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20 de Setembro de 2003
O que queria ser e o que sou: a felicidade em demasia acumula aborrecimento. Não me interessa o que fui, o que foi. Já me disseram que a felicidade em excesso incomoda, não quem está feliz, mas quem compartilha da felicidade como voyer. Mas e se não existir voyer da felicidade? Se a felicidade não é compartilhada, se é apenas partilhada, por que entristece, embrutece? Se pressuponho que embrutece é porque, anteriormente, sensibiliza. Felicidade e tristeza ocupam o mesmo lugar na cabeça. Tudo tem um começo, um meio e um fim. Ouvi isso e fiquei pensando, pensando. Começo. Meio. Fim. Me gela a barriga pensar que quando o começo e o meio já estão feitos, só resta desfazê-los. Fim. Uma coisa acabada é o começo de uma outra coisa. O conceito de inacabado depende do ponto de vista. Às vezes, o que está inacabado para mim, está acabado para você ou está inacabado para você e acabado para mim. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Bolshit. Ocupam sim! Corpos desocupados, é claro. Não podem estar se ocupando com alguma ocupação. Neste caso, a ocupação dos corpos é justamente a desocupação. Essa desocupação que ocupa o espaço, preocupa. A desocupação dos corpos ocupados me preocupa. Quando os corpos estão ocupados com a desocupação, eles não ocupam apenas o espaço. Os corpos não se ocupam mutuamente, simplesmente. A ocupação desocupada dos corpos desocupa a mente? Nem sempre quem está ocupado, necessariamente, preenche os pensamentos próprios ou alheios. Às vezes um desocupado ocupa tanto a própria mente que chega a derramar suor de pensamento no espaço solitário, quieto e calmo que habita. Sozinho, prolifera idéias acompanhadas, uma manada. Ele não divide, não partilha. Outros, vez ou outra, acabam dividindo, partilhando pensamentos de vento. Outro dia estávamos aí, desocupados, nos ocupando. Nunca consegui identificar o que se passa em minha própria mente quando nos desocupamos. Cabeças esvaziadas e corpos preenchidos. Quem diria. Agora, estou aqui, me desocupando com uma ocupação de lembrança. Retrospectiva de desocupações em parceria. Neste momento, estou  preocupada em ocupar, desocupando. Não me interessa, em nenhuma hipótese, desocupar, ocupando. Porque a gente passa mais tempo pensando que falando, pensando que fazendo. Muitas coisas desconexas surgem. Alguns desses pensamentos, sem nenhuma racionalidade, se transformam em digestivos para desocupados como eu e você.
O texto que você lê te ocupa? Desocupados dão vida a um texto. Texto criado, absorção de palavras. Brincando de recriar. Ao terminar a criação, mato? Você recria significado. Ressuscita ele com respiração boca a boca? Doa ar para ele? Por quanto tempo ele vive com você? Logo que acaba de ler você o mata ou ele fica apenas desmaiado? Seu ar é sonífero para textos? Assassino de letras?
duplo homicídio culposo
Criador de sentidos. Significados. Ah! Agora eu descobri seu pensamento:
- Sou uma pessoa que ressuscita e mata textos, muito prazer. Os seus, inclusive, muitas vezes, custam a morrer. Agonizam dias. Hoje já ressuscitei e matei uns seis ou sete. Com este, sete ou oito. Minha função na sua vida é essa: matar e regenerar, regenerar e matar. Nem pensei para responder ao pensamento seu que eu mesma tinha inventado, tinha doado significado desvairado: - Sou o que quiser que seja. Temos um pacto. Eu crio você mata, você cria eu mato. Assim, não sobra nada. Mas tem um detalhe. Não partilho da sua super tecnologia de matança. Armas supersônicas, bombas atômicas. Enquanto você explode tudo com um botão, eu sou terrorista. Mato e morro, pelo menos um pouco. A criação e o fim. Fim, não de finalidade, nem de justificativa. Final mesmo. O final e o começo não ocupam o mesmo lugar no espaço. Consegui chegar a algum lugar, mesmo não querendo estar. Mesmo querendo, apenas o seu espaço, ocupar. Mesmo divagando pretensões de que você, algum dia, apenas o meu espaço venha a ocupar. Ainda que isto aconteça, em alguns poucos momentos significantes.
Quando uma coisa começa sem começar, começa do final. Quando começa, acaba, quando acaba, começa. A saudade começa quando acaba. A idealização acaba quando começa. Por isso, o fim sempre é um começo e sempre o começo é o fim. Quando uma coisa começa mal costurada, remendada com goma de mascar, e com sentidos anexados com grampo de madeira, inflamável.... Quando uma coisa se desenvolve aos trancos e barrancos... Sentido desfigurado que gera Felicidade em demasia. Felicidade que incomoda, embrutece, aborrece. O que fazer com ela? Mato eu? Mata você? Se nós criamos, quem assassina?
p a r a   n a v e g a r
t e x t o s
r e p o r t a g e n s
l i v r o  d e  v i s i t a s
r e f r e s c o