assim purificado, elevará todo seu edifício espiritual: é o Princípio e Fundamento dos Exercícios: “O homem foi criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor”.(EE 23).  

Servir seu Criador é para Inácio um axioma que nem necessita nem admite demonstração. É a condição natural de quem é criado, e criado “para”, isto é, com um fim que o liga ao doador do próprio ser.  

No itinerário dos Exercícios evoluirão progressivamente dois elementos do serviço: o serviço amoroso (para se conseguir este amor, estará precisamente dedicada a última contemplação), e a pessoa a quem se serve por amor: Deus, a Divina Majestade, as três pessoas divinas, Cristo em sua encarnação, em sua vida, em sua paixão, em sua glória de ressuscitado.  

Contudo, todos os Exercícios fundamentam-se em uma concepção do serviço. Não menos de 50 vezes se encontra de uma maneira ou de outra a palavra “servir”, ou “serviço”. Inclusive a relação de Cristo ao Pai é ralação de serviço (EE 135).  

O serviço de Deus é para Inácio o critério de discernimento para ordenar a própria vida: “a causa determinante de desejar ter uma coisa ou outra seja unicamente  o serviço, honra e glória de sua Divina Majestade” (EE 16). O serviço é uma atitude absoluta: “grande ânimo e liberalidade... oferecendo-lhe todo seu querer e liberdade, para que sua Divina Majestade, sirva-se de sua pessoa e de tudo quanto possui, conforme a sua Santíssima vontade” (EE 5). O serviço divino é um dom de Deus que dispõe o exercitante “a seguir pelo caminho em que O poderá servir melhor no futuro” (EE 15).  

Contudo, a idéia de serviço se faz dominante na grande articulação central dos Exercícios: Rei Temporal - Preâmbulo para considerar estados - Duas Bandeiras. Em Inácio aflora neste momento o melhor de suas recordações cavalheirescas: “Quanto seria digno de ser desprezado por todo mundo e tido por perverso cavalheiro” (EE 94), e anima para “aspirar a mais e assinalar-se em todo o serviço do seu  Rei eterno e Senhor universal” (EE 97) imitando a Cristo humilhado e pobre, contanto  que seja seu “maior serviço e louvor’ (ee 98).  

No último número dos Exercícios (EE 370) Inácio se despede com a idéia do serviço, porém, em um tom muito diferente do Princípio e Fundamento, onde não se mencionava o amor: “sobretudo devemos estimar o muito servir a Deus Nosso Senhor por puro amor”.

 

 C)                 O FUNDADOR

 

Santo Inácio não é somente o autor dos Exercícios, mas também o primeiro e mais exímio exercitante. Saiu de Manresa decidido a “assinalar-se  em todo o serviço do seu  Rei eterno e Senhor universal” (EE 97). A idéia do serviço divino - do maior serviço - será a estrela polar que guiará seus passos todo o resto de sua vida: de peregrino, de estudante, de Fundador, de Geral. O antigo fidalgo, cujo ideal era servir em cavalheirescas façanhas de amor e guerra, aprendeu que a Deus se serve de outra maneira: imitando a vida e trabalhos dos Apóstolos, pregando o Reino em pobreza e humildade. E, dado que o serviço apostólico ao próximo não chega a sua plenitude sem comunicar-lhe a graça dos sacramentos, se faz sacerdote.  

Um ideal vivido com tanta pureza e intensidade, não pode deixar de ser contagioso. A Inácio vão se agregando sucessivamente um companheiro após outro. Juntamente com eles, em Montmatre, 1534, no que poderíamos chamar prenúncio da futura Companhia, fazem um voto que contém uma dupla cláusula de serviço: Ir a Jerusalém e “gastar sua vida em proveito das almas”, ou se isto não se pudesse realizar no prazo de um ano, “apresentar-se ao Vigário de Cristo para que os empregasse no que julgasse ser da maior glória de Deus e utilidade das almas” (Autobiografia 85). Todo este vocabulário, e as idéias que encerra, não podem ser mais Inacianos. Não houve embarcação para Veneza em todo o ano e a “Cláusula Papal”, que no voto de Montmatre não era mais que uma alternativa, fica no centro do destino de Inácio e abre historicamente o caminho para o nascimento da Companhia. Os elementos explícitos desta Cláusula são: ocupar-se de por toda a vida no que for para maior glória de Deus, em proveito das almas, sob o Vigário de Cristo. Em uma palavra: servir.  

Quando em cumprimento da promessa, em outubro de 1537, Inácio com Fabro e Laínez, dirige-se à Roma, sucede um acontecimento crucial: A visão que Inácio tem em uma capelinha situada no caminho, no lugar denominado “La  Storta”, a 16 Km de Roma, em Via Cassia, que era a Rota obrigatória para os que chegavam do Norte a Roma. Inácio tinha sido ordenado sacerdote há três meses, mas não havia querido ainda celebrar sua primeira missa. Desejava preparar-se bem, e tinha como idéia permanente de sua vida interior, para esta preparação, esta  súplica à Virgem “que o quisesse com seu filho”. Pois bem:  nessa graça mística extraordinária, em La Storta, “sentiu tal mudança em sua alma, e viu claramente que Deus Pai o colocava com seu Filho , que não teria ânimo para duvidar disto”. Sentiu que o Pai, voltado para o Filho que estava ao lado, com a cruz sobre os ombros, dizia a Jesus referindo-se a Inácio: “quero que tomes a este por teu servidor”. Jesus, tomando a Inácio, dizia: “Eu quero que tu nos sirvas”.  

Em outras palavras, em um momento tão determinante de sua experiência espiritual, e no que diz respeito a fundação da Companhia, certamente, o momento culminante, as relações de Inácio com as pessoas divinas têm como elemento formal o “serviço”: o Pai o constitui “servidor” do Filho. O Filho o aceita em seu próprio serviço e no serviço do Pai. É a outra  extremidade de um arco que havia começado 31 anos antes, em 1506, quando o jovem Iñigo entrou  para o serviço dos senhores deste mundo.               

Assim é que Inácio sente-se um homem do serviço divino, e precisamente “do maior serviço divino”.  

Em seguida, Inácio institucionaliza seu carisma tal qual é partilhado com o grupo que reuniu em torno de si, em um corpo, ao qual dá o nome - precisamente em função da mesma visão de La Storta - de Companhia de Jesus, com uma expressa conotação de serviço militante. A Fórmula fundacional da Companhia começa com uma diáfana proclamação desta realidade: “todo aquele que pretender alistar-se sob a bandeira da cruz na nossa Companhia, que desejamos se assinale com o nome de Jesus, para combater por Deus e servir somente o Senhor e sua esposa Igreja, sob o direção do Romano Pontífice...” (Exposcit debitum 21.07.1550).  

As Constituições da Companhia estão carregadas de alusões e explícitos chamados à esse serviço Divino. Não me é possível deter-me aqui para comentar as passagens correspondentes. Basta o que foi dito até agora para ilustrar quão central é a idéia de serviço (que é o tema escolhido para vossa reunião) na espiritualidade inaciana na qual a CVX, segundo vossos Princípios Gerais, busca sua inspiração.  

 

A CVX, UMA COMUNIDADE PARA O SERVIÇO

 

                . . . A espiritualidade Inaciana fecunda vosso movimento, que não é inferior, mas simplesmente diferente de uma ordem religiosa e, por isso mesmo, deve ter uma realização apostólica concreta também diferente. É um movimento espiritual essencialmente laical, com limites sim, mas também com as oportunidades apostólicas que oferece.  

                . . . Vossa Espiritualidade e vossa vida apostólica devem aproveitar, portanto,  todas as ocasiões que vos permite  vossa condição de leigos e são menos próprias ou claramente impróprias para os religiosos; e ao mesmo tempo, deve precavê-los de toda derivação de tipo clerical ou religioso que diminua vossas possibilidades.  

                Ao advertí-los deste perigo de involução espiritualista, tenho presente qual é o tipo de serviço que, de acordo com vossos Princípios Gerais, deveis dar à Igreja e aos homens e mulheres de nosso tempo, conscientes de que isso é para vós “uma grave responsabilidade”[PG 2]: tendes que “formar homens e mulheres, adultos e jovens, comprometidos  com o serviço da Igreja e do mundo em qualquer campo da vida: familiar, profissional, cívico e eclesial”[PG 3}. São quatro palavras que estou certo, foram escolhidas com extremo cuidado, pois cobrem os quatro planos fundamentais da vida humana.

                . . . É, pois, vosso serviço ao mundo: um apostolado laical intenso, inteligente, constante. Supõe certamente, uma vida interior levada com não menos intensidade, inteligência e constância.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


discernimento

UMA ESPIRITUALIDADE DE DISCERNIMENTO

 

“Para quem não sabe onde quer chegar, todos os caminhos estão errados”

 

 

 

A grande descoberta do leigo Inácio foi a de perceber que dentro de si mesmo existiam forças ou vetores  que exerciam forte atração em sua vida. Umas atraíam para Deus, outras afastavam-no: algumas vezes de maneira clara, outras de maneira mais obscura.

Inácio leigo é o grande mestre de psicologia e de espiritualidade, que se forma na pura e profunda observação pessoal nos momentos críticos da vida; ela estava à beira da morte, como consequência da ferida recebida por uma bala de canhão. Essa crise o faz reagir de maneira original.

Aqui lateja um traço importante da inacianidade e no qual desempenha um papel importantíssimo aquilo que S. Inácio denominava “subyecto”- a decisão, o ânimo para coisas grandes, o caráter, a aptidão, a idoneidade. Esse subyecto é gerado a partir de qualidades, mas sobretudo de experiências que fazem mergulhar no humano e no divino que há dentro de cada um de nós.

 

O(a) inaciano(a) é a pessoa que é apaixonada, como o próprio Jesus, pela Vontade de Deus.

A Vontade do Pai tem a ver com o Reino e o que isso realmente significa: um projeto do Deus Pai-Mãe para com a humanidade, que implica justiça, dignidade, direitos, respeito à terra...

Mas isso exige um diálogo constante com Deus e com a humanidade; daí a importância também do discernimento comunitário na promoção do Reino.

O(a) inaciano(a) é a pessoa que tomou a sério sua vida; é a pessoa que aprendeu a dar nomes  aos acontecimentos internos para compreendê-los e fazer opções coerentes.

Não há possibilidade de uma pessoa inaciana verdadeira que se desconheça em sua profundidade.

Discernir vem a ser algo co-natural para quem vive a inacianidade, mas para isso deve conhecer-se e

aprender a se manejar em sua própria humanidade.

Neste esforço de introspecção vai poder detectar aquilo que S. Inácio acaricia tanto: os desejos que são as forças que emanam do melhor de nós mesmos com a possibilidade de se encaixarem perfeitamente com os desejos de Deus, os umbrais do Reino.  Para isso será necessário saber distinguir os desejos de superfície dos "santos desejos" (Aut. 10).  Como o próprio Inácio aprendeu:

 

        “... até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos, e começou a maravilhar-se desta diversidade

        e refletir sobre ela. Colheu, então, por experiência, que de uns pensamentos ficava triste e de outros

       alegre. Assim veio pouco a pouco a conhecer a diversidade dos espíritos que o moviam... (Aut. 8)

 

A pessoa inaciana conhece e sabe manejar as regras do discernimento porque  as praticou durante os Exercícios, em sua oração habitual e em seu exame diário.

Com estas regras ela vai detectando, em primeiro lugar, o que de verdade experimenta, mas, sobretudo, o “para onde a levam”  essas vivências; vivências essas que podem acontecer dentro do coração mas também no mundo exterior, na história.

                      Critérios  de discernimento reto:

- Se algo que experimentamos – dentro ou fora de nós mesmos – nos leva às obras de justiça solidária:  Mt. 25,31-46;

- Se nos conduz à experiência de um Deus pura misericórdia e que nos convida a ser misericordiosos:  Lc. 6,36-38;

- Se por estas duas coisas o mundo não nos compreende ou nos persegue – às vezes com o risco de vida – e sentimos, no entanto, forças para enfrentá-lo:  Mc. 8,34-38;

 

A pessoa inaciana é aquela que compreendeu, por experiência própria, a necessidade de aprender a historizar as moções, e por outra parte de impedir que as artimanhas tomem corpo e realidade;

* é aquela que entendeu que discernir é optar, que tudo o que se manifesta em seu interior ou no exterior, se vem de Deus, são impulsos e convites para que o Reino vá se realizando; ela faz do discernimento uma atitude vital que lhe permite discernir “no calor”, ou seja, no momento mesmo que estão acontecendo as coisas, justamente porque se fez uma pessoa  contemplativa na ação, e na ação do Reino;

* compreendeu e sabe empregar as “regras para de algum modo sentir e conhecer as várias moções que são causadas na pessoa”(EE.313);  ela sabe que toda moção (interna ou externa) tem como objetivo fazer possível o Reino;

* por isso sabe da necessidade do confronto com alguma pessoa sobre a idoneidade e adequação daquilo que pensa  ou experimenta; quanto mais envergadura tenha uma moção e maior seja sua transcendência político-social, mais necessidade terá de confronto com alguém e de confirmação   com o Senhor.

 

Na oração: em que medida as coisas discernidas fizeram acontecer o Reino ao seu redor? Em que medida todo esse esforço – humano e divino gerou em você mais humanidade nova?  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


paradoxos

UMA ESPIRITUALIDADE DE PARADOXOS

 

Deus é MAIOR porque se faz MENOR”

 

 

 

A pessoa inaciana vive de paradoxos desde o início de sua caminhada; viver o paradoxo implica sempre o seguimento de Jesus (Deus-homem), mas aqui, tomado como carisma, como modo habitual de ser.

Inácio convida cada um a viver este paradoxo desde a contemplação da Encarnação onde, por uma parte, nos faz ver “como as três pessoas divinas olhavam toda a superfície plana ou curva do mundo”; nos faz contemplar “a sua eternidade” dessas três pessoas (EE. 102), mas num segundo momento, nos faz verificar “particularmente a casa e os aposentos de nossa Senhora, na cidade de Nazaré, na província da Galiléia” (EE. 103).

Ninguém como Inácio viveu a experiência de Deus como a experiência de um Deus maior, sempre maior. Deus não tem tamanho para S. Inácio. E, no entanto, ele vê a revelação desse Deus privilegiadamente no menor.

Em Jesus Cristo, Deus assume a condição humana, “entra” nas dimensões mais negativas, humildes e difíceis da condição humana; “entra” na vulnerabilidade da humanidade; “entra” no caminho menor.

É essa experiência que dá a Inácio a flexibilidade de ir do máximo para o mínimo e no mínimo encontrar o máximo, que no fundo é o segredo de “encontrar Deus em todas as coisas”.

 

Quem vive a inacianidade, aprende na escola da oração  a frase que define o modo de Inácio de “non coerceri maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”, que pode traduzirse como “não amedrontar-se diante do maior e, no entanto, caber no menor; isso é divino”.

Também ali aprenderá a “fazer todas as coisas como se dependessem de nós, sabendo que, em definitiva, dependem de Deus”.

Dois paradoxos significativos!

Um nos dispõe à aparente contradição de não conhecer limites para enfrentar o maior e, no entanto, poder estar pacificamente ajustado no menor. O outro faz referência a pôr toda a confiança no Senhor – a tal ponto que não haja a mínima intimidação diante de qualquer empreendimento – e ao mesmo tempo pôr todos os meios humanos para sua  realização, consciente  sempre da própria limitação pessoal.

Esse é um dos traços característicos da personalidade de Inácio: não ser detido pelo máximo.

Nenhum ideal lhe parecia suficientemente grande. E, no entanto, sabia concretizar  isso no mais humilde, no aparentemente insignificante.

Essa capacidade de encontrar o máximo no mínimo gera audácia, criatividade, origi nalidade...Tudo passa a ter valor, tudo tem sentido, tudo é sagrado. Cada detalhe da  vida se integra e se enriquece no conjunto; o cotidiano fica iluminado pela eternidade...

Aqui nasce o impulso a fazer “mais”, sempre “mais”, pondo o coração naquilo que faz.

 

Neste traço, novamente, a experiência de ser pecador(a) perdoado(a) lhe dá um matiz  específico: é a grande mola da contínua conversão. É captar a essência mesma do Evangelho no qual o(a) pecador(a) é a quem mais se ama... É o grande paradoxo de sentir-se “lixo” e ao mesmo tempo ser chamado(a) para a missão, para a tarefa do Reino (1Cor. 1,25ss).

É nunca pedir diretamente para estar na bandeira de Jesus, mas suplicar para “ser posto” com o Filho, “somente se sua divina Majestade for servido e me quiser escolher e receber” (EE. 147)

 

Este traço da espiritualidade favorecerá a que a pessoa inaciana realize tarefas de fronteira e de riscos extremos, abraçando, por exemplo, coisas que podem soar contraditórias em si mesmas:  a máxima inculturação a partir da máxima fidelidade ao Evangelho; poder ser revolucionário(a)  e cristão(ã); ser capaz de criticar a Igreja e, ao mesmo tempo, sentir-se filho(a), amante dela...

O paradoxo, para a pessoa inaciana leiga, pode ser experimentado de maneira especial em  determinados âmbitos. Por exemplo, o do prestígio profissional e o consequente melhoramento econômico, a necessidade de assegurar um futuro economicamente tranquilo,  a busca do “magis”  que impulsiona a querer melhorar, a buscar pontos chaves de influência, e, ao mesmo tempo, o convite a ir sempre “para baixo”, para as “maiorias despossuídas”, para o encontro com os mais pobres e excluídos...

É ajudar a que o pobre acredite no pobre, o máximo paradoxo social e político.

Outro paradoxo, outra aparente contradição é a da primazia do agir, da participação na vida social do mundo, e ao mesmo tempo, a busca de espaços de silêncio, deserto e oração; a opção pela austeridade no modo de vida, mas não regateando a excelência dos meios; ou a dificuldade para conciliar o tempo que a família exige com o tempo que o trabalho apostólico também exige...

 

Textos bíblicos:  Mt. 6,25-34         Lc. 1,26-38       lCor 1,17-31   2Cor. 12, 1-10   2Cor. 4,7-15

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


vida

VIDA INACIANA: homens e mulheres de Igreja

 

“Quero contribuir para sentir na Igreja aquela mãe-irmã engajada, uma Igreja que se apresenta muito ligada à atualidade dos problemas e desafios, testemunha de uma fraternidade sem fronteiras, com uma atitude profética em meio aos novos rumos que a história vai tomando e alegremente comprometida com os anseios e possibilidades do mundo moderno” (F. Cláudio Van Balen)

 

De acordo com a experiência de S. Inácio, quem faz adequadamente os Exercícios, fica profundamente “eclesializado”.  O principal, para S. Inácio, é que o exercitante não só se sinta Igreja individualmente, mas perceba que sua vida e missão formam parte da Igreja. A pessoa movida pelo magis não pode permanecer indiferente nem inerte diante dos problemas que afetam a sorte do povo de Deus. A liberdade interior  e o amor à Igreja constituem a atitude típica da pessoa inaciana. 
A Igreja, nos Exercícios, é desenvolvida a partir da experiência do mistério  de Cristo. É Ele o Senhor, o “internamente conhecido, amado e seguido”,com seu chamado planta a Igreja em cada coração filialmente configurado por com seu Espírito. O exercitante descobre n’Ele o centro de sua vida e Ele vai  levando-o à Igreja, como os seus primeiros discípulos. Essa identificação progressiva com Ele desemboca na comunidade eclesial.  Por isso, a Igreja é o lugar dos identificados com Cristo.

Ser de Cristo, trabalhar para Cristo, é não só ser da Igreja, senão ser Igreja, sentir-se Igreja.
No fim dos Exercícios, S. Inácio propõe as “Regras para sentir com a Igreja”, para sustentar e desenvolver, no coração do exercitante, a comunhão eclesial.
“Todo o movimento dos Exercícios deve levar a um crescimento pessoal e a uma união de vida com a Igreja. Elas (as Regras) poderão ajudar-nos a aprender com a Igreja, na Igreja e pela Igreja, a maneira de viver, como adultos, nossa fé, nas condições, culturas e linguagens próprias do final deste século”.  (P. Kolvenbach) 
A atitude eclesial deve ser encontrada através do discernimento, já que se trata, em última instância, de captar e obedecer ao Espírito Santo. Este discernimento se refere ao marco fundamental:
“meu ser Igreja”.

Que Igreja somos, que Igreja queremos ser?

- A Igreja do futuro anuncia-se mais plural que uniformizada. A “pluralidade” vem da diversidade de experiências; brota de um Espírito maior que a instituição.

A “pluralidade” implica enorme dimensão de misericórdia, de tolerância.
A “pluralidade” vê-se desafiada em construir, na liberdade e consciência, a unidade na diversidade.

Caberá ao Espírito Santo, na Igreja do futuro, coser com a linha do amor misericordioso a unidade plural das comunidades, das experiências pessoais.

- A Igreja do futuro será mais mistagógica (marcada pelo Mistério) que catequética, mais simbólica e  estética que intelectual e doutrinal. Aparecerá cada vez mais importante para as pessoas o Mistério de Deus, da Trindade. No centro estará a preocupação de que as pessoas se encontrem com e no Mistério de Deus.  Para tal, os símbolos, os sinais, as liturgias, a arte, a música, a beleza, o canto, os ritmos, os ambientes, que favoreçam tal contato com o Mistério, exigirão mais atenção, cuidado, esmero... 

- A Igreja do futuro deverá viver sempre mais o compromisso com o crescente mundo dos excluídos.

Caminha-se, pois, para uma Igreja mais solidária que corporativista. Mais preocupada com o bem da  humanidade que com o seu próprio. Mais voltada para o sofrimento dos seres humanos que preocupada em defender seus ritos próprios.
Uma Igreja voltada para o Mistério, sem compromisso, perder-se-ia na alienação. Uma Igreja voltada para o compromisso, sem o cultivo do Mistério, não responderia à sede de sagrado do ser humano. 

- A Igreja do futuro deverá ser uma Igreja servidora, em estado de parceria, sempre disposta a ampliar  e aprofundar suas verdades e valores, assumindo sua tarefa básica de reler no processo da história e no mistério de Deus o que melhor pode servir à vida e promover a convivência.
Uma Igreja que ao encarnar a mensagem do Evangelho, mostrar-se-á  capaz de um diálogo acolhedor;  ao ser mais  receptiva, deixar-se-á  tocar pela verdade dos outros e humilde, se reconhecerá aprendiz de uma  permanente revelação.

 

Textos bíblicos:   Lc. 24,36-43; Jo. 21,1-14; Mc. 16,9-14; Col. 3,1-17;  Ef. 4,1-16; At. 2,41-47