A filha de Alckmin e o contrabando na
Daslu

Altamiro Borges
Talvez por sua formação puritana no Opus Dei, o candidato
Geraldo Alckmin gosta de se fingir de casto e imaculado. No
debate da TV Bandeirantes, ele fez questão de se mostrar
“indignado” com a corrupção e criticou o fato de o presidente
Lula repetir que “não sabia” dos desvios de conduta no seu
governo. “É só perguntar aos seus amigos de 30 anos”,
alfinetou o falso moralista num momento de cólera bem
ensaiado.
Mas, para ser conseqüente e manter as
aparências, Alckmin deveria ter se desculpado em público por
ter cortado a fita de inauguração da Daslu, templo de consumo
dos ricaços, hoje processada por contrabando, sonegação fiscal
e outras crimes. “Eu não sabia”, deveria ter tido. Também
poderia pedir desculpas por sua filha, Sophia Alckmin, ter
sido gerente de compras nesta loja de contrabandistas. “Eu não
sabia”. E ainda deveria explicar porque os diretores da Daslu,
sempre acompanhados de sua filha, reuniram-se com o secretário
da Fazenda do seu governo, Eduardo Guardia. “Eu não sabia”.
Entre uma pregação do Opus Dei e sua agenda de governador,
talvez não tenha tido tempo para acompanhar os negócios de sua
filha!
Alckmin chegou de helicóptero
A nova loja da Daslu, um prédio de quatro andares e 20
mil metros quadrados, situada num bairro nobre da capital, foi
inaugurada em junho de 2005. A colunista Mônica Bérgamo, do
jornal Folha de S.Paulo, descreveu a festança dos ricaços com
ares de ironia. “E soam os violinos da Daslu Orchestra,
formada por 50 músicos. São 12 horas de sábado. Alckmin, que
chegou ao prédio de helicóptero, desfaz a fita. ‘A Daslu é o
traço de união entre o bom gosto e muitas oportunidades de
trabalho’, diz. Só para a família Alckmin são duas: trabalham
lá a filha [diretora de novos negócios da butique] e a cunhada
dele, Vera”.
Ainda segundo a picante crônica de Mônica
Bérgamo, “Sophia puxa o pai pelo braço: começa o tour pela
Daslu. Primeiro piso, importados femininos. Alckmin entra na
Chanel, onde um smoking de veludo preto é vendido a R$ 22.600,
uma sandália de cetim, gurgurão e pérolas sai por R$ 2.900 e
uma bolsa multipocket, por R$ 14.000. As vendedoras informam
que há mais de 50 pessoas na fila em São Paulo para comprar o
mimo, até baratinho se comparado à bolsa Dior de couro de
crocodilo, de R$ 39.980, e à mais cara Louis Vuitton, com pele
de mink: R$ 23 mil”.
“Vou colocar um
jeans”
“Sophia leva o pai até o segundo
pavimento. Mostra um helicóptero pendurado no teto. ‘Que
lindas as motos, Sô’, diz Lu Alckmin à filha ao ver, encostada
perto da escada, uma moto Harley Davidson (R$ 195 mil).
Alckmin entra na Ermenegildo Zegna, passa pela Ralph Lauren,
onde uma camiseta pode custar R$ 2.460. ‘É tudo muito colorido
aqui’, observa. Os carros chamam a atenção do governador.
Estão em exibição um Volvo de R$ 365 mil, lanchas de R$ 7
milhões, TVs de plasma de R$ 300 mil”.
”O governador
começa a fazer o caminho de volta. Os repórteres perguntam a
Lu Alckmin: A senhora está de bolsa Chanel. E a blusa? ‘É
Burberry’, responde Lu. ‘Gosto de peças clássicas’. O
governador, que diz comprar só ‘umas camisas’ na Daslu, aperta
o passo. Ainda vai a Carapicuíba. E Lu tem que correr para o
Palácio dos Bandeirantes. Precisa se trocar, ‘colocar um
jeans’, para outro compromisso: um evento na Água Branca em
que caminhões de vários bairros entregarão agasalhos doados
para as crianças pobres da cidade enfrentarem o inverno que se
avizinha”, conclui, sarcástica, Mônica Bérgamo.
“Uma organização criminosa”
Poucos meses depois do ex-governador cortar a
fita inaugural da Daslu, um antigo processo judicial contra os
donos da butique de luxo finalmente ganhou agilidade. No final
de dezembro, a juíza Maria Isabel do Prado, da 2a Vara de
Justiça Federal de Guarulhos (SP), recebeu os livros contábeis
e fiscais da loja. Para ter acesso a estes documentos, a juíza
chegou a ameaçar de prisão a dona da butique, Eliana
Tranchesi, o seu irmão Antonio Carlos Piva e os responsáveis
pela contabilidade do estabelecimento.
Tais papéis
comprovaram a denúncia do Ministério Público Federal de que a
Daslu atua em conluio com importadoras para substituir notas
fiscais fornecidas por grifes estrangeiras por notas falsas
subfaturadas. Com base nos livros fiscais e contábeis, Eliana
e seu irmão foram acusados de formação de quadrilha,
importação irregular e falsidade ideológica. No caso da
influente proprietária, a soma de penas por estes crimes chega
a 21 anos de prisão. Segundo Jefferson Dias, procurador da
República, a Daslu agia como uma quadrilha. “Trata-se de uma
organização criminosa pela hierarquia e a divisão de tarefas
que existia”.
Devido aos seus estreitos vínculos com
figurões da elite e autoridades do governo estadual, a
trambiqueira de luxo sequer tomou os cuidados que outros
sonegadores costumam adotar. “A sensação de impunidade fez com
que eles se descuidassem e a situação ficou descontrolada”,
argumenta Matheus Magnani, outro procurador envolvido na
apuração. Eliana Tranchesi participava diretamente do esquema
ilícito, chegando a enviar aos fornecedores estrangeiros
pedido em inglês para que eles não remetessem faturas
verdadeiras dos produtos. A proprietária ainda foi acusada de
crime contra a ordem tributária e evasão de divisa.
ACM chorou e Bornhausen esbravejou
Diante destas graves acusações e da tentativa de
ocultar provas, em 13 de junho de 2006, a Polícia Federal
acionou a Operação Narciso e ocupou a Daslu com 250 agentes e
80 auditores fiscais. A inédita operação foi elogiada pela
sociedade, mas os ricaços, a mídia e vários políticos da elite
fizeram um baita escândalo. A asquerosa revista Veja chegou a
afirmar que a ação da PF era uma jogada do governo Lula para
abafar a crise política. O senador Jorge Bornhausen,
presidente do PFL, criticou o “revanchismo”. Já o coronel
Antônio Carlos Magalhães, assíduo freqüentador da loja, chorou
ao falar ao telefone com a contraventora detida por algumas
horas. E a poderosa Federação da Indústria de São Paulo
convocou um ato de repúdio.
O líder do PSDB, deputado
Alberto Goldman, foi quem explicitou a forma de agir da
burguesia. Para ele, “essa prisão pode gerar uma crise
econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no
Brasil se posso ser preso?”. Ou seja: na concepção tucana, só
quem pode ser preso no país é o ladrão de galinha! O
empresário que sonega imposto, remete ilegalmente dinheiro ao
exterior ou comete outros crimes não pode ser tocado e ainda
conta com a ajuda de certos políticos – que depois serão
recompensados nas suas campanhas. O escândalo da Daslu
explicitou que a corrupção é regra no mundo dos negócios
capitalistas.
Reuniões na Secretaria da
Fazenda
A Operação Narciso também levantou
fortes suspeitas sobre a atuação do governador Geraldo
Alckmin, que havia inaugurado o mega-loja de luxo na capital
paulista. Na ocasião, a mídia destacou o fato da sua filha,
Sophia Alckmin, ser uma prestigiada “dasluzete”, responsável
pelo setor de novos negócios da loja. No rastro da ação da PF,
surgiram denúncias de que esta influente funcionária já havia
se reunido com o secretário da Fazenda de São Paulo, Eduardo
Guardia. O governo negou e a mídia preferiu o silêncio!
Mas, convocado para depor na Assembléia Legislativa,
Guardia admitiu que a filha de Alckmin estivera na sede da
secretaria junto com outros chefões da Daslu em, pelo menos,
duas vezes no primeiro semestre de 2005. As visitas ocorreram
exatamente no período em que loja solicitou autorização da
Fazenda para instalar um sistema de vendas com caixa único,
algo pouco usado no país e mais vulnerável à sonegação. O
secretário negou qualquer “concessão de privilégios”, mas
gaguejou ao explicar a visita da “ilustre” filha do
governador. Uma auditoria especial do Tribunal de Contas foi
solicitada para averiguar o caso.
Para Renato Simões,
deputado estadual do PT, não resta dúvida sobre os vínculos do
ex-governador com a Daslu. “Os líderes da bancada governista
primeiro negaram a presença da filha do Alckmin na Fazenda. O
secretário, por sua vez, confirmou a ida. Isso significa que
houve uma tentativa de usar o nome da filha do governador para
agilizar a tramitação do processo do caixa único”. A tucanagem
paulista, que hoje tenta posar de vestal da ética e adora
ostentar o luxo desta butique das trambicagens, deve uma
explicação à sociedade. A mídia venal, que evita tratar do
assunto com o destaque que ele merece, também! Já o
presidenciável Geraldo Alckmin, caso seja acuado, poderá
dizer: “Eu não sabia”.
10.2006
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central
do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro
“As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi,
2ª edição).
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