Acordou com fome. Fome de comida não, de cozinhar. Cozinhar alimento não, cozinhar sentimentos. Em sua caderneta colecionava poucas receitas, que ao tentar colocar em prática: desastre. Depois que um certo rapaz sugeriu que ela fizesse amor recheado de vazio ao molho de ciúme com pitadas de desilusão, ela havia desistido dessa idéia de cozinhar. Não que a receita tenha dado errado. Muito pelo contrário. Mas para ela não servia. Causava uma enorme indigestão, apesar de muitas pessoas com as quais convivia estarem se alimentando freqüentemente deste tipo de prato. Ela queria manter distância de costumes que julgava ultrapassados. Mas mudava de opinião, em alguns momentos, quando o mundo lhe dava lições da época de vovó. A mulher realmente tem que esquentar a barriga no fogão? E aquele papo de mais espaço ... resolvido com o aumento da área de serviço? Ironicamente, o homem esconde um verdadeiro pensamento. Sem essa onda de guerra dos sexos, por favor, disse a consciência para Felícia, moça de costumes gastronômicos estranhos como “curtir” biscoito de chocolate recheado com mussarela derretida. Tirou a colcha que estava cobrindo o corpo ainda quente pelo sonho estranho que havia tido. Vestia uma camisola de seda vermelha, cor de sangue seco, não vivo. Sobre a camisola um robe de seda preto, sujo de tinta, esmalte, cola e outros materiais. Ela o lavava, mas as manchas ficavam lá, escrevendo, para sempre, em sua roupa mais usual, algumas desventuras artísticas. No criado da direita: som quebrado, CD's arranhados. No criado da esquerda: TV, incenso de rosa, jasmim, cravo e canela, isqueiro, esmaltes, tesoura, lamparina, livro-revista-jornal (velhos), uma tomada não identificada, telefone, badulaques. Fome. Fome de fome, pensou. Gargalhou em silêncio. Apanhou um caderno velho, pois há muito não comprava telas novas para seus desenhos. Ainda sonolenta, bocejou, |