(esse texto entrego à Rose,minha amiga!É a sua cara!)


***Sorria***

As Outras Sorriem!


Senti em mim a bruxa. Não, eu a vi. Talvez esteja possuída por ela. Já nem sei se me sou ou se sou ela. Vi seus longos cabelos vermelhos como o de Rita na cena em que ela joga pra trás a cabeleira infernal!Os homens gostam dela. Não resistem a uma bruxa! Ela é muito sedutora e volúvel. Todos tentam possuí-la.Mas ela é impossível. Nem ela se possui! Sua força é mais forte que ela. A mulher transgressora. Só quer ser ela mesma. Sinto culpa quando me sou.
Vi também a estrela. Uma carta. Um arcano maior do tarô! Vi a caixa de Pandora. Tenho medo. O meu duplo já se mostra nessas linhas confusas. Sua risada os deixa loucos. No fundo, ela está só. Foi proscrita! O pai temente a engoliu! Ela tem de matar o pai interno! Não pôde ser a menina obediente. Sentiu muita dor ao deixar para trás o castelo. O mundo sem dor. A dor era parte do jogo! Um jogo de azar. De cartas marcadas.
Queria quebrar a lógica dessa vida pontuada. Coordenar mais que subordinar. Sobretudo nesse gênero. Não quero um gênero. Quero ser o outro. O Eu. E quantos sujeitos mais quiserem! Romper essa narrativa. Quero a antinarrativa. Não mais mitos. Esses enredos que prescreveram para mim. Quanta alteridade!
Vi a sombra de Perséfone e o sol de Apolo. Pensei nas narrativas místicas que se cansam de se repetir. Estou cansada de meus personagens!
O homem de longos cabelos é seu cavaleiro de copas. Sua doçura desarma a bruxa e ela vira uma Fada Azul cheia de pirlimpimpins com a estrela na ponta de sua varinha mágica. Que patético é o amar. A doçura da doença. A cegueira branca.
Por que sou uma má menina? Meus impulsos não controlo? Quando dou por mim, já disse e pronto. Como é feio! Uma menina rebelde! Tão feio! Eu odeio isso! Por que não nasci boa como as outras? Por que sou tão triste? As outras sorriem.Será que fingem? São as faces de Yerma. Tão magricela! Os cambitos iguais aos da nona! O nariz. Bem, esse é arrebitado, mas dá um certo ar de atrevimento. Isso é coisa de mulher à toa! Eu sempre odiarei isso!
Houve um tempo em que eu não era uma mera costela, andava com meus longos cabelos soltos e caminhava com meus pés descalços. Agora, os saltos me tornaram uma delicada.
Meus pensamentos rastejam como vermelhas serpentes saídas das sombras de um negro deserto. Buscam a mandrágora. Querem se atirar às profundezas dos mares açulados pela luz sombria da lua. Escondem-se em uma caverna secreta. O dragão a guarda. A senha é fugir. Fugir de Adão. Lilith adora o Mar Vermelho se movendo em salgados círculos. A cálida serpente desliza em seu frio conhecimento. Asperamente, a molhada língua dardejante do ancestral veneno a atiçar libidinosa o ar estupefato. Há algo de lagarto em todo ser. Os olhos frios e amarelos, fixos na doce vítima, vituperam desejos inconfessos. A presa do feitiço destilado pelo impiedoso ser rasteja o perdão do ódio. Na sua rastejante maldade bíblica. O preconceito original. Esmagam suas cabeças contra a obediência. Não há lugar para as bruxas nesse lugar. Só as costelas conseguem esconder-se sob estes pesados véus. Desterrar a libertina serpente sibiladora? Sibila, sibilando a igualdade. Mas Eva já costela levou Adão ao pecado.
Estranho, sempre que me vejo, vejo-me pura. Apesar do pecado. Sinto-me a mais pura mulher. Em essência, em sangue branco de impureza. Em pecados. A Santa madre. A mulher profana. A mulher verdadeira. A grande pecadora de verdade. Absoluta em seu barro impuro. Encheram de pureza esse barro impuro.
Ela está cansada. A contradição é cansativa. Sepultemos o Leão! A força perigosa!
A dualidade do Caos! A louca linearidade dos que pensam que pensam. Não mais a Engraçadinha. Nem Lilith. Nem Eva. Não mais o sim. Nem o seu ódio nem o meu amor.
Que ficção eu sou. Por que a ambigüidade é tão atraente? O imprevisível sentimento honesto. Dos que pecam. Do pecado não tão original. As diferentes metades que o Verbo separou. O Fiat Lux. A luz das trevas. Preta e Branca. Quadriculada. Cinza. A corça e o lagarto. O licencioso sorriso do lagarto a nos perdoar com sua magnanimidade de ser gelado. Que não se queda a humanos sentimentos. Sua fúria visceral. E seu perdão uma fria e lenta armadilha. Seu olhar vertical tudo vê. E está completamente cego. Sua momentânea passividade e o bote fatal. Retorce a vítima de corça. Sou a corça pra te caçar prepotente lagarto solitário.
Rompi os grilhões de poder traçados por um patriarcado temente de minha força divina. Quero a faca da bruxa que sou, meu pênis mágico, que me conduzira à loucura desértica de um pântano lodoso. E, como um lírio, brotarei sã e bela com todo meu alucinógeno poder encantatório. E, cercada de meus corvos, quer repousar na terra árida do Mar Vermelho. Fui proscrita e condenada à solidão, porque não aceitei essa conspiração cósmica sexista.
Acorrentaram Lilith! Mas não posso mais dominar a mulher rebelde, sou as lágrimas derramadas por minha Eva cansada dos castigos divinos. Lilith adora o vermelho das touradas, da vida e da morte, do amor e da tragédia. Também me ressinto do desprezo de meu pai pela minha condição. Portanto a melhor vingativa. Uma mulher que se vinga do mesmo homem que ama.
Seu olhar é o espelho que reflete minha Lilith. Tenho de esquecer que sou. Não. Não, posso sê-la. Já estou morrendo para esse mundo que não compreendo. Só na insanidade encontro um pouco de verdade. Será que eles têm razão? Estarei louca? Doente? Acho que o mundo me adoece. Sinto-me solitária. Sou mulher. Mas, às vezes, preciso tanto da mediocridade. Ela é tão passiva, tão irritantemente passiva! Tão mais fácil fazer parte. Como queria ser uma costela de Adão, mas talvez, lá no fundo, realmente seja. De fato, descendente de EVA. Às vezes, porém, não quero ser Eva nem Lilith, quero me ser, mesmo que eu seja uma desconhecida. O outro me determina. Essa alteridade me incomoda. Onde estará o meu eu fora desse fatídico determinismo social.
Eu não posso ter idéias. Isso o incomoda. Parece pensar que minhas idéias conspiram contra ele. Talvez conspirem mesmo. Por que sou tão desobediente? Será que não deveria ter nos lábios o sorriso modesto de uma heroína? Preferia ser um cão sem dono! Não devo dizer o que penso. Aliás, não ouso dizer nem a mim!
De :Dark Angel (André)
Para :Rose Terra “Lâmia Thalassa”©


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