Berlim - Asas da Liberdade |
Era um dia de verão em Berlim. O sol brilhava forte, mas sem o calor tropical que chega a amolecer o asfalto como no Brasil. O céu estava límpido, o ar, sem poluição por falta de carros nas ruas. Tudo conspirava para um ótimo dia de descobertas. Estávamos andando ao longo do muro de Berlim, admirando e analisando os grafites que, como sonhos, representavam os desejos de liberdade e união de um povo separado. A cada passo as imagens se transformavam em sonhos ou pesadelos. Dor e esperança se mesclavam a cada tela de concreto. Cada desenho, uma forma de beleza, emoção pura passada por meios pictóricos. Fui me perdendo, meus sentidos ficaram dormentes, como se eu visse um filme. Senti-me mal, angustiado. O muro me incomodava, sua altura me humilhava e sua extensão me oprimia. Senti medo... Minhas pernas me levaram adiante, o efeito lisérgico emocional do muro me separou da realidade. Durante longos momentos esqueci-me da cidade, de suas ruas fervilhantes, das belas praças, monumentos e do povo bonito e educado. Sem perceber eu estava tentando achar uma saída, olhava pelas rachaduras do muro que, como vãos entre grades de uma gaiola, mostravam-me liberdade. Nessa hora, me tornei um prisioneiro. Os desenhos me levaram ao que foi. Eu entendia todas as imagens, decifrava-as e também conspirava com os mesmos desejos. Continuei andando, acompanhando as imagens, quando, como um rasgo na realidade, deparei-me com um portão aberto. Avancei automaticamente. Dentro, num pequeno descampado, encontrava-se uma construção, como que uma loja, só que oferecendo apenas pedaços de concreto de várias cores. Aproximei-me e pude constatar que se tratava de uma loja de lembranças cujo assunto era o muro e os tempos da divisão. Todos os pedaços de concreto, teoricamente retirados do muro estavam etiquetados com preços e datas. Uniformes do exercito da antiga Alemanha também eram oferecidos. Todos os símbolos do antigo regime estavam a mostra, em liquidação. Continuei observando. Fotos de torres de vigia com soldados armados, imagens de pessoas presas e corpos estirados no chão marcavam as paredes. Fora as imagens, uniformes e as pedras coloridas, a construção era cinza, do tipo de construções pré-moldadas de concreto. Meu olhar parou numa placa, na parte de dentro da loja "Carimbamos seu passaporte por um euro", escrito em inglês. Como havia vindo de Paris, não houve necessidade de carimbar o passaporte no aeroporto. Fiquei intrigado. Desembolsei um euro e entreguei junto com o passaporte. Um senhor sisudo, forte, com olhos azuis inteligentes o pegou e retirou um carimbo de baixo do balcão. Analisou as folhas e escolheu uma que não tivesse marcas ou carimbos. - "Você não tem medo?", disse o homem, num inglês com forte sotaque. Na hora eu não pensei em nada que pudesse me amedrontar. - "Não preciso ter medo", respondi, sem pensar muito. O alemão me olhou, sorriu e pressionou o carimbo na folha escolhida. - "Parabéns, você esta livre", disse o homem, enquanto fechava e me entregava o passaporte. Olhei para ele com curiosidade, o que será que quis dizer? Peguei o passaporte, me despedi e, quando estava saindo, me virei para dar uma ultima olhada naquele lugar estranho e interessante. O homem continuava me fitando. A sensação de opressão causada pelo muro ainda me acompanhava. Não sabia o que, mas algo diferente estava acontecendo comigo. Peguei meu passaporte e procurei a pagina do novo carimbo. Enquanto as paginas passavam os pensamentos voavam. Será que pode dar algum problema numa das cabines de imigração da Europa? Será que a policia federal vai encrencar comigo? Achei a folha e dei uma boa olhada. Nessa hora entendi... O carimbo era da Alemanha Oriental! O DDR estava impresso, bem destacado e seguido de outras palavras em alemão que eu não entendia. Durante um curto espaço de tempo eu estivera dentro da Alemanha Oriental, do outro lado do muro. Provavelmente a construção de concreto servira como posto avançado de observação e monitoramento antifuga. Minhas pernas ficaram fracas, o passaporte parecia pesar dez quilos. Meus olhos se encheram de lagrimas, meu coração batia forte. Quantas almas não gostariam de ter tido o que eu, por curiosidade tivera? Olhei para trás, o homem ainda me fitava. Tudo o que consegui dizer foi: "Obrigado"... Eu sou livre! Cato |