DATA PUBLICAÇÃO AUTOR
Revista Cover Guitar
 
ARTIGO
 O mundo foi recentemente sacudido pelo lançamento de um dos mais fantásticos discos dos últimos tempos, Mezmerize, o mais recente trabalho do System of a Down. Sem esconder o bom humor por estar conversando com alguém de um país tão distante, Daron Malakian conta com exclusividade como se tornou o líder musical do grupo de modo quase inconsciente.

 Os amigos dizem que sua casa mais parece com o resultado de uma explosão em uma loja de
instrumentos. Segundo eles, o que mais se vê no amplo espaço que Daron Malakian escolheu para passar a maior parte de sua vida doméstica é uma infinidade de instrumentos, e não apenas aqueles voltados ao universo da guitarra: há uma quantidade enorme de amplificadores, efeitos, teclados e até mesmo alguns racks de bateria, tudo pronto para receber as centenas de idéias que o guitarrista "vomita" diariamente.

 "Qualquer coisa me inspira. Posso compor não apenas na guitarra, mas também no teclado ou  no baixo," diz Malakian, com voz baixa e pausada, que reforça ainda mais a informação de que ele é um cara tímido ao extremo, a ponto de se sentir desconfortável em qualquer situação  pública que não seja o ato de subir em um palco e tocar com ferocidade assustadora. "Sempre penso nos caras da banda quando estou compondo. Por isso, crio uma espécie de imagem dentro da minha cabeça que, de certa forma, ilustra aquilo que quero na canção, como ela deverá soar. Quando consigo isso, a música surge com mais facilidade."

 Ser um bom compositor é uma das coisas mais difíceis do mundo, pois o grande segredo não é produzir idéias, e sim tirar aquilo que está em excesso. Esse é o grande desafio: editar a si mesmo. Para Malakian, seu pai - um excelente pintor, responsável pelo visual das guitarras do filho - foi fundamental para que ele percebesse isso. "Ele costumava pintar quadros  abstratos quando eu ainda era adolescente, mas destruía todos aqueles em que percebia que havia exagerado nas tintas.Ele ficava puto, pois não podia voltar atrás.Vendo-o destruir algumas obras prontas mostrou o quão conciso precisamos ser na hora de produzir arte."

 Fã do antigo rock britânico - especialmente Beatles, Kinks e The Who - Malakian foge do estereótipo do nu metal ao declarar sua paixão por estes sons e por reconhecer que muitas de suas influências vieram de bandas em que os componentes teatrais e visuais eram muito importantes, como Kiss e Mötley Crüe. "É por isso que nos preocupamos em oferecer às pessoas mais que um simples show. Eu vivia em um apartamento pequeno e sonhava em ser um baterista como Keith Moon, que nunca se contentou em ser um coadjuvante, sua postura no palco era hipinotizante.Como não havia espaço e não podia incomodar os vizinhos, usava potes de plástico como caixa e tambores. Cheguei a aprender a tocar todas as partes de bateria do disco Pyromania,do Def Leppard (risos)."

 Aliás, muita coisa que Malakian criou em seu grupo tem um acento rítmico que advém do
que aprendeu naquela época. Desde cedo, ele desenvolveu seu ouvido para a música.Daí,
para se tornar um guitarrista conhecido no colégio onde estudava, foi um passo."Mas
nunca quis ser um cara virtuoso. Meu lance sempre foi compor. Isso certamente ajudou
a me tornar um guitarrista melhor."

 Antes do System of a Down, Malakian tocava no Soil, uma mistura de Soundgarden, Rush, Pantera, Frank Zappa e Slayer, que não difere muito daquilo que o grupo faz hoje em dia. "A diferença é que quando comecei o SOAD, passei a ouvir muito Beatles, e evidentemente minhas composições tomaram um outro rumo em termos estruturais. Passei a me concentrar em canções mais curtas e concisas. De uma certa forma, escrevemos músicas longas, quase progressivas, só que dentro de um formato que dura apenas 4 minutos(risos). Na banda só existe uma regra: nenhuma idéia é rechaçada de imediato. Experimentamos de tudo na hora DOS ARRANJOS. Até nossas mães podem sugerir alguma coisa bacana para uma determinada canção (mais risos)."

 Dizendo-se ainda incrédulo com o sucesso do System of a Down em países distantes como o Brasil, Malakian revela que o mais recente trabalho da banda, Mezmerize, é apenas a primeira parte daquilo que deveria ser um CD duplo - o restante será lançado no final do ano, com o título de Hypnotize - e que é um passo além na mistura de elementos inusitados dentro de uma canção, uma fórmula que muita gente julga esquizofrênica, algo com o que o guitarrista concorda. "Sim, nossa música é isso mesmo. Afinal de contas, o mundo em que vivemos é caótico." Um exemplo disso está em "Radio/Video", em que sons pesados foram colocados ao lado de sonoridades tradicionais da cultura armênia.
 “Muita gente se incomoda com o fato de lançarmos discos diferentes. Acho engraçado que isso não existe em outras formas de arte, como a pintura, em que o artista chega a ter as suas fases designadas pelas cores que usa nas telas. A verdadeira arte não precisa de regras. Caso contrário, um cara como Salvador Dali jamais teria existido.”
 "Todo músico deveria buscar satisfação de criar algo novo. Quero que nossas músicas realmente sejam diferenciadas daquilo que se ouve por aí. Não suporto mais ouvir 348 grupos soando idênticos. Parece que todo mundo tem medo de ousar. É o medo de não conseguir contratos com gravadoras, de não tocar em rádios... Isso é uma puta atitude covarde. A maneira como se misturam todas as influências é o que determina o surgimento de algo rigorosamente novo.”

 O System of a Down suscita opiniões diametralmente antagônicas: ou as pessoas amam o som, ou detestam com paixão. Para Malakian, isso é muito legal. "Sempre lembro da maneira como as pessoas reagiram quando o Primus surgiu com 'Jerry was a race car diver' na MTV. Mas mesmo com todo o sucesso, o Les Claypool continuou a fazer aquelas músicas esquisitas e geniais, ou seja, ele manteve o seu padrão de qualidade.É essa atitude que imprimimos em nosso grupo."

 Muita gente taxa a banda sob a ótica política, embora as letras abordem os mais variados assuntos, do sexo a morte, de drogas ao êxtase espiritual. "Odeio rótulos. Fico puto da vida quando tentam nos colocar numa caixinha escrito NU METAL ou qualquer outra merda dessas. É clara que temos elementos de metal, o lance do peso, mas isso não nos coloca ao lado do Judas Priest. Até mesmo a tão propalada influência oriental de nosso grupo vem muito mais do Iron Maiden do que das sonoridades mais tradicionais que ouvimos durante nossas infâncias. É por isso que detesto a adulação que existe no meio musical. Faço música para exercitar minha compulsiva vontade de criar canções."

 O estúdio que o guitarrista usa para registrar suas idéias é um pequeno gravador Sharp,  daqueles bem rudimentares, dado a ele por seus pais em um longínquo aniversário. É nesse tosco equipamento que grande parte das músicas do SOAD nasce. Malakian tem centenas de fitas armazenadas em sua casa, todas sem qualquer tipo de anotação. "Existem muitas semelhanças entre compositores e serial killers, pois ambos exercem suas atividades de modo patológico, sem controle."

 Em Mezmerize, algumas experimentações malucas foram feitas, como rechear as paredes e o teto do estúdio com violões. "A intenção era aumentar e melhorar a reverberação do ambiente.", explica o guitarrista, que também tocou quase 90% das linhas de baixo das músicas.
 "A presença do Shavo é fundamental para o meu som de guitarra, pois ele sempre oferece uma base pesada para que eu possa colocar meus licks, mas durante as gravações ele não se sentiu confiante o suficiente para a empreitada. Em nossa banda, estabelecemos que não importa quem compôs ou quem gravou. Eu mesmo não me concentro exclusivamente na guitarra. Sempre penso em como a bateria, o baixo e os vocais vão soar como um todo. O resultado da canção em si é o que menos interessa.” Responde de modo seco, sem demonstrar a menor vontade em se estender no assunto.

 Além da parte musical propriamente dita, cada integrante do Soad tem outras tarefas distintas. Shavo é o responsável pela criação e elaboração das camisetas do grupo, Serj é quem normalmente dirige os clipes - (acredito que aqui a revista se enganou) - John se encarrega das entrevistas nas rádios e Daron...
 "Bem, como não sou um cara sociável, fico com a parte de criação musical. Ao contrário do que muita gente poderia imaginar, essa divisão de tarefas fez com que, hoje, desfrutemos de uma camaradagem que até então não existia entre nós. Chegamos a viajar em duplas, em ônibus separados. Quando você faz uma longa turnê, é difícil chegar ao final sem ter vontade de esganar seu companheiro de banda."